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O trabalho escravo contemporâneo no sudeste paraense: uma análise das sentenças criminais

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Considerações finais

 Diante dos dados analisados, há um estimulo à reflexão sobre o problema do trabalho escravo no sudeste paraense, conectado com o que ocorre no Brasil. O trabalho escravo contemporâneo é um problema mundial, que precisa ser combatido com a cooperação de vários países. E várias ações efetivas devem ser tomadas internamente. Nesse sentido, não há como negar que o Ministério do Trabalho e Emprego e a Justiça do Trabalho tem avançado muito.

Conforme explicitado, os números de operações têm aumentado, bem como as libertações de trabalhadores, concomitantemente ao número de condenações na esfera laboral. Porém, as condenações criminais não vêm crescendo na mesma proporção que as atuações das demais frentes de combate à erradicação do trabalho escravo. A impunidade pode ser um dos motivos que têm levado a permanência e reprodução dessa prática na Amazônia.

Na análise, ficou evidente que a postura dos magistrados em descaracterizar o trabalho escravo contemporâneo, seja no seu aspecto degradante, servidão por dívida, ou mesmo restrição à liberdade de locomoção, ainda se baseia na imputação de que essas infrações devem ser julgadas única e exclusivamente na justiça do trabalho, e, em sua maioria, consideram o trabalho escravo como um traço cultural da Amazônia, como a realidade da miséria replicada.

 Desconsideram os princípios dos direitos humanos que o estado brasileiro assumiu na Constituição da República Federativa do Brasil, o fenômeno social que aqui ocorre, e que possue nuances e feições próprias. Essas feições deveriam servir para afirmar ainda mais a presença do delito previsto no tipo penal, e não como motivos para afastá-lo, visto que a violação à dignidade da pessoa humana é a mesma em qualquer lugar do mundo, sendo inúmeras as formas como ela se apresenta, a depender do tempo e do espaço e lógico, dos fatores culturais. O posicionamento dos magistrados tem ignorado tanto os princípios universais de direitos humanos, quanto ao contexto do fenômeno social ao qual ele também está inserido. Por esse motivo, a pesquisa se dedicou, nas seções anteriores, a explanar esses dois parâmetros.

A máxima efetivação dos direitos humanos, e, consequentemente, dos direitos fundamentais, perpassa pelo reconhecimento do papel do estado na relação com os seus cidadãos e na regulação dos particulares com seus pares.

Não por acaso, o Brasil tem sido condenado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, justamente por permitir em seu território práticas tão primitivas de degradação do homem pelo homem. Dessa forma, caso o estado-juiz não intervenha efetivamente, ainda que seja com a mão pesada do direito penal, as agressões aos direitos continuarão a se perpetuar. Infelizmente, os tribunais criminais têm caminhado na contramão do que o próprio estado brasileiro se propõe a extirpar.

O trabalhador do campo não deve sofrer demérito por sua própria condição de ser do campo, ser pobre ou ter sido recrutado. Nenhum desses fatores autorizam a sua exploração. Ao contrário, o fato de ser homem e possuir dignidade desautoriza qualquer prática de exploração e coisificação.


Notas

(6) Franco Filho conceitua o mecanismo do aviamento como uma relação trilateral: de um lado, o mercado regional vende bens ao aviador, que é o dono do barracão (aviamento fixo) ou do regatão (aviamento itinerante), que os avia ao pequeno produtor, o aviado, sem qualquer formalidade ou solenidade, e as vezes, no caso do barracão, adianta-lhe algum dinheiro. O pequeno produtor pagará as mercadorias e o eventual adiantamento ao fim da safra, com os produtos que colher. No entanto, a realidade a conta jamais é encerrada, transformando o pequeno produtor ou trabalhador do interior da Amazônia em devedor eterno do comerciante, o que significa, então, uma espécie de trabalho forçado, na medida em que o aviado é obrigado a trabalhar para, produzindo, transferir a totalidade do obtido ao seu credor. O aviador recebe os produtos colhidos e os repassa ao mercado regional. (FRANCO FILHO, apud CHAVES, 2006:89) 

(7) OLIVEIRA (1987); HALL (1989); LOUREIRO (1992); SCHMINK (1992); MARTINS (1993).

(8) Conhecidos como recrutadores de mão-de-obra escrava, prometem bons salários, boas condições de trabalho, e em algumas situações até adiantam dinheiro à família do trabalhador, iniciando assim o ciclo da escravidão por dívida.

(9) No mesmo sentido essa declaração de Noberto Bobbio: “Quais são os limites dessa possível (e cada vez mais certa no futuro) manipulação? Mais uma prova, se isso ainda fosse necessário, de que os direitos não nascem todos de uma vez. Nascem quando devem ou podem nascer. Nascem quando o aumento do poder do homem sobre o homem — que acompanha inevitavelmente o progresso técnico, isto é, o progresso da capacidade do homem de dominar a natureza e os outros homens — ou cria novas ameaças à liberdade do indivíduo ou permite novos remédios para as suas indigências: ameaças que são enfrentadas através de demandas de limitações do poder; remédios que são providenciados através da exigência de que o mesmo poder intervenha de modo protetor” (BOBBIO, 2004: 8). 

(10)  Alguns doutrinadores, faz a divisão dos direitos humanos em gerações. Consideramos a divisão apenas para fins didáticos. Nesse trabalho não nos ateremos a aprofundar essa divisão.

(11) O Grupo Móvel, formado por Fiscais do Trabalho, Policiais Federais e Procuradores do Trabalho, coordenado pela própria Secretaria de Inspeção em Brasília, passou a atuar de maneira independente, atendendo às denúncias da CPT vindas de todos os lugares, principalmente no Sul do Pará, Norte de Mato Grosso, Maranhão, Tocantins e Bahia. Apesar do esforço individual daqueles agentes do Estado envolvidos na repressão ao problema e das milhares de pessoas que começaram a ser encontradas e resgatadas das perversas condições de aprisionamento por dívida e ameaças, nem sempre ao longo dos anos, essa estrutura oficial teve o suporte logístico, técnico e principalmente político. (AUDI, 2006:76)

(12) Kant, fazendo uma divisão entre os seres, em reino ideal por ele concebido, ao qual denomina “reino dos fins”, afirma: “No reino dos fins tudo tem ou um preço ou uma dignidade. Quando uma coisa tem preço, pode-se pôr em vez dela qualquer outra coisa como equivalente; mas quando uma coisa está acima de todo o preço, e, portanto não permite equivalente, então ela tem dignidade” (BRITO FILHO, 2013:37).

(13) A questão adquire relevância quando se consideram as importantes alterações na maneira de se gerirem as empresas, experimentadas em nosso novo, e precário, mundo do trabalho (ALVES, 2000), identificadoras de um novo espírito do capitalismo (BOLTANSKI & CHIAPELO, 2002) no qual a intensidade do trabalho resta potencializada para ampliação crescente das margens de lucro (RAMOS FILHO, 2008: 19).

(14) Foi o que decidiu o STF, em 2007 na ADIN nº 3684-0 para atribuir interpretação conforme a CF ao inciso I do artigo 114, CF.


Referências 

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BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Campus, 2004.

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CHAVES, Valena Jacob. A utilização de mão-de-obra escrava na colonização e ocupação da Amazônia. Os reflexos da ocupação das distintas regiões da Amazônia nas relações de trabalho que se formaram nestas localidades. In: VELLOSO, Gabriel; FAVA, Marcos Neves (coords.). Trabalho escravo contemporâneo: o desafio de superar a negação. São Paulo: ANAMATRA/LTr, 2006.

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Processos com sentenças analisadas 

PARÁ. JUSTIÇA FEDERAL. Ação Penal nº 2007.39.01.000538-4. Ministério Público Federal/Antônio Carlos Carvalho da Silva. 1ª Vara. Juiz Marcelo Honorato, 11.11.2016 (A). PARÁ. JUSTIÇA FEDERAL. Ação Penal nº: 8483-39.2010.4.01.3901. Ministério Público Federal/Anomildo Pimenta e outras. 1ª Vara. Juiz Marcelo Honorato, 10.11.2016 (B).

PARÁ. JUSTIÇA FEDERAL. Ação Penal nº: 2004.39.01.000549-0. Ministério Público Federal/Celso Chuquia Mutran e outros. 1ª Vara. Ricardo Beckerath da Silva Leitão, 17.09.2013 (A).

PARÁ. JUSTIÇA FEDERAL. Ação Penal nº: 2008.39.01.001405-8. Ministério Público Federal/José Braz da Silva e outros. 1ª Vara. Ricardo Beckerath da Silva Leitão, 12.09.2013 (B).

PARÁ. JUSTIÇA FEDERAL. Ação Penal nº: 2008.39.01.001483-2. Ministério Público Federal/Luzmar Camilo da Silva e outros. 1ª Vara. Ricardo Beckerath da Silva Leitão, 17.10.2013 (C).

PARÁ. JUSTIÇA FEDERAL. Ação Penal nº: 2009.39.01.000121-6. Ministério Público Federal/Welson Moreira da Luz. 1ª Vara. Ricardo Beckerath da Silva Leitão, 06.10.2014 (A).

PARÁ. JUSTIÇA FEDERAL. Ação Penal nº: 2009.39.01.000519-0. Ministério Público Federal/João Oliveira Guimarães Neto. 1ª Vara. Ricardo Beckerath da Silva Leitão, 30.09.2014 (B).

PARÁ. JUSTIÇA FEDERAL. Ação Penal nº: 6190-96.2010.4.01.3901. Ministério Público Federal/Alsoni José Malinski e outros. 1ª Vara. Juiz Marcelo Honorato, 04.04.2016 (C).

PARÁ. JUSTIÇA FEDERAL. Ação Penal nº: 2008.39.01.001492-1. Ministério Público Federal/ Silvana Santana Dantas e outros. 1ª Vara. João Cesar Otoni de Matos, 23.04.2013 (D).

PARÁ. JUSTIÇA FEDERAL. Ação Penal nº: 6044-21.2011.4.01.3901. Ministério Público Federal/Luiz Otávio Fontes Junqueira e outros. 1ª Vara. Juiz Marcelo Honorato, 04.03.2016 (D).

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Sobre a autora
Heide Patricia Nunes de Castro

Graduação em Direito- Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará- UNIFESSPA. Gaduação em Letras- Universidade Federal do Pará- UFPA. Especialista em Gestão Publica- UFPA. Especialista em Direito do Trabalho - Instituto Pro-Minas

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CASTRO, Heide Patricia Nunes. O trabalho escravo contemporâneo no sudeste paraense: uma análise das sentenças criminais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 26, n. 6569, 26 jun. 2021. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/91510. Acesso em: 25 dez. 2024.

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