Judicialização do direito à matrícula em creche no município de Goiânia (GO).

Da garantia do mínimo existencial ao ativismo

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Direito constitucional à matrícula em creche e Judiciário goiano face à oferta de vagas na capital.

RESUMO: O presente estudo objetiva discutir o direito constitucional à matrícula em creche e o posicionamento do Judiciário goiano face à insuficiente oferta de vagas na capital. Para tanto, realizou-se a análise do déficit de vagas no município de Goiânia (GO) em paralelo ao mapeamento de 248 decisões emanadas do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (TJ-GO) no período compreendido entre 2013 a 2018. É possível concluir que, com o aumento da demanda, o TJ-GO tem apresentado entendimento favorável à garantia do direito à educação infantil. Com relação ao teor das decisões, verifica-se que em 81% dos casos analisados o TJ-GO determinou que fosse efetuada a matrícula em Centro Municipal da Educação Infantil da rede pública e em 19% houve determinação de que fosse realizada a matrícula em unidade da rede privada com custeio da administração pública. Ademais, são realizados apontamentos sobre importantes temas a serem considerados nas decisões, dentre os quais se destacam a garantia ao mínimo existencial, a reserva do possível, o princípio da separação de poderes e as consequências da interferência judicial sobre as políticas públicas de educação.

 PALAVRAS-CHAVE: Educação infantil; Matrícula em creche, Judicialização de direitos sociais.

 


INTRODUÇÃO

A Constituição Federal Brasileira de 1988 instituiu no Brasil o Estado Democrático de Direito, em que o Estado deve submeter-se à Constituição e aos valores humanos nela consagrados (CUNHA JÚNIOR, 2012) de modo a assegurar a todos os indivíduos os direitos e garantias fundamentais.

Os direitos sociais, na condição de direitos fundamentais de segunda dimensão, devem ser entendidos como indispensáveis à realização da dignidade da pessoa humana. Esses direitos impõem uma obrigação ao Estado de ofertar prestações positivas aos indivíduos e garantem o exercício e o usufruto em condições de igualdade, para que os indivíduos tenham uma vida digna.

Os direitos sociais, em sua maioria, não são realizáveis plenamente de imediato, pois, dadas as suas características e finalidades, exigem constantes e progressivas ações governamentais para se efetivarem. Apesar disso, ao considerarmos o princípio da proibição do retrocesso social, os direitos sociais, uma vez previstos constitucionalmente, passam a constituir tanto uma garantia institucional quanto um direito subjetivo. Isso limita o legislador e exige que sejam empreendidas políticas públicas condizentes com esses direitos, sendo inconstitucionais quaisquer medidas estatais que, sem a criação de alternativas ou compensações, anulem, revoguem ou aniquilem seu núcleo essencial (CANOTILHO, 1997).

Os direitos sociais, por meio de ações estatais compensatórias destinadas aos menos favorecidos, possuem o papel fundamental de equilibrar diversos segmentos sociais. Esses direitos apresentam suma importância em países em desenvolvimento, como o Brasil, cuja realidade sócio-econômica é marcada pela pobreza e desigualdade social (ALARCON; NERY JÚNIOR, 2010).

Dentre os direitos sociais previstos constitucionalmente se encontra o direito à educação, disciplinado também na Declaração Universal dos Direitos da Criança, no Estatuto da Criança e do Adolescente e na Lei n. 9.394/1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional.

Em publicação do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE (2015) sobre os indicadores referentes aos cuidados das crianças de menos de 4 anos de idade, ressalta-se a importância de que sejam oferecidas condições adequadas de desenvolvimento nos primeiros anos de vida da criança, vez que a “a ausência ou deficiência dessas condições comprometem a aquisição e a consolidação de conhecimento e habilidades ao longo do tempo, com reflexos na vida adulta”.

Apesar das disposições normativas, segundo dados do IBGE, em 2015, 74,4% (7,7 milhões) das  crianças com menos de quatro anos de idade analisadas na pesquisa não estavam matriculadas em creche. Cusciano (2011) ressalta que Goiás ocupava em 2008 a oitava colocação no ranking de estados brasileiros com maior quantitativo de crianças de até cinco anos de idade que não se encontravam matriculadas nessas instituições.

Goiânia tem um déficit de 14.041 vagas nos Centros Municipais de Educação Infantil (CMEIs), segundo dados oficiais da Prefeitura de Goiânia de junho de 2018. Diante do alto descompasso, é cada vez mais maior a busca pelo Poder Judiciário para que se cumpra o direito à educação infantil no município. Dessa forma, o presente trabalho se justifica em razão da crescente demanda face ao Judiciário de caráter periódico devido à insuficiente prestação educacional por parte dos órgãos competentes.

Há na literatura ampla discussão a respeito da aplicabilidade das normas constitucionais que versam sobre o direito à educação infantil. Nesse sentido, por ser competência do Executivo dar provimento e garantir o cumprimento desse direito fundamental, são questionáveis as atuações do Judiciário em inúmeras demandas ajuizadas envolvendo o descumprimento desse direito e seus efeitos na ordem econômica. Observam-se inúmeras críticas, ancoradas no conceito de divisão dos poderes e nos limites da interferência de um poder sobre o outro, em relação à atuação judicial no cumprimento dos direitos sociais.

Ante o exposto, considerando o arcabouço jurídico brasileiro de garantia do acesso à educação e a insuficiente oferta de vagas em creches no Estado de Goiás, o presente trabalho visa discutir o tema e analisar as causas ajuizadas no Judiciário referentes à falta de vagas no município de Goiânia. Busca-se verificar as ações ou omissões governamentais que ocorrem na capital goiana com relação à efetivação e garantia desse direito constitucional, além do posicionamento do Judiciário frente às demandas dos últimos cinco anos e as principais consequências dessas decisões. Para tanto, faz-se mister a ponderação do princípio do mínimo existencial em relação à cláusula da reserva do possível, verificando-se a possível ocorrência de ofensa ao princípio da separação dos poderes e ativismo judicial face à omissão do município de Goiânia em garantir o direito social de acesso à educação infantil.

METODOLOGIA

Para o desenvolvimento da problemática apresentada, a presente pesquisa utilizou o método dialético argumentativo e, de modo auxiliar, o método comparativo-estatístico. 

A Prefeitura de Goiânia não disponibiliza em sítio eletrônico dados detalhados sobre o déficit de vagas e o impacto das decisões judiciais sobre os cofres do município. Dessa forma, para que se pudesse analisar a situação da capital goiana com relação ao tema, realizou-se em 25 de maio de 2018 o protocolo n° 1364806 pela Lei de Acesso à Informação (LAI) à Prefeitura, em que foram solicitadas informações sobre a quantidade de vagas ofertadas e a demanda atual na capital, além do cumprimento das decisões judiciais e o montante de gastos do município com matrículas na rede de ensino particular particular de 2013 a 2018. 

Além disso, tomando-se como referência o período compreendido entre 2013 a 2018, realizou-se o levantamento e a análise de 248 decisões pertinentes ao tema emanadas do TJ-GO em recursos referentes a processos públicos em trâmite na Comarca de Goiânia. Os dados foram coletados por meio das informações disponíveis no sítio eletrônico do TJ-GO (http://www.tjgo.jus.br), na seção “Jurisprudência”, a partir dos termos “creche” e “Goiânia”. Depois houve o filtro para a inclusão apenas das decisões relacionadas à capital, já que as ações de “Aparecida de Goiânia” também aparecem nas buscas. 

1 DIREITO À EDUCAÇÃO INFANTIL NA CONSTITUIÇÃO E NA LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL

Resgatando a tradição do constitucionalismo brasileiro, observa que inicialmente o direito social à educação só ganhou previsão legal com a Constituição Federal de 1934, que mencionava em seu artigo 149, caput, que a educação deveria proporcionar o desenvolvimento da “vida moral e econômica da nação” e promover o “espírito brasileiro”, sendo tida como uma obrigação dos poderes públicos, ademais, o Estado arguia o direito de moldar os cidadãos conforme a maneira que interpretava correta, impondo de maneira obrigatória conteúdos como Educação Moral e Cívica. 

Art 149 - A educação é direito de todos e deve ser ministrada, pela família e pelos Poderes Públicos, cumprindo a estes proporcioná-la a brasileiros e a estrangeiros domiciliados no País, de modo que possibilite eficientes fatores da vida moral e econômica da Nação, e desenvolva num espírito brasileiro a consciência da solidariedade humana.

Já na Constituição de 1937, ditatorial do Estado Novo, determinava-se que a educação fosse um direito natural dos pais, e ao Estado cabia apenas colaborar quando necessário para suprir as deficiências. 

Art 125 - A educação integral da prole é o primeiro dever e o direito natural dos pais. O Estado não será estranho a esse dever, colaborando, de maneira principal ou subsidiária, para facilitar a sua execução ou suprir as deficiências e lacunas da educação particular.

Ainda, na Constituição de 1946, a educação é tida como uma responsabilidade do Estado retomando igualmente o disposto no texto de 1934, prevalecendo a idéia de educação pública. 

Art 167 - O ensino dos diferentes ramos será ministrado pelos Poderes Públicos e é livre à iniciativa particular, respeitadas as leis que o regulem.

Ademais, na Constituição Militar, de 1967, o texto segue o mesmo padrão de 1946, mantendo a estrutura organizacional da educação nacional, porém com a diminuição do percentual de receitas vinculadas para a manutenção do ensino. 

Art 168 - A educação é direito de todos e será dada no lar e na escola; assegurada a igualdade de oportunidade, deve inspirar-se no princípio da unidade nacional e nos ideais de liberdade e de solidariedade humana.

Foi somente na Constituição de 1988 que o direito à educação disposto no art. 6° em consonância com outros direitos sociais, pela primeira vez, apareceu no texto constitucional como um direito público e subjetivo, como podemos ver em seguinte: 

Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 90, de 2015).

Ademais, é evidente que a Constituição Federal não é um documento meramente normativo sendo dotada de caráter altamente axiológico. Assim tal artigo, cria uma missão ao Estado com base em um princípio abstrato sobre educação, posteriormente é somente no art. 22, inciso XXIV, que o legislador originário estabelece a necessidade de regulamentação e imputa a União tal competência:

Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:

XXIV - diretrizes e bases da educação nacional.

No artigo 7º, inciso XXV,  da Constituição Federal de 1988, que trata dos direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, se estabeleceu que seria prestada a assistência gratuita por parte do Estado aos filhos e dependentes desde o nascimento até cinco anos de idade em creches e pré-escolas. O artigo 205, caput, tratou de reafirmar o dever do Estado e, também, o da família com colaboração da sociedade para garantir ao indivíduo o pleno desenvolvimento e a capacidade de exercer sua cidadania e sua qualificação para o trabalho por meio da educação.

Ademais, no artigo 206 da Carta Magna brasileira, incisos I e IV, buscou-se tratar dos princípios que regulam o ensino público e se pactuou pela igualdade de condições no acesso e na permanência no sistema, além da gratuidade do ensino público. O artigo 208, inciso IV, reforçou o dever do Estado, já previsto no artigo 7º do texto constitucional, de garantir a educação infantil em creches e pré-escolas às crianças de até cinco anos de idade.

Diversos marcos da prestação educacional no Brasil se encontram previstos na legislação infraconstitucional, como a Lei n. 9.394/1996, que estabelece em seu artigo 2°, caput, as diretrizes e bases da educação nacional e os princípios e fins da educação, a Lei n. 12.796/2013, que reforça no artigo 4º, inciso II, a gratuidade da educação infantil às crianças de até cinco anos de idade, e o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069/1990), que acentua, no art. 53, incisos I e IV, e art. 54, inciso IV,  as previsões constitucionais de igual acesso à educação e o dever dos pais e, principalmente, do Estado em garantir o desenvolvimento pessoal dos indivíduos para exercerem um papel na vida pública de maneira digna.

O princípio VII da Declaração Universal dos Direitos da Criança também estabelece que "a criança tem direito a receber educação escolar, a qual será gratuita e obrigatória, ao menos nas etapas elementares. Dar-se-á à criança uma educação que favoreça sua cultura geral e lhe permita - em condições de igualdade de oportunidades - desenvolver suas aptidões e sua individualidade, seu senso de responsabilidade social e moral, chegando a ser um membro útil à sociedade".

2 DÉFICIT DE VAGAS EM CMEIS E JUDICIALIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO

    Segundo pesquisa realizada em 2015 pelo IBGE, 61,8% (4,7 milhões) dos responsáveis pelas 7,7 milhões de crianças com menos de quatro anos de idade que não se encontravam matriculadas em creche ou escola tinham interesse em conseguir uma vaga. A pesquisa demonstrou que o interesse era maior nas classes com menor rendimento médio domiciliar per capita e conforme era maior a idade das crianças, chegando a 63,9% na classe de rendimento entre metade a menos de um salário mínimo  e 78,6% no caso de crianças com três anos de idade.

Em 43,2% (2,1 milhões) dos casos os responsáveis tomaram alguma providência para conseguir a vaga, dentre as quais foram elencadas contatar a creche, a prefeitura ou a secretaria para obter informações sobre a existência de vagas (1,2 milhões), inscrever-se em fila de espera para vagas (783.300), contatar parentes, conhecidos ou amigos que poderiam ajudar a conseguir a vaga (79.800) e ajuizar uma ação judicial solicitando a vaga (4.200). 

A judicialização da educação começou a ocorrer a partir da promulgação da Constituição Federal de 1988, momento em que o Poder Judiciário passou a desempenhar funções mais significativas na efetivação desse direito, mediante ações judiciais impetradas para garantia e efetividade desse direito social (CURY; FERREIRA, 2010). Esse fenômeno ocorre mediante a intervenção do Judiciário na responsabilização dos órgãos públicos ou, em alguns casos, privados, quando direitos relacionados à educação não são devidamente satisfeitos (CURY; FERREIRA, 2009). 

Os dados da pesquisa do IBGE (2015) permitem inferir que a provocação do Poder Judiciário corresponde ao menor quantitativo (0,2%) de medidas adotadas frente à violação do direito constitucional à vaga em creche. De acordo com Sérgio Haddad (2007), os baixos índices de violação de direitos sociais contestados judicialmente podem ser explicados pela inexistência de uma cultura brasileira de acessar a jurisdição para assegurar direitos coletivos, que dependem de ações positivas do Estado para se concretizarem. Além disso, a exclusão de bens culturais, dentre eles a informação, pode ser um dos fatores que dificultam o acesso ao judiciário, vez que “milhares de pessoas desconhecem que têm direitos, ou desconhecem os mecanismos e instâncias existentes para assegurá-los”.

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Em resposta da Prefeitura de Goiânia via LAI com relação ao número de vagas existentes nos CMEIs da capital, em Ofício n° 2609/2018 da Secretaria Municipal de Educação e Esporte (SME), foi informado que existem atualmente (dados de junho/2018) 29.071 crianças matriculadas na rede de educação infantil do município e 1.967 vagas ociosas por falta de interesse nas regiões em que estão localizadas. O déficit é de 14.041 crianças, que estão cadastradas à espera de matrícula. Ou seja, a Prefeitura teria de aumentar em 54% o número de vagas para atender toda a demanda.

Em entrevista à Revista Carta Fundamental, afirmou a Dirigente Municipal de Educação em Goiânia que a rede de creches da capital “chegou ao limite”. Segundo relatado, a superlotação das creches, sobretudo em virtude de determinações judiciais, prejudica o acompanhamento pedagógico e a segurança das crianças (ANADEP, 2014). 

Situação semelhante é descrita em estudos de Mendes e Azevedo (2017), segundo os quais a falta de vagas em creches tem aumentado em Campinas (SP), de modo que é crescente a quantidade de decisões judiciais que determinam a matrícula em creches do município. Ressaltam que a superlotação é problema antigo e pendente de ser resolvido, e com isso “não há espaço adequado para atender todas as crianças, não há quantidade de materiais e de brinquedos suficiente para todos e não há quantidade de profissionais necessários em relação à quantidade de alunos”.

Santos (2014) destaca, em análise dos efeitos da judicialização da educação infantil no município de Santo André (SP), que o Poder Judiciário concedeu em 2013 o quantitativo de 434 liminares em relação à matrícula em creches, ocasionando a superlotação de 11 entre 31 unidades analisadas. Segundo o autor, por se tratar de uma fase da educação em que “o cuidado e a atenção são tão importantes para o desenvolvimento integral do cidadão, a qualidade do serviço prestado certamente é prejudicada pelo excesso de alunos”.

3 BALANÇO DAS AÇÕES RELACIONADAS AO MUNICÍPIO DE GOIÂNIA NOS ANOS DE 2013 A 2018

Conforme informações disponíveis no sítio eletrônico do TJ-GO com relação às decisões dos últimos cinco anos sobre o direito à matrícula em creches na capital goiana, o número de julgamentos em segunda instância sobre o tema aumentou significativamente no período analisado, conforme consta no Gráfico 1. A análise dos dados permite inferir que, do total de decisões disponibilizadas, aproximadamente 70% foram proferidas no período compreendido entre 2017 até maio de 2018.

      Gráfico 1 - Decisões judiciais relacionadas à falta de vagas em CMEIs em Goiânia

Fonte: Site do Tribunal de Justiça de Goiás (www.tjgo.jus.br)

*Dados colhidos até maio de 2018

    

Em todos os 248 casos analisados, relativos às decisões pertinentes ao tema emanadas do TJ-GO em fase recursal, o tribunal manifestou-se favorável à garantia do direito à vaga em creche. A Tabela 1 dispõe sobre o detalhamento do teor das decisões, em que se verificou que, dentre os casos analisados, em 81% deles (200 acórdãos) o tribunal determinou que fosse efetuada a matrícula em CMEI da rede pública, ao passo que em 19% (48 acórdãos) o TJ-GO proferiu decisões no sentido de que fosse efetuada a matrícula em unidade da rede privada com o custeio do Poder Público. A tabela também demonstra que em 11% dos casos (28 acórdãos) o TJ-GO se manifestou pelo bloqueio de recursos públicos como mecanismo de dar efetividade às determinações.

Tabela 1 - Teor dos julgamentos das ações relacionadas às creches em Goiânia

Fonte: Site do Tribunal de Justiça de Goiás (www.tjgo.jus.br)

*Dados colhidos até maio de 2018

Em resposta ao questionamento, o município de Goiânia informou que o número de decisões judiciais que determinam a efetivação de matrículas é ainda maior, conforme mostra o Gráfico 2. A diferença explica-se porque nem todas as decisões monocráticas são objeto de recurso. Dessa forma, o cumprimento do mandado judicial se dá ainda com a decisão de primeira instância, o que ocorre, de acordo com informações da Secretaria Municipal de Educação (SME), quando o município considera que a unidade tem condições de receber crianças a mais.

Gráfico 2 - Mandados judiciais contra a Prefeitura de Goiânia para efetivação de matrículas

Fonte: Prefeitura de Goiânia, em resposta ao pedido pela LAI número 1364806

*Dados colhidos até maio de 2018

    

    Em relação ao questionamento sobre gastos ou bloqueio de recursos para matrículas na rede privada, o município informou que não houve matrículas ou despesas de recursos públicos em instituições particulares de ensino. A SME declarou que os recursos para educação municipal são utilizados unicamente com a educação pública e gratuita. Isso significa que, nos casos em que o mandado judicial determina matrícula na rede privada como alternativa à falta de vagas na rede pública, o município opta por sobrecarregar as unidades existentes no município. 

4 A QUEM COMPETE CONSTITUCIONALMENTE O DEVER DE GARANTIR O ACESSO À EDUCAÇÃO

O município de Goiânia possui hoje um déficit de oito mil vagas nos centros de educação infantil (CMEIs), segundo dados citados anteriormente, frente a tal contrariedade cabe-se averiguar a quem compete o dever de oferecer as  vagas faltantes que impedem o cumprimento efetivo do direito à educação infantil. Inicialmente, a Constituição Federal dispõe em seu art. 205, caput, que a educação é um dever tanto do Estado como da Família.

Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

Do mesmo modo, de maneira complementar ela esclarece no art. 30 inciso VI, que a oferta de vagas em centros de educação infantil é tarefa que inclui a União, os Estados e os Municípios. 

Art. 30. Compete aos Municípios:

VI - manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, programas de educação infantil e de ensino fundamental; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006).

Ademais, a lei Nº 9.394 de 20 de dezembro de 1996, estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, que tratou de regular a forma em que se daria o acesso à educação, informa que cabe aos municípios “oferecer a educação infantil em creches e pré-escolas, com prioridade para o ensino fundamental, permitida a atuação em outros níveis somente quando estiverem atendidas plenamente as necessidades de sua área de competência e com recursos acima dos percentuais mínimos vinculados pela Constituição Federal à manutenção e desenvolvimento do ensino”. Tal referência a percentuais mínimos encontra-se descrito  no art. 212, caput, da Constituição Federal:

Art. 212. A União aplicará, anualmente, nunca menos de dezoito, e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios vinte e cinco por cento, no mínimo, da receita resultante de impostos, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino.

Como pode ser observado tanto na Constituição como na legislação infraconstitucional o direito à educação não é competência exclusiva do Município e, embora, se dê prioridade a ele deve existir a cooperação técnica e financeira da União e dos Estados. Conforme afirma Guimarães e Pinto: 

A luz da legislação, não se sustenta o juízo que o senso comum - por desinformação - e muitos dos nossos dirigentes responsáveis pela educação - por conveniência - fazem e propagam que a educação infantil, tal como vimos expondo e definida na lei, seja atribuição ‘exclusiva’ dos municípios. O que se pode concluir é que a oferta e manutenção dessa modalidade de ensino comporta um regime de cooperação e colaboração entre parceiros, envolvendo o poder público municipal (como uma de suas atribuições prioritárias), o poder público estadual e poder público federal (subsidiariamente), além da sociedade civil, nas suas variadas formas de organização (2001, p. 95).

Nesse sentido, torna-se cada vez mais expressiva a municipalização do ensino infantil  frente a ausência de participação dos poderes públicos Federal e Estaduais. Desse modo, a falta de vagas na educação infantil tem ocasionado diversos mandados de segurança a fim de garantir o direito ao ingresso e permanência na rede de ensino, demandando do Ministério Público maior proatividade na defesa desse direito constitucional. Ademais a falta de vagas em creches atinge não só o direito à educação, como também, o direito ao trabalho, haja vista que muitas mães não conseguem trabalhar e contribuir com a renda de sua família, pois não possuem meios para pagar creches particulares ou não tem com quem deixar seus filhos. 

Desse modo, fica claro que nosso país conta hoje com um modelo de educação descentralizada em que a União, Estados e Municípios devem trabalhar em regime de colaboração. Sendo assim, tal prerrogativa de exigir que somente os municípios enfrentem o desafio constitucional de promover a educação de qualidade e universal não possui base legal e implica uma conduta omissiva aos demais atores do poder público. 

5 PONDERAÇÃO ENTRE O DIREITO AO MÍNIMO EXISTENCIAL E A RESERVA DO FINANCEIRAMENTE POSSÍVEL

    Para que os direitos sociais sejam efetivados, é necessário que o Estado execute políticas públicas, o que depende de gastos em larga escala. Diante da escassez de recursos, as discussões entre a teoria da reserva do possível e o princípio do mínimo existencial encontram-se descritas na doutrina como norteadoras da efetivação desses direitos.

A prerrogativa do Estado de se eximir do cumprimento dos direitos sociais encontra-se limitada no conceito de mínimo social a ser assegurado, que corresponde às prestações essenciais que os órgãos competentes devem fornecer aos indivíduos para que tenham uma existência digna. Dessa forma, alguns autores argumentam que os gastos públicos devem buscar, prioritariamente, a garantia do mínimo existencial, somente após essa garantia o Estado poderia dispensar recursos em outras áreas.

Segundo Sarlet (2005), a noção de mínimo existencial serve como parâmetro na definição do alcance do objeto dos direitos sociais e na determinação do seu conteúdo exigível. Nesse sentido, fornece critérios materiais ao intérprete no processo de concretização dos direitos sociais. Clève (2006) ressalta que os direitos sociais não devem garantir apenas o mínimo no contexto social do Brasil, mas devem possuir horizonte de eficácia progressiva, a depender do comprometimento dos recursos econômicos produzidos no país. Segundo ele, a Constituição Federal de 1988 instituiu a idéia de “máximo possível”, contrária ao conceito do mínimo existencial, necessário e indispensável. 

No tocante ao princípio do mínimo existencial, Robert Alexy (2008) afirma o seguinte:

Sem recorrer a comparações é praticamente impossível determinar o que faz parte do mínimo existencial garantido constitucionalmente. Como a História de outros países demonstra, o mínimo existencial absoluto pode ser fixado em patamar extremamente baixo. Sob a Constituição alemã o que importa é o mínimo existencial relativo, ou seja, aquilo que sob as condições de cada momento na República Federal da Alemanha seja considerado como mínimo existencial. Simplesmente aceitar aquilo que o legislador garante em cada momento seria renunciar a um padrão jurídico-constitucional para aquilo que o legislador tem o dever de garantir. Nesses casos, o conceito de dignidade humana praticamente não oferece nenhum padrão racionalmente controlável. Mas esse padrão pode ser oferecido, em nível constitucional, pelo princípio da igualdade fática. (Alexy, 2008, p. 427-428, grifo nosso)


 

Nesse contexto, os direitos sociais e o princípio da dignidade da pessoa humana autorizam que se compreenda o mínimo existencial como obrigação estatal cujo descumprimento gera responsabilização dos poderes públicos. A administração pública, apesar de ter certa margem de discricionariedade em relação aos meios utilizados para a efetivação dos direitos sociais, não pode ter como opção o descrumprimento das normas constitucionais (WANG, 2008). O Poder Público não pode, nos parâmetros da legalidade, alegar a inexistência de recursos orçamentários e utilizar esse único argumento como limite à possibilidade de efetivação dos direitos sociais.

Por outro lado, a cláusula da reserva do possível deve ser aplicada como parâmetro na análise da efetivação desses direitos, mediante a objetiva comprovação da ausência de recursos orçamentários suficientes para a implementação da ação estatal. Para o STF, “comprovada, objetivamente, a incapacidade econômico-financeira da pessoa estatal, desta não se poderá razoavelmente exigir, considerada a limitação material referida, a imediata efetivação do comando fundado no texto da Carta Política” (ADPF 45, 2004). 

A reserva do possível se relaciona às “reais possibilidades do Estado para atender às necessidades sociais”  e  serve como direcionamento ao juiz, no sentido de que tenha “cautela, prudência e responsabilidade” no julgamento de temas relativos à concretização de direitos sociais. Dessa forma, diante de cada caso concreto, caberia ao juiz verificar a razoabilidade do atendimento às exigências na hipótese de omissão da Administração Pública, verificando-se, nos limites do mínimo existencial e da reserva do possível, o que se pode esperar do Estado (REISSINGER, 2007). 

6 ATIVISMO JUDICIAL E SEPARAÇÃO DOS PODERES

    

A Constituição Brasileira notadamente dirigente impõe ao Estado o cumprimento de certos fins e tarefas com base em normas de caráter pragmático, que por sua vez exigem uma atuação Estatal de reconhecimento progressivo dos direitos fundamentais. Sendo assim, a Constituição não se limita apenas à expressão de um ser para configurar também um dever ser, visando ordenar e conformar a realidade. Tal característica é imprescindível em um país como o Brasil, em que a desigualdade social é desmedida, os direitos sociais  tem a relevante função de amenizar as diferenças decorrentes do baixo desenvolvimento socioeconômico, amparando principalmente a população mais carente em suas necessidades básicas.

Soma-se a isso, segundo o entendimento do constitucionalista Ingo Wolfgang Sarlet que os direitos sociais como a educação são fundamentais, isto é, detém a característica de fundamentalidade e estão submetidos ao regime de aplicabilidade imediata previsto no parágrafo 1º do artigo 5º da Constituição. Nesse sentido se posiciona Sarlet:

A acolhida dos direitos fundamentais sociais em capítulo próprio no catálogo dos direitos fundamentais ressalta, por sua vez, de forma incontestável sua condição de autênticos direitos fundamentais já que nas Cartas anteriores os direitos sociais se encontravam positivados no capítulo da ordem econômica e social, sendo-lhes, ao menos em princípio e ressalvadas algumas exceções, reconhecido caráter meramente programático, enquadrando-se na categoria das normas de eficácia limitada.

Entretanto, em oposição à aplicabilidade imediata dos direitos fundamentais sociais se encontram os argumentos de que as normas constitucionais que disciplinam certo tal assunto por derivarem de princípios são imprecisas e vagas e demandam certo custo financeiro o que dificulta a aplicabilidade imediata. Prevalece, por fim, o entendimento sustentado por Canotilho e, entre outros, que mesmo diante do caráter principiológico de tais normas tal característica não constitui um impedimento à sua aplicabilidade imediata, haja vista o mandado de otimização que essas impõem aos órgãos estatais.

Desse modo, entendendo que o direito social à educação é fundamental e é um dever do Poder Público garantir sua exequibilidade, segundo os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, o não cumprimento desses implica aos agentes públicos a inconstitucionalidade por omissão. Nesse mesmo sentido, prepondera o entendimento de Celso Antônio Bandeira de Mello, que o comportamento omissivo constitui um processo de desrespeito total a força normativa da Constituição:

Uma norma jurídica é desobedecida quer quando se faz o que ela proíbe quer quando não se faz o que ela determina. Sendo a Constituição um complexo de normas jurídicas - e normas de nível supremo - é inevitável concluir-se que há violação à Constituição tanto quando se faz o que ela inadmite como quando se omite fazer o que ela impõe. E se omissão houver ficará configurada uma inconstitucionalidade.

Assim, como já foi observado o déficit de vagas que existe atualmente no ensino infantil representa o não reconhecimento, a omissão e um desrespeito que viola a ordem constitucional. Dessa maneira, surge constantemente questionamentos diante da intervenção do poder judiciário em tema relativo à implementação de políticas governamentais na área da educação infantil, tendo em vista que tais ações podem sob uma certa ótica afrontar o princípio da separação dos poderes.

Cabe esclarecer, que inicialmente, a teoria da separação dos poderes idealizada por Montesquieu no século XVII, foi pensada para um modelo de Estado que se pretendia liberal, ou seja, o judiciário se destinava a proteger os interesses burgueses, tutelando os direitos patrimoniais, por meio do direito penal e civil. Entretanto, no caso do Brasil, em que o Estado tutela os direitos sociais não é possível essa divisão inflexível dos poderes.

Assim, constitucionalmente os poderes representativos - Executivo e Legislativo - seriam os responsáveis pela gerência das políticas públicas, possibilitando concretizar o exercício dos direitos sociais. Entretanto, diante da incapacidade desses atores para suprir a demanda por bens sociais, cabe ao judiciário o papel de não se esquivar de solucionar as questões não resolvidas pelo debate democrático, utilizando como parâmetro e limite a Constituição.

Desse modo, faz-se observável que o modelo de Estado estabelecido pela Constituição de 1988, com fundamento nos direitos sociais, reivindica uma ressignificação da teoria da separação dos poderes, onde o judiciário saiu bastante fortalecido, não restando dúvidas da sua legitimidade democrática como poder contramajoritário e engajado na defesa dos direitos das minorias. Diante do exposto fica caracterizado como esse o contexto do surgimento do fenômeno de judicialização da política. 

Sendo assim, o direito de acessar à justiça exigir judicialmente o direito à educação, dada a indisponibilidade do interesse público, não ocasiona uma ameaça ao princípio da separação dos poderes. Ademais, segundo Habermas, a medida em que as normas passam a ser vistas não mais como  programas condicionais, assumindo a forma de programas finalísticos, a sistemática clássica da divisão de poderes perde sua atualidade, não admitindo a paralisação das reivindicações de cunho social, cujo parâmetro fundado na dignidade da pessoa humana tem em perspectiva a intangibilidade do mínimo existencial, visando dar real efetividade às normas constitucionais em contraponto à discricionariedade estatal.

7 COMO TEM DECIDIDO O JUDICIÁRIO GOIANO SOBRE OS CASOS NA CAPITAL?

Conforme já mencionado, os resultados obtidos nessa pesquisa demonstram que, na totalidade dos casos analisados, o Tribunal de Justiça de Goiás proferiu decisões favoráveis a assegurar o direito constitucional à matrícula em creche.

Para a compreensão a respeito da argumentação utilizada nas decisões e o posicionamento do Tribunal de Justiça de Goiás, o presente trabalho analisou dois acórdãos: um contrário e outro favorável ao Poder Público custear creche da rede privada quando não há vaga disponível na estrutura municipal. 

No processo número 201390532720, em acórdão de agosto de 2014, o desembargador Francisco Vildon José Valente nega o pedido protocolado pelo Ministério Público do Estado de Goiás de que o município arque com as despesas educacionais da criança em instituição de ensino da rede privada alegando que "prejudicaria as demais crianças que se encontram cadastradas e aguardam vagas na fila para ingressarem nos estabelecimentos de ensino público, o que ofenderia, também, o princípio da igualdade para o acesso e permanência na escola". O pedido é considerado, assim, "inviável" e "sem razão que lhe assista". 

    "Ademais, o ensino obrigatório e gratuito é aquele a cargo dos estabelecimentos oficiais, por isso, não alcançando os estabelecimentos educacionais da iniciativa privada, que estão abertos a todos os interessados, sem que sejam custeados pelo Poder Público", finaliza o desembargador em sua argumentação.

Já no processo número 201493182650, em acórdão de setembro de 2016, o desembargador Amaral Wilson de Oliveira decide que "a determinação para que o Poder Público efetue a matrícula da criança em instituição de ensino privada e para que seja bloqueado o valor necessário ao pagamento de mensalidades e demais despesas são meios aptos a conferir efetividade à decisão judicial e à obrigação constitucional, imposta aos Municípios, de assegurar, aos cidadãos de pouca idade, o atendimento em creches, ou pré-escolas". Ele relata que a decisão encontra amparo na jurisprudência dominante no Tribunal de Justiça, com base no art. 461, §5º, da Lei de Ritos Civis.

Embora os acórdãos sejam em geral econômicos nas argumentações, eles cumprem o dever de fundamentação das decisões e demonstram como houve mudança nos julgamentos, conforme aumento da judicialização e a omissão do Poder Público em providenciar melhorias efetivas para garantir o atendimento ao déficit de vagas em creches.

O endurecimento das decisões, obrigando matrículas na rede privada e abrindo a possibilidade de bloqueio de bens, busca forçar o município a adotar medidas mais efetivas para cobrir a demanda por vagas. Ao mesmo tempo, no entanto, tem forçado o município a matricular além da capacidade das unidades, o que também representa piora na qualidade da educação.

No mesmo sentido tem sido o entendimento do Supremo Tribunal Federal. Souza e Bahia (2003) relatam que o STF e os demais tribunais têm apresentado posicionamento no sentido de efetivar o direito à educação e à matrícula em creches, mesmo diante das justificativas utilizadas pelos municípios relativas à escassez de recursos e insuficiência de previsão orçamentária.

Em análises acerca da jurisprudência do STF, Lagares e Nascimento (2015) ressaltam que, apesar das críticas com relação à ilegitimidade e à possível inobservância do princípio da separação dos poderes na atuação do Judiciário, esse poder “não tem se escusado de exercer o seu papel de garantidor dos direitos do cidadão”, de forma que, ao ser provocado, “não só tem julgado as demandas envolvendo o direito social à educação, como na maior parte das vezes tem decidido pela sua concessão”.

    

8 CONSEQUÊNCIAS DA INTERFERÊNCIA JUDICIAL E CONSIDERAÇÕES FINAIS

     

É preciso considerar que são muitos os efeitos da judicialização da educação sobre as políticas públicas no Brasil.  Além de interferir diretamente na formulação, implementação e avaliação dessas políticas, a judicialização do sistema educacional impacta sobre o Poder Executivo, que responde financeira e administrativamente, e o Poder Legislativo, no sentido de impulsionar que se discutam legislações específicas e a fiscalização do Executivo na implementação das políticas públicas de acesso à educação (XIMENES; OLIVEIRA; SILVA, 2017).

Para Assis e Perez (2013), o ativismo e a interferência judicial na concessão de vagas para crianças de 0 a 3 anos pode ter resultados desastrosos, pois, embora o Judiciário justifique essa atuação na necessidade de efetivação desse direito estabelecido constitucionalmente, importa considerar que não observa “os inúmeros aspectos referentes a este direito, reduzindo-o à criação de uma vaga e execução de matrícula em instituição de ensino”.

Marinella Burgos Pimentel dos Santos (2014) ressalta que:

A ânsia de cada um de buscar garantir o direito individual pode levar ao não cumprimento do direito coletivo, uma vez que o excesso no número de alunos em uma mesma sala de aula e com professores insuficientes pode levar danos às próprias crianças. A questão da qualidade do atendimento em contraponto com a quantidade de atendidos talvez seja o desafio mais importante a ser exaustivamente debatido na questão da judicialização da política pública de Educação Infantil (Santos, 2014, p. 24).

Em seu trabalho, Shecaira (2017) confirmou a hipótese de que o judiciário possui organização institucional e meios processuais necessários ao efetivo controle de políticas públicas de educação face à omissão da administração na capital paulista. Segundo o autor, o tratamento individual dos casos possui o caráter de garantir direitos individuais, sendo incapaz de interferir diretamente das políticas públicas. Por outro lado, o tratamento coletivo dos casos teria o potencial de produzir interferência eficaz nessas políticas, de modo que o Executivo cumprisse “com as determinações constitucionais e legais no tangente à implementação de políticas voltadas ao atendimento de crianças de zero a cinco anos em rede pública de creches e de educação infantil”.

É certo, porém, que o bloqueio de recursos públicos e a obrigatoriedade de matrículas na rede privada impacta no orçamento do município, que não prevê verba extra para cobrir a falta de vagas em creches públicas. E o que se observa, na prática, é que, diante desse empecilho, o município prefere efetivar a matrícula em unidades que já se encontram no limite em vez de optar pela matrícula em instituições particulares.

Ainda de acordo com informações oficiais, em 2017 foram criadas 600 novas vagas na educação infantil, ou seja, apenas 4,16% do déficit de 14.041. Este ano, até julho, foram disponibilizadas mais cerca de 350 vagas, número que segue muito aquém da demanda do município. Isso significa que, apesar do aumento dos mandados judiciais e do tom mais duro das decisões, o município não responde a contento para garantir que mais crianças sejam contempladas com o direito de ter acesso à educação.

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ABSTRACT: This study aims to discuss the constitutional right to enroll in daycare centers and the positioning of Goiás's Judiciary in view of the insufficient supply of vacancies in the capital. For this purpose, the analysis of the vacancy deficit in the city of Goiânia (GO) was carried out in parallel with the mapping of 248 decisions issued by the Court of Justice of the State of Goiás (TJ-GO) in the period from 2013 to 2018. It is possible to conclude that, with the increase in demand, the TJ-GO has presented a favorable understanding to the guarantee of the right to early childhood education. Regarding the content of the decisions, it is verified that in 81% of the analysed cases, the TJ-GO determined the enrollment in Municipal Center of Childhood Education of the public education and in 19%, the TJ-GO determined the enrollment in private education units financed by the public administration. In addition, notes are presented on important issues to be considered in the decisions, among which are the guarantee to the existential minimum, the reservation of the possible, the principle of separation of powers and the consequences of judicial interference on public education policies.

KEYWORDS: Children's education; Enrollment in daycare, Judicialisation of social rights.

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