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A legalização dos jogos de azar no Brasil como forma de fomentação do esporte

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04/03/2022 às 15:00
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Uma vez que os primeiros jogos surgiram desde a época dos Impérios Romanos e continuam chamando a atenção de pessoas até hoje, seja por lazer, esporte ou até fonte de renda, os jogos são presentes em todas as fases da vida do ser humano.

Resumo: Uma vez que os primeiros jogos surgiram desde a época dos Impérios Romanos e continuam chamando a atenção de pessoas até hoje, seja por lazer, esporte ou até fonte de renda, os jogos são presentes em todas as fases da vida do ser humano e alguns deles são considerados jogos de azar. Dessa forma, nota-se que atualmente existem vários tipos de Jogos de Azar, mas no Brasil a grande maioria é proibida desde 1946, durante o Governo Dutra, com isso, no presente trabalho, discute-se a legalização dos jogos de azar no Brasil como forma de fomentação do esporte, principalmente pelo fato de haver uma quantidade de dinheiro que deixa de ser arrecadada com impostos e a clandestinidade dessa modalidade, bem como, pelo esporte necessitar de investimentos públicos brasileiros para as diversas modalidades olímpicas e a conversão destes investimentos em resultados. Portanto, buscou-se ainda apresentar os principais aspectos concernentes à legislação sobre esta prática, bem como discorrer sobre o contexto histórico, político e social pertinentes ao tema. Para tanto, recorreu-se a elaboração de uma pesquisa bibliográfica com base em livros, artigos, dentre outras publicações localizadas em portais jurídicos.

Palavras-chave: Direito Desportivo; Jogos de Azar; Legalização; Investimento no Esporte.

Sumário: 1. Introdução. 2 História dos jogos de azar. 3 Exploração dos jogos de azar no Brasil na atualidade. 3.1 Da era de ouro dos jogos de azar à proibição pelo governo Dutra. 3.2. Jogos ilícitos x jogos tolerados. 3.3. Diferença entre aposta e jogo. 3.3.1 A legalização das apostas esportivas no Brasil através da Lei nº 13756/18.21. 4 Jogos de azar mais populares no Brasil. 4.1 Controle e fiscalização das atividades de exploração dos jogos de azar. 5 Projeto de legalização dos jogos de azar. 5.1 Dos fundamentos para a legalização dos jogos de azar. 5.1.1 Modelos de exploração dos jogos de azar em outros países. 5.2 Da possibilidade da fomentação do esporte através da receita dos jogos de azar. Conclusão. Bibliografia.


1. INTRODUÇÃO

O Direito é uma ciência social aplicada condicionada pelo fenômeno normativo. Nesse sentido, as leis, como normas em sentido estrito, são expressões jurídicas de vontade compulsória, emanadas unilateralmente pelo Estado para regulação e regulamentação da sociedade e de determinados setores que a compõe.

Nesse sentido Direito e Desporto caminham lado a lado, com ambos utilizando-se de regras para o desenvolvimento de suas atividades. Logo, sendo o Direito sustentado por normas advindas das mais variadas fontes o desporto se desenvolve com o conjunto de regras para práticas de modalidades esportivas, sem as quais não será possível realiza-las.

Assim, o Direito Desportivo surge como ramo autônomo que regulamenta a organização das práticas desportivas nas mais diversas modalidades, dando-lhe forma e direcionamento, através de normas que serão aplicadas, tanto na realização de partidas e/ou provas dependendo do esporte, bem como na forma de regulamento que rege cada competição inerente à determinada modalidade desportiva.

Diferentemente de outros ramos do direito, o desportivo não visa diretamente o lucro, mas seu objetivo maior está no resultado, principalmente no desporto de alto rendimento, seja ele profissional ou não profissional. Contudo, mesmo sendo não profissional, é importante destacar que a obtenção de resultados está diretamente ligada visão de lucro, fomento, patrocínio, dentre outros meios de obtenção de recurso que sem os quais se torna inviável o desenvolvimento dos atletas de alto rendimento sejam eles profissionais ou não profissionais.

Com efeito, além do fenômeno normativo, o Direito também é condicionado pelo fenômeno econômico, sendo as leis uma expressão jurídica de vontade compulsória, do Estado, formando uma simbiose entre o Direito e a Economia, que se torna importante inclusive na regulação de regulamentação das atividades desportivas.

Logo, interdisciplinaridade no Direito Desportivo é fundamental. Não há como aplicar seus institutos sem o entendimento do Direito Empresarial, Econômico, Tributário, Trabalhista, Penal. O Direito Desportivo utiliza-se de conceitos de outros ramos jurídicos – em especial os já mencionados – para encontrar respaldo nas suas disposições legais, fontes e princípios que regulam suas atividades.

Assim como o Direito Desportivo com os demais ramos, não se podem ignorar leis de outras ciências, como se o Direito pudesse funcionar de uma maneira autônoma. Tal pretensão é vã, pois as leis científicas não são derrogáveis. As Leis com valor jurídico, emanadas do estado, devem estar com concordância com as leis da ciência, gerando harmonia entre si.

Sendo o Direito uma ciência social aplicada, ele se comporta de acordo com a finalidade para qual se dirige sua aplicação. As normas jurídicas devem perseguir sempre a legítima finalidade social e econômica a que se dirigem. Observando que os institutos de Direito Desportivo, unidos ao Direito Empresarial, Econômico, Tributário, Penal, estando em harmonia com estes, tem que se utilizar de mecanismos para o fomento e captação de recursos no desenvolvimento de atletas de alto rendimento, sem que com isso sejam violadas normas jurídicas estatais.

Os jogos de azar e as apostas são meios de interligação das atividades desportivas para com o cidadão comum. Porém, apesar de esses dois institutos serem tratados como sinônimos, existes diferenças entre ambos. Enquanto a aposta independe da ação do apostador para a obtenção do resultado desejado, estando esta condicionada ao fator “sorte”, podendo ou não haver interferências externas, os jogos de azar dependem da ação do jogador, para obter o resultado favorável.

As apostas são reguladas pela Lei nº 13.756 de 12 de dezembro de 2018, e são autorizadas a funcionar na forma dessa Lei, podendo ainda seus recursos arrecadados fomentar atividades desportivas, como forma de incentivo ao esporte. A autorização das apostas como forma de exploração da atividade econômica, autorizada pelo poder público, é o embrião da exploração dos jogos de azar por meio de bingos e cassinos, os quais seu funcionamento é vedado em todo território nacional.

Diante disso, pergunta-se: se as apostas funcionam como meio de fomento das atividades desportivas, tendo inclusive seus recursos arrecadados com direcionados a práticas de desporto, porque os jogos de azar sob exploração de bingos e cassinos não poderia assumir o mesmo caráter social das apostas e fomentar o esporte criando uma função social dessas atividades.

Logo, os jogos de azar podem ter a função social de na exploração de sua atividade mercantil, por meio da instituição de bingos e cassinos, fomentar o esporte através de encargos tributários, que seriam diretamente direcionados às atividades desportivas e o desenvolvimento de atletas nas mais diversas práticas de alto rendimento, contribuindo para o aumento de resultados do Brasil representados por seus atletas nas mais diversas competições, inclusive na Olímpiadas. Tal fomento poderá aumentar a participação brasileira nos quadros de medalhas olímpicas.

Portanto, o desenvolvimento dos jogos de azar poderá fomentar a economia em diversos setores, em especial nos esportes de alto rendimento que não possuem patrocínio específico, instituindo contribuições fiscais que direcionem recursos para seu fomento.


2. HISTÓRIA DOS JOGOS DE AZAR

Os jogos de azar não são práticas recente no mundo, existindo registros dos mesmos desde a antiguidade, sua prática sempre foi inerente à população. No Brasil não é diferente, contando com registros oficiais, instituídos ainda pelo Governo Monárquico, desde o Século XIX.

Atualmente os jogos de azar são reprimidos pelo ordenamento jurídico brasileiro, mais especificamente no rol das contravenções penais. Por outro lado, os jogos de bicho, por exemplo, ainda são muito praticados, podendo ser vistos com muita frequência pelas ruas.

De acordo com Porto da Silveira (2001) os jogos de azar são, provavelmente, tão velhos quanto a humanidade. Conforme o mesmo autor, há provas arqueológicas da prática do jogo do osso, praticado a cerca de 40.000 anos. Ademais, o jogo é uma prática realizada no mundo inteiro, sendo raras as sociedades que não o faziam, como os polinésios, siberianos e outras.

Historicamente, os jogos mais praticados foram o do osso, conhecido pelo mundo inteiro, e o de dados, que surgiu na Índia e Mesopotâmia em 3000 a.C., como evolução do jogo do osso, daí se difundiu para o mundo grego, romano e cristão. É também importante lembrar que antigamente faziam-se apostas, sobre temas gerais, bem como específicos: prever o futuro, decidir disputas, dividir heranças etc. (SILVEIRA, 2001, p. 02).

O mais antigo desses registros foi verificado por volta de 950 D.C., quando um bispo belga, Wibold, criou um jogo religioso que, a cada um dos 56 possíveis resultados do lance de 3 (três) dados, atribuía uma penitência ou a prática de uma virtude correspondente (SILVEIRA, 2001). Posteriormente, o italiano Girolamo Cardano, em 1526, desenvolveu um pequeno “Manual de Jogos de Azar” (Liber de Ludo Aleae), no qual resolveu diversos problemas de enumeração. Para Silveira (2001), Cardano é o precursor do estudo matemático das probabilidades. Com efeito, o autor aduz que:

[...] Cardano foi o primeiro a introduzir técnicas de combinatória para calcular a quantidade de probabilidades favoráveis num evento aleatório e, assim, poder calcular a probabilidade de ocorrência do evento como razão entre a quantidade de possibilidades favoráveis e a quantidade total de possibilidades associadas ao evento. Limitou-se, contudo, a resolver problemas concretos, ou seja: problemas com dados estritamente numéricos (SILVEIRA, 2001, p. 12).

Não se sabe ao certo a origem exata dos jogos de azar. Entretanto, foi na China que se registrou o primeiro relato oficial da prática em 2300 a.C. Desse modo, acredita-se que o jogo, de uma maneira ou de outra, tenha estado presente em quase todas as sociedades desde os tempos mais longínquos. Desde os antigos gregos e romanos a história é rica em contos baseados em jogos de azar (BNL, 2015).

No auge do Império Romano, os legisladores decretaram que todas as crianças fossem ensinadas a jogar dados. Os franceses são creditados com a invenção do jogo de cartas em 1387, e em 1440, Johann Gutenberg da Alemanha imprimiu o primeiro baralho completo. Muitos jogos de hoje são encarnações de jogos anteriores. A classe trabalhadora francesa do século XVI tornou-se perita no jogo de roleta egípcio, enquanto Napoleão se interessou pelo jogo de cartas “vingt-et-un” – o que é hoje conhecido como blackjack ou 21 (BNL, 2015, p. 1).

No direito romano, o jogo e a aposta eram regulados isoladamente e identificados como alearum ludus (jogo) e sponsio (aposta). Contudo, no século XVI, na Europa, surgiram os primeiros estudos matemáticos sobre os jogos, a exemplo da obra Summa, do matemático Luca Pacioli (meados de 1500), e do livro Liber de Ludo Aleae, de Girolamo Cardano, ele mesmo, como fazia questão de dizer, “um viciado em jogo” (IEZZI; HAZZAN, 2013).

No Brasil, a proibição do jogo de azar, e o fechamento dos cassinos, ocorreram em 30 de abril de 1946, por meio do Decreto-Lei n. 9.215, assinado pelo Presidente Dutra. De acordo com a autora, após o anúncio da proibição dos jogos de azar no Brasil, a Igreja Católica e os principais jornais do país, como o Diário de Notícias manifestaram total apoio.

O jornal fez campanha contra as apostas e as casas de jogos (SILVEIRA, 2001). Os poucos que discordaram, utilizaram por argumentos principais os prejuízos econômicos e sociais dessa medida, como, por exemplo, a perda de milhares de empregos, e a diminuição da atividade turística nos destinos que tinham os cassinos entre os principais atrativos como foi o caso do jornal paulistano que, com frequência, abordava o assunto em suas matérias e editoriais:

[...] Setenta mil pessoas deixaram de chegar a Santos. Setenta mil pessoas que iam aos cassinos jogar. Setenta mil pessoas que movimentavam Santos; que lotavam suas pensões, seus hotéis, seus cafés, seus trens, seus ônibus, seus automóveis. Setenta mil pessoas que justificavam empregos para cerca de oito mil viventes que trabalhavam nos cassinos e que, por força de seu fechamento, se encontram agora desempregados. (Jornal Folha da Noite, São Paulo, página 5, 14 mai. 1946 apud SILVEIRA, 2001, p. 14).

Décadas se passaram desde a proibição formal, entretanto, os jogos e apostas de azar não deixaram de ser praticados, somente foram relocados dos vultosos salões dos cassinos para salas de apartamento e outros ambientes distantes dos olhos da fiscalização.

No Século XXI, o patrimônio que restou dos cassinos e hotéis-cassinos teve o seu uso adaptado às novas funções, tornando-se condomínios residenciais e até mesmo reitorias de universidades, ou encontram-se em estado de abandono, tendo como exemplo o caso do “Cassino da Urca”, um dos maiores ícones de seu tempo.

Também houve uma queda drástica da movimentação turística nacional, tendo em vista que antes de serem fechados, os cassinos atraíam diversos turistas estrangeiros para o Brasil, os quais vinham com o intuito de se divertir nos cassinos do país, bem como para assistir aos shows de artistas de projeção internacional. Atualmente, são os brasileiros que viajam para o exterior a fim de ir aos cassinos, situados em Mar del Plata, Punta del Leste, Las Vegas ou em outros locais, usufruindo dos serviços e consequentemente deixando divisas significativas em tais países.

Assim como na história mundial, o jogo no Brasil também teve sua evolução. Diferente de outros países que seguiram uma linha tênue de legalização da jogatina, a história nacional teve idas e vindas, divididas entre autorizar e tornar ilícito a prática do jogo de aposta. A Revista Galileu trouxe uma breve, mas importante, linha do tempo abordando a trajetória do jogo aqui. Vejamos:

HISTÓRIA DE CONFLITOS

1920 - O presidente Epitácio Pessoa permite que casas de apostas sejam construídas em instâncias de turismo;

1930 - Após um período de proibição, a construção de cassinos é retomada com a presidência de Getúlio Vargas;

1933 - É inaugurado no Rio de Janeiro o Cassino da Urca, estabelecimento luxuoso que receberia estrelas internacionais;

1946 - No dia 30 de abril, o presidente Eurico Gaspar Dutra assina um decreto que fecha os quase 70 cassinos do país;

1993 - A Lei Zico legaliza os bingos com a justificativa de recolher impostos e estimular os esportes olímpicos;

2004 - Após denúncias de corrupção, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva decreta o fechamento das casas de bingos. (REVISTA GALILEU, 2017)

Embora nações do globo todo vejam no jogo um meio de fomentar a riqueza nacional, o Brasil segue dividido entre aceitá-lo como fator gerador de renda e continuar negando-o por vê-lo como imoral, tendo em vista “causar” maus hábitos e levar à prática de crimes, como a lavagem de dinheiro e sonegação de impostos.


3. EXPLORAÇÃO DOS JOGOS DE AZAR NO BRASIL NA ATUALIDADE

Nos jogos de azar no ordenamento nacional observam-se que há muitas contradições que refletem a atual situação do direito brasileiro. Os jogos representam uma prática enraizada na cultura nacional e são um exemplo cristalino da dicotomia que há entre o proibicionismo e a permissividade.

Com a Constituição de 1988 não houve tanta modificação na legislação dos jogos de azar no ordenamento pátrio. O que se verificou foi a disposição dos concursos de prognóstico no custeio da seguridade social no artigo 195 da lei maior. Destarte, as receitas advindas dos concursos de prognósticos foram reguladas pela Lei nº 8.212 de 1991. Em 2018 a Medida Provisória nº 841, trouxe alterações ao texto legal referido. Como anuncia o artigo 26 da referida lei:

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Art. 26. Constitui receita da Seguridade Social a contribuição social sobre a receita de concursos de prognósticos a que se refere o inciso III do caput do art. 195 da Constituição. 1º O produto da arrecadação da contribuição será destinado ao financiamento da Seguridade Social. § 2º A base de cálculo da contribuição equivale à receita auferida nos concursos de prognósticos, sorteios e loterias. 26 § 3º A alíquota da contribuição corresponde ao percentual vinculado à Seguridade Social em cada modalidade lotérica, conforme previsto em lei. (BRASIL, 1991)

Quando a legislação cita os concursos de prognósticos, ela remete a lei maior. O que se entende por concursos de prognósticos são aqueles dispostos no parágrafo primeiro da redação anterior do artigo supracitado: ―Consideram-se concurso de prognósticos todos e quaisquer concursos de sorteios de números, loterias, apostas, inclusive as realizadas em reuniões hípicas, nos âmbitos federal, estadual, do Distrito Federal e municipal‖ (BRASIL, 1991). Entende-se que tal definição não foi ultrapassada com a edição da Medida Provisória nº 841 de 2018, do Presidente da República Michel Temer.

Não obstante, verifica-se como figura principal do aludido dispositivo as Loterias. É de bom grado analisar a legislação que a caracterizou como sendo uma das poucas espécies de jogo legal no sistema jurídico nacional, tornando-as uma importante fonte de renda para a seguridade social, como se observa no texto legal do Decreto-lei nº 204, de 27 de fevereiro de 1967:

CONSIDERANDO que é dever do Estado, para salvaguarda da integridade da vida social, impedir o surgimento e proliferação de jogos proibidos que são suscetíveis de atingir a segurança nacional;

CONSIDERANDO que a exploração de loteria constitui uma exceção às normas de direito penal, só sendo admitida com o sentido de redistribuir os seus lucros com finalidade social em termos nacionais;

CONSIDERANDO o princípio de que todo indivíduo tem direito à saúde e que é dever do Estado assegurar esse direito;

CONSIDERANDO que os Problemas de Saúde e de Assistência MédicoHospitalar constituem matéria de segurança nacional;

CONSIDERANDO a grave situação financeira que enfrentam as Santas Casas de Misericórdia e outras instituições hospitalares, para-hospitalares e médico-científicas;

CONSIDERANDO, enfim, a competência, da União para legislar sobre o assunto. (BRASIL, 1967)

Ainda consoante à legislação supracitada, tem-se que as Loterias Federais são um serviço público da União, logo o poder público tem monopólio. Como anuncia o artigo 1° da referida legislação:

Art. 1º A exploração de loteria, como derrogação excepcional das normas do Direito Penal, constitui serviço público exclusivo da União não suscetível de concessão e só será permitida nos termos do presente Decreto-lei. Parágrafo único. A renda líquida obtida com a exploração do serviço de loteria será obrigatoriamente destinada a aplicações de caráter social e de assistência médica, empreendimentos do interesse público. (BRASIL, 1967)

Verifica-se que as Loterias se apresentam como fonte de extrema relevância no que concerne à seguridade social, disposição esta que foi elevada a norma constitucional com a promulgação da Constituição Cidadã de 1988. Além do custeio da seguridade social, as Loterias são responsáveis pelo subsídio do Fundo Nacional de Segurança Pública (FNSP), Ministério dos Esportes, Comitê Olímpico Brasileiro (COB), entidades esportivas e outros.

Vale lembrar que as loterias no ano de 2017 obtiveram arrecadação recorde, mais de 13 bilhões de reais arrecadados em benefício do bem estar da população (PEDUZZI, 2018).

Por fim, a problemática dos jogos de azar e a evolução legislativa no ordenamento jurídico nacional continuam a caminhar em sentidos opostos. Percebeu-se que os jogos foram ―tutelados‖ pela cultura popular e estão presentes na realidade social de muitos brasileiros.

Hoje em dia, já existe uma certa aceitação e um belo aceno do governo brasileiro em favor da legalização dos jogos no nosso território nacional. Entusiastas já acreditam que será nesta oportunidade que poderemos ver em pouco tempo os jogos de azar e sua exploração, como um novo fenômeno cultural. Os contrários, relatam que se trata de uma medida inconsequente e com um impacto incalculável, não só para determinadas regiões, como para toda a sociedade brasileira, contudo, só o tempo nos dirá o que isso acarretará, cabendo a nós apenas ponderar racionalmente e legalmente tais efeitos.

O que vale-nos saber para o momento é que o Projeto de Lei do Senado nº 186/2014, proposto pelo Senador Ciro Nogueira (PP/PI) permanece entrando em tramitação no Senado Federal, motivada pela necessidade de reconhecer o valor histórico e cultural dos jogos no país, bem como sua função social, assim como diz no texto do projeto, o que já gera euforia dos setores empresariais na área de jogos de azar atraindo os olhares para o mercado nacional e também da área de movelaria, que já estima uma grande lucratividade com a reabertura dos bingos.

3.1 DA ERA DE OURO DOS JOGOS DE AZAR À PROIBIÇÃO PELO GOVERNO DUTRA

Ao longo do século XVIII, ocorrem mudanças na configuração da sociedade colonial, com a mudança do eixo econômico para a então capitania de Minas Gerais, o surgimento de Vila Rica, (atual Ouro Preto) e a mudança da capital de Salvador para o Rio de Janeiro, há um sutil desenvolvimento de opções variadas de lazer nestes lugares e entra em cena as casas de tavolagem, que “se confirmava como divertimento nas horas de lazer das famílias economicamente abastadas.” (SILVA apud INTELIGÊNCIA..., p. 31).

No ano de 1784, por iniciativa do governador de Minas Gerais, Luiz da Cunha Menezes, foi solicitada perante a Câmara Municipal de Vila Rica a concessão para criar uma espécie de aposta, bastante conhecida na Europa, visando arrecadar fundos para a construção da Casa de Câmara e Cadeia da então capital desta capitania. Surgem assim as loterias no Brasil, onde ao longo do século XIX, seria intensificada e utilizada para promover atividades de beneficência, como a construção das Santas Casas de Misericórdia. (CANTON, 2010, p. 16)

Em 05 de julho de 1892, o Diário do Commercio, do Rio de Janeiro, noticia um grande evento ocorrido no Jardim Zoológico do Rio de Janeiro, criado em 1888 por João Batista Viana Drummond, o Barão de Drummond que, correndo risco de fechar suas atividades, cria uma modalidade de aposta que em pouco tempo tornar-se-ia a maior modalidade de jogo genuinamente brasileira:

Foram inaugurados anteontem [sic] diversos divertimentos no Jardim Zoológico, entre os quais o do sorteio dos animais, que tem por fim animar a concorrência àquele estabelecimento. Esse sorteio consiste no seguinte: d’entre [sic] 25 animais escolhidos pela Empresa é tirado um diariamente e metido em uma caixa quando começa a venda de entradas. Às cinco horas da tarde, a um sinal dado, abre-se a caixa e a pessoa que tem a entrada com o nome e o desenho do animal, ganha-o como prêmio. [...] (DIÁRIO... apud WEGUELIN1920)

Nasce o Jogo do Bicho! Ao longo da semana, a imprensa relatara a empolgação da população já na primeira semana, através de reportagem feita no dia 11 de julho, evidenciando que o lugar havia recebido a visita de 1350 pessoas, inclusive do Ministro da Guerra (DIÁRIO apud WEGUELIN). Com o tempo, ficou claro que as idas ao Jardim Zoológico, não eram no intuito de visitar os animais, mas de participar das apostas que ocorriam ao fim do dia. Assim, a prática passou a ser reprimida já nas primeiras semanas, pois o Código Penal de 1890, em seus artigos 369 e 370proibia espaços para a prática de jogos de azar no Brasil (BRASIL, 1890), conforme ofício expedido pelo Chefe de Polícia da Capital Federal, noticiado pelo jornal O Tempo (1892), duas semanas depois:

Entretanto, posta em prática essa diversão, se verifica que tem ela o alcance de verdadeiro jogo, manifestamente proibido. Esta diversão, prejudicial aos interesses dos encantos, que com a esperança enganadora de um incerto lucro se deixam ingenuamente seduzir, é precisamente um verdadeiro jogo de azar, porque a perda e o ganho dependem exclusivamente do acaso e da sorte. Como semelhante divertimento não pode por mais tempo ser tolerado, [...] (O TEMPO apud WEGUELIN)

Apesar da proibição expressa dada pelo primeiro Código Penal republicano, em 1920, a Lei nº 3987, em seu artigo 14, narra que “Aos clubs e casinos das estações balnearias termais e climatéricas poderá ser concedida autorização temporária para a realização dos jogos de azar em locais próprios e separados [sic]” (BRASIL, 1920), mudando completamente o tratamento dado aos jogos até então. Apesar de o governo ter o poder de cassar a licença a qualquer momento, esta legislação foi a mais progressista referentes a jogos de azar na história do país, até então.

Contudo, foi na década seguinte, no governo de Getúlio Vargas, que ocorreu a chamada “era de ouro” do jogo, onde foi legalizada a prática, com a criação de impostos de licença para funcionamento dos cassinos. O grande marco legalizador é o Decreto-Lei nº 241, de 1938, onde “Dispõe sobre o imposto de licença para funcionamento, no Distrito Federal, dos Cassinos balneários, [...]” (BRASIL, 1938). Assim, nasceram os famosos cassinos do Copacabana Palace, Cassino Atlântico e da Urca, no Rio de Janeiro, e o Quitandinha, em Petrópolis, o maior da América do Sul. Em todo o Brasil, houve o registro de mais de 70 casas de apostas no país. (ABRABINCS, 2016)

Os cassinos não se resumiam à jogatina. Eram grandes complexos de entretenimento. Os apostadores podiam jantar no restaurante, tomar drinques no piano-bar, dançar ao som da orquestra no salão de baile e assistir a musicais no teatro. O Presidente Getúlio Vargas procurava agradar todas as classes sociais. É dessa época o surgimento da Consolidação das Leis do Trabalho (BRASIL, 1943), onde o trabalhador adquiriu inúmeros direitos, validos até hoje. Assim, “Vargas fez um jogo duplo. Por um lado, ele aprovou as leis trabalhistas, para afagar a população mais pobre, que se mudava do campo para a cidade. Por outro lado, incentivou os cassinos, para ganhar também o apoio da elite”. (PAIXÃO apud ABRABINCS, 2004).

A partir do ano de 1941, os jogos de azar começam a ser criminalizados no Brasil, com a publicação do Decreto-Lei nº 3.688 – Lei das Contravenções Penais –, que em seu artigo 50, criminalizava a exploração e o estabelecimento de jogo de azar em lugar público ou acessível ao público e no artigo 58, o Jogo do Bicho (BRASIL, 1941). Os cassinos ficaram em uma situação embaraçosa, pois o dispositivo sancionado poderia enquadrar estes estabelecimentos.

Em 1942, foi expedido o Decreto-Lei nº 4.866, determinando que o disposto na Lei de Contravenções Penais não se aplicaria aos estabelecimentos licenciados na forma da legislação de 1938 (BRASIL, 1942). Assim, os cassinos ainda estavam salvaguardados pela legislação.

No dia 30 de abril de 1946, três meses depois de assumir a Presidência da República, o general Eurico Gaspar Dutra, numa atitude surpresa, expede o Decreto-Lei nº 9.215, ordenou o fim de todos dos jogos de azar, com exceção do turfe. Nesta época, o Congresso Nacional estava reunido em Assembleia Constituinte para a elaboração da Carta Magna de 1946. Assim, a decisão do Presidente Dutra estava tutelada pelo manto da Constituição de 1937, onde em seu artigo 180 concedia ao Chefe do Executivo a autoridade de “expedir decretos-leis sobre todas as matérias da competência legislativa da União.” (BRASIL, 1937)

Não existe um argumento contundente do governo a época para a proibição do jogo de azar no Brasil. Existem hipóteses que alimentaram a medida: Desde buscar apagar os vestígios da era Vargas, até a influência maciça da primeira-dama, Carmela Dutra –conhecida como Dona Santinha –, que, em virtude de sua forte religiosidade, teria pressionado o marido a decretar a proibição do que considerava ambiente viciado e libidinoso dos cassinos. (ABRABINCS, 2016)

Houve comemoração por parte da sociedade carioca e aprovação pela maioria dos parlamentares constituintes (ABRABINCS, 2016). No entanto, estimativas apontam que o número de desempregados por conta da medida alcançou milhares de trabalhadores.

8.000 pessoas desempregadas em Santos com o fechamento de todos os cassinos – diminuiu em 80% o movimento de passagens entre a capital e a cidade praiana – calmaria nos hotéis e nas ruas da cidade – pleiteiam os músicos “shows” nos cinemas e indenização – a situação dos carteadores, “croupiers” e outros empregados dos salões de jogos – as artistas [...] (1946 apud GUIMARÃES, 2013)

As Loterias surgiram no Brasil na segunda metade do século XVIII, como explanado acima. Mas, foi no ano de 1962 que o Governo Federal deu forma a este jogo como conhecemos hoje, atribuindo a Caixa Econômica Federal a gestão, comercialização e exploração das lotéricas e sorteios das apostas. (LOTERIAS...)

O Decreto-Lei nº 204, do ano de 1967 dispõe sobre a exploração de loterias em território nacional, onde em seu artigo 1º, caput, descreve:

Art. 1º A exploração de loteria, como derrogação excepcional das normas do Direito Penal, constitui serviço público exclusivo da União não suscetível de concessão e só será permitida nos termos do presente Decreto-lei. (BRASIL, 1967)

No mesmo artigo, em seu parágrafo 1º, é relatada que destinação da obtenção dos lucros será destinada a programas de caráter social e assistência médica, divisão está melhor elucidada no artigo 28. (BRASIL, 1967)

O artigo 32, caput e § 1º, do mesmo Diploma Legal, autoriza a manutenção do funcionamento das loterias estaduais existentes, desde que fiquem limitadas às quantidades de bilhetes e séries em vigor na data da publicação e veta a criação de loterias em outras unidades federativas. (BRASIL, 1967)

Em seu preâmbulo, o regulamento define-se como uma exceção às normas de direito penal vigentes, em virtude da proibição de exploração de jogos em território nacional, destinando todos os recursos auferidos para fins sociais (BRASIL, 1967).

As Loterias Caixa têm como atividade fim o repasse social, onde, a aplicação dos rendimentos vai para áreas como o Fundo de Financiamento Estudantil (FIES), Comitês Olímpico e Paralímpico Brasileiro, Seguridade Social, Fundos Nacionais da Cultura, Saúde, Penitenciário e de apoio à Criança e Adolescente (LOTERIAS...). No ano de 2018, as “fezinhas” feitas na Megasena, Loto Fácil, Quina etc., renderam à Caixa Econômica um montante de R$ 13,85 bilhões (BNL, 2019).

Nos anos de 1993 e 1998, as Leis nº 8.672 e 9.615, respectivamente, deram ares de esperança de o jogo retornar à legalidade. Conhecida como Lei Zico e Lei Pelé, nesta ordem, passaram a permitir a exploração de bingos pelo país. O objetivo era instituir “normas gerais sobre desportos [...]” (BRASIL, 1993), mas em seu artigo 57, autoriza entidades esportivas promover bingos. A regulação surgiu com o artigo 59 e seguintes da legislação ulterior. Contudo, em 2004, por conta de um escândalo no alto escalão do governo federal relacionado a bingos (TERRA, 2004), por meio de Medida Provisória n.º 164, tornou-se proibido a exploração de “todas as modalidades de jogos de bingo e jogos em máquinas eletrônicas denominadas "caça-níqueis", [...]” (BRASIL, 2004).

Em 2018, entrou em vigor na legislação brasileira algo que pode ser considerado como mais um ensaio para um provável cenário da legalização dos jogos de azar no Brasil. A Lein.º13.756/18, que dispõe “sobre a destinação do produto da arrecadação das loterias e sobre a promoção comercial e a modalidade lotérica denominadas apostas de quota fixa” (BRASIL, 2018), legitimou a atividade do comércio físico e virtual de apostas esportivas, modalidade que se tornou “febre” nos últimos anos.

Apesar da existência deste mercado anterior a lei, com a promulgação desta, este comércio de apostas poderá patrocinar clubes de futebol brasileiros, conforme o artigo 30, incisos I, alínea “e” e II, alínea “e”, do Diploma Legal supracitado, inclusive “com marcas expostas nas camisas das equipes”(MÁQUINA..., 2018).Ainda sem prazo concreto para a regulamentação da atividade, “11 dos 20 times da elite já contam com aportes financeiros dessas empresas.”, onde o montante financeiro estaria em torno de R$ 300 milhões, a frente da Caixa Econômica, que desembolsou R$ 127,8 milhões em patrocínios no ano de 2018. (LEISTER FILHO, 2019)

É similarmente interessante discutir sobre sorteios que são transmitidos em canais de televisão na rede aberta, a exemplo da Tele Sena, de abrangência nacional, e Caruaru da Sorte e Pernambuco da Sorte, de cobertura regional, pois, desde a cartela que o consumidor adquire até a forma de como o sorteio dos números realiza-se, é praticamente idêntica ao jogo de bingo. No entanto, a explicação para o funcionamento é que estas, na verdade, não são jogos de azar e sim uma das espécies de Títulos de Capitalização. O Decreto-Lei nº 261 de 1967 regulamenta as operações das Sociedades de Capitalização no país, onde constitui-se “de um capital mínimo perfeitamente determinado em cada plano e pago moeda corrente em um prazo máximo indicado no mesmo plano, [...] segundo cláusulas e regras aprovadas e mencionadas no próprio título.” (BRASIL, 1967).

3.2 JOGOS ILÍCITOS X JOGOS TOLERADOS

A priori, é necessário salientar a distinção entre os conceitos de obrigação e responsabilidade, pois, a obrigação pode ser gerada por diversos meios, seja contratual ou extracontratual, e uma vez não cumprida, surge, então, o instituto da responsabilidade, a qual possui como fonte a inadimplência existente.

Com isso, observa-se que os jogos de azar quando proibida a sua prática, surge a obrigação de cumprir com o contratado. No entanto, mesmo existindo a obrigação, esta não possuirá a interferência da responsabilidade para coagir o adimplemento do débito, uma vez que no direito civil é vedada a ação de cobranças de dívida de jogo. Importante destacar que esta regra não se aplica aos jogos que for legalmente permitida a sua prática.

Ademais, continua possuindo importância o entendimento da jurisprudência e parte da doutrina acerca da distinção entre os jogos proibidos, tolerados e autorizados, inclusive doutrinadores como Orlando Gomes, quando citado por Maria Helena Diniz, afirma que os contratos autorizados são regulados por lei, conferindo, desta forma, o direito de crédito, tornando a dívida exigível judicialmente.

Os jogos proibidos ou ilícitos estão relacionados aqueles eventos que dependam exclusivamente da sorte para o ganho ou a perda, como por exemplo o jogo do bicho. Nessa espécie de jogo, por ser ilícito, não se pode ajuizar ação para cobrar o valor devido, e além disso, é aplicado o artigo 815 do Código Civil de 2002, que estabelece: “Não se pode exigir reembolso do que se emprestou para jogo ou aposta, no ato de se apostar”. (BRASIL, 2002)

No que diz respeito aos jogos tolerados, são aqueles que não dependem exclusivamente da sorte, mas da habilidade dos jogadores, tal qual o pôquer. Esses tipos de jogos não são considerados contravenções penais, sendo vistos, apenas como uma forma de diversão. Contudo, por se tratar de jogo tolerado, conforme estabelece o Código Civil, não é possível a ação de cobrança no que se refere a dívida, ou, no caso que, o devedor queira receber de volta o valor pago.

Em relação aos jogos autorizados ou lícitos são aqueles que visam a atender uma utilidade social. Esses têm seus efeitos regulados em lei própria. De acordo com a doutrina de Maria Helena Diniz, a qual contraria o artigo 814, §2º do Código Civil de 2002, o fato de dividir os jogos em lícitos ou ilícitos é irrelevante, uma vez que, mesmo permitido, seja qual for a espécie, é negado seu principal efeito, a exigibilidade do valor ganho seja na aposta seja no jogo.

Desta forma, demonstra-se o comentário da doutrinadora supra:

Todas as espécies de jogos, ilícitos ou lícitos, não obrigam a pagamento, de modo que ninguém poderá ser demandado por débito de jogo ou aposta, visto ser inexigível. Os títulos emitidos para garantir pagamento de aposta não poderão ser cobrados. Nosso Código Civil não considera o jogo e a aposta como atos jurídicos exigíveis, por serem vícios moralmente condenáveis, economicamente desastrosos. (DINIZ, 2014, p. 607).

Percebe-se, a partir da opinião de Diniz, que os jogos e apostas de modo geral, desde aqueles proibidos, passando pelos tolerados e chegando aos que são permitidos por lei, possuem em comum a característica de não possibilitarem a exigência de dívidas que lhe sejam referentes, seja por débito do jogo em si, seja por empréstimo referente aquele jogo, além disso, caso haja sido paga a dívida, essa não poderá ser recuperada.

No entanto, o artigo 814, caput, §2º do Código Civil de 2002, de forma expressa, demonstra uma ressalva no que diz respeito aos jogos legalmente permitidos, haja vista que vem dispor o seguinte:

814. As dívidas de jogo ou de aposta não obrigam a pagamento; mas não se pode recobrar a quantia, que voluntariamente se pagou, salvo se foi ganha por dolo, ou se o perdente é menor ou interdito. § 2o O preceito contido neste artigo tem aplicação, ainda que se trate de jogo não proibido, só se excetuando os jogos e apostas legalmente permitidos. (BRASIL, 2002).

Ademais, o mesmo artigo prever também, que, haverá repetição do valor pago, quando a dívida de jogo ocorrer por dolo, pois, deve-se castigar o desonesto. Nos casos de o perdedor for menor de idade ou interditado, pois, falta a ele discernimento para com suas ações, sendo considerado incapaz, poderá ajuizar ação para resgatar os valores pagos.

Por fim, não é admitido, de acordo com o artigo 814, §1º, do Código Civil de 2002, que seja realizado um contrato que envolva o reconhecimento do débito do jogo ou da aposta, sob pena de nulidade. Contudo, para doutrinadores como Serpa Lopes, conforme afirma Diniz (2014, p. 608), é admitida a novação de obrigação natural, desde que não seja oriunda de causa ilícita, desta forma, cabe a aplicação de novação nos jogos legalmente permitidos por lei.

3.3 DIFERENÇA ENTRE APOSTA E JOGO

Mesmo a Lei Criminal entendendo e equiparando as apostas com os jogos de azar, conforme o mesmo artigo citado anteriormente, não podemos considerar o conceito de jogo de azar e aposta como idênticos. O conceito de aposta se define em um mero acordo entre partes, em que aquele que não acerta, ou perde, dependendo do que se trata, paga à outra parte o que fora acordado, desta forma, as apostas esportivas são verificadas quando sua origem é relacionada ao determinado fato ou resultado de uma modalidade de esporte ou evento ligado a ele. Segundo o Dicionário Aurélio (2008, p.53), aposta é um “acordo entre duas ou mais pessoas de opiniões diferentes, devendo quem não estiver certo pagar algo previamente convencionado: ganhar uma aposta, perder uma aposta”.

Washington de Barros Monteiro (2014) define que: “jogo é o contrato pelo qual duas ou mais pessoas se obrigam a pagar certa soma àquela, dentre as contratantes, que resulta vencedora na prática de determinado ato, a que todas se entregam”. Desta maneira, para todo o entendimento deste estudo é necessário que compreendamos que a aposta esportiva não encontra sustentação na equiparação ao jogo de azar, pois, não pode se qualificar como uma modalidade em que se depende meramente de fatos aleatórios para consecução do resultado, vale acrescentar ainda que segundo o Dicionário Aurélio (2008, p.79), conceitua-se azar como: “Má sorte; sorte adversa ou ainda ausência completa de sorte”. Hoje em dia são vendidos inúmeros exemplares de livros e manuais que propiciam uma série de informações que orientam os apostadores a conduzirem seus estudos para avaliar os prognósticos a que se propõem a jogar. As apostas esportivas não são simples como um lançar de dados ou um giro em uma catraca mecânica para emparelhamento de ilustrações idênticas à mercê de probabilidades meramente ligadas ao acaso, os apostadores realizam estudos baseados em uma série de fatos e eventos como: a força do time fora de casa ou em seus domínios, o retrospecto no campeonato, os investimentos feitos na equipe, os artilheiros, a forma de jogar, a postura do treinador, entre uma série de outros fatores que cumulam em um palpite derradeiro averso ao acaso. É um equívoco pensar que resultados desportivos são equiparados ao livre comércio de uma sequência numérica que se compra nas Casas Lotéricas e aguarda-se uma combinação determinada essencialmente pelo acaso. Assimilar os dois significa o reconhecimento do esporte como um fenômeno aleatório que independe dos fatores externos e internos para promover um resultado final.

Ainda que se reconheça a imprevisibilidade dos eventos esportivos, uma vez que do contrário seria um notável caso de manipulação, os resultados dos jogos estão muito distantes de serem determinados por princípios matemáticos ou leis do acaso. Fatores preponderantes ocorrem entre si para que se obtenha um resultado final, sendo estes fatores já conhecidos ou analisados previamente pelos apostadores como possibilidades reais de mudança ou obtenção do resultado que se almeja, rompendo completamente seus laços com a casualidade.

3.3.1 A legalização das apostas esportivas no Brasil através da Lei nº 13756/18

A aprovação da MP 846/2018 e sua posterior conversão na Lei 13.756/2018 (legaliza as apostas esportivas de cota fixa) representa um enorme avanço quanto à Legalização dos Jogos no Brasil, e em especial, para as apostas esportivas. 

Por muitos anos a regulamentação do jogo foi deixada de lado no congresso, e o único referencial legal que abordava algo sobre jogos datava da década de 1940, proibindo a exploração dos jogos de azar em locais públicos, fato este que não ocorre com as apostas esportivas, fazendo com que a atividade estivesse presente num limbo jurídico, sendo exercida à brecha da lei até pouco tempo atrás.

As apostas esportivas permitem viver, de forma ainda mais intensa, uma paixão já existente entre os consumidores, que é o esporte. Deste modo, e ainda que compartilhe algumas características com os demais jogos de azar, este tipo de aposta não constitui puramente um jogo de azar, uma vez que a combinação ganhadora não é resultado de um sorteio, e sim relaciona-se com o resultado final de um determinado evento esportivo. Assim, tem-se uma certa relação de complementariedade entre a demanda de apostas esportivas e o consumo do esporte correspondente. (OLMEDA, 2010, p. 27)

Ocorre que o mercado de apostas é um dos que mais cresce no esporte, movimentando anualmente bilhões de reais apenas no Brasil, um dos maiores mercados consumidores do meio. Segundo (Balestra e Cabot, 2006) ‘‘O mercado das apostas desportivas online vai acompanhar as tendências do mercado global do jogo online’’. Percebendo a imensa movimentação de valores, diversos países no mundo passaram a regulamentar a atividade, ficando o Brasil atrás nesse aspecto por muito tempo.

De acordo com Pérez (2010) a indústria de apostas esportivas tornou-se um setor com excelentes oportunidades tanto para diferentes governos, como para organizações esportivas ou mesmo para vários operadores privados ou casas de apostas.

Diante do referido cenário e notando a oportunidade de arrecadação de impostos e geração de emprego e renda, o congresso nacional agiu e sancionou a lei 13.756 que criou a modalidade de aposta ‘‘quota fixa’’, na qual se encaixam as apostas esportivas, sejam elas por meio físico ou online.

Percebendo a importância do tema e progresso existente em outros países após a regulação, o Congresso Nacional no final do ano de 2018 sancionou a Lei 13.756, que dispõe sobre o Fundo Nacional de Segurança Pública (FNSP), sobre a destinação do produto da arrecadação das loterias e sobre a promoção comercial e a modalidade lotérica denominadas apostas de quota fixa.

A criação da modalidade lotérica, sob a forma de serviço público exclusivo da União, chamada de quota fixa foi fundamental para o avanço do processo de regulação de apostas esportivas no Brasil, através dessa modalidade o apostador tenta prever o resultado de eventos reais, sendo definido no momento da aposta quanto o apostador poderá receber em caso de acerto do prognóstico.

A lei estabelece que a loteria de apostas de quota fixa será autorizada ou concedida pelo Ministério da Fazenda e será explorada, exclusivamente, em ambiente concorrencial, com possibilidade de ser comercializada em quaisquer canais de distribuição comercial, físicos e em meios virtuais. Além disso, o texto legal já prevê a destinação dos recursos arrecadados oriundos das apostas esportivas, conforme o artigo 30 (Lei 13.756, de 12 de dezembro de 2018):

Art.30 - O produto da arrecadação da loteria de apostas de quota fixa será destinado da seguinte forma:

I - em meio físico: a) 80% (oitenta por cento), no mínimo, para o pagamento de prêmios e o recolhimento do imposto de renda incidente sobre a premiação; b) 0,5% (cinco décimos por cento) para a seguridade social; c) 1% (um por cento) para as entidades executoras e unidades executoras próprias das unidades escolares públicas de educação infantil, ensino fundamental e ensino médio que tiverem alcançado as metas estabelecidas para os resultados das avaliações nacionais da educação básica, conforme ato do Ministério da Educação; d) 2,5% (dois inteiros e cinco décimos por cento) para o Fundo Nacional da Segurança Pública; e) 2% (dois por cento) para as entidades desportivas da modalidade futebol que cederem os direitos de uso de suas denominações, suas marcas, seus emblemas, seus hinos, seus símbolos e similares para divulgação e execução da loteria de apostas de quota fixa; f) 14% (quatorze por cento), no máximo, para a cobertura de despesas de custeio e manutenção do agente operador da loteria de apostas de quota fixa’’ (BRASIL, 2018)

De acordo com o mesmo artigo, no meio virtual a destinação dos valores se dará da seguinte maneira:

II – em meio virtual: 89% (oitenta e nove por cento), no mínimo, para o pagamento de prêmios e o recolhimento do imposto de renda incidente sobre a premiação; b) 0,25% (vinte e cinco centésimos por 22 cento) para a seguridade social; c) 0,75% (setenta e cinco centésimos por cento) para as entidades executoras e unidades executoras próprias das unidades escolares públicas de educação infantil, ensino fundamental e ensino médio que tiverem alcançado as metas estabelecidas para os resultados das avaliações nacionais da educação básica, conforme ato do Ministério da Educação; d) 1% (um por cento) para o FNSP; e) 1% (um por cento) para as entidades desportivas da modalidade futebol que cederem os direitos de uso de suas denominações, suas marcas, seus emblemas, seus hinos, seus símbolos e similares para divulgação e execução da loteria de apostas de quota fixa; f) 8% (oito por cento), no máximo, para a cobertura de despesas de custeio e de manutenção do agente operador da loteria de apostas de quota fixa. (BRASIL, 2018)

O legislador pátrio ao estabelecer tal divisão demonstrou o interesse da União com a destinação dos recursos oriundos do mercado de apostas esportivas, alocando-os nas mais diversas áreas, visando assim o desenvolvimento nacional. Logicamente, a maior parte dos recursos destina-se ao pagamento do prêmio, porém até mesmo essa parcela não fica isenta da arrecadação estatal, uma vez que é devido também o imposto de renda. Bem como os recursos também deverão ser aplicados na segurança pública - através do Fundo Nacional da Segurança Pública; destinados também a seguridade social; à educação; às entidades esportivas que cedem suas marcas; e por fim aos agentes operadores das apostas.

Dessa maneira, fica evidente que todas as partes envolvidas na regulação, uso e prestação de serviço de apostas esportivas serão beneficiadas. O Estado através do aumento da arrecadação, os usuários que terão a garantia de recebimento dos prêmios e maior segurança jurídica e os operadores que poderão fornecer seus serviços legalmente no país, conquistando ainda mais adeptos.

Confirmando a importância temática e os possíveis ganhos com a regulação do mercado de apostas esportivas o governo abriu uma consulta pública online (Secap nº 1/2019) que tem por objetivo colher subsídios para as ações do Ministério da Economia em relação à regulamentação das apostas esportivas de quota fixa (Capítulo V, da Lei nº 13.756, de 12 de dezembro de 2018). Regulamentação essa que se encontra em curso, coordenada pela Secretaria de Avaliação, Planejamento, Energia e Loteria (Secap) da Secretaria Especial de Fazenda do Ministério da Economia, e busca estabelecer um modelo regulatório alinhado às melhores práticas mundiais que propicie um ambiente concorrencial para o setor de loterias, nos termos da legislação vigente. Busca-se assim um modelo regulatório que contemple questões essenciais à futura operação do serviço público, com a adoção de modernas práticas de segurança, integridade, responsabilidade social corporativa, prevenção a fraudes e à lavagem de dinheiro.

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Sobre o autor
Daniel Rebello Baitello

Advogado Especialista em Direito Tributário e Finanças Públicas.. MBA em Contabilidade e Direito Tributário. LLM em Direito Empresarial. LLM em Contratos. Foi Professor de Direito Tributário da Escola de Negócios das Faculdades Projeção nos cursos de Contabilidade e Administração.Professor de Direito Empresarial da Escola de Ciências Jurídicas e Sociais das Faculdades Projeção. Professor nos cursos de Direito da Faculdade JK.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BAITELLO, Daniel Rebello. A legalização dos jogos de azar no Brasil como forma de fomentação do esporte. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 27, n. 6820, 4 mar. 2022. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/92525. Acesso em: 23 nov. 2024.

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