Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/artigos/20485
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

O dano moral social decorrente da ineficiência do serviço de saúde pública

O dano moral social decorrente da ineficiência do serviço de saúde pública

Publicado em .

Identificar o dano transindividual e impor sanções pecuniárias aos seus autores é mais que uma mera compensação à vítima, é questão fundamental para fazer prevalecer a justiça e, acima de tudo, fortalecer no cidadão a presença do Estado e a crença na ordem jurídica.

RESUMO: Na busca pela efetivação dos direitos constitucionalmente garantidos a partir de 1988, especialmente a dignidade da pessoa humana, a responsabilidade civil adquire caráter punitivo e dissuasório. Assim, dentre as novas categorias de danos indenizáveis, o reconhecimento do dano moral social mostra-se cabível para coibir atos negativamente exemplares e que diminuem a expectativa de bem-estar da sociedade. No entanto, em que pesem as muitas discussões acerca do tema, a matéria ainda carece de fundamentação adequada para que sua aplicação em favor da sociedade atinja a finalidade máxima de fazer valer o que prevê a Constituição. A ineficiência dos serviços de saúde pública, quer sejam ofertados diretamente pelo Estado ou por prestadores de serviço, é uma questão tormentosa, pois, embora a saúde seja um direito fundamental de todo o cidadão, ainda padece, aqui no Brasil, de vícios capazes de diminuir a qualidade de vida da coletividade, principalmente daqueles que não possuem condições financeiras para buscar atendimento particular na rede privada.

Palavras-chave: Responsabilidade civil. Dano moral. Danos sociais. Saúde pública.


1 INTRODUÇÃO

O tema proposto está relacionado à evolução da responsabilidade civil no Direito brasileiro e à tutela dos direitos transindividuais, em razão da ampliação das categorias de danos e, principalmente, quanto ao tratamento doutrinário e jurisprudencial dispensado aos novos danos, especialmente o dano social.

A Constituição Federal de 1988 trouxe a possibilidade de esta proteção ultrapassar a esfera individual para abranger também o dano extrapatrimonial à pessoa jurídica e à coletividade, em sentido amplo.

No entanto, não é pacífica a questão da transindividualidade do dano extrapatrimonial, pois a indeterminabilidade do sujeito passivo, neste caso, obstaria o caráter divisível da ofensa e, consequentemente, também, o de sua reparação.

A partir do momento em que se tornou possível identificar a possibilidade de lesão a esferas distintas da pessoa humana, esta passou a ser protegida e, sendo assim, os prejuízos causados à sociedade tornaram-se passíveis de reparação, pois o caráter pedagógico-punitivo desta compensação teria por fim desestimular as práticas rejeitadas pela própria coletividade.

Os danos sociais provocam uma diminuição no nível de vida da coletividade, em sentido amplo, e decorrem da prática de condutas socialmente reprováveis. Neste sentido, o dano social representa um novo e importante dimensionamento à teoria geral da responsabilidade civil.

O Estado foi constituído para atender às necessidades sociais e, na constante busca do bem comum, tem o dever de garantir a todos o acesso aos serviços de saúde. Se a ação ou omissão estatal incorrer em prestação ineficiente haverá afronta ao princípio da dignidade da pessoa humana, hipótese em que é possível a caracterização do dano moral.

A responsabilidade civil é um instituto cuja aplicabilidade é rotineira dentro do convívio social, no entanto, para a caracterização do dano moral social existem muitos obstáculos, já que este tipo de lesão representa algo tão subjetivo.

A controvérsia que gira em torno do assunto o torna inesgotável, e sua constante aplicação leva à necessidade de buscar fundamentos para que o instituto seja corretamente interpretado.

Este trabalho tem como base a pesquisa teórica, bibliográfica e documental, por meio da leitura crítica e interpretativa da doutrina, legislação e jurisprudência pátrias. Além da utilização de outros recursos como, por exemplo, a Internet.


2 DIREITOS COLETIVOS LATO SENSU

Os direitos coletivos lato sensu, também chamados de transindividuais, são gênero, dos quais são espécies: os direitos coletivos stricto sensu, os direitos difusos e os direitos individuais homogêneos. Classificados conforme a natureza dos interesses ou direitos violados.

Os interesses transindividuais são aqueles que excedem a esfera estritamente individual, no entanto, não chegam a constituir um interesse essencialmente público.

A partir da previsão de sua tutela no ordenamento jurídico, esses interesses adquiriram status de direito e assim, a legislação passou a conferir aos lesados a possibilidade de acesso coletivo à justiça, além do acesso individual.

É o que prevê o artigo 81, da Lei 8078/90 (Código de Defesa do Consumidor), in verbis:

Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo.

Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de:

I - interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato;

II - interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base;

III - interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum (BRASIL, 1990).

A previsão legal de tais direitos decorre, segundo Gagliano e Pamplona Filho, da própria evolução da sociedade que, “com a formação de uma consciência da cidadania, leva ao reconhecimento de que a tutela meramente individual não é suficiente para combater as macrolesões passíveis de ocorrência” (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2008, p. 47).

Embora tais direitos encontrem-se previstos em lei específica (Código de Defesa do Consumidor), é pacífico o entendimento acerca de seu caráter e natureza ampla, não se limitando às relações de consumo.


2.1 Direitos difusos

O Código de Defesa do Consumidor considera como difusos os direitos “transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato” (artigo 81, II).

Segundo Zaneti Jr. (2010), “os direitos difusos caracterizam-se pela transindividualidade, indivisibilidade, indisponibilidade, indeterminabilidade dos titulares e ligação por circunstâncias de fato anteriores à lesão”.

Esta espécie de direito pertence a um grupo de pessoas indetermináveis, assim não é possível afirmar especificamente a quem pertence o direito, pois é a circunstância fática que os une em nome de um interesse comum.

Conforme preleciona Alpa (apud SILVA; BELINETTI, 2005):

O interesse difuso tem uma dupla roupagem: subjetiva e objetiva. Subjetivamente, é um interesse pertencente ao indivíduo, enquanto este se reveste de uma qualificação particular, ou seja considerado em uma dimensão particular, atrelado ao seu status: por ex. de consumidor, de poupador (econômico, que economiza), usuário (consumidor) do ambiente, usuário dos serviços públicos, etc. Objetivamente, expressa-se e só pode ter sua essência captada com referência a um grupo, a uma categoria (de consumidor, poupador, usuário do ambiente, etc.).

Assim, os interesses difusos não são considerados como essencialmente públicos e nem tão pouco interesse privado, mas sim, direitos inerentes a uma dada comunidade, por isso também chamados de supra ou metaindividuais (SILVA; BELINETTI, 2005).

A Constituição Federal, em seu artigo 129, III, reconhece expressamente a existência dos direitos difusos ao prever a sua tutela por meio da Ação Civil Pública, promovida pelo Ministério Público:

Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:

[...]

III - promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos; (grifo nosso).

A legitimidade para agir (ad causam), conforme se extrai da norma acima citada, pertence ao Ministério Público, instituição que desempenha funções indispensáveis à preservação do equilíbrio e interesses sociais.


3 OS DIREITOS FUNDAMENTAIS E SUA APLICABILIDADE APÓS A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

Ao longo da história, os indivíduos alcançaram diversos níveis de proteção jurídica, produto de conquistas humanitárias; tais direitos foram reconhecidos e incorporados gradativamente pelos ordenamentos jurídicos de diversos países (ARAÚJO; NUNES Jr., 2006).

O parágrafo 1°, do artigo 5°, da Constituição Federal prevê expressamente a sua aplicabilidade ao prever que “as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata”.

O reconhecimento e a proteção a esta espécie de direito caracterizam a própria forma de ser do Estado Social e Democrático de Direito. Assim, o Estado que os proclama e protege assume uma formatação específica, ditada pela pauta de direitos fundamentais que encampa.


3.1 Direitos sociais

Considerados como direitos fundamentais de segunda geração, os direitos sociais “são aqueles que reclamam do Estado um papel prestacional, de minoração das igualdades sociais” (ARAÚJO; NUNES Jr., 2006, p. 218).

Encontram-se previstos no artigo 6°, da Constituição Federal:

Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição (grifo nosso).

Esta espécie de direito reclama uma ação positiva do Estado, no sentido de diminuir os problemas sociais e satisfazer as necessidades mínimas dos indivíduos, com o objetivo de garantir a dignidade e sentido da vida humana.

Conforme Souto Maior (2007):

O Direito Social, portanto, não apenas se apresenta como um regulador das relações sociais, ele busca promover, em concreto, o bem-estar social,valendo-se do caráter obrigacional do direito e da força coercitiva do Estado. Para o Direito Social a regulação não se dá apenas na perspectiva dos efeitos dos atos praticados, mas também e principalmente no sentido de impor, obrigatoriamente, a realização de certos atos.

Os direitos sociais extrapolam a esfera liberal-individualista e, consequentemente, a idéia de sujeito de direito. Em razão dessa nova dimensão, a titularidade dos direitos sociais passa a ter um caráter coletivo e, dessa forma pertence a toda a sociedade.

Para que sejam pleiteados em Juízo, faz-se necessário utilizar as ações coletivas, especialmente a ação civil pública. Quem possui legitimidade para propor tal ação é o Ministério Público, estadual ou federal, instituição responsável, dentre outros, pela defesa dos interesses sociais.


3.2 A efetividade do direito à saúde como direito fundamental social

O direito à saúde encontra-se no rol dos direitos fundamentais sociais, ou prestacionais, direitos estes que marcaram a passagem do constitucionalismo liberal para o social.

A saúde é dotada de aplicabilidade imediata e eficácia plena, portanto, deve ser respeitada como tal, eis que se consubstancia como um direito público subjetivo, tendo posição de destaque na Constituição como um direito fundamental social, conforme prevê o artigo 196 da Carta Magna, a saúde é “direito de todos e dever do Estado”, além de instituir o “acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”.

Com o surgimento da Organização Mundial as Saúde (OMS) em 1946, a saúde passou a ser definida como o completo bem-estar físico, mental e social, e não somente a ausência de doenças ou agravos, além de ser reconhecida como um dos direitos fundamentais de todo ser humano, seja qual for sua condição social ou econômica e sua crença religiosa ou política (HUMENHUK, 2004).

Por figurar no âmbito dos direitos econômicos, sociais e culturais, a saúde necessita de ações positivas por parte do Estado para ser usufruída pela população. Assim, dentro deste contexto de proteção aos direitos sociais, o direito à saúde é visto como premissa básica no exercício da cidadania, pois além de sua indiscutível relevância social, diz respeito à qualidade de vida, escopo de todos os indivíduos no exercício de seus direitos.

Por outro lado, a inefetividade dos direitos sociais está atrelada à falta de vontade política para materializar sua principal forma de garantia (prestações positivas estatais), e não às dificuldades em acionar tais direitos. Diante disso, a não atuação do Estado na prestação sanitária, revela uma afronta ao nosso bem maior: a vida, razão de ser de todos os demais direitos conquistados pelo homem.


3.3 A reserva do possível conjugada com o mínimo existencial

A teoria da reserva do possível, oriunda do Direito alemão, mas deturpada por alguns intérpretes brasileiros, é constantemente invocada por aqueles que visam “afastar a obrigatoriedade de efetivação dos direitos fundamentais sociais pelo Estado” (MÂNICA, 2007).

Esta teoria vincula o direito à economia e tem o condão de equacionar necessidades – inclusive aquelas advindas de direitos sociais – ilimitadas e os recursos escassos.

Também denominada de “reserva do financeiramente possível”, essa teoria tem por óbice afastar a intervenção do Poder Judiciário na efetivação de direitos fundamentais nas hipóteses em que a ausência de recursos orçamentários insuficientes for comprovada pelo Estado (MÂNICA, 2007).

No entanto, com base na realidade brasileira, condicionar a efetivação dos direitos sociais, especialmente o direito à saúde, à existência de recursos "disponíveis" no orçamento estatal, significa, segundo Krell, “reduzir a eficácia destes direitos à zero, relativizar sua universalidade, condenando-os a serem considerados direitos de menor importância” (KRELL, 2002, p. 53).

Os limites da "reserva do possível" não são obstáculos instransponíveis, razão pela qual, Moro elenca algumas situações em que os mesmos não prevalecerão:

(a) quando estiver envolvido direito a prestações materiais mínimas (dignidade da pessoa humana); (b) quando o tratamento diferenciado se fizer em detrimento de grupo que mereça especial proteção em regime democrático (justificando posição incisiva do Judiciário); (c) quando se estiver diante de violação "clara e insuportável" do princípio da isonomia (MORO, 2001).

Nesse sentido, o “mínimo existencial”, também conhecido como núcleo de direitos relacionados à dignidade da pessoa humana, representa uma subespécie de direito social (minimizando o problema dos custos), mais preciso (procurando superar a imprecisão dos princípios), portanto, efetivamente exigível do Estado (BARCELLOS, 2002, p. 45).

Em razão disso, a não efetivação dos efeitos compreendidos dentro do “mínimo existencial” constitui clara violação ao princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. Desse modo, é possível pleitear judicialmente a prestação equivalente.

A reserva do possível não pode se tornar um obstáculo à preservação do necessário para a garantia da dignidade humana, pois sem o mínimo existencial, não há que se falar em liberdade e/ou igualdade, pois a dignidade humana é o alicerce e o ponto de partida para a efetivação de qualquer direito fundamental. A partir da ponderação de valores é essencial invocar o princípio da proporcionalidade para assegurar o equilíbrio entre a reserva do possível e o mínimo existencial, impedindo, assim, o retrocesso nas conquistas sociais (ALMEIDA Jr., 2007).


4 DO DANO MORAL

O dano moral é fruto da projeção comunitária, ou social, do princípio da dignidade da pessoa humana, e como tal, representa a injusta violação de uma situação jurídica subjetiva, extrapatrimonial, instrumentalizada por cláusula geral de tutela da personalidade humana (COSTA, 2009).


4.1 Conceito e evolução

Na acepção tradicional do termo, o dano moral, segundo Azevedo (in FILOMENO et al, 2004, p. 371), “deve ser conceituado por exclusão e é todo aquele dano que ou não tem valor econômico ou não pode ser quantificado com precisão”.

Atualmente entende-se que “os danos morais são lesões praticadas contra os direitos considerados essenciais à pessoa humana, denominados direitos da personalidade” (GOMES, 1983, p. 129).

Antes da promulgação da Constituição Federal de 1988, havia forte resistência à admissão do dano moral, pois a sociedade, até então, conservava em si um caráter essencialmente patrimonialista.

A evolução do dano moral ocorreu de maneira paralela à evolução do próprio Direito como um todo, especialmente após a incorporação dos direitos de segunda e terceira gerações nos textos constitucionais. Estes são fruto da valoração e proteção da dignidade da pessoa humana.

Conforme o entendimento de Costa (2009, p.18):

O equilíbrio social decorrente desse novo modelo de Estado, estampado principalmente nos textos constitucionais do pós-guerra dos países ocidentais, tem estreita relação com o desabrochar da concepção da pessoa humana não sendo apenas ‘o sujeito de direito neutro, anônimo e titular de patrimônio’, mas uma pessoa concreta (detentora de todas as mazelas e idiossincrasias ínsitas ao homem), situada em determinado grupo social, merecedora de diferenciada guarida da ordem jurídica ‘segundo o grau de vulnerabilidade (essa vulnerabilidade possui estreita relação, apesar de não ser o único viés que poderia ser utilizado, com a condição econômica dessa pessoa) que apresente’. A categoria central do direito privado transmuda-se finalmente para o ser humano.

Os incisos V e X, do artigo 5° da Constituição expressam claramente que a reparabilidade do dano moral é um direito subjetivo inerente à pessoa humana, como segue:

Art. 5º [...]

[...]

V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;

[...]

X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação (BRASIL, 1988);

Pereira observa que “tais dispositivos vieram pôr uma pá de cal na resistência à reparação do dano moral, que se integra, assim, definitivamente em nosso direito, fazendo desaparecer o argumento baseado na ausência de um princípio geral” (PEREIRA apud GONÇALVES, 2009, p. 375).

Com base na fundamentação constitucional do dano moral este não pode ser definido, simplesmente, como uma espécie de dano extrapatrimonial. É o que defende Moraes (2003, p. 129):

Afirmar que o dano moral é ‘dor, vexame, humilhação, ou constrangimento’ é semelhante a dar-lhe o epíteto de ‘mal evidente’. Através destes vocábulos, não se conceitua juridicamente, apenas se descrevem sensações e emoções desagradáveis, que podem ser justificáveis, compreensíveis, razoáveis, moralmente legítimas até, mas que, se não forem decorrentes de ‘danos injustos’, ou melhor, de danos a situações merecedoras da tutela por parte do ordenamento, não são reparáveis. (...) Se a violação à situação jurídica subjetiva extrapatrimonial acarreta, ou não, um sentimento ruim, não é coisa que o Direito possa ou deva averiguar. O que o ordenamento jurídico pode (e deve) fazer é concretizar, ou densificar, a cláusula de proteção humana, não admitindo que violações à igualdade, à integridade psicofísica, à liberdade e à solidariedade (social e familiar) permaneçam irressarcidas.

Segundo a mesma autora, “esse dano à dignidade humana é a repercussão da ofensa a aspectos da personalidade da pessoa humana, do que se infere que, haverá dano pessoal toda vez que um direito personalíssimo da vítima for atingido em sua essência” (MORAES, 2003, p. 131).

Em razão do status conferido a este pela norma constitucional, atualmente resta superada a discussão quanto ao dever ou não indenizar o dano moral.

No entanto, ainda há controvérsias acerca da reparabilidade dos chamados “novos danos”.


4.2 As novas espécies de dano

Os movimentos sociais das últimas décadas foram marcados pela luta por novos direitos nos mais diversos setores: saúde, segurança, educação, meio ambiente, qualidade de vida, habitação, transportes, etc., pois as configurações processuais tradicionais se mostraram incapazes de abranger e dar resposta satisfatória aos novos litígios que acabavam excluídos da proteção estatal (BESSA, 2007).

Esses direitos, conhecidos como direitos de terceira geração, são produto “da reflexão sobre temas referentes ao desenvolvimento, à paz, ao meio ambiente, à comunicação e ao patrimônio comum da comunidade” (BONAVIDES, 2003, p.523).

A dimensão do dano a um determinado bem jurídico tem relevância não só pelo fato de integrar o rol dos pressupostos que dão direito à reparação, mas também pela ampliação que tem produzido na seara da responsabilidade civil. Esta, na moderna concepção doutrinária não tem mais como núcleo a noção de ato ilícito, mas sim a de dano injusto.

Neste sentido, a jurisprudência brasileira tem se deparado com pelo menos três novas modalidades de dano: dano decorrente da perda de uma chance, dano moral coletivo e dano social. Este último, de grande relevância para esta pesquisa, será tratado a seguir.


4.3 Do dano social

O dano social guarda estreita relação com o dano coletivo, mas muito embora alguns considerem as expressões como sinônimas, uma boa parte da doutrina faz relevantes distinções entre as espécies.

O dano coletivo está adstrito aos direitos coletivos stricto sensu, que pertencem a grupo determinado de pessoas, enquanto o dano social se refere à lesão aos direitos difusos, concernentes à sociedade.

É uma modalidade de dano que prioriza a lesão globalmente produzida, pois, “o ressarcimento dos danos individuais, ainda que coletivamente defendido, não atinge a esfera da necessária reparação do ilícito cometido na perspectiva social” (CAPPELLETTI apud SOUTO MAIOR, 2007).

Um dos motivos que fundamentam o dano moral coletivo, e também o social, é a sua desvinculação à dor psíquica, pois além desta, outras espécies de abalo no conjunto de valores de uma coletividade também clamam por reparação.

O conceito de dano social propriamente dito foi construído com maestria pelo professor Antônio Junqueira de Azevedo, que o conceituou como “lesões à sociedade, no seu nível de vida, tanto por rebaixamento de seu patrimônio moral – principalmente a respeito da segurança – quanto por diminuição na qualidade de vida(AZEVEDO in FILOMENO et al, 2004, p. 376).

A idéia de dano social, como categoria jurídica, além de ser aplicada às condutas socialmente reprováveis, surge também com a finalidade de indenizar situações até então não indenizáveis e, neste contexto, a responsabilidade civil assume o papel de proteção à coletividade e à sua dignidade como valores fundamentais.


4.3.2 Do dano moral social

A socialização do Direito, fruto das profundas transformações sociais tem produzido reflexos na teoria do dano moral, dando origem a novas subespécies, quais sejam: dano moral coletivo e dano moral social.

Muito embora os conceitos de dano moral coletivo e dano moral social guardem estreita relação entre si, os institutos não se confundem, pois o primeiro atinge um grupo de indivíduos (sujeitos determinados ou determináveis) atingidos por um mesmo fato comum, ao passo que, o segundo, atinge a sociedade com um todo (sujeitos indeterminados).

O dano moral social não é formado pela soma de interesses individuais, mas por um dano autônomo que afeta a comunidade como um todo. Neste sentido, os danos são suportados por todo o corpo social, e não por cada pessoa, individualmente.

A ofensa aos direitos difusos causam lesão aos valores morais do corpo social e dá origem ao dano moral social. Muito embora a coletividade não possua personalidade jurídica própria, por outro lado, possui valores morais que merecem proteção jurídica do Estado.

Quanto à ampliação do conceito de abalo moral, leciona Ramos (1998, p. 83):

[...] vê-se que a coletividade é passível de ser indenizada pelo abalo moral, o qual, por sua vez, não necessita ser a dor subjetiva ou estado anímico negativo, que caracterizariam o dano moral na pessoa física, podendo ser o desprestígio do serviço público, do nome social, a boa imagem de nossas leis ou mesmo o desconforto da moral pública, que existe no meio social. (grifo nosso)

Esse entendimento é reforçado por Costa (2009, p. 35), ao traçar um paralelo entre o dano moral social e o dano moral à pessoa jurídica:

[...] se a concepção de dano extrapatrimonial estivesse apenas e tão somente vinculada à ideia subjetiva de dor e sofrimento, não se poderia aceitar a causação dessa modalidade de dano à pessoa jurídica (violação objetiva do direito ao nome, consideração e reputação social), ‘quando já é consagrada a sua admissão em diversos ordenamentos jurídicos estrangeiros, bem como hoje, de forma pacífica, no Direito brasileiro’. [...] o dano moral ou extrapatrimonial consubstancia-se na violação do direito da dignidade humana, vertente individual ou coletiva.

Muito embora o dano moral cause, na maioria das vezes, sofrimento à(s) vítima(s), este pode não ocorrer, conforme ensina Azevedo (in FILOMENO et al, 2004, p. 371):

Em geral, esse dano moral será um dano de sofrimento, daí se falar em “pretium doloris”, mas algumas vezes haverá também o dano moral que foge a essa caracterização, porque se trata de dano – e basta pensar nas pessoas jurídicas, ou nas pessoas físicas que não tem condições de discernimento, ou ainda nos nascituros – que representa algum prejuízo não avaliável pecuniariamente de modo exato.

O caráter indivisível dos valores protegidos pelos direitos difusos é um dos principais fundamentos do dano moral social, pois, conforme ensina Moreira (apud BITTAR FILHO, 2005):

Em muitos casos, o interesse em jogo, comum a uma pluralidade indeterminada (e praticamente indeterminável) de pessoas, não comporta decomposição num feixe de interesses individuais que se justapusessem como entidades singulares, embora análogas. Há, por assim dizer, uma comunhão indivisível de que participam todos os possíveis interessados, sem que se possa discernir, sequer idealmente, onde acaba a ‘quota’ de um e onde começa a de outro. Por isso mesmo, instaura-se entre os destinos dos interessados tão firme união, que a satisfação de um só implica de modo necessário a satisfação de todos; e, reciprocamente, a lesão de um só constitui, ipso facto, lesão da inteira coletividade.

Verifica-se, portanto, a existência de relevante tendência jurídica que busca a real efetivação dos direitos sociais, bem como coibir sua violação, porquanto, parte-se da seguinte premissa: as ações preventivas no plano coletivo podem promover, também, a prevenção de danos individuais.


4.3.3 O dano moral social como um novo enfoque para a responsabilidade civil

Até a metade do século XX a segurança (relativa à vida e integridade física e psíquica), era considerada como cláusula contratual. No entanto, não é este o entendimento que predomina atualmente diante da autonomia da obrigação de segurança, que não se encontra mais vinculada à existência de contrato.

A segurança, conforme Azevedo, constitui um valor para qualquer sociedade. Quanto mais segurança, melhor a sociedade, quanto menos, pior (AZEVEDO, in FILOMENO et al, 2004, p. 375).

Assim, “o dano social, aliado à idéia de responsabilidade pressuposta, representa um novo e importante dimensionamento que deve ser dado à teoria geral da responsabilidade civil” (SILVA, 2008).

O Poder Judiciário, na prerrogativa de efetivar os dispositivos constitucionais, deve fazer valer o direito à saúde e designar ao mesmo todo seu caráter de direito fundamental, dando ao direito sanitário seu referido valor dentro da Lei Maior de 1988. Para tanto, a caracterização do dano moral social decorrente da ineficiência da prestação do serviço de saúde pública seria cabível para coibir as condutas socialmente reprováveis.


5 O DANO MORAL SOCIAL DECORRENTE DA INEFICIÊNCIA DO SERVIÇO DE SAÚDE PÚBLICA

Os níveis de saúde da população expressam a organização social e econômica de um país. No Brasil, a saúde só foi garantida constitucionalmente como direito universal de cidadania e dever do Estado a partir de 1988.

Segundo o Artigo 196 da Constituição Federal, esse direito é garantido mediante políticas sociais e econômicas que visam à redução do risco de doenças e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

Todos os indivíduos têm direito ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para promoção, proteção e recuperação da saúde, bem como à redução do risco de doença e outros agravos. No entanto, não é isto o que ocorre no dia-a-dia daqueles que buscam atendimento nos locais destinados a fornecê-lo.

A ineficiência na prestação dos serviços de saúde afronta o princípio da dignidade da pessoa humana, pois “a saúde tem características holísticas e não estáticas, assim, o risco está sempre onipresente” (HUMENHUK, 2004).


5.1 A saúde pública no Brasil: retrato do caos

A palavra “saúde”, ao contrário do entendimento de muitos, não significa apenas ausência de doença, mas, carrega consigo um conceito multidimensional que engloba as condições – objetivas e subjetivas – que proporcionam uma vida digna à população. Para que esse direito se efetive é necessário que o Estado implemente políticas públicas capazes de garantir o que prevê a lei.

A saúde integra o rol dos bens intangíveis mais preciosos do ser humano, consubstanciada em característica indissociável do direito à vida, razão pela qual deve receber a tutela protetiva estatal. Portanto, “a atenção à saúde constitui um direito de todo cidadão e um dever do Estado, devendo estar plenamente integrada às políticas públicas governamentais” (ORDACGY, 2008).

O Brasil é um país marcado por profundas desigualdades sociais e, neste sentido, promover a isonomia e garantir a aplicabilidade dos direitos fundamentais constitui-se em desafio a ser assumido pelas políticas públicas.

No entanto, a situação em que se encontra a saúde pública no Brasil é uma realidade chocante. Num país que possui uma das maiores cargas tributárias do mundo, a sociedade padece em razão da falta de recursos e do precário atendimento prestado à população.

Segundo Gomes (2009):

Tais prestações de serviços, por sua ineficiência, falta de recursos e até mesmo de boa vontade dos agentes públicos, ocasionam diversos tipos de transtornos aos usuários, dentre os quais se pode mencionar a demora nos atendimentos, falta de medicamentos, inexistência de leitos para internamentos ambulatoriais e principalmente em unidades de terapia intensiva. As consequências, como não poderiam ser diferentes, são drásticas. O cidadão sofre com doenças que muitas vezes poderiam ser sanadas mediante a utilização dos medicamentos adequados; as filas em postos de atendimentos e em hospitais públicos são absurdas, sendo que não há mais nenhuma surpresa em ouvir ou ler um noticiário que informa sobre a morte de mais um paciente em fila, na espera de atendimento médico; da mesma forma, muitos sofrem demasiada e desnecessariamente à espera de um leito hospitalar; outros morrem aguardando a vaga no leito de uma unidade de tratamento intensivo.

Em relação à triste realidade da saúde pública brasileira, destaca Schwartz (apud HUMENHUK, 2004):

Mesmo que o direito à saúde necessite dos meios materiais necessários para sua efetivação, a Constituição Federal, através de inúmeros artigos que tratam da matéria, determina que os Poderes Públicos têm responsabilidade na área da saúde, e que nenhum dos entes federados componentes da República Brasileira pode eximir-se de tal obrigação. (...) A saúde não pode estar condicionada a discursos vagos, promessas políticas e ideologias cambaleantes. A condição primordial para o desenvolvimento de qualquer regime democrático é a vida do ser humano, que não pode ser colocada em segundo plano por distorções ideológicas que têm como grande objetivo disfarçar os reais e egoísticos interesses implícitos em ditas falas.

Os dispositivos constitucionais são explícitos ao estabelecer os parâmetros para a efetivação do direito à saúde, no entanto, não vem sendo observados e respeitados pelo Estado que, ao não atuar de forma efetiva, faz com que a saúde seja mais um dos problemas enfrentados pela população (HUMENHUK, 2004).

Surge então, neste contexto, uma importante questão: a responsabilidade do Estado pelo caos da saúde pública e pelos danos causados aos cidadãos, em razão da ineficiência na prestação dos serviços de saúde, que são de suma importância para efetivar os direitos previstos e garantidos pela Constituição Federal, especialmente, a dignidade da pessoa humana.


5.2 O princípio da dignidade da pessoa humana e as condutas socialmente reprováveis

A dignidade humana é um valor inerente ao indivíduo como pessoa, pois possui caráter supremo, de valia moral, ética e espiritual intangível.

Acerca deste princípio, afirma Otero:

[...] dotado de uma natureza sagrada e de direitos inalienáveis, afirma-se como valor irrenunciável e cimeiro de todo o modelo constitucional, servindo de fundamento do próprio sistema jurídico: O Homem e a sua dignidade são a razão de ser da sociedade, do Estado e do Direito (OTERO, apud MELO, 2007).

Para Piovesan “o ser humano é um ser essencialmente moral, dotado de unicidade existencial e dignidade como um valor intrínseco à condição humana”. E, acerca deste valor, a mesma autora acrescenta que o mesmo é “intrínseco à condição humana e não um valor extrínseco, a depender da minha condição social, econômica, religiosa, nacional ou qualquer outro critério (PIOVESAN, 2009).

O artigo 22, da Declaração Universal dos direitos do homem prevê o seguinte:

Artigo XXII. Todo o homem, como membro da sociedade, tem direito à segurança social e à realização, pelo esforço nacional, pela cooperação internacional e de acordo com a organização e recursos de cada Estado, dos direitos econômicos, sociais e culturais indispensáveis à sua dignidade e ao livre desenvolvimento de sua personalidade (FRANÇA, 1948).

Segundo Canezin, “o Direito exerce um papel decisivo na concretização da dignidade da pessoa humana, principalmente quando assegurada a nível constitucional, como em nosso país e, por estar vinculada à condição humana de cada indivíduo”. No entanto, o fato do ser humano viver em sociedade “não se pode descartar a dimensão social desta mesma dignidade” (CANEZIN, 2007).

Quanto à relação entre a dignidade humana e o dano moral, Direito e Cavalieri Filho acrescentam que:

A Constituição deu ao dano moral uma nova feição e maior dimensão, porque a dignidade humana nada mais é do que a base de todos os valores morais, a essência de todos os direitos personalíssimos. O direito à honra, à imagem, ao nome, à intimidade, à privacidade ou a qualquer outro direito da personalidade, todos estão englobados no direito à dignidade, verdadeiro fundamento e essência de cada preceito constitucional relativo aos direitos da pessoa humana (DIREITO; CAVALIERI FILHO, 2004, p. 101).

Desse modo, “a responsabilidade civil passa a ter um sentido instrumental, de tutela e de garantia dos direitos fundamentais, e um propósito ético, de solidariedade e de justiça social” (PINTO, 2008, p.24).


5.3 A responsabilidade civil do Estado por ineficiência na prestação de serviços públicos

A efetivação dos direitos sociais requer uma ação positiva do Estado, portanto sua omissão diante dos interesses da sociedade viola a dignidade humana, como preconiza Canezin (2007):

[...] toda e qualquer ação do ente estatal deve ser e estar direcionada na busca da dignidade da pessoa humana, sob pena de, em não sendo assim, suas ações serem consideradas inconstitucionais. O Estado deve, pois, em sua atuação, partir do pressuposto de que deve considerar cada pessoa como um fim em si, e empenhar-se na busca e concretização de sua felicidade. O princípio da dignidade da pessoa humana é o núcleo essencial dos direitos fundamentais e a premissa fundamental de qualquer Estado que se queira definir e assumir como Democrático. A garantia da dignidade da pessoa humana é a fonte ética que confere unidade de sentido, de valor e de concordância prática ao sistema dos direitos fundamentais.

Quanto à omissão estatal, destaca Freitas:

A construção da teoria da responsabilidade objetiva do Estado confunde-se com a própria evolução do Estado de Direito e com o progressivo reconhecimento dos direitos individuais, limitando o campo de atuação do Estado em defesa do cidadão. De fato, desde os tempos do absolutismo, em que, identificando-se o Estado à pessoa do rei, se negava a possibilidade de responsabilização do Estado ("the king can not do wrong") até os dias que correm, em que o Estado, tal qual os particulares, deve submeter-se completamente às leis e reparar quaisquer danos por ele causados, o que se vê é uma afirmação, cada vez maior, do princípio da solidariedade social. Assim, a moderna doutrina publicística tem afirmado, quase unanimemente, que para configurar-se o dever de indenizar do Estado, basta ao lesado comprovar a existência do dano e o nexo causal entre este dano e a atividade estatal (FREITAS, 2001).

Acerca da responsabilidade do Estado, prevê a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 37, § 6º:

Art. 37. [...]

[...]

§ 6º - As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa (BRASIL, 1988).

Tal responsabilidade também encontra guarida no artigo 927 do Código Civil Brasileiro, que prevê:

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem (BRASIL, 2002).

Portanto, entende-se que, a partir da Constituição Federal de 1988 e da previsão no Código Civil de 2002, não há que se falar em responsabilidade subjetiva do Estado. Pois, mesmo que a causa do dano tenha origem na falta do serviço, a partir da leitura do § 6°, do artigo 37, da Carta Magna, “resta evidente que o dever do Estado de indenizar surge independentemente de culpa ou dolo, seja em face de condutas comissivas seja em face de omissões” (FREITAS, 2001).

Ocorre que, em se tratando de conduta omissiva, ainda há divergência doutrinária e jurisprudencial, visto que, segundo Mello (apud FREITAS, 2001) “se o Estado não agiu, não pode, logicamente, ser o autor do dano”.

Contrário a este entendimento é o que leciona Di Pietro, para quem “a culpa do serviço público, demonstrada pelo seu mau funcionamento, não funcionamento ou funcionamento tardio é suficiente para justificar a responsabilidade do Estado” (DI PIETRO, 2005, p. 508).


6 CONCLUSÃO

Identificar o dano transindividual e impor sanções pecuniárias aos seus autores é mais que uma mera compensação à(s) vítima(s), é questão fundamental para fazer prevalecer a justiça e, acima de tudo, fortalecer no cidadão a presença do Estado e a crença na ordem jurídica.

Para tanto, faz-se necessário considerar o caráter repressivo-preventivo que informa a responsabilização pelo dano moral coletivo, uma vez que sua previsão não objetiva apenas compensar a sociedade, mas, tem como objetivo punir aquele que, previamente avisado pela lei, violou interesse metaindividual.

O Poder Judiciário, na prerrogativa de efetivar os dispositivos constitucionais, tem o dever de fazer valer o direito à saúde e designar ao mesmo todo seu caráter de direito fundamental, dando a este seu referido valor dentro da Carta Magna. Para tanto, a caracterização do dano moral social decorrente da ineficiência da prestação do serviço de saúde pública é medida imprescindível para coibir as condutas socialmente reprováveis.

Assim, o dano moral em face da ofensa a direitos transindividuais afasta-se da concepção personalíssima, característica da responsabilidade civil tradicional, para assumir outra, mais sociável, destinada a preservar valores coletivos, como a saúde pública.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALMEIDA JUNIOR, E. J. D. de. Aspectos relevantes dos direitos sociais de prestação frente ao mínimo existencial e à reserva do possível. Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1522, 1 set. 2007. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/10357>. Acesso em: 22 jun. 2011.

ARAUJO, L. A. D.; NUNES Jr., V. S. N. Curso de direito constitucional. 10. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006.

ASSEMBLÉIA GERAL DA ONU. Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Aprovado em Nova Iorque em 16 de dezembro de 1966. Disponível em: <http://portal.mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/pacto_dir_economicos.htm>. Acesso em 15 jun. 2011.

BARCELLOS, A. P. de. O mínimo existencial e algumas fundamentações: John Rawls, Michael Walzer e Robert Alexy, in Legitimação dos Direitos Humanos - Ricardo Lobo Torres (org.), Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2002.

BESSA, L. R. Dano moral coletivo. Clubjus, Brasília-DF: 04 nov. 2007. Disponível em: < http://www.clubjus.com.br/?artigos&ver=2.11175>. Acesso em 08 nov. 2010.

BITTAR FILHO, C. A. Do dano moral coletivo no atual contexto jurídico brasileiro. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 559, 17 jan. 2005. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/6183>. Acesso em: 13 jun. 2011.

BONAVIDES, P. Curso de Direito Constitucional. 13. ed. São Paulo: Malheiros, 2003.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. Vade Mecum Acadêmico da Legislação brasileira. Organizado por Antonio Carlos Figueiredo, São Paulo: Primeira Impressão, p. 21, 2006.

__________. Lei n° 8078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências. Brasília: Planalto. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil/leis/l8080.htm>. Acesso em: 19 jun. 2011.

__________. Lei n° 8080, de 19 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. Brasília: Planalto. Disponível em:

< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8078.htm>. Acesso em: 06 fev. 2011.

__________. Lei 10406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Brasília: Planalto. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406.htm>. Acesso em: 06 mar. 2011.

__________. Supremo Tribunal Federal. Argüição de descumprimento de preceito fundamental. A questão da legitimidade constitucional do controle e da intervenção do poder judiciário em tema de implementação de políticas públicas, quando configurada hipótese de abusividade governamental. Considerações em torno da cláusula da "reserva do possível". Necessidade de preservação, em favor dos indivíduos, da integridade e da intangibilidade do núcleo consubstanciador do "mínimo existencial". Viabilidade instrumental da argüição de descumprimento no processo de concretização das liberdades positivas (direitos constitucionais de segunda geração). ADPF 45 MC/DF. Partido da Social Democracia e Presidente da República. Relator Ministro Celso de Mello. DJU de 4.5.2004. Disponível em: <http://www.stf.jus.br//arquivo/informativo/documento/informativo345.htm>. Acesso em 22 jun. 2011.

CANEZIN, C.; OLIVEIRA, J. Da responsabilidade civil na violação da dignidade da pessoa humana na sociedade conjugal. Revista Jurídica Cesumar - Mestrado, América do Norte, 7, out. 2007. Disponível em: <http://www.cesumar.br/pesquisa/periodicos/index.php/revjuridica/article/view/521/379>. Acesso em: 19 Jun. 2011.

COSTA, M. F. S. Dano moral (extrapatrimonial) coletivo: leitura constitucional, civil e trabalhista: estudo jurisprudencial. São Paulo: LTr, 2009.

DI PIETRO, M. S. Z. Direito Administrativo. 18. ed. São Paulo: Atlas, 2005.

DIREITO, C. A. M.; CAVALIERI FILHO, S. Comentários ao Novo Código Civil. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2004. v. XIII

FERRAZ, O. L. M.; VIEIRA, F. S. Direito à saúde, recursos escassos e equidade: os riscos da interpretação judicial dominante. DADOS – Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, Vol. 52, no 1, 2009, pp. 223 a 251. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/dados/v52n1/v52n1a07.pdf>. Acesso em 20 jun. 2011.

FILOMENO, J. G. B.; WAGNER Jr., L. G. DA C.; GONÇALVES, R. A. O Código Civil e sua interdisciplinariedade: os reflexos do Código Civil nos demais ramos do Direito. Belo Horizonte: Del Rey, 2004.

FRANÇA. Declaração universal dos direitos humanos, adotada e proclamada pela resolução 217 A (III) da Assembléia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948. Brasília: Ministério da Justiça. Disponível em: <http://portal.mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/ddh_bib_inter_universal.htm>. Acesso em: 10 nov. 2010.

FREITAS, M. L. C. de. Da responsabilidade civil do estado por omissões. Jus Navigandi, Teresina, ano 6, n. 51, 1 out. 2001. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/2247>. Acesso em: 18 jun. 2011.

FRONTINI, P. S.; MILARÉ, É.; FERRAZ, A. A. M. de C. Ministério Público, ação civil pública e defesa dos interesses difusos. Revista Justitia, São Paulo, 47 (131): 263-278, setembro, 1985. Disponível em: <http://www.justitia.com.br/revistas/ayb885.pdf>. Acesso em 22 maio 2011.

GAGLIANO, P. S.; PAMPLONA FILHO, R. Novo curso de direito civil, volume III: responsabilidade civil. 6. Ed. Ver. E atual. São Paulo: Saraiva, 2008.

GOMES, F. M. R. Responsabilidade do estado por ineficiência na prestação de serviços de saúde pública. Rev. Ciên. Jur. e Soc. da Unipar. Umuarama. v. 12, n. 1, p. 101-128, jan./jun. 2009. Disponível em: <http://revistas.unipar.br/juridica/article/view/2869/2128>. Acesso em 30 maio 2011.

GOMES, O. Introdução ao Direito Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1983.

__________. Tendências Modernas na Teoria da Responsabilidade Civil, em Estudos em Homenagem ao Professor Sílvio Rodrigues. São Paulo: Saraiva, 1989.

GONÇALVES, C. R. Direito civil brasileiro, volume IV: responsabilidade civil. 4. ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2009.

HUMENHUK, H. O direito à saúde no Brasil e a teoria dos direitos fundamentais. Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 227, 20 fev. 2004. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/4839>. Acesso em: 11 fev. 2011.

KRELL, A. J. Direitos Sociais e Controle Judicial no Brasil e na Alemanha: Os (des)caminhos de um direito constitucional “comparado”. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2002.

MÂNICA, F. B. Teoria da reserva do possível: direitos fundamentais a prestações e a intervenção do poder judiciário na implementação de políticas públicas. Revista Brasileira de Direito Público, Belo Horizonte, ano 5, n. 18, p. 169-186, jul./set. 2007.

MARTINEZ, L. Comportamento anti-sindical e dano moral social. [S.l]. Jornal Carta Forense, 2009. Disponível em: <http://www.cartaforense.com.br/Materia.aspx?id=4767>. Acesso em 10 jun. 2011.

MEDEIROS NETO, X. T. de. Dano moral coletivo. 2ª ed. São Paulo: LTr, 2007.

MELO, N. D. de. Dano moral coletivo nas relações de consumo. Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 380, 22 jul. 2004. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/5462>. Acesso em: 12 jun. 2011.

__________. O princípio da dignidade humana e a interpretação dos direitos humanos. São Paulo, 2007. Disponível em: <http://www.boletimjuridico.com.br/doutrina/texto.asp?id=1779>. Acesso em 10 jun. 2011.

MORAES, M. C. B. de. Danos à pessoa humana: uma leitura civil-constitucional dos danos morais. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.

MORO, Sérgio Fernando. Desenvolvimento e Efetivação Judicial das Normas Constitucionais. São Paulo: Max Limonad, 2001.

ORDACGY, A. da S. A tutela de saúde como um direito fundamental do cidadão. Rio de Janeiro, [2008?] . Disponível em: <http://www.dpu.gov.br/pdf/artigos/artigo_saude_andre.pdf>. Acesso em 20 maio 2011.

PINHO, H. D. B. de . Direito individual homogêneo: uma leitura e releitura do tema. [s.l.], 2005. Disponível em: <http://www.mundojuridico.adv.br/sis_artigos/artigos.asp?codigo=482>. Acesso em 30 maio 2011.

PINTO, Helena Elias. Responsabilidade civil do Estado por omissão. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.

PIOVESAN, F. Direitos humanos: desafios e perspectivas contemporâneas. Rev. TST, Brasília, vol. 75, nº 1, jan/mar 2009. Disponível em: <http://www.tst.gov.br/Ssedoc/PaginadaBiblioteca/revistadotst/Rev_75/Rev_75_1/piovesanflavia.pdf>. Acesso em 16 jun. 2011.

RAMOS, A. de C. A Ação Civil Pública e o Dano Moral Coletivo. Revista de Direito do Consumidor nº 25. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998.

SCHWARTZ, G. A. D. Direito à Saúde: efetivação em uma perspectiva sistêmica. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001.

SILVA, E. da; SARRETA, F. de O.; BERTANI, I. F. As políticas públicas de saúde no Brasil: o Sistema Único de Saúde (SUS) e a rede de saúde em Franca. Serviço Social & Realidade, Franca, 16(1): 87-110, p. 87-109, 2007. Disponível em: <http://www.franca.unesp.br/ssrealidade/SSR_16N1.pdf>. Acesso em 16 jun. 2011.

SILVA, N. T. R. C.; BELINETTI, L. F. Interesses difusos questões sobre a efetividade de sua tutela. Scientia Iuris, Londrina, v. 9, p. 229-252, 2005. Disponível em: <http://www.uel.br/revistas/uel/index.php/iuris/article/view/4051/3590>. Acesso em 22 maio 2011.

SILVA, R. P. da. Wrongful Conception, Wrongful Birth e Wrongful Life:

possibilidade de recepção de novas modalidades de danos pelo ordenamento brasileiro. [S.l.], 2011. Disponível em:

<http://patriciafontanella.adv.br/wp-content/uploads/2011/01/A-possibilidade-de-recep%C3%A7%C3%A3o-de-novas-modalidades-de-danos-pelo-ordenamento-brasileiro.pdf>. Acesso em 08 jun. 2011.

SOUTO MAIOR, J. L. O dano social e sua reparação. Vol. 71, nº 11, Novembro de 2007 Revista LTr. 71-11/1317. [S.l.]. Disponível em: <http://www.calvo.pro.br/media/file/colaboradores/jorge_luiz_souto_maior/jorge_luiz_souto_maior_o_dano_moral.pdf>. Acesso em 13 jun. 2011.

TEPEDINO, G. A tutela da personalidade o ordenamento civil-constitucional brasileiro. In: Temas de direito civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2004.

TURRA, M. D.; LOPES, C. C. V. Direito à saúde como direito de cidadania. Alguns aspectos práticos. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 881, 1 dez. 2005. Disponível em: http://jus.com.br/artigos/7648>. Acesso em: 10 fev. 2011.

ZANETI Jr., H. Direitos coletivos lato sensu: a definição conceitual dos direitos difusos, dos direitos coletivos stricto sensu e dos direitos individuais homogêneos. [S.l.]. Disponível em: <http://www.abdpc.org.br/artigos/artigo14.htm>. Acesso em 14 abr. 2011.


Autor


Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PAIÉ, Karline dos Santos Nascimento. O dano moral social decorrente da ineficiência do serviço de saúde pública . Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 3066, 23 nov. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20485. Acesso em: 24 abr. 2024.