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Desoneração fiscal da folha de salário pela Lei nº 12.546/11 e os reflexos do Ato Declaratório Interpretativo RFB nº 42/2011

Desoneração fiscal da folha de salário pela Lei nº 12.546/11 e os reflexos do Ato Declaratório Interpretativo RFB nº 42/2011

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O Ato Declaratório Interpretativo RFB nº 42/2011 não possui função meramente interpretativa, pois excetua a aplicação de regra benéfica ao contribuinte, constituindo ônus fiscal sem previsão legal. Assim, não poderá ter efeitos retroativos, pois fere direito adquirido dos contribuintes.

1. INTRODUÇÃO

O Governo Federal, a fim de estimular o setor produtivo nas áreas de Tecnologia de informação e determinados ramos industriais, sobretudo a indústria têxtil, editou a medida provisória nº 540, que dentre outras disposições desonerou a folha de salários daqueles setores econômicos, visando a formalização das relações de trabalho e o fomento das atividades comerciais.

Para isso, foi substituída a dinâmica do recolhimento das contribuições previdenciárias incidentes, na proporção de 20% sobre a folha de pagamentos, prevista pelo art. 22 da Lei 8.212/91, pela receita bruta da prestação de serviço de TI e da venda dos produtos industrializados contemplados pela legislação em comento, excluídas as vendas canceladas e os descontos incondicionais concedidos.

A medida visa à redução do custo trabalhista e o consequente estímulo à geração de empregos formais, que cada vez mais perdem espaços para a contratação de mão de obra terceirizada, como forma de diminuir a despesa com a folha de salários.

Contudo, na própria exposição de motivos da MP 540/2011[1], o Governo Federal reconhece que nessa nova relação contratual, os trabalhadores ficam sem os direitos sociais do trabalho (férias, 13º salário, seguro desemprego, hora extra, etc.), pois se trata de uma relação jurídica entre iguais (empresa-empresa) e não entre trabalhador e empresa. Essa prática deixa os trabalhadores sem qualquer proteção social e permite que as empresas reduzam os gastos com encargos sociais.

Neste mister, o Governo Federal entende que o principal motivo da realização do planejamento tributário, visando a redução dos encargos trabalhistas, sobretudo do pagamento de contribuições previdenciárias com a terceirização de serviços se deve à crise econômica mundial de 2008/2009, cujos efeitos ainda são sentidos pelos setores de tecnologia da informação - TI e tecnologia da informação e comunicação - TIC, bem como pelas indústrias moveleiras, de confecções, e de artefatos de couro, que permanecem enfrentado dificuldades em retomar o nível de atividade pré-crise.

Na exposição de motivos da MP 540/2011, a equipe econômica da Presidência da República justificou a importância desta política pública da seguinte forma:

“A importância e a urgência da medida são facilmente percebidas em razão do planejamento tributário nocivo que tem ocorrido mediante a constituição de pessoas jurídicas de fachada com o único objetivo de reduzir a carga tributária, prática que tem conduzido a uma crescente precarização das relações de trabalho; bem como, em razão do risco de estagnação na produção industrial e na prestação de serviços nos setores contemplados.”

Com efeito, a medida proposta favorece a recuperação dos setores atingidos, bem como incentiva a implantação e a modernização de empresas com redução dos custos de produção.

Essa política fiscal de desenvolvimento econômico planejada pelo governo terá um impacto orçamentário financeiro na ordem de R$ 214 milhões (duzentos e catorze milhões de reais) para o ano de 2011 e R$ 1.430 milhões (um bilhão quatrocentos e trinta milhões de reais) para o ano de 2012, a título de renúncia de receita.

Para compensar a perda de arrecadação, conforme determina a Lei de Responsabilidade Fiscal, haverá um incremento de recursos oriundos do Decreto nº 7.458, de 7 de abril de 2011, por meio do aporte de recursos da Conta Única do Tesouro, eventuais perdas havidas em razão da Medida, de modo a evitar desequilíbrio nas contas do Regime Geral de da Previdência Social.

Ocorre que a Receita Federal do Brasil, indo de encontro aos objetivos da MP 540/2011, expediu o Ato Declaratório Interpretativo RFB nº 42 de 2011, o qual dispõe acerca da contribuição previdenciária incidente sobre o décimo terceiro salário de segurados empregados e trabalhadores avulsos cuja contribuição a cargo da empresa esteja sujeita à substituição daquela incidente sobre a remuneração por contribuição sobre o valor da receita bruta, nos termos dos arts. 7º e 8º da Medida Provisória nº 540 de 2 de agosto de 2011.

De acordo com o Ato Declaratório Interpretativo RFB nº 42 de 2011, as empresas deverão recolher a contribuição previdenciária sobre o 13º salário, nos moldes do inciso I do art. 22 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991 e não sobre o valor da receita bruta, nos termos dos arts. 7º e 8º da MP 540/2011.

Conforme será demonstrado ao longo do presente trabalho, o Ato Declaratório Interpretativo RFB nº 42 de 2011 é manifestamente inconstitucional, violando os mais básicos princípios constitucionais tributários, além de contrariar os objetivos almejados pelo legislador através da MP 540/2011, por meio de uma interpretação absolutamente equivocada.

Neste artigo, destacaremos as implicações das normas em comento, no setor industrial têxtil.


2. A APLICAÇÃO DA LEI 12.546/11 QUANTO AO RECOLHIMENTO DE CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA SOBRE O 13º SALÁRIO.

A MP nº 540/2011 foi convertida na Lei nº 12.546 em 15/12/2011. De acordo com esta Lei, em seu art. 8º, as indústrias moveleiras, de confecções e de artefatos de couro que fabriquem determinados produtos classificados na Tabela de Incidência do Imposto sobre Produtos Industrializados - TIPI, substituirão as contribuições previdenciárias incidentes sobre a folha de salários e prestadores de serviços, previstas pelo art. 22, incs. I e III da Lei nº 8.212/91, cuja alíquota é de 20%, pelo recolhimento incidente sobre o valor da receita bruta da alienação destes produtos, excluídas as vendas canceladas e os descontos incondicionais concedidos, à alíquota de 1,5% (um inteiro e cinco décimos por cento).

Podemos citar entre os produtos elencados: vestuário e seus acessórios (incluídas as luvas, mitenes e semelhantes) de borracha vulcanizada não endurecida para quaisquer uso, vestuário e seus acessórios de couro natural ou reconstituído, vestuário seus acessórios e outros artefatos de peleteria, e sacos de quaisquer dimensões, para embalagem, de juta ou de outras fibras têxteis liberianas.

Vejamos a redação do art. 8ª da Lei 12.546/11:

Art. 8º Até 31 de dezembro de 2014, contribuirão sobre o valor da receita bruta, excluídas as vendas canceladas e os descontos incondicionais concedidos, à alíquota de 1,5% (um inteiro e cinco décimos por cento), em substituição às contribuições previstas nos incisos I e III do art. 22 da Lei nº 8.212, de 1991, as empresas que fabriquem os produtos classificados na Tipi, aprovada pelo Decreto nº 6.006, de 2006:

I – nos códigos 3926.20.00, 40.15, 42.03, 43.03, 4818.50.00, 63.01 a 63.05, 6812.91.00, 9404.90.00 e nos capítulos 61 e 62;

II – nos códigos 4202.11.00, 4202.21.00, 4202.31.00, 4202.91.00, 4205.00.00, 6309.00, 64.01 a 64.06;

III – nos códigos 41.04, 41.05, 41.06, 41.07 e 41.14;

IV – nos códigos 8308.10.00, 8308.20.00, 96.06.10.00, 9606.21.00 e 9606.22.00; e

V – no código 9506.62.00.

Parágrafo único. No caso de empresas que se dediquem a outras atividades, além das previstas no caput, o cálculo da contribuição obedecerá:

I – ao disposto no caput quanto à parcela da receita bruta correspondente aos produtos relacionados nos seus incisos I a V; e

II – ao disposto nos incisos I e III do art. 22 da Lei nº 8.212, de 1991, reduzindo-se o valor da contribuição a recolher ao percentual resultante da razão entre a receita bruta de atividades não relacionadas à fabricação dos produtos arrolados nos incisos I a V do caput e a receita bruta total.

Importante ressaltar que se a empresa produzir outros produtos que não os elencados acima, deverá recolhê-los conforme o disposto nos incisos I e III do art. 22 da Lei nº 8.212, de 1991, reduzindo-se o valor da contribuição a recolher ao percentual resultante da razão entre receita bruta de atividades não relacionadas à fabricação dos produtos arrolados supra.

Em relação à base de cálculo dessas contribuições, a receita bruta deve ser considerada sem o ajuste referente aos elementos do ativo decorrentes de operações de longo prazo, quando houver efeito relevante. Também deverá ser excluído da base de cálculo das contribuições a receita bruta de exportações.

A data de recolhimento das contribuições é a prevista na alínea “b” do inciso I do art. 30 da Lei nº 8.212, de 1991, qual seja, até o dia 20 (vinte) do mês subsequente ao da competência.

Em que pese esta nova dinâmica de recolhimento da contribuição previdenciária incidente sobre a folha de salários e prestação de serviço, a empresa continua sujeita ao cumprimento das demais obrigações previstas na legislação previdenciária.

Se tomarmos como exemplo uma empresa que produz e comercializa sacos de quaisquer dimensões, para embalagem, de juta ou de outras fibras têxteis liberianas, produtos esses elencados no inciso I, do art. 8º, da Lei 12.546/11; ela deveria recolher 1,5% (um inteiro e cinco décimos por cento) sobre a receita bruta da produção desses bens, a título de contribuição previdenciária.

Porém, além dos produtos acima descriminados, se essa empresa também produz outros produtos não abrangidos pela legislação, ela deverá observar o disposto no parágrafo único do art. 8º da Lei 12.546/11, referente ao cálculo para recolhimento da contribuição previdenciária, que será realizado da seguinte forma: a base de cálculo resultará da apuração de 20% sobre a folha total de salários, multiplicada pelo percentual do faturamento dos produtos não enquadrados nas hipóteses dos incisos I a V do art. 8º da Lei 12.546/11. Após, soma-se a este resultado, a proporção de 1,5% sobre o faturamento de produtos enquadrados.

Segue abaixo uma simulação hipotética do cálculo realizado dentro das atividades desenvolvidas por uma empresa do setor, para melhor compreensão:

Cálculo da Contribuição Previdenciária - Lei 12.546/11

Faturamento sacaria

2.645.314,29

(-) Vendas canceladas e desc. Incond.

4.300,00

Faturamento sacaria - Base

2.641.014,29

1,5% do faturamento

39.615,21

Total do Faturamento

3.872.364,78

Faturamento Sacaria

2.645.314,29

Faturamento demais produtos

1.227.050,49

Relação % - demais produtos

31,69%

Total do INSS 20% (Empresa)

221.943,18

% demais Produtos

31,69%

INSS 20% demais produtos

70.327,95

Valor do INSS devido conforme a Lei 12.546/11

109.943,17

Vejam que tal metodologia implica em uma economia fiscal de aproximadamente 50% (cinquenta por cento) para as empresas do setor. Com isso, os contribuintes poderão incrementar sua produção, investir na modernização de seu parque industrial e ainda gerar mais empregos formais, aumentando o seu quadro de empregados.

No caso do recolhimento da contribuição previdenciária sobre o 13º salário do exercício de 2011, deveria ser aplicada a metodologia acima, pois a Lei 12.546/11 entrou em vigor na data de sua publicação no Diário Oficial da União, no dia 15.12.2011, período em que é pago o benefício.

Vejamos como seria o recolhimento da contribuição previdenciária incidente sobre o 13º salário, nos moldes da Lei 12.546/11, que igualmente implicaria em redução de aproximadamente 50% (cinquenta por cento):

Cálculo da Contribuição Previdenciária (13º salário) - Lei 12.546/11

Faturamento sacaria

2.645.314,29

(-) Vendas canceladas e desc. Incond.

4.300,00

Faturamento sacaria - Base

2.641.014,29

1,5% do faturamento

39.615,21

Total do Faturamento

3.872.364,78

Faturamento Sacaria

2.645.314,29

Faturamento demais produtos

1.227.050,49

Relação % - demais produtos

31,69%

Total do INSS 20% (Empresa)

181.461,67

% demais Produtos

31,69%

INSS 20% demais produtos

57.500,43

Valor do INSS devido (13º salário) conforme a Lei 12.546/11

97.115,64

Deste modo, causa estranheza que a Receita Federal do Brasil tenha editado o Ato Declaratório Interpretativo RFB nº 42 de 2011, onde determina em seu art. 1º que a contribuição a cargo da empresa de que trata o inciso I do art. 22 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, seja substituída por contribuição sobre o valor da receita bruta, nos termos dos arts. 7º e 8º da Medida Provisória nº 540, de 2 de agosto de 2011, não incidindo sobre o valor de 1/12 (um doze avos) do décimo terceiro salário de segurados empregados e trabalhadores avulsos referente à competência de dezembro de 2011.

Já as empresas que se dediquem a outras atividades além da fabricação dos produtos classificados na Tabela de Incidência do Imposto sobre Produtos Industrializados (Tipi)[2], deverão recolher, a título de contribuição previdenciária, 20% sobre o valor de 1/12 (um doze avos) do décimo terceiro salário de segurados empregados e trabalhadores avulsos, referente à competência dezembro de 2011, reduzindo-se o valor da contribuição a recolher ao percentual resultante da razão entre receita bruta de atividades não relacionadas à fabricação dos produtos mencionados neste parágrafo e a receita bruta total relativa ao mês de dezembro de 2011. Tal determinação está prevista no parágrafo único do Ato Declaratório Interpretativo RFB nº 42 de 2011.

Como dito, o Ato Declaratório determina que o pagamento da contribuição previdenciária incidente sobre o 13º salário das empresas beneficiadas pela Lei 12.546/11 estaria submetido às regras da Lei 8.212/91, ou seja, os contribuintes deveriam recolher 20% sobre os rendimentos pagos sobre a folha de salários e não 1,5% sobre o faturamento de produtos enquadrados no art. 8º da Lei 12.546/[11].

Entretanto, esta imposição implicará em aumento da carga tributária dos contribuintes, compelindo-os a recolher valores manifestamente indevidos, pois ignora a legislação correta a ser aplicada no caso em comento, qual seja, a Lei 12.546/11, instituída justamente para reduzir a tributação das empresas do setor, além de violar princípios constitucionais tributários, conforme se verá a seguir.


3. PRINCÍPIO DA RESERVA LEGAL EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA

Um dos mais basilares princípios de Direito Tributário é o da reserva legal, pelo qual a instituição ou majoração do tributo só pode ser feita através de lei em sentido estrito. Trata-se de um direito fundamental do contribuinte, previsto no art, 150, I, da CF/88:

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

I - exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça;

Assim, a obrigação tributária decorre da lei, cujo ente competente para a sua edição é o Poder Legislativo. Logo, não pode o Poder Executivo e seus respectivos órgãos “legislar” em matéria tributária, sobretudo quando o ato emanado pela autoridade incompetente resultar em majoração da carga tributária, como é o caso dos autos.

O princípio da reserva legal aplica-se a todos os aspectos da obrigação tributária, quais sejam: material, temporal, espacial, quantitativo e pessoal. Destarte, não pode uma norma infralegal, in casu, um ato declaratório, alterar o aspecto temporal da incidência tributária, criando novas obrigações ou limitando direitos previstos em lei e anteriores a sua vigência.

Por seu turno, é certo que o órgão fazendário pode expedir atos declaratórios e interpretativos, mas, estes servem apenas para esclarecer o conteúdo das leis, não podendo ter efeito ultralegem, tampouco, contralegem.

O ato declaratório interpretativo enquadra-se nas normas complementares previstas no art. 100[3] do CTN. Embora as normas complementares também possuam caráter deontológico, estas se limitam a “complementar” o conteúdo das leis, dos tratados e das convenções internacionais e dos decretos, sem jamais, repita-se, criar, modificar ou extinguir direitos e obrigações.

A jurisprudência pátria se coaduna com a tese ora ventilada, conforme se depreende dos julgados abaixo:

TRIBUTÁRIO - ATO NORMATIVO DECLARATÓRIO Nº 32/93 ALTEROU CLASSIFICAÇÃO VEÍCULOS DECRETO-LEI 288/67 - JIPES - CANCELAMENTO DO BENEFÍCIO DA ISENÇÃO DE IPI E DO IMPOSTO DE IMPORTAÇÃO - OFENSA AO PRINCÍPIO DA HIERARQUIA DAS LEIS - OFENSA AO PRINCÍPIO DA RESERVA LEGAL - EXTINÇÃO DO PROCESSO EM RELAÇÃO A FATOS NÃO COMPROVADOS. 1 - O Ato Declaratório nº 32/93 violou os princípios da hierarquia das leis e da reserva legal, ao ultrapassar o decreto-lei 288/67 e dispor sobre critérios indispensáveis à determinação da classificação tarifária de forma definitiva. 2 - Implicou, ainda que indiretamente, na criação de obrigações aos particulares, pois que tal classificação será considerada para a determinação de alíquotas e pagamentos de tributos. 3 - Em relação aos fatos alegados mas não provados, não resta configurado o direito líquido e certo em relação aos mesmos. Extinção do processo que se impõe no tocante a estes fatos. 4 - Apelações e remessa a que se nega provimento.

(AMS 9401280975, JUÍZA SÔNIA DINIZ VIANA, TRF1 - TERCEIRA TURMA, DJ DATA:23/04/1999 PAGINA:147.)

AÇÃO ORDINÁRIA - TRIBUTÁRIO - DEDUÇÃO DE INCENTIVOS FISCAIS A OBSERVAR O ART. 15, DL 1.967/82 - EXCEDIMENTO DA IN SRF 37/83 E DO AD 15/83, CST - PRECEDENTES - DESCONSTITUIÇÃO DO AUTO - PROCEDÊNCIA AO PEDIDO 1- Em sede de dedução, em IRPJ, relativa a incentivos fiscais, calcou-se o Auto atacado em entendimento fazendário, de que, seja a Instrução Normativa - IN SRF 37/83, seja o Ato Declaratório - AD 15/83, CST, não inovaram em relação ao disposto pelo art. 15, DL 1.967/82, opostamente a isso é que almejando a parte autora / apelante por sua desconstituição. 2- Dito art. 15 estabeleceu que as deduções do Imposto de Renda - IR, referentes a incentivos fiscais, fossem calculadas segundo o valor da ORTN do mês de entrega da declaração, contrariamente ao quê citada IN ordenou o fosse em cruzeiros. 3- Os incentivos fiscais se submentem à reserva legal, à estrita legalidade tributária, inciso VI, do art. 97, CTN, de tal arte que a inovação promovida por aquelas duas normações administrativas claramente contraria a lei, desborda de seus limites. 4- Acertada a pretensão contribuinte, avultando de rigor o desfazimento da autuação em tela, inobservante a Administração à estrita legalidade tributária. Precedentes. 5- Provimento à apelação.

(AC 93031034325, JUIZ CONVOCADO SILVA NETO, TRF3 - TURMA SUPLEMENTAR DA SEGUNDA SEÇÃO, DJU DATA:07/01/2008 PÁGINA: 304.)

Em se tratando de ato declaratório interpretativo, sua função única e exclusiva é de aclarar/dirimir dúvidas em relação à aplicação da legislação tributária, quanto ao seu conteúdo e alcance.

No presente caso, observa-se que não há nenhuma dúvida quanto à aplicação do art. 8º da Lei 12.546/11. Conclui-se, então, que o intuito do Ato Declaratório Interpretativo RFB nº 42 de 2011 é restringir o benefício fiscal previsto pela Lei 12.546/11, impondo um ônus fiscal sem previsão legal, o que não se admite.

Se a Lei 12.546/11 estabelece uma regra quanto ao recolhimento das contribuições previdenciárias, um mero Ato Declaratório, hierarquicamente inferior à Lei em sentido estrito, não pode dispor de forma contrária.

Veja-se que a Lei 12.546/11 não trouxe nenhuma exceção quanto ao aspecto temporal de sua vigência, entrando em vigor na data da sua publicação, logo, seu art. 8º passou a produzir efeitos no primeiro dia do quarto mês subsequente à data de publicação da Medida Provisória nº 540, de 2 de agosto de 2011[4], ou seja, em dezembro de 2011.

Assim, o ato declaratório ora debatido jamais poderia limitar ou excepcionar a aplicação de norma hierarquicamente superior (Lei), sob pena de ofensa ao princípio da reserva legal tributária.


4. DO POSICIONAMENTO DO STJ QUANTO O ASPECTO TEMPORAL DO FATO GERADOR DA CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA INCIDENTE SOBRE O 13º SALÁRIO.

Não obstante, cumpre tratar da posição do STJ no que tange ao aspecto temporal da contribuição previdenciária, questão relevante para demonstrar a aplicabilidade da Lei 12.546/11 ao caso concreto. Vejamos:

O Superior Tribunal de Justiça já se pronunciou sobre o momento que considera como consumado o fato gerador da contribuição previdenciária, incidente sobre a gratificação natalina ou 13º salário.

O leading case sobre a matéria é o Recurso Especial nº 462.986-RS, no qual o STJ fixou o seguinte entendimento: é irrelevante para caracterização do fato gerador do tributo que a aquisição do direito às verbas oriundas do 13ª salário ocorra ao longo do ano, a cada mês ou fração superior a 15 dias.

Sendo assim, conforme a posição do STJ, levando-se em consideração o art. 144 do CTN, a tributação da verba deve ser feita em conformidade com a lei vigente no momento do pagamento, que é ordinariamente o mês de dezembro.

Vejamos a ementa do acórdão (destaques nossos):

TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. LEI 9.783/99. FATO GERADOR.PERCEPÇÃO DA REMUNERAÇÃO. GRATIFICAÇÃO NATALINA. MÊS DE DEZEMBRO.

1. O fato gerador da contribuição previdenciária prevista na Lei 9.783/99 é a percepção da remuneração pelo servidor ou pensionista.

2. A regra é aplicável à gratificação natalina, sendo irrelevante, para esse fim, que a aquisição do direito à referida verba dê-se ao longo do ano, a cada mês ou fração superior a 15 dias (Lei 8.112/90, art. 63).

3. Sendo assim, nos moldes do art. 144 do CTN, a tributação da verba deve ser feita em conformidade com a lei vigente no momento do pagamento, que é ordinariamente o mês de dezembro (Lei 8.112/90, art. 64).

4. Recurso especial provido.

(REsp 462.986/RS, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA TURMA, julgado em 17/05/2005, DJ 30/05/2005, p. 214)

O Ministro Teori Zavascki, Relator do recurso, conclui em seu voto que o fato gerador do tributo é o efetivo recebimento da remuneração pelo beneficiário, a qual ocorre, normalmente, no mês de dezembro, não havendo qualquer pertinência o fato de que o direito à remuneração ocorra durante o exercício financeiro, e prossegue:

“A evidenciar a impossibilidade de que se considere ocorrido mês a mês o fato gerador da contribuição incidente sobre o décimo-terceiro, e constituído o respectivo crédito tributário, está o fato de que sua base de incidência somente é conhecida no mês de dezembro de cada ano, de acordo com a regra do art. 63, caput, da Lei 8.112/90, que dispõe que "A gratificação natalina corresponde a 1/12 (um doze avos) da remuneração a que o servidor fizer jus no mês de dezembro, por mês de exercício no respectivo ano." (destaques apostos)

Muito embora o acórdão trate da incidência de contribuição previdenciária sobre o 13º salário dos servidores públicos, o mesmo raciocínio aplica-se aos trabalhadores celetistas, regidos pelo regime geral da previdência social.

De acordo com o art. 1º da Lei nº 4090/62, no mês de dezembro de cada ano, a todo empregado será pago, pelo empregador, uma gratificação salarial, independentemente da remuneração a que fizer jus.

Destarte, fica claro que o fato gerador da contribuição previdenciária dos trabalhadores Celetistas, regidos pelo regime geral da previdência social, ocorre no mês de dezembro, pois esta é a data do seu pagamento, da mesma forma que exposto alhures, pouco importa se o direito às verbas oriundas do 13ª salário ocorra ao longo do ano, a cada mês ou fração superior a 15 dias.

Considerando que a vigência do art. 8º da Lei 12.546/11 se iniciou em dezembro de 2011, o recolhimento da contribuição social previdenciária, incidente sobre o 13ª salário deve ser regida por esta legislação, conforme determina o art. 144 do CTN (grifamos):

Art. 144. O lançamento reporta-se à data da ocorrência do fato gerador da obrigação e rege-se pela lei então vigente, ainda que posteriormente modificada ou revogada.

§ 1º Aplica-se ao lançamento a legislação que, posteriormente à ocorrência do fato gerador da obrigação, tenha instituído novos critérios de apuração ou processos de fiscalização, ampliado os poderes de investigação das autoridades administrativas, ou outorgado ao crédito maiores garantias ou privilégios, exceto, neste último caso, para o efeito de atribuir responsabilidade tributária a terceiros.

§ 2º O disposto neste artigo não se aplica aos impostos lançados por períodos certos de tempo, desde que a respectiva lei fixe expressamente a data em que o fato gerador se considera ocorrido.

Como visto acima, resta induvidoso que a Lei 12.546/11 já estava vigente no mês de dezembro de 2011, sendo a legislação aplicável no momento do fato gerador, o que por sua vez afasta a aplicação do Ato Declaratório Interpretativo RFB nº 42 de 2011, como visto acima.


5. DA INCONSTITUCIONALIDADE DA APLICAÇÃO RETROATIVA DO ATO DECLARATÓRIO INTERPRETATIVO RFB Nº 42 DE 2011

A segurança jurídica é o pilar de sustentação de um Estado Democrático de Direito. Para assegurá-la é de vital importância que as leis não possam ter efeitos retroativos. Tal assertiva está consagrada na CF-88, em seu art. 5º, XXXVI[5] e em matéria tributária no art. 150, III, “a”:

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

III - cobrar tributos:

a) em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver instituído ou aumentado;

Existe em nosso ordenamento jurídico a possibilidade de retroação da lei tributária desde que esta seja meramente interpretativa ou venha a beneficiar o contribuinte, na forma do art. 106 do Código Tributário Nacional.[6]

A justificativa para a retroação da lei interpretativa é que esta não cria, exclui ou modifica direitos, mas tão somente esclarece o conteúdo e o significado de norma pré-existente, dirimindo as dúvidas, quanto a sua aplicação.

Ocorre que o Ato Declaratório Interpretativo RFB nº 42 de 2011 não possui função meramente interpretativa, pois excetua a aplicação de uma regra mais benéfica ao contribuinte (MP 540/2011, posteriormente convertida na Lei 12.546/11), constituindo verdadeiro ônus fiscal sem previsão legal, sendo inaplicável, portanto, o art. 106, I, do CTN.

Deste modo, o Ato Declaratório Interpretativo RFB nº 42 de 2011 não poderá ter efeitos retroativos, pois fere o direito adquirido dos contribuintes e viola o postulado da segurança jurídica.


6. DA NULIDADE FORMAL DO ATO DECLARATÓRIO INTERPRETATIVO RFB Nº 42 DE 2011

Por fim, cumpre desatacar a flagrante nulidade formal do Ato Declaratório Interpretativo 42 de 2011. Vejamos:

O Ato Declaratório Interpretativo RFB nº 42 de 2011 foi publicado no DOU de 16.12.2011 e, como dito, dispõe sobre a contribuição previdenciária incidente sobre o décimo terceiro salário de segurados empregados e trabalhadores avulsos cuja contribuição a cargo da empresa.

Ocorre que a Medida Provisória nº 540, de 02 de agosto de 2011 foi revogada pela Lei 12.546/11. Esta, por sua vez, entrou em vigor em 15.12.2011, dia de sua publicação no Diário Oficial da União. Entre outros efeitos, esta Lei revogou a MP nº 540/2011. Ou seja, a partir de 15.12.2011, a referida Medida Provisória deixou de existir em nosso ordenamento jurídico.

Com isso, o Ato Declaratório Interpretativo RFB nº 42 de 2011, interpretou a aplicação de norma já revogada e inexistente em nosso sistema jurídico, sendo, portanto, nulo de pleno direito.


7. CONCLUSÃO

O Governo Federal, com o intuito de estimular a geração de empregos e o desenvolvimento econômico de setores afetados pela última crise mundial, concedeu benefícios fiscais às empresas de tecnologia da informação - TI e tecnologia da informação e comunicação - TIC, bem como pelas indústrias moveleiras, de confecções, e de artefatos de couro.

Estes benefícios foram regulados pela MP nº 540/2011, posteriormente convertida na Lei nº 12.546/11. Ocorre que a receita Federal do Brasil, por meio do o Ato Declaratório Interpretativo RFB nº 42 de 2011, restringiu a fruição deste direito, quanto ao pagamento da contribuição previdenciária, relativa ao 13º salário de 2011.

Ocorre que este ato do órgão fazendário é manifestamente inconstitucional, pois viola os princípios tributários da legalidade e irretroatividade, assim como o devido processo legal; além de contrariar a jurisprudência do STJ sobre a matéria.


Notas

[1] Disponível em: https://www.planalto.gov.br/CCIVIL_03/_Ato2011-2014/2011/Exm/EMI-122-MF-MCT-MDIC-Mpv540.htm

[2] Aprovada pelo Decreto nº 6.006, de 28 de dezembro de 2006, nos códigos previstos nos incisos I a III do caput do art. 8º da Medida Provisória nº 540, de 2011,

[3] Art. 100. São normas complementares das leis, dos tratados e das convenções internacionais e dos decretos:

I - os atos normativos expedidos pelas autoridades administrativas;

II - as decisões dos órgãos singulares ou coletivos de jurisdição administrativa, a que a lei atribua eficácia normativa;

III - as práticas reiteradamente observadas pelas autoridades administrativas;

IV - os convênios que entre si celebrem a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios.

Parágrafo único. A observância das normas referidas neste artigo exclui a imposição de penalidades, a cobrança de juros de mora e a atualização do valor monetário da base de cálculo do tributo.

[4] Art. 52. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

(...)

§ 2º Os arts. 7º a 9º e 14 a 21 entram em vigor no primeiro dia do quarto mês subsequente à data de publicação da Medida Provisória nº 540, de 2 de agosto de 2011, observado o disposto nos §§ 3º e 4º deste artigo.

[5] XXXVI - a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada;

[6] Art. 106. A lei aplica-se a ato ou fato pretérito:

I - em qualquer caso, quando seja expressamente interpretativa, excluída a aplicação de penalidade à infração dos dispositivos interpretados;

II - tratando-se de ato não definitivamente julgado:

a) quando deixe de defini-lo como infração;

b) quando deixe de tratá-lo como contrário a qualquer exigência de ação ou omissão, desde que não tenha sido fraudulento e não tenha implicado em falta de pagamento de tributo;

c) quando lhe comine penalidade menos severa que a prevista na lei vigente ao tempo da sua prática.


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ARRUDA, Edson Benassuly. Desoneração fiscal da folha de salário pela Lei nº 12.546/11 e os reflexos do Ato Declaratório Interpretativo RFB nº 42/2011. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3228, 3 maio 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21666. Acesso em: 23 abr. 2024.