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Casamento entre pessoas de mesmo sexo.

Breves considerações acerca da viabilidade constitucional da positivação do casamento entre pessoas de mesmo sexo no ordenamento jurídico brasileiro

Casamento entre pessoas de mesmo sexo. Breves considerações acerca da viabilidade constitucional da positivação do casamento entre pessoas de mesmo sexo no ordenamento jurídico brasileiro

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O ordenamento jurídico brasileiro deve se encaminhar no sentido de preparar a sociedade para a supressão de óbices legais ao casamento civil entre pessoas de mesmo sexo. O que define uma família não é a diversidade de sexos nem o intuito procriativo, mas a afetividade.

RESUMO Trata-se de artigo acadêmico que visa refletir a respeito da possibilidade jurídico-constitucional do casamento entre pessoas de mesmo sexo no Brasil. O tema é polêmico, atual e pertinente, passado um ano de histórica decisão do STF acolhendo as uniões homoafetivas como entidade familiar. Se o Estado deve, por expresso mandamento do constituinte originário, facilitar a conversão em casamento da união estável entre homem e mulher, qual razão intersubjetivamente sustentável impediria atribuir igual consequência às uniões homoafetivas, recentemente reconhecidas por aquele Pretório Excelso como revestidas de caráter familiar? Entendemos que cabe ao Estado promover e não obstaculizar o exercício da cidadania, sendo amigo e não opositor do ser humano, cuja dignidade não é conferida pelo Estado, justamente por ser anterior ao Estado, devendo ser pelo Estado respeitada.

SUMÁRIO Introdução; 1 Alguns apontamentos sobre as relações homoafetivas à luz do direito canônico, constitucional e civil; 2 Estado do debate na jurisprudência gaúcha; Considerações finais; Bibliografia


Introdução

Passado um ano do reconhecimento pelo Supremo Tribunal Federal da união entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar[1], é chegada a hora de avançar no debate. Recentemente, passo decisivo nesse sentido foi dado pelo Superior Tribunal de Justiça, cuja Quarta Turma admitiu o casamento entre pessoas do mesmo sexo.[2]

Advirta-se, desde logo, que o debate jurídico não se restringe a uma mera discussão terminológica, pois se o que se busca é estender aos vínculos entre pessoas de mesmo sexo as mesmas consequências jurídicas (direitos e obrigações) decorrentes do matrimônio tradicional, não há razão a impedir que se adote para esse fenômeno idêntica nomenclatura destinada aos vínculos conjugais entre homem e mulher, ou seja, casamento.

Trata-se, aqui, de casamento civil, e, sendo civil o casamento, por expressa determinação constitucional (art. 226), reproduzida ipsis litteris pelo Código Civil de 2002 (art. 1.512), sequer cogitamos a hipótese de propor que as diversas confissões religiosas passem a celebrar casamentos entre pessoas de mesmo sexo, da mesma forma que tais confissões religiosas não devem ter seus dogmas positivados no ordenamento jurídico estatal, em detrimento do exercício pleno da cidadania por aqueles que não comungam da mesma fé, da mesma visão de mundo e do mesmo estilo de vida. Secularização não implica apenas na mecânica separação entre as órbitas temporal e espiritual, mas, sobretudo, liberdade de escolha no âmbito do Estado de Direito, o qual, para ser genuinamente democrático, há que abrir suas portas aos reclames das minorias, fazendo do pluralismo e da fraternidade na diversidade um dique de proteção contra a ditadura da maioria, pretensa detentora do monopólio das palavras autorizadas.

Partindo dessa premissa, o presente trabalho tem o objetivo de verificar a viabilidade da instituição do casamento entre pessoas de mesmo sexo. Com esse escopo, inicialmente investigaremos as origens canônicas do modelo patriarcal, monogâmico e heterossexual adotado pelo direito de família vigente no Brasil, pois nosso país foi historicamente muito influenciado pela tradição cristã, e o ordenamento jurídico-positivo brasileiro deixou-se, ao longo do tempo e até os dias de hoje, permear por influências culturais, religiosas e sociais de raízes judaico-cristãs, especificamente a vertente católica e europeia. Após, faremos uma breve análise da forma como, em terras do Mampituba para baixo, a jurisprudência mais liberal tem tratado da questão, flexibilizando as exigências contidas na lei civil e, com isso, abrindo o caminho para uma futura e virtual aceitação legal do casamento homossexual em nosso meio. Ao final, apresentaremos nossa opinião acerca dessa polêmica que, cada vez mais, vem ganhando visibilidade na pauta dos meios de comunicação e na comunidade científica especializada.


1. Alguns apontamentos sobre as relações homoafetivas à luz do direito canônico, constitucional e civil

A autoridade do direito canônico em matéria de casamento, sob o regime monárquico de confissão católica e estirpe lusitana, foi conservada até o advento da República em 1889, quando se instituiu o casamento civil[3]. Apesar de repudiado em face da laicidade inerente à ordem republicana, continuou a exercer enorme influência, sendo que a lei civil reproduziu diversas regras do direito canônico, e algumas instituições eclesiásticas simplesmente ganharam feições seculares. A separação entre os poderes espiritual e temporal não obstou o restabelecimento da eficácia do casamento religioso, desde que preenchidos determinados requisitos.[4]

Gomes não inscreve o direito canônico dentre as fontes históricas do direito matrimonial, eis que sua influência continua a se exercer hodiernamente, ainda que o doutrinador reconheça que a secularização do direito de família imponha um afastamento de concepções de cunho religioso e moral, sem com isso tornar-se totalmente infenso a ditas concepções, pois:

A Religião e a Moral influem na formação dos costumes familiares e, portanto, na legislação que o Estado dita para regular a instituição da família e as relações provenientes. [...] A ordenação jurídica da família reflete, com efeito, ideias morais e costumes predominantes na sociedade para a qual se elaboram costumes e ideias que variam de povo a povo.[5]

Daí logo se vê que, entre nós, persiste um ambiente hostil ao reconhecimento jurídico-estatal das parcerias (quer seja em nível de casamento, quer seja em nível de união estável) entre pessoas de mesmo sexo. Efetivamente, o cânone 1.055, § 1º, do Codex Iuris Canonici, define que, pelo casamento, o homem e a mulher constituem entre si um consórcio para toda a vida, destinado, por sua natureza, ao bem dos cônjuges e ordenado à criação e educação da prole[6], sendo que, por força do cânone 1.056, a unidade e a indissolubilidade do vínculo matrimonial configuram propriedades essenciais do casamento[7]. (grifamos)

Em complemento a essa disposição, o cânone 1.061, § 1º, do Codex, considera consumado o casamento válido, se os cônjuges realizaram, de modo humano, o ato conjugal apto por si à geração de filho, a quem o casamento naturalmente se ordena, e mediante o qual os cônjuges se fazem uma só carne.[8] (grifamos)

A Constituição Federal de 1988, após assegurar, no art. 226, caput, que a família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado, reconhece como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes, conforme expresso no § 4º, com isso dando mostras de que não apenas o casamento entre homem e mulher, com intuito procriativo, tem o condão de formar uma família.[9]

Por sua vez, reza o art. 1.511 do Código Civil de 2002, que o casamento estabelece comunhão plena de vida, e o art. 1.565, caput, aduz que, pelo casamento, homem e mulher assumem mutuamente a condição de consortes, companheiros e responsáveis pelos encargos da família.[10] (grifamos) Nota-se aqui que, inobstante serem deveres de ambos os cônjuges (art. 1.566 do CC/02), o sustento, guarda e educação dos filhos não figuram na conceituação do instituto jurídico do casamento.


2. Estado do debate na jurisprudência gaúcha

Restringindo-nos à jurisprudência telúrica, em prol do acolhimento do caráter familiar (intuitu familiae) da relação homossexual contínua e duradoura, o precedente abaixo:

CONFLITO DE COMPETÊNCIA. AÇÃO DE RECONHECIMENTO DE UNIÃO ESTÁVEL HOMOAFETIVA. COMPETÊNCIA DAS VARAS DE FAMÍLIA. É das Varas de Família a competência para processar e julgar ações que versam sobre o reconhecimento de união estável homoafetiva. CONFLITO DE COMPETÊNCIA PROCEDENTE.[11] (grifamos)

Nesse diapasão, o alentado acórdão, sintetizado na ementa seguinte:

AÇÃO DECLARATÓRIA. RECONHECIMENTO. UNIÃO ESTÁVEL. CASAL HOMOSSEXUAL. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS. CABIMENTO. A ação declaratória é o instrumento jurídico adequado para reconhecimento da existência de união estável entre parceria homoerótica, desde que afirmados e provados os pressupostos próprios daquela entidade familiar. A sociedade moderna, mercê da evolução dos costumes e apanágio das decisões judiciais, sintoniza com a intenção dos casais homoafetivos em abandonar os nichos da segregação e repúdio, em busca da normalização de seu estado e igualdade às parelhas matrimoniadas. EMBARGOS INFRINGENTES ACOLHIDOS, POR MAIORIA. (SEGREDO DE JUSTIÇA)[12] (grifamos)

A atual Constituição reconhece, para efeito da proteção do Estado, a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento (art. 226, § 3º). Ou seja, em boa hermenêutica, se, por um lado, a união estável entre homem e mulher goza de proteção estatal, por outro, não podemos inserir na leitura do texto constitucional a ideia de que apenas a união caracterizada pela diversidade de sexos teria especial proteção do Estado, pois assim entendendo ferir-se-ia o princípio da isonomia, segundo o qual todos são iguais perante a lei, sem discriminação de qualquer natureza etc. (art. 5º, caput).[13]

Abonando essa linha de raciocínio, a jurisprudência gaúcha inovou no panorama judiciário nacional, como bem demonstra, a título exemplificativo, a íntegra da ementa colacionada a seguir:

APELAÇÃO CÍVEL. UNIÃO HOMOAFETIVA. RECONHECIMENTO. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DA IGUALDADE. É de ser reconhecida judicialmente a união homoafetiva mantida entre duas mulheres de forma pública e ininterrupta pelo período de 16 anos. A homossexualidade é um fato social que se perpetua através dos séculos, não mais podendo o Judiciário se olvidar de emprestar a tutela jurisdicional a uniões que, enlaçadas pelo afeto, assumem feição de família. A união pelo amor é que caracteriza a entidade familiar e não apenas a diversidade de sexos. É o afeto a mais pura exteriorização do ser e do viver, de forma que a marginalização das relações homoafetivas constitui afronta aos direitos humanos por ser forma de privação do direito à vida, violando os princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade. Negado provimento ao apelo. (SEGREDO DE JUSTIÇA)[14] (grifamos)

Para efeitos de comparação entre sistemas jurisdicionais tão díspares quanto o brasileiro e o norte-americano, lembramos que, pelo reconhecimento da possibilidade de casamento entre pessoas de mesmo sexo, tornou-se famoso nos Estados Unidos o pioneiro precedente Baehr versus Lewin, no qual a Suprema Corte do Havaí assentou que a negativa da obtenção da licença para casar violaria a Seção 1 da Décima Quarta Emenda, que garante direitos iguais a todos (equal protection of the laws).

No nosso sentir, com a devida vênia àqueles que advogam posicionamento contrário, o direito não deve se restringir a simplesmente conferir estatura jurídica a preceitos oriundos da moral hegemônica em determinado período histórico de uma sociedade, sob pena de, em vez de ser o direito do Estado democrático, reconhecedor da igual dignidade das pessoas e seu valor humano, tornar-se a tirania da maioria religiosa, entronizada no poder de Estado.


Considerações finais

Diante desse rápido apanhado constitucional, legislativo, doutrinário e jurisprudencial, é de bom alvitre que o ordenamento jurídico brasileiro, assim como fez recentemente a Argentina[15], se encaminhe, preparando a sociedade para tanto, no sentido da supressão de óbices legais ao casamento civil entre pessoas de mesmo sexo, eis que o que define uma família não é a diversidade de sexos, sequer o intuito procriativo, na esteira de multimilenar tradição bíblica[16], mas, sim e sobretudo, a afetividade, conforme vem apregoando a jurista Maria Berenice Dias, quando se refere à seara do direito de família denominando-o direito das famílias[17], expressão estampada já no título de sua consagrada obra.

Em suma, o que de fato existe, não se mostra justo que seja ignorado pelo direito, pois ius oritur factum, cabendo ao ordenamento constitucionalmente conformado reconhecer e assegurar efeitos jurídicos ao que ordinariamente se observa no evolver dos costumes sociais e nas condutas de indivíduos identificados com minorias numericamente significativas. Com isso, estaremos dando um largo passo rumo ao reconhecimento da busca da felicidade enquanto, sendo um direito humano, traduz norma imposta pelo direito natural a todas as civilizações.[18]


Bibliografia

DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.

FIGUERAS, Fernanda Louro. Aspectos constitucionais da união de pessoas do mesmo sexo. In: Tendências constitucionais no direito de família: estudos em homenagem ao Prof. José Carlos Teixeira Giorgis. Adriane Donadel... [et al.]; orgs. Sérgio Gilberto Porto, Daniel Ustárroz. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003.

GOMES, Orlando. Direito de família. 14. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001.

PORTO, Sérgio Gilberto e USTÁRROZ, Daniel (orgs.). Tendências constitucionais no direito de família: estudos em homenagem ao Prof. José Carlos Teixeira Giorgis. Adriane Donadel... [et al.] Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003.


Notas

[1] Ver Informativo nº. 625 do Supremo Tribunal Federal.

[2] Ver Informativo nº. 486 do Superior Tribunal de Justiça.

[3] Rezava o art. 72, § 4º, da Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, promulgada em 24 de fevereiro de 1891, verbis: A República só reconhece o casamento civil, cuja celebração será gratuita. (grifamos)

[4] GOMES, Orlando. Direito de família. 14. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 9.

[5] GOMES, Orlando. Direito de família. 14. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 10.

[6] Matrimoniale foedus, quo vir et mulier inter se totius vitae consortium constituunt, indole sua naturali ad bonum coniugum atque ad prolis generationem et educationem ordinatum.

[7] Essentiales matrimonii proprietates sunt unitas et indissolubilitas.

[8] Matrimonium validum dicitur consummatum, si coniuges inter se humano modo posuerunt coniugalem actum per se aptum ad prolis generationem, ad quem natura sua ordinatur matrimonium, et quo coniuges fiunt una caro.

[9] Nesse sentido: “...o rol apresentado pelo artigo 226 da Magna Carta – família legítima, monoparental e decorrente de união estável – não pode ser visto como taxativo, quando levados em consideração os princípios norteadores da Carta Republicana”. FIGUERAS, Fernanda Louro. Aspectos constitucionais da união de pessoas do mesmo sexo. In: Tendências constitucionais no direito de família: estudos em homenagem ao Prof. José Carlos Teixeira Giorgis. Adriane Donadel... [et al.]; orgs. Sérgio Gilberto Porto, Daniel Ustárroz. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003, p. 113. A autora entende que, por ser uma comunhão de vida caracterizada por vínculos afetivos e sexuais, as uniões homossexuais satisfazem os requisitos definidores da entidade familiar: “Na ausência de previsão positiva ou proibição expressa, é necessário que se interprete o texto constitucional como um todo, até para se evitar conclusões contraditórias”. Idem, ibidem.

[10] No entanto, uma rápida leitura da Lei Maria da Penha nos faz concluir que não apenas as uniões matrimoniadas, ou seja, contraídas pelo casamento têm o condão de constituir família, pois aquela lei compreende a entidade familiar como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa (art. 5º, inc. II, da Lei nº. 11.340, de 07 de agosto de 2006), onde o afeto prepondera sobre os interesses patrimoniais, sendo que as relações pessoais, inclusive as estabelecidas no âmbito da família, expressamente independem de orientação sexual (art. 5º, parágrafo único). Com isso, intenta-se promover o desenvolvimento integral do ser humano, não só para os efeitos de coibir a violência no âmbito de suas relações familiares (art. 226, § 8º, da CF/88), mas, sobretudo, em respeito à sua dignidade inerente enquanto pessoa (art. 1º, inc. III, da CF/88).

[11] Conflito de competência nº. 70032730301, 7ª CC, TJ/RS, Rel. Des. André Luiz Planella Villarinho, julgamento em 16 dez. 2009.

[12] Embargos infringentes nº. 70011120573, 4º Grupo de Câmaras Cíveis, TJ/RS, Rel. Des. José Carlos Teixeira Giorgis, julgamento em 10 jun. 2005.

[13] Corroborando esse entendimento, conferir nota de rodapé nº. 10 deste paper.

[14] Apelação cível nº. 70012836755, 7ª CC, TJ/RS, Rel. Des. Maria Berenice Dias, julgamento em 21 dez. 2005.

[15] Trecho de notícia veiculada no site do jornal La Nación, em 15 de julho de 2010, anunciando a aprovação senatorial ao projeto de lei que autoriza o matrimônio entre pessoas de mesmo sexo: Después de una maratónica sesión y con encendidas discusiones en el recinto, el Senado aprobó el polémico proyecto que autoriza el matrimonio entre personas del mismo sexo y convirtió a la Argentina en el primer país de América latina en legalizarlo. La Cámara alta sancionó la norma esta madrugada, pasadas las 4, con 33 votos a favor y 27 en contra, además de 3 abstenciones, tras una maratónica sesión que se extendió durante casi 14 horas. Disponível em <http://www.lanacion.com.ar/nota.asp?nota_id=1284883> Acesso em 07 mai. 2012.

[16] Consoante a narrativa bíblica a respeito da origem da raça humana, Deus os criou homem e mulher, e disse-lhes: crescei-vos e vos multiplicai. (Gênesis, capítulo 1, versículos 27 e 28) Em outro passo, lê-se: o homem deixa seu pai e sua mãe e se une a sua mulher, e ambos se tornam uma só carne. (Gên., cap. 2, vers. 24) E, mais adiante: Adão conheceu Eva, sua mulher, e ela concebeu e deu à luz a Caim. (Gên., cap. 4, vers. 1) A lei de Moisés era implacável ao cominar a pena de morte aos indivíduos do sexo masculino envolvidos em práticas homossexuais. Estipulava que, se um homem se deita com outro homem como se fosse uma mulher, ambos cometem coisa abominável, por isso serão castigados com a morte, e seu sangue cairá sobre eles (qui dormierit cum masculo coitu femineo, uterque operatus est nefas, morte moriantur, sit sanguis eorum super eos). (Levítico, cap. 20, vers. 13) No Novo Testamento, Paulo, o apóstolo, afirma o repúdio cristão a tais práticas, tanto entre homens quanto entre mulheres, por considerá-las antinaturais e imorais, de modo que “até as suas mulheres mudaram o uso natural, no contrário à natureza. E, semelhantemente, também os homens, deixando o uso natural da mulher, se inflamaram em sua sensualidade uns para com os outros, homens com homens, cometendo torpeza e recebendo em si mesmos a recompensa que convinha ao seu erro” (nam et feminae eorum immutaverunt naturalem usum in eum, qui est contra naturam; similiter et masculi, relicto naturali usu feminae, exarserunt in desideriis suis in invicem, masculi in masculos turpitudinem operantes et mercedem, quam oportuit, erroris sui in semetipsis recipientes). (Epístola aos Romanos, capítulo 1, versículos 26 e 27) Em nossa pesquisa, não encontramos referência ao assunto em nenhum dos quatro evangelhos, os quais condensam o núcleo da mensagem cristã.

[17] DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.

[18] Alvissareira notícia dá conta da apresentação, em 07 de julho de 2010, da Proposta de Emenda à Constituição nº. 19/2010, apelidada de PEC da Felicidade, de autoria do senador Cristovam Buarque, a qual visa alterar o art. 6º da Constituição Federal para considerar os direitos ali previstos como direitos sociais essenciais à busca da felicidade. Para salientar que não se trata aqui de apenas mais uma ideia tupiniquim desprovida de sentido filosófico, antropológico, social, histórico e jurídico, lembramos que a busca pela felicidade (pursuit of Happiness) encontra-se enumerada dentre os direitos inalienáveis do homem (unalienable Rights), expressamente reconhecidos no preâmbulo da Declaração de Independência das Treze Colônias dos Estados Unidos da América, de 04 de julho de 1776. Textualmente: “We hold these truths to be self-evident, that all men are created equal, that they are endowed by their Creator with certain unalienable Rights, that among these are Life, Liberty and the pursuit of Happiness… That whenever any Form of Government becomes destructive of these ends, it is the Right of the People to alter or to abolish it, and to institute new Government, laying its foundation on such principles and organizing its powers in such form, as to them shall seem most likely to effect their Safety and Happiness”. (grifamos)


Autor

  • Alécio Pereira de Souza

    Alécio Pereira de Souza

    Advogado. Servidor público municipal. Atualmente, frequenta curso preparatório à carreira do Ministério Público, na Fundação Escola Superior do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul. Pós-graduando em Ciências Penais, em nível de especialização, na Rede de Ensino LFG - Universidade Anhanguera/Uniderp

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOUZA, Alécio Pereira de. Casamento entre pessoas de mesmo sexo. Breves considerações acerca da viabilidade constitucional da positivação do casamento entre pessoas de mesmo sexo no ordenamento jurídico brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3253, 28 maio 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21881. Acesso em: 16 abr. 2024.