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Liberdade de crença religiosa e discriminação contra homossexuais.

Uma análise breve sob a ótica do Projeto de Lei nº 122/2006

Liberdade de crença religiosa e discriminação contra homossexuais. Uma análise breve sob a ótica do Projeto de Lei nº 122/2006

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É possível que os direitos à liberdade, inclusive religiosa, e a não discriminação aos homossexuais caminhem de mãos dadas, expressando a mais ampla realização dos direitos fundamentais e o respeito pelas diferenças em um país democrático e de direito.

1. Introdução

Um dos maiores desafios da atualidade é desconstruir todo um acervo histórico de violação e desrespeito aos direitos fundamentais e à dignidade da pessoa humana.

As discriminações e perseguições de qualquer ordem ferem frontalmente os direitos humanos, entrando em rota de colisão com o próprio princípio do Estado Democrático de Direito, frente à tendência neoconstitucionalista de afirmação e proteção jurídica.

Na atualidade, destacam-se os conflitos que envolvem os direitos à liberdade religiosa e à não discriminação dos homossexuais. São direitos fundamentais que dizem respeito às convicções mais íntimas de cada indivíduo e que parecem colidir entre si na medida em que a maioria das religiões não aceita o homossexualismo, combatendo-o firmemente.

 Entretanto, o Brasil tem se mobilizado no sentido de promover políticas públicas que combatam a homofobia. Algumas dessas medidas, como o Projeto de Lei nº 122/2006, vêm provocando certos embates e suscitando dúvidas acerca da existência de uma suposta colisão com os direitos de liberdade de expressão, notadamente no que tange ao corolário da liberdade religiosa.

A análise desse possível conflito será o objeto do presente trabalho, que visa a trazer à reflexão breves apontamentos jurídicos dos limites dos aludidos princípios, com o intuito de proporcionar uma convivência harmônica entre os grupos sociais que professam discursos dissonantes.


2. Direito à Liberdade Religiosa

2.1. Conceito de Religião

Segundo Alexandre de Moraes, religião é o “complexo de princípios que dirigem pensamentos, ações e adoração do homem para com Deus”, e que compreende a crença, o dogma, a moral, a liturgia e o culto.[1]

Já Coelho, Mendes e Branco conceituam a religião como: “o sistema de crenças que se vincula a uma divindade, que professa uma vida além da morte, que possui um texto sagrado, que envolve uma organização e que apresenta rituais de oração e adoração”.[2]

Em uma visão contemporânea, o filósofo Paul Tillich defende uma definição de religião ainda mais geral: “religião é o assunto último”.[3]

Assim, a religião se relaciona diretamente com os assuntos mais básicos e importantes da vida de uma pessoa, traduzindo os seus valores mais íntimos e a sua crença em algo que tem significado último e genuíno.

No entanto, há quem enxergue a religião somente sob um aspecto negativo. Em seus ensaios, Karl Marx afirma que “a religião é o suspiro da criatura oprimida, o sentimento de um mundo perverso e a alma das circunstâncias desalmadas... É o ópio do povo”. [4]

2.2. Relacionamento entre Religião, Indivíduo e Estado

A religião, direta ou indiretamente, sempre fez parte da vida, influenciando e modificando a história da humanidade. A religiosidade é algo intrínseco à natureza humana, seja pessoa rica ou pobre, douta ou ignorante, do norte ou do sul; todos pensam ou vivem algo que se liga ao sobrenatural ou divino.

Como fenômeno que penetra nas esferas mais íntimas da consciência humana e, simultaneamente, se manifesta em grandes movimentos colectivos, o fenómeno religioso tem tido sempre importantíssima projecção política e jurídico-política. Tem influído constantemente não só na história cultural mas também na história política. Nenhuma Constituição deixa de o considerar e repercute-se ainda no Direito internacional”.[5]

Diversas são as religiões existentes em todo o mundo, conforme a época, cultura, origem, contexto social, político e histórico do lugar.

Estes fatores condicionam ou determinam o relacionamento entre o Estado e a religião, podendo haver entre eles identificação, não identificação ou oposição.[6]

De todas as religiões, o cristianismo se destacou no cenário mundial, assumindo um papel de divisor de águas sob vários aspectos.

O valor liberdade, assim como a dignidade da pessoa humana, assume destacada importância com o cristianismo.  O fato de o Filho de Deus ter vindo para trazer libertação confere a todos o sentimento de possuir uma liberdade irrenunciável e que nenhum poder, político ou social, pode violá-la. [7]

Após anos de perseguição aos judeus e cristãos, Roma – Império dominante da época – juntou-se a eles sob o lema de que, se não pode contra eles, juntem-se a eles, decretando o cristianismo como religião oficial do império.

A religião, assim, continuava ligada ao Estado, de forma que ou o Estado controlava a religião ou a religião controlava o Estado.

 A conquista da liberdade religiosa, todavia, começa com a quebra da unidade cristã, a partir do século XVI com a Reforma protestante, conforme ensinou Jorge Miranda:

A quebra da unidade da Crístandade, a Reforma e a Contra-Reforma abriram profundas fissuras individuais e políticas, perseguições e guerras político-religiosas que, num contexto de intolerância e absolutismo, acabariam por conduzir à regra de em cada Estado uma religião, a do Príncipe (Cujos Regio Ejus Religio). Todavia, também a muitos mostraram que a possibilidade de professar sem constrangimentos a sua própria fé e de praticar os respectivos actos de culto era algo de insubstituível que, quando posto em causa, poderia ser procurado noutras terras: foi o que aconteceu no século XVII na América do Norte.

2.3. Liberdade religiosa e direitos fundamentais

Apegando-se a esses acontecimentos da história do homem, não se pode deixar de observar que os direitos fundamentais, especialmente o direito à liberdade, na condição de direito positivado vinculativo, teve justamente sua origem em ideias religiosas, como afirma Jorge de Miranda, citando Jellinek:

JELLINEK chegou mesmo a escrever que a idéia de consagrar legislativamente os direitos naturais do indivíduo não era uma idéia de origem política, mas antes uma idéia de origem religiosa. O que se julgava ser obra da Revolução, não teria sido, na realidade, senão um produto da Reforma e das lutas por ela engendradas.

A liberdade religiosa pode ser considerada um termômetro de medição da efetividade dos direitos fundamentais. Em muitos países, ela é ainda desconsiderada ou até mesmo negada[8]. Como consequência disso, verifica-se nesses países uma inefetividade ou inexistência de direitos fundamentais básicos.

Cita-se, como exemplo, a realidade dos países islâmicos, onde o Estado se confunde com a religião. Neles não há igualdade entre homens e mulheres, bem como entre muçulmanos e não muçulmanos, e também não se admite liberdade fora do contexto religioso e político.[9]

O grau de liberdade religiosa de um Estado traduz o regime político adotado. Assim, só se encontram regimes políticos liberais, pluralistas e democráticos onde há plena liberdade religiosa.

Sem plena liberdade religiosa, em todas as suas dimensões – compatível com diversos tipos jurídicos de relações das confissões religiosas com o Estado – não há plena liberdade cultural, nem plena liberdade política. Assim como, em contrapartida, aí onde falta liberdade política, a normal expansão da liberdade religiosa fica comprometida ou ameaçada.[10]

A liberdade religiosa – como uma faceta do princípio da liberdade – tem como objetivo a busca da felicidade, de forma a concretizar o princípio da dignidade da pessoa humana.

Segundo Rui Barbosa: “De todas as liberdades sociais, nenhuma é tão congenial ao homem, e tão nobre, e tão frutificativa, e tão civilizadora, e tão pacífica, e tão filha do Evangelho, como a liberdade religiosa”.[11]

A liberdade de religião é, portanto, um direito fundamental que consiste na liberdade de pensamento e consciência, de livre escolha de expressão, manifestação e culto.

Falar em liberdade religiosa também é falar em direito de o Estado abster-se de impor ao foro íntimo do crente uma religião oficial; é falar em direito a não ter ou ter uma religião, segundo a sua livre escolha, e poder professá-la.

As autoridades públicas, portanto, em face desse direito fundamental à liberdade religiosa ficam impedidas de proibir o livre exercício de qualquer religião ou mesmo de impor qualquer limitação.[12]

Além do aspecto negativo, ou seja, da abstenção do Estado na esfera de escolha do crente, o direito à liberdade religiosa também implica em uma ação positiva por parte do Estado em garanti-lo e proporcioná-lo, seja por meio de leis ou outro meio que impeça o cerceamento de direitos ou quaisquer discriminações.

Como exemplo de garantias constitucionais asseguradas pelo Estado, encontra-se, no direito comparado, aquelas realizadas pelos Estados Unidos da América:

I – Estabelecem um sistema, não meramente de tolerância, mas de igualdade religiosa. Todas as religiões são respeitadas, igualmente, pela lei, não devendo favorecer-se uma em detrimento das outras, nem qualquer distinção entre elas, já nas leis, já na situação delas em face da lei, já na administração desta.

II – isentam todas as pessoas de contribuições compulsórias para manutenção de qualquer culto religioso, e da assistência compulsória ao mesmo.

III – Proíbem que sejam impostas restrições ao livre exercício da religião, segundo os ditames da consciência, e às livres manifestações das idéias religiosas. [13]

O direito à liberdade religiosa não pode ser invocado para se opor ao cumprimento das leis, ou seja, não se pode praticar um ilícito alegando a liberdade religiosa.[14]

Tal direito, como todos os demais direitos fundamentais, não é absoluto. Não se pode exercer um direito quando se viola o direito de outrem. Deve-se observar a moral, os bons costumes, as leis e, principalmente, os demais direitos fundamentais, conforme preconiza o Supremo Tribunal Federal:

"Liberdade de expressão. Garantia constitucional que não se tem como absoluta. Limites morais e jurídicos. O direito à livre expressão não pode abrigar, em sua abrangência, manifestações de conteúdo imoral que implicam ilicitude penal. As liberdades públicas não são incondicionais, por isso devem ser exercidas de maneira harmônica, observados os limites definidos na própria Constituição Federal (CF, artigo 5º, § 2º, primeira parte). O preceito fundamental de liberdade de expressão não consagra o ‘direito à incitação ao racismo’, dado que um direito individual não pode constituir-se em salvaguarda de condutas ilícitas, como sucede com os delitos contra a honra. Prevalência dos princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade jurídica." (HC 82.424, Rel. p/ o ac. Min. Maurício Corrêa, julgamento em 17-9-03, DJ de 19-3-04

2.4. Direito à liberdade religiosa no Brasil

No Brasil, em razão da colonização portuguesa, a religião Católica, durante muito tempo, foi a religião oficial. A Constituição Federal de 1824 determinava no seu artigo 5º: “a Religião Catholica Apostolica Romana continuará a ser a Religião do Império. Todas as outras Religiões serão permitidas com seu culto domestico, ou particular em casas para isso destinadas, sem fórma alguma exterior de Templo”.

Todavia, a partir da Constituição da República de 1891, consagrou-se a liberdade de crença e de culto.

Hoje, o Brasil é considerado um país leigo, laico ou não confessional, ou seja, não há qualquer relação entre o Estado Brasileiro e a religião, consagrando-se a liberdade e igualdade de todas as religiões e a busca pela convivência harmônica entre as diferentes manifestações de crença.

Vale destacar, que isso não significa que o Estado brasileiro é ateu, percebendo-se essa postura no próprio preâmbulo da atual Constituição Federal:

Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.

Atualmente, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, no inciso VI do seu artigo 5º, protege o direito individual de crença religiosa, garantindo a inviolabilidade da liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e as suas liturgias.

O reconhecimento da liberdade religiosa pela Constituição denota haver o sistema jurídico tomado a religiosidade como um bem em si mesmo, como um valor a ser preservado e fomentado. Afinal, as normas jusfundamentais apontam para valores tidos como capitais para coletividade, que devem não somente ser conservados e protegidos, como também ser promovido e estimulado. [15]

O dispositivo do art. 5º, inciso VI, da Constituição de 1988 é norma de eficácia plena e imediata. É chamada pela doutrina de norma de direito fundamental sem expressa previsão de reserva legal, ou seja, o constituinte, diante da importância da liberdade religiosa, não previu a possibilidade de intervenção legislativa, restringindo ou disciplinando tal direito.

Aliás, esse também é o entendimento do Supremo Tribunal Federal:

“Limitações à liberdade de manifestação do pensamento, pelas suas variadas formas. Restrição que há de estar explícita ou implicitamente prevista na própria Constituição.” (ADI 869, Rel. p/ o ac. Min. Maurício Corrêa, julgamento em 4-8-99,  DJ de 4-6-04)

Contudo, há quem defenda que uma colisão entre a liberdade religiosa e demais direitos fundamentais ou outros valores jurídicos protegidos pela Constituição justificaria excepcionalmente o estabelecimento de restrições a essa liberdade.


3. Direito à Igualdade

3.1. Igualdade forma e igualdade material

Outro princípio basilar do Estado Democrático de Direito que se enfatizará neste trabalho é a igualdade.

Costuma-se diferenciar a igualdade jurídico-formal, inspirada numa concepção jusracionalista, da igualdade jurídico-material, buscada em face da necessidade de transformação de uma realidade social-econômica injusta. [16]

A igualdade formal é aquela que a lei atribui direitos de forma genérica e abstrata, conferindo tratamento igualitário sem distinções ou privilégios. Enquanto a igualdade material ou real prega que por parte do Estado e da sociedade haja tratamento que atenda a realidade das pessoas, levando em consideração suas diferenças e necessidades no caso concreto.

Segundo Jorge Miranda, elas não se contrapõem, ao contrário uma não existe sem a outra, por que:

a) A igualdade social como igualdade efectiva, real, material, concreta, situada (como quer que se designe) pode ou deve considerar-se imposta pela própria noção de igualdade jurídica, pela necessidade de lhe buscar um conteúdo pleno;

b) Mesmo quando a igualdade social se traduz na concessão de certos direitos ou até de certas vantagens especificamente a determinadas pessoas – as que se encontram em situações de inferioridade, de carência, de menor proteção – a diferenciação ou a discriminação (positiva) tem em vista alcançar a igualdade e tais direitos ou vantagens configuram-se como instrumentais no rumo para esses fins. [17]

3.2. Igualdade perante a lei e na lei

Outra abordagem bastante difundida do princípio da igualdade é aquela que diferencia igualdade perante a lei e igualdade na lei. [18]

Na igualdade perante a lei, a norma se destina ao aplicador da lei, que deve aplicá-la igualmente a todos sem distinção de qualquer natureza. A igualdade na lei tem como destinatário o legislador. Este fica limitado pelo princípio da igualdade ao editar normas, pois não pode fazer discriminações entre pessoas que estejam em situações idênticas.

Segundo Celso Antônio Bandeira de Mello, não é só perante a norma posta que se nivela os indivíduos, mas, a própria edição dela assujeita-se ao dever de dispensar tratamento equânime às pessoas.[19] Entende ainda que:

A lei não deve ser fonte de privilégios ou perseguições, mas instrumento regulador da vida social que necessita tratar equitativamente todos os cidadãos. Este é o conteúdo político-ideológico absorvido pelo princípio da isonomia e juridicizado pelos textos constitucionais em geral, ou de todo modo assimilado pelos sistemas normativos vigentes. [20]

3.3. Princípio da igualdade e o tratamento desigual

Pode-se resumir o princípio da igualdade com a afirmação de Aristóteles de que a igualdade consiste em tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais. [21]

Os direitos são os mesmos para todos. Contudo, isso não significa que todos devam ser tratados de forma idêntica nas normas, pois nem todos se encontram em situações idênticas.

Por isso, é preciso fazer distinções entre eles. Contanto, tais distinções precisam seguir critérios plenamente justificáveis, ou seja, que guarde pertinência lógica[22] com o sistema constitucional adotado. [23]

Nesse contexto, importante, destacar o sentido da igualdade. Segundo Jorge Miranda, com respaldo na doutrina e na jurisprudência, a igualdade possui três sentidos, partindo-se das seguintes premissas:

a) Que igualdade não é identidade e igualdade jurídica não é igualdade natural ou naturalística;

b) Que igualdade significa intenção de racionalidade e, em último termo, intenção de justiça;

c) Que a igualdade não é uma "ilha", encontra-se conexa com outros princípios, tem de ser entendida - também ela - no plano global dos valores, critérios e opções da constituição material. [24]

Em um sentido negativo, a igualdade consiste na proibição de discriminações e privilégios de qualquer espécie. Veda-se que o legislador ou o aplicador da lei realize suas tarefas sem levar em consideração o princípio da igualdade.

Além disso, o princípio da igualdade impõe ao Estado o dever de proteger as pessoas contra discriminações, inclusive sob o amparo penal, se necessário.

O sentido positivo da igualdade, segundo Jorge Miranda é mais rico e exigente, buscando efetivamente um sentido de justiça. Exige um tratamento igualitário nas seguintes condições:

a) Tratamento igual de situações iguais (ou tratamento semelhante de situações semelhantes);

b) Tratamento desigual de situações desiguais, mas substancial e objetivamente desiguais - "impostas pela diversidade das circunstancias ou pela natureza das coisas" - e não criadas ou mantidas pelo legislador;

c) Tratamento em moldes de proporcionalidade das situações relativamente iguais ou desiguais e que, consoante os casos, se converte para o legislador ora em mera faculdade, ora em obrigação;

d) Tratamento das situações não apenas como existem, mas também como devem existir, de harmonia com padrões da constituição material (acrescentando-se, assim, um componente activa ao princípio e fazendo igualdade perante a lei uma verdadeira igualdade através da lei).[25]

O princípio da igualdade não só alcança as pessoas consideradas individualmente, como também se projeta sobre as pessoas coletivas ou grupos não personalizados. O princípio da isonomia se insere em todas as formas de relações jurídicas, sejam privadas ou públicas.

3.4. Direito à igualdade na Constituição do Brasil

O Princípio da Igualdade – vetor essencial que compõe o princípio da dignidade da pessoa humana – é consagrado na Constituição da República Federativa do Brasil em diversos momentos, a saber, alguns mais importantes:

Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

[...]

IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. 

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição;

XLI - a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais;

O Brasil é o país no qual sua maior bandeira é a diversidade, eis que, tal como reconhecido internacionalmente, resulta da mistura de diversas raças, culturas, ideologias, religiões.

É o respeito às diferenças que dá sentido ao Estado Democrático Brasileiro. Assim, a Constituição Federal Brasileira assegura e protege essas diferenças, tornado inaceitáveis qualquer forma de discriminação ou ato que atente contra o princípio da igualdade.

Dessa forma, toda discriminação ou perseguição em virtude de motivos raciais, religiosos, de orientação sexual, políticos ou ideológicos, entre outros, é combatida pela Constituição Federal.

A igualdade é um direito indisponível. Ninguém pode abrir mão da igualdade que é inerente à sua condição humana. A garantia da isonomia constitui pressuposto indispensável para efetividade do princípio da dignidade da pessoa humana.

Além de assegurar no caput do art. 5º o direito à igualdade perante a lei, combatendo os atos atentatórios ao princípio da isonomia, a Constituição de 1988 estabeleceu como objetivo da República Brasileira, segundo o artigo 3º, inciso IV da Constituição Federal, a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Dessa forma, o princípio da igualdade consagrado na Constituição Brasileira vincula toda atividade estatal: executiva, legislativa e judiciária.

O Estado, no âmbito de todos os Poderes, tem o dever de respeito, proteção e promoção da igualdade, que se expressa tanto na sua não ingerência na esfera individual como na obrigação de agir de forma a proteger esse direito contra agressões de terceiros; seja por meio de leis, decisões judiciais ou políticas e ações públicas.

Em face do tema proposto, vale ressaltar a garantia constitucional expressa – artigo 5º, inciso I – à igualdade entre homens e mulheres, ou seja, a não discriminação entre gêneros. Homens e mulheres não podem sofrer quaisquer discriminações em razão de sua origem, raça, sexo, cor, idade, condição social, orientação sexual ou religiosa.

Além da proteção à igualdade entre gêneros, a Constituição Federal do Brasil consagra o princípio da igualdade em vários outros assuntos constitucionais, como por exemplo, nas relações de trabalho (artigo 7°, incisos XXX, XXXI, XXXII, XXXIV) e tributárias (artigo 150, inciso III).

O ordenamento brasileiro veda privilégios e discriminações de qualquer espécie, de forma que ninguém poderá ser beneficiado, privilegiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever comum a todos em virtude do princípio da igualdade, sob pena de punição pela lei brasileira, segundo o inciso XLI, artigo 5º da Carta Magna.

Assim, a própria Constituição Federal estabelece a competência do Poder Legislativo de editar leis que punam todas as formas de discriminações, desde que essas leis obedeçam, além do princípio da igualdade ou não discriminação, a todos os demais princípios e normas do ordenamento jurídico pátrio, especialmente aos princípios constitucionais implícitos da proporcionalidade e razoabilidade.


4. Direito a não discriminação contra homossexuais

4.1. A Homossexualidade e a Discriminação

O homossexualismo é um comportamento que, há tempos, existe em diversas sociedades e culturas.

A homossexualidade não é gênero, mas uma opção de orientação sexual tomada por um homem ou uma mulher. Traduz-se como atração sexual entre duas pessoas do mesmo sexo.

O termo “homossexualidade” apareceu pela primeira vez em inglês no ano de 1890, usado por Charles Gilbert Chaddock, tradutor de Psychopathia Sexualis, de R. von Krafft-Ebing. No século XIX, antes de 1890, usava-se o termo “inversão”, que abrangia todos os conceitos considerados desviantes dos modelos majoritários. No Brasil, eram utilizados os designativos “sodomita”, “somitigo”, “uranista e, para a designação da mulher homossexual, “tríbade”. [26]

Historicamente, os homossexuais sempre foram excluídos e até mesmo perseguidos. A homossexualidade foi tratada durante muito tempo como uma doença ou anormalidade. Basta citar o genocídio nazista que matou 220.000 homossexuais, juntamente com seis milhões de judeus.[27]

Entretanto, esse quadro tem sofrido imensas transformações em favor dos homossexuais.

O movimento LGBT – Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transgêneros vem se destacando no cenário político-social mundial. Cada vez mais os homossexuais vêm conquistando direitos e espaços, como por exemplo, no Brasil, o programa político de combate à discriminação dos homossexuais: “Brasil sem homofobia”.

O Programa Brasil Sem Homofobia busca o reconhecimento e a reparação da cidadania da população de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais, tida como uma parcela relevante da sociedade brasileira que possui menos direitos por razão do preconceito e da discriminação por orientação sexual e identidade de gênero, além dos preconceitos e das discriminações por raça, etnia, gênero, idade, deficiência física, credo religioso ou opinião política.[28]

A discriminação de uma pessoa por que ela optou ser homossexual é conduta já vedada pela Constituição. Consiste em violação dos direitos fundamentais da pessoa humana toda conduta atentatória contra os direitos dos homossexuais, especial e diretamente os direitos à liberdade e igualdade.

Todavia, não é qualquer atitude ou expressão de opinião que constitui ato discriminatório.

4.2. Preconceito, discriminação e crítica

Vale aqui destacar a diferença entre preconceito, discriminação e crítica:

Preconceito consiste em um pré-julgamento ou um pré-conceito sobre algo ou sobre alguma pessoa; é uma postura de restrição moral a certos comportamentos que não se considera útil. O preconceito localiza-se na esfera da consciência dos indivíduos e, por si só, não implica em violação de direitos. Afinal, ninguém é obrigado a gostar de alguém ou de algo, mas todos devem respeitar os direitos dos outros.

Discriminação é algo mais, implica em uma atitude de restrição ou violação de direitos em virtude de comportamentos ou situações que não se aceita somente por preconceito. É desprezar, rejeitar ou ofender a dignidade da pessoa humana em seus vários aspectos, em razão de cor, raça, sexo, credo, condição social ou orientação sexual.

A discriminação implica na intenção de ofender; implica em discurso de ódio ou algum tipo de violência; implica também em exclusão ou cerceamento de direitos.

Já a crítica é algo natural no Estado Democrático de Direito.  É exercício do direito à expressão e manifestação do pensamento, assim como manifestação do direito de opinião. Podemos criticar homens, mulheres, idosos, crianças, adolescentes, o presidente e até mesmo a própria democracia.

Portanto, a prática discriminatória em razão da orientação sexual escolhida por qualquer pessoa é conduta vedada pelo ordenamento jurídico brasileiro, sobretudo em razão de normas constitucionais de proteção aos direitos fundamentais da pessoa humana. A crítica, por sua vez, não. Ela figura como expressão da liberdade de pensamento.

A República Federativa do Brasil combate, através de sua Constituição, todas as formas de discriminações, pois é um país onde todos são iguais perante a lei, independentemente de suas condições, características ou escolhas pessoais.

Por fim, interessante destacar neste ponto, que, em regra, a religião, especialmente aquelas com fundamento na Bíblia Sagrada, não persegue pessoas, não busca excluir pessoas nem profere discurso de ódio contra os homossexuais. Pelo contrário, busca amá-las e respeitá-las. Entretanto, não concorda com a prática do homossexualismo, não aceita que o comportamento homossexual seja algo moralmente lícito e aceito por Deus.

Costuma-se ouvir no meio religioso: “Deus ama o pecador, mas abomina o pecado”.

Assim, sob as premissas da ideologia religiosa, pode-se afirmar que a religião pura não discrimina homossexuais (ser humanos). Todavia, é da sua essência ir contra o homossexualismo, ou seja, a religião, como regra, nasce (é algo inerente) com seus conceitos (pré-conceitos) e dogmas firmes e perpétuos contra o homossexualismo.

4.3. Homofobia: prática de violência

O termo homofobia é utilizado atualmente para identificar o medo, a repulsa, a aversão, a intolerância e o ódio às relações homoafetivas, que geram atos discriminatórios com extrema hostilidade e até mesmo agressões físicas, acarretando constrangimentos, prejuízos e profunda dor emocional na vida de indivíduos homossexuais – lésbicas, homens gays, transgêneros e bissexuais[29]

A bandeira contra a homofobia tem sido veementemente levantada tendo em vista os maus tratos sofridos ao longo dos tempos e dos muitos casos de desprezo e de ataques de cunho psicológico, moral e físico aos homossexuais, tão somente pelo motivo de sua orientação sexual.

 Em razão da dor, sofrimento e tratamento desigual por motivo de orientação sexual, o movimento homossexual se levantou na luta em favor de seus direitos, recebendo cada vez mais o apoio do Governo e dos diversos segmentos da sociedade. 

A violência contra homossexuais encontra força em todas as áreas do convívio social: nas escolas, as crianças com trejeitos homossexuais experimentam a exclusão social; bem como os jovens e adultos nas universidades, nos empregos e trabalhos, são discriminados e excluídos; nos clubes ou locais abertos ao público, constrangimentos e tratamentos desumanos; entre outros.

Não se pode discutir que a orientação sexual diferente da heterossexual tem sido causa de violação aos direitos dos indivíduos nos mais variados lugares, ferindo sua dignidade humana.

Isto se deve ao fato de que o preconceito e a discriminação estão fortemente arraigados em todos os segmentos das sociedades, não sendo proveniente de apenas uma parcela da sociedade ou de grupos religiosos, políticos ou filosóficos, muito menos estão restritos a uma determinada faixa etária, raça ou condição social.

É certo que alguns destes fatores acabam influenciando nos comportamentos hostis e discriminantes, uma vez que podem servir de desculpa para justificar suas condutas ou pensamentos anti-homossexuais.

Uma cultura, religião ou idade, por exemplo, podem influenciar na intensidade ou atenuação dos conflitos sociais em relação à homossexualidade, mas não são causas exclusivas ou isoladas que justifiquem ou que possam ser apontadas como a origem do preconceito.

Portanto, não se pode negar que o preconceito está disseminado em toda sociedade brasileira, na concepção do que é moral ou imoral, transcendendo a esfera religiosa ou o conservadorismo dos indivíduos de idade mais avança da sociedade.

Os indivíduos agressores podem ser encontrados em diversos ambientes e costumes, e as condutas discriminatórias ainda podem variar conforme a personalidade e temperamento de cada um.

Independentemente da argumentação usada, seja ela religiosa, cultural ou, ainda, na visão conservadorista de épocas passadas, pode-se afirmar que a preocupação com a homofobia concentra-se no ato de violência em si, proferido em desfavor do indivíduo de orientação homoafetiva.

Portanto, não se leva em consideração o porquê da discriminação, pretende-se combatê-la seja qual for a sua origem ou motivo.

A homofobia, portanto, pode ser resumida em qualquer ato de violência que acarrete discriminação aos homossexuais.

 É importante destacar alguns aspectos acerca do termo violência. Esta vem do latim violentia e significa “força que se usa contra o direito e a lei”. Já a pessoa violenta, isto é, o violentus, consiste naquele que age com força excessiva, exagerada[30].

Saffioti entende que a violência vai de encontro à integridade moral, psicológica, física ou sexual[31]. De outro modo, Odália assevera que sempre que o sentimento de privação e negação é experimentado, sem razões sólidas e fundamentadas, pode-se dizer que se está diante de algum tipo de violência[32].

Como visto, o emprego da palavra violência passou a conferir significados cada vez mais amplos. Toda conduta que afete a dignidade do indivíduo, tolhendo sua liberdade e o impedindo de manifestar sua vontade ou causando dano a sua integridade física, moral, psicológica ou sexual, pode ser considerada violência pelo fato de violar direitos essenciais do indivíduo enquanto ser livre e integrante da sociedade.

A questão acerca da homofobia vem adquirindo importância e sua abordagem atual não têm mais em vista somente a violência física, mas tem, sobretudo, a violência psicológica, gerando inúmeras questões controvertidas acerca do limite das reivindicações feitas pelos historicamente desfavorecidos.

Os crimes contra os homossexuais são considerados crimes de ódio, e, segundo o Grupo Gay da Bahia (GGB), a violência, não se caracteriza apenas pelas facadas, pedradas, asfixiamento, enforcamentos, ou seja, pelas agressões físicas ou ações exageradas. A violência também se exterioriza pelos gestos e comportamentos de cunho moral e psicológico que afetem a seara da integridade e liberdade de ser do individuo. Até mesmo uma omissão pode ser considerada violência, quando tendo a responsabilidade de fazer algo, não o faz, causando dano à integridade ou à saúde psicológica ou física.

A violência psicológica pode ser compreendida como qualquer ação ou omissão que atinja ou vise a atingir a auto-estima, a identidade, o desenvolvimento de uma pessoa ou tenta controlar suas emoções, comportamentos, crenças e decisões. Incluem-se as ameaças, humilhações, as cobranças, as chantagens, etc.

A característica que marca a violência psicológica é o dano emocional, ou seja, a afetação à integridade psicológica do individuo, e que deve ser verificado segundo a sensibilidade do homem médio, ou seja, aquele dotado de sensibilidade normal, nem o extremamente sensível nem o demasiadamente rude.

É bem verdade que o governo brasileiro não está inerte às ações homofóbicas, pois as autoridades competentes já têm tomado algumas medidas políticas de combate e prevenção.

Na Educação, por exemplo, o Governo busca a capacitação de professores para ensinar os alunos a respeitar os homossexuais. Na Saúde, o empenho é ampliar as ações de combate às doenças sexualmente transmissíveis, bem como preparar o Sistema Único de Saúde (SUS) para receber os homossexuais. No Ministério da Justiça, a capacitação está voltada para os policiais, em como lidar com travestis que trabalham nas ruas e combater a discriminação e violência.

Como visto, há toda uma intenção em remodelar a concepção acerca das relações homoafetivas. Pretende-se gerar uma consciência não homofóbica em toda sociedade com a finalidade de permitir a liberdade de expressão e a igualdade de direitos entre homossexuais.

Diante dessas considerações, é importante reiterar que, na homofobia, o que se destaca é o ódio, a aversão ou/e o medo que gera uma conduta de violência contra o individuo, ferindo sua dignidade enquanto ser humano.

A sua definição não alcança a opinião e a crítica por não tocar o limite da liberdade, integridade, saúde e dignidade do individuo. A crítica ou o direito de opinião não pode ser considerado homofobia, pois não é violência.

É certo que em alguns casos há um liame tênue entre a violência psicológica e moral e a liberdade de expressão, mas a opinião crítica não gera nenhum tipo de constrangimento ou humilhação, não causa dano algum. É exercício regular do direito de expressão, não podendo ser vedado por políticas ou leis que pretendam coibir a homofobia.

Por isso, questiona-se até que ponto as políticas públicas e leis em tramitação podem coibir comportamentos, atitudes e opiniões no combate a discriminação contra homossexuais? A luta pela liberdade de expressão dos indivíduos homossexuais pode mitigar a mesma liberdade de expressão dos que compartilham opiniões diferentes? Como ponderar valores sem que se deixe aflorar o protecionismo exarcebado na tentativa de conserto de atitudes históricas e culturalmente errôneas?

4.4. Projeto de Lei nº 122/2006

A prática de atos discriminatórios contra homossexuais pode ser punida nas esferas cível, penal e trabalhista.

Na esfera cível, as ações visam a uma condenação por danos morais, ou até mesmo materiais, em razão de ato discriminatório praticado em face de um homossexual, titular de direitos. Essa condenação consiste em uma indenização, normalmente em dinheiro.

No âmbito das relações de trabalho, também há responsabilização do agressor em razão de discriminações que resultem, por exemplo, em demissões, situações degradantes ou vexatórias (Lei nº 9.029/95).

Já na seara criminal, a discriminação pode ser punida como crime. Todavia, faz-se necessário, sob luz do princípio da legalidade e anterioridade penal, que haja uma lei que tipifique cada conduta que se deseja criminalizar.

O Projeto de Lei nº 122/2006 (PL 122/06) visa criminalizar a discriminação ou preconceito de gênero, sexo, orientação sexual e identidade de gênero, alterando a Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989, que define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor, dando nova redação ao § 3º do art. 140 do Decreto–Lei nº 2.849, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, e ao art. 5º da Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto–Lei nº5.452, de 1º de maio de 1943, além de outras providências.

Interessante destacar a justificação manifestada quando da apresentação do projeto original:

A sociedade brasileira tem avançado bastante. O direito e a legislação não podem ficar estagnados. E como legisladores, temos o dever de encontrar mecanismos que assegurem os direitos humanos, a dignidade e a cidadania das pessoas, independente da raça, cor, religião, opinião política, sexo ou da orientação sexual.

A orientação sexual é direito personalíssimo, atributo inerente e inegável a pessoa humana. E como direito fundamental, surge o prolongamento dos direitos da personalidade, como direitos imprescindíveis para a construção de uma sociedade que se quer livre, justa e igualitária. Não trata-se aqui de defender o que é certo ou errado. Trata-se de respeitar as diferenças e assegurar a todos o direito de cidadania. Temos como responsabilidade a elaboração leis que levem em conta a diversidade população brasileira. Nossa principal função como parlamentares é assegurar direitos, independente de nossas escolhas ou valores pessoais. Temos que discutir e assegurar direitos humanos sem hierarquizá-los. Homens, mulheres, portadores de deficiência, homossexuais, negros/negras, crianças e adolescente são sujeitos sociais, portanto sujeitos de direitos. O que estamos propondo é fim da discriminação de pessoas que pagam impostos como todos nós. É a da garantia de que não serão molestados em seus direitos de cidadania. E para que prevaleça o art. 5º da nossa Constituição: "Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e a propriedade." A presente proposição caminha no sentido de colocar o Brasil num patamar contemporâneo de respeito aos direitos humanos e da cidadania. E é por esta razão que esperamos contar com o apoio das nobres e dos nobres colegas para a aprovação deste projeto de lei.

Destaca-se nessa justificativa, além da fundamentação teórica do projeto de Lei no princípio da igualdade, o argumento de que o legislador precisa estar atualizado com as necessidades e anseios da sociedade, de modo que legitime a sua atuação.

Nesse sentido, além de levar em consideração os anseios de uns em aprovar tal projeto, também deve levar em conta as críticas de outros que surge no seio da mesma sociedade.

Esse projeto de lei tem sido alvo de manifestações contrárias a sua aprovação, sob a alegação de que a garantia constitucional à liberdade de expressão, em especial o direito à liberdade religiosa, e a igualdade material seriam violadas.

Religiosos temerosos em ter sua liberdade de expressão cerceada vêm fazendo protestos e manifestações contrárias a tal projeto, alegando que, em face de uma redação abstrata e inespecífica, estar-se-ia conferindo poderes irrestritos aos homossexuais. Além disso, alegam que diversas religiões, como o cristianismo, judaísmo e islamismo, teriam sua liberdade de manifestação, contrária ao homossexualismo, totalmente vetada pelo Projeto de Lei nº 122/06.

Em contraofensiva, dada a abertura da discussão de forma midiática, o movimento pró-homossexualidade oportuniza uma posição afirmativa cada vez mais forte na sociedade em prol da igualdade de direitos.

Sabe-se que os projetos de lei que ferem ou que não protegem os direitos fundamentais na sua unidade são projetos inconstitucionais, haja vista que também, e principalmente, o legislador é destinatário das normas constitucionais de direitos fundamentais.

Dessarte, se essas alegações forem verdadeiras, o PL 122/06 não deveria ser aprovado em razão do vício da inconstitucionalidade material, pois nenhuma lei pode desobedecer aos preceitos supremos da Constituição Brasileira, sob a pretensa defesa de um segmento.

Nesse contexto social de divergências, surge a necessidade de se discutir o assunto a fim de que novas ideias e possíveis soluções possam vir à tona.


5. Liberdade religiosa versus não discriminação a homossexuais

5.1. Possível colisão entre os direitos fundamentais

O princípio da liberdade religiosa e o princípio da igualdade ou não discriminação se encontram no mesmo grau de hierarquia e possuem o mesmo nível de força e vinculação.

Trata-se de valores muito caros a sociedade – liberdade e igualdade. Ambos constituem o alicerce do Estado Democrático de Direito, sendo impossível a existência de um sem o outro.

Exatamente, em razão disso é que o ordenamento brasileiro atribuiu o mesmo peso genérico a eles.

Por isso, em uma suposta colisão entre esses princípios em um caso concreto o intérprete enfrentaria grande dificuldade.

Segundo Glauber Moreno Talavera, a compatibilização entre o princípio da igualdade e o princípio da liberdade é difícil, conforme se verifica no trecho abaixo:

No plano conceitual, a questão atacada é de jaez principiológico. Todos sabem o quão difícil é compatibilizar-se os princípios da liberdade e da igualdade, pois, como adverte Norberto Bobbio, o libertarismo e o igualitarismo fundam suas raízes em concepções do homem e da sociedade profundamente diversas, sendo que para o liberal o fim principal é a expansão da personalidade individual e, para o igualitário, o fim principal é o desenvolvimento da comunidade em seu conjunto, mesmo que ao custo de diminuir a esfera de liberdade dos singulares. Elucida, ainda, o eminente jusfilósofo peninsular, que a única forma de igualdade, que é compatível com a liberdade tal como compreendida pela doutrina liberal, é a igualdade na liberdade, que tem como corolário a idéia de que cada um deve gozar de tanta liberdade quanto compatível com a liberdade dos outros.[33]

Todavia, em regra, a liberdade religiosa, que surgiu como verdadeiro desdobramento da liberdade de expressão ou manifestação do pensamento, não pode ser alvo de limitações, senão aquelas previstas na Constituição, segundo a jurisprudência assente do Supremo Tribunal Federal:

“Limitações à liberdade de manifestação do pensamento, pelas suas variadas formas. Restrição que há de estar explícita ou implicitamente prevista na própria Constituição”. [34]

Por tudo isso, é que se pode afirmar que as religiões – cristianismo, judaísmo, islamismo – que não concordam com o homossexualismo têm direito de se manifestar criticamente contra tal comportamento.

E essa posição ou manifestação religiosa contra o homossexualismo não pode ser considerada homofobia ou discriminação, pois tais manifestações se encontram dentro dos limites constitucionais do princípio da liberdade religiosa.

Por outro lado, afirmar que manifestação religiosa é homofobia pode ser verdade se os religiosos extrapolarem os limites de sua liberdade, praticando atos de violência contra os homossexuais.

Citações bíblicas, opiniões contrárias, críticas ao homossexualismo, e não contra os homossexuais como pessoas individualizadas, são atitudes que se coadunam com os princípios da liberdade em seus vários aspectos, assim como com o princípio do Estado Democrático de Direito.

Vale ressaltar a posição adotada pelo Supremo Tribunal Federal que nesse sentido preceitua: “A liberdade de expressão constitui-se em direito fundamental do cidadão, envolvendo o pensamento, a exposição de fatos atuais ou históricos e a crítica.” [35]

Enquanto as manifestações religiosas se restringirem aos limites do princípio da liberdade de expressão religiosa, não poderão ser acusadas de discriminação ou homofobia.

Nesse sentido, nem o legislativo nem o judiciário ou executivo podem proibir os religiosos de emitir qualquer opinião contra o homossexualismo, sob pena de violarem o direito fundamental à liberdade religiosa.

Da mesma forma que não se pode acusar um homossexual de crime de discriminação religiosa por criticar qualquer instituição religiosa.

No afã de defender sua homossexualidade, muitos criticam as religiões e seus líderes. Todavia, desde que não extrapolem os limites de sua liberdade de expressão, eles não estarão cometendo crime contra a liberdade religiosa ou crime contra honra.

Todos são igualmente livres para criticar uns aos outros.

A liberdade e a igualdade sempre se entrelaçam, de forma que não pode haver igualdade sem liberdade, nem muito menos liberdade sem igualdade.

Desse modo, não é necessária nenhuma restrição para a concretização desses dois preceitos principiológicos em questão. É perfeitamente possível a convivência entre eles em um mesmo contexto social.

Portanto, percebe-se, em uma análise abstrata dos princípios constitucionais estudados, que não há uma colisão entre os direitos fundamentais da liberdade religiosa e da não discriminação aos homossexuais.

Neste caso, deve-se realizar uma harmonização dos direitos fundamentais, aplicando os princípios da unidade da constituição e da harmonização dos direitos fundamentais.

Entretanto, o direito não é uma ciência exata e, por isso, pode acontecer casos concretos em que configurem uma colisão entre o direito à liberdade religiosa e o direito a não discriminação. Nesse caso, é imperioso que o aplicador do direito se valha da técnica da ponderação de interesses, à luz do princípio da proporcionalidade.

Na colisão de direitos fundamentais, verifica-se a impossibilidade de convivência de dois direitos fundamentais ao mesmo tempo, em um determinado caso concreto. Por isso, surge a necessidade de restrição de um direito fundamental de forma que se possa solucionar o conflito.

5.2. Projeto de Lei nº 122/2006

O Projeto de Lei nº 122, iniciado na Câmara dos Deputados em 2006 e atualmente tramitando no Senado Federal, pretende incriminar a descriminação aos homossexuais.

Quanto a ele, aplica-se o mesmo raciocínio.

Os valores constitucionalmente protegidos como a vida, a liberdade, a igualdade são bens que devem ser juridicamente tutelados na esfera penal, pois são considerados relevantes para a sociedade.

Segundo os princípios da subsidiariedade, da intervenção mínima e da ofensividade do direito penal, a criminalização do ato de discriminação contra homossexuais seria justificada, já que se trata da proteção do bem jurídico fundamental: igualdade.

Aliás, a punição de todas as formas de discriminações na esfera penal é legítima, pois se coaduna perfeitamente com os preceitos constitucionais de proteção à igualdade e repressão a todas as formas de discriminações.

O próprio princípio da igualdade, como já visto, abrange o resguardo efetivo das pessoas por meio do Estado, através de leis penais quando necessário.

É o que acontece com os atos definidos na Lei nº 7.716 de 1989 (com as modificações introduzidas pelas Leis nºs 8.081 de 1990, 8.882 de 1994 e 9.459 de 1997) e com suas modificações pretendidas pelo Projeto de Lei nº 122 de 2006, além das pretensões em dá nova redação ao § 3º do art. 140 do Decreto–Lei nº 2.849, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, e ao art. 5º da Consolidação das Leis do Trabalho, entre outras providências.

Pretende o PL reprimir de forma mais veemente as arbitrariedades cometidas historicamente por diversos segmentos da sociedade contra os homossexuais.

Note-se que a referida Lei nº 7.716, mesmo alterada, continua a prever a punição de crimes resultantes de outros tipos de discriminação ou preconceito, que não apenas aquela contra homossexuais, como por exemplo, as discriminações em razão de raça, cor, etnia, religião ou procedência regional.

Destaca-se, nesse momento, a proteção da mesma Lei contra discriminações em razão da religião, o que demonstra que o legislador não está alheio aos direitos e liberdades conferidas também a esse significativo seguimento da sociedade.

O que se pode depreender do Projeto de Lei quanto ao confronto entre a liberdade religiosa, de um lado, e a não discriminação a homossexuais, de outro, é que não há preterição dos direitos relativos à religião, e nem poderia haver face à natureza constitucional deste direito fundamental.

Da mesma forma que não se admite qualquer discriminação por motivo religioso, também não se quer admitir qualquer discriminação por motivo de orientação sexual.

Busca-se, portanto, exatamente promover a igualdade entre todos os segmentos da sociedade, respeitando todas as diferenças.


6. Conclusão

Dessas singelas considerações, pode-se aferir que não há como negar a existência de um histórico de discriminações que precisa urgentemente ser desconstruído para que os direitos fundamentais e a dignidade da pessoa humana possam verdadeiramente ser realizados em uma sociedade justa.

As discriminações religiosas ou em razão da orientação sexual escolhida por uma pessoa devem ser banidas do ordenamento brasileiro.

Por isso, todas as ações do Estado nesse sentido são muito bem vindas, sejam elas através de políticas públicas ou por meio de leis, desde que elas sejam imparciais e se coadunem com a realidade da sociedade brasileira.

A conclusão que se pode chegar é que tanto o direito à não discriminação aos homossexuais quanto o direito à liberdade religiosa devem ser garantidos, respeitados e protegido pelo ordenamento jurídico brasileiro e pelas autoridades políticas, segundo o mesmo peso e a mesma medida.

Assim, o Projeto de Lei n° 122 de 2006 responde a esses anseios no sentido de combater mais uma forma de discriminação tão praticada na sociedade brasileira: a discriminação contra os homossexuais.

Os direitos fundamentais, protegidos constitucionalmente como cláusula pétrea no ordenamento jurídico brasileiro, são passíveis de conflitarem entre si, já que refletem a sociedade pluralista na qual eles se inserem.

Todavia, colisões de direitos fundamentais não são insuperáveis. O ordenamento pátrio brasileiro já adota técnicas pacificadoras em seus julgados, tal como a ponderação de interesses.

Considerando a hipótese de uma possível colisão de direitos fundamentais entre direito à liberdade religiosa e a não discriminação aos homossexuais, em um caso concreto, a solução se daria com a ponderação desses direitos por meio das três fases do princípio da proporcionalidade.

Entretanto, diante de um confronto entre o princípio da não discriminação aos homossexuais e o princípio da liberdade religiosa no plano abstrato da lei em tese, conclui-se que pela possibilidade da harmonização dos desses direitos fundamentais.

A solução da harmonização se impõe como medida mais adequada e constitucionalmente correta, trazendo uma solução justa e pacificadora.

Portanto, percebe-se que é possível que os direitos à liberdade, inclusive religiosa, e a não discriminação aos homossexuais caminhem de mãos dadas, expressando a mais ampla realização dos direitos fundamentais e o respeito pelas diferenças em um país democrático e de direito.


Notas

[1] MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional. São Paulo: Atlas, 2003.

[2]  MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mátires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 1.ed. São Paulo: Saraiva, 2007.

[3] HOMER, Chris; WESTACOTT, Emrmys. O conceito de religião. Disponível em: <http://www.pensamentocritico.com/index.php?option=com_content&task=view&id=54&Itemid=29>. Acesso em: 03 jan. 2009.

[4] MARX, Karl. Religião. Disponível em: <http://br.geocities.com/fusaobr/religiao.html>. Acesso em: 05 jan. 2009.

[5] MIRANDA, Jorge. Manual de direito fundamental. Tomo IV. Direitos Fundamentais. 3 ed. Revista e actualizada. Coimbra editora.

[6] Ibidem.

[7] Ibidem.

[8] MIRANDA, op.cit.

[9] Ibidem.

[10] MIRANDA, op.cit.

[11]Disponível em:  http://www.casaruibarbosa.gov.br/scripts/scripts/rui/mostrafrasesrui.idc?CodFrase=1622

[12] COOLEY, Thomas M.. Princípios gerais de direito constitucional nos Estados Unidos da América.  Campinas: Russel, 2002.

[13] Ibidem

[14] No mesmo sentido Thomas M. Cooley e Supremo Tribunal Federal que decidiu que o curandeirismo não se inclui no âmbito da liberdade religiosa: RHC 62240, RTJ, 114/1038, Rel. Francisco Resek.

[15] MENDES; COELHO; BRANCO, op.cit.

[16]  MIRANDA, op.cit.

[17] MIRANDA, op.cit.

[18] “O princípio da isonomia, que se reveste de auto-aplicabilidade, não é — enquanto postulado fundamental de nossa ordem político-jurídica — suscetível de regulamentação ou de complementação normativa. Esse princípio — cuja observância vincula, incondicionalmente, todas as manifestações do Poder Público — deve ser considerado, em sua precípua função de obstar discriminações e de extinguir privilégios (RDA 55/114), sob duplo aspecto: (a) o da igualdade na lei e (b) o da igualdade perante a lei. A igualdade na lei — que opera numa fase de generalidade puramente abstrata — constitui exigência destinada ao legislador que, no processo de sua formação, nela não poderá incluir fatores de discriminação, responsáveis pela ruptura da ordem isonômica. A igualdade perante a lei, contudo, pressupondo lei já elaborada, traduz imposição destinada aos demais poderes estatais, que, na aplicação da norma legal, não poderão subordiná-la a critérios que ensejem tratamento seletivo ou discriminatório. A eventual inobservância desse postulado pelo legislador imporá ao ato estatal por ele elaborado e produzido a eiva de inconstitucionalidade.” (MI 58, Rel. p/ o ac. Min. Celso de Mello, julgamento em 14-12-90, DJ de 19-4-91)Grifo acrescido.

[19] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2008.

[20] Ibidem

[21] MENDES; COELHO; BRANCO, op.cit

[22] MELLO, op.cit.

[23] “A lei pode, sem violação do princípio da igualdade, distinguir situações, a fim de conferir a um tratamento diverso do que atribui a outra. Para que possa fazê-lo, contudo, sem que tal violação se manifeste, é necessário que a discriminação guarde compatibilidade com o conteúdo do princípio.” (ADI 2.716, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 29-11-07, DJE de 7-3-08)

[24] MIRANDA, op.cit.

[25] MIRANDA, op.cit.

[26] TALAVERA, Marcos Moreno. Parcerias entre pessoas do mesmo sexo: o preconceito e a justiça. Disponível em: http://www.datavenia.net/artigos/homossexuais_justica.htm>. Acesso em: 08 jan. 2009.

[27] Ibidem.

[28] PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. Brasil sem Homofobia. Disponível em: <http://www.presidencia.gov.br/estrutura_presidencia/sedh/brasilsem>. Acesso em: 08 jan. 2009.

[29] SANT’ANNA, Marina. Brasil sem homofobia. Jornal Tribuna do Planalto. Disponível em: http://www.tribunadoplanalto.com.br/modules.php?name=News&file=print&sid=1282. Acesso em: 13 jan 2009.

[30] MISSÈ, Michel. Violência.  Disponível em: < HTTP://www.unicrio.org.br/Textos/dialogo/michel_misse.html>. Acesso em: 13 jan 2009.

[31] TELES, Maria A. Amélia; MELO, Mônica. A violência doméstica contra a mulher. Disponível em: < HTTP://www.maxwell.lambda.ele.puc-rio.br/>. Acesso em: 13 jan 2009.

[32] Ibidem.

[33] TALAVERA , op.cit.

[34] ADI 869, Rel. p/ o ac. Min. Maurício Corrêa, julgamento em 4-8-99, DJ de 4-6-04

[35] HC 83.125, Rel. Min. Marco Aurélio,  julgamento em 16-9-03, DJ de 7-11-03


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA, Tayse Carvalho Silva Montenegro de. Liberdade de crença religiosa e discriminação contra homossexuais. Uma análise breve sob a ótica do Projeto de Lei nº 122/2006. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3495, 25 jan. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23538. Acesso em: 27 abr. 2024.