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Lei do RDC: a nova lei de licitações

Lei do RDC: a nova lei de licitações

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O presságio do fim da Lei de Licitações pode virar realidade, e a transição entre os dois regimes pode acontecer de maneira segura, com o máximo de eficiência e o mínimo de riscos.

Como resultado da conversão em Lei da MP n° 527/2011, foi editada a Lei n° 12.462/2011, que Instituiu o Regime Diferenciado de Contratações Públicas – RDC.

O RDC surgiu da experiência bem sucedida da adoção de alguns procedimentos já inseridos nas práticas de contratação pública, procedimentos estes que tornaram mais eficientes o processo de aquisição de produtos e serviços por parte do Poder Público, trazendo, inclusive, experiências já em bom funcionamento no pregão eletrônico da Lei n° 10.520/2002. 

A necessidade de modernização das regras de contratação pública já era mais do que iminente no nosso ordenamento. O contexto no qual surgiu a Lei de Licitações, em 1993, ou seja, há 20 anos, incluía a comoção social que o país vivia à época. As denúncias de irregularidades então veiculadas na mídia refletiram na opinião pública, de modo que a sociedade exigiu uma postura moralizadora das contratações feitas pelo Poder Público.

Como país legalista-analítico que somos, onde muitas das respostas à sociedade se dão com a edição de leis, foi criada a extensa e formalista Lei de Licitações (Lei n° 8.666/93).

Alguns até dizem que certos dispositivos da referida lei tiveram influência de grupos econômicos interessados na forma como seriam reguladas as contratações públicas.

Verdade ou não, a situação fez surgir a Lei Geral de Licitações, que vem servindo de norma para as contratações públicas até hoje e que, mal ou bem, serve de base para garantir a solenidade, a publicidade e a busca pela justeza nas decisões que permeiam os gastos do Poder Público com a aquisição de produtos e serviços.  

Ocorre que, como todo inovador e grande ato normativo, a Lei de Licitações demorou a maturar. Seu texto foi interpretado por inúmeros doutrinadores, inúmeras cortes de julgamento e diversas vezes pelo próprio Governo - através de Decretos, Portarias, Instruções Normativas, etc. O Tribunal de Contas da União (TCU) passou por diversas fases até chegar a um grau de eficiência tal nos seus julgamentos, de forma a possibilitar que o aplicador dessa lei pudesse encontrar todas as respostas que precisasse para realizar um procedimento de contratação da melhor forma possível.

Dessa maneira, como se aprimoraram as interpretações da Lei n° 8.666/93, também ficaram em evidência as suas deficiências. Várias delas foram corrigidas com alterações à própria lei e outras com edição de regulamentos pelo Poder Executivo. Mas nem todas as inadequações procedimentais são passíveis de correção com esses “tampões”. É por isso que o Poder Público às vezes precisa se valer de leis realmente inovadoras para a modernização de procedimentos, sob pena de comprometer a eficiência e, com isso, até mesmo o crescimento do país.

Nesse contexto, surgiram o pregão, o pregão eletrônico e, agora, o RDC.

Para ser muito superficial - até porque o aprofundamento dessa questão é desnecessário -, toda grande mudança legislativa exige um processo de negociação às vezes muito caro ao Governo e, principalmente, à própria nação.

Infelizmente, o choque de interesses entre segmentos empresariais, políticos e sociais  exige cautela no processo de implementação das mudanças. Às vezes, os idealizadores de grandes idéias que poderiam gerar eficiência e benefícios ao país têm que dar verdadeiros dribles nos setores empresariais para conseguirem implementar medidas benéficas a todos.

Talvez isso tenha contribuído para que o processo de consolidação do pregão/ pregão eletrônico tenha sido paulatino. Tudo se deu de maneira crescente, de forma a neutralizar (ou pelo menos minimizar) as influências de setores privados interessados em impedir a implantação destes necessários instrumentos à eficiência nas compras públicas.     

O pregão foi crescendo devagar, inicialmente abrangendo poucas contratações, e hoje se agigantou de tal forma que é responsável por enorme fatia dos gastos públicos com contratação de serviços e, sobretudo, compras de produtos.  

Através desse processo gradual de ajustes, o pregão foi crescendo, engrandecendo sua margem de aplicabilidade, de forma que se tornou o mais utilizado mecanismo de contratação da União. 

Na nossa visão, diversos “feudos” acostumados a sempre ganharem licitações, hoje estão parcialmente desarticulados e, com a ampla publicidade e democratização proporcionada principalmente pelo pregão na modalidade eletrônica, as compras públicas se tornaram muito menos custosas, haja vista a possibilidade de participação de empresas de todo o Brasil nos procedimentos.

Assim, o pregão surgiu, se consolidou e tornou muito mais eficientes as compras de produtos e contratação de serviços comuns em relação à época imediatamente anterior à sua existência, quando as contratações eram regidas pela Lei de Licitações. E, devido ao seu caráter preferencial, esvaziou bastante a utilidade do diploma geral.

No entanto, mesmo com o advento da Lei do Pregão, a Lei n° 8.666/93 ainda permaneceu aplicável às obras de engenharia - outro tipo de contratação que representa gastos de enorme monta para o Poder Executivo. Inclusive, o Decreto 5.450/2005 é expresso em vedar a contratação de obras de engenharia por meio do pregão.

Então, como escapar das amarras da Lei de Licitações, de forma a possibilitar maior competitividade e tornar mais eficiente a contratação de obras públicas no país? Eis que surge o RDC.   

De forma também paulatina, o RDC está crescendo e ganhando corpo na administração pública.

Segundo a Lei n° 12.462/2011, o RDC seria aplicável exclusivamente às licitações e contratos necessários à realização dos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de 2016, da Copa das Confederações da Federação Internacional de Futebol Associação (Fifa 2013) e da Copa do Mundo (Fifa 2014).

É importante destacar o cuidado com que o Governo editou a MP n° 527/2011, convertida na Lei n° 12.462/2011. Como dito, ele instituiu o RDC em caráter temporário e exclusivamente para esses três eventos acima enumerados.

Então, de forma cautelosa, inicialmente pela necessidade de viabilizar esses grandiosos e iminentes eventos, foi possível abrir a porta para o que poderá ser, na nossa visão, a nova Lei de Licitações.  

É evidente que o Poder Público não pode ficar refém das amarras da já ultrapassada Lei n° 8.666/93 se quiser gastar com eficiência. E, resolvida a questão da contratação dos bens e serviços comuns através do pregão, só faltava resolver a questão das obras de engenharia. Mas o problema das obras não é tão simples assim de ser resolvido, e por envolver contratos de valor muito expressivo, o processo tem que ser feito com segurança. Talvez por isso que o RDC, talvez para não inovar de forma muito radical, nasceu em caráter excepcional e temporário, apenas no intuito de abrir os caminhos das contratações de obras à eficiência exigida pela sociedade.

Como já era de se esperar, também paulatinamente o RDC está sendo ampliado, como foi através da Lei n° 12.688/2012 (que incluiu as obras do Programa de Aceleração do Crescimento - PAC - no RDC), da Lei n° 12.745/2012 (que incluiu também no RDC as obras e serviços de engenharia do Sistema Único de Saúde - SUS) e, mais recentemente, da Lei n° 12.722/2012 (que incluiu o § 3° no art. 1° da Lei do RDC, para abrir a possibilidade dos sistemas públicos de ensino utilizarem o referido regime).  

Estes recentes incrementos à Lei do RDC demonstram a enorme habilidade do Governo em fazer valer este regime para as suas principais fontes de gastos e impor soluções até então inviáveis com a Lei de Licitações.    

Vale ressaltar que o RDC, diferente do pregão, exclui a aplicação da Lei de Licitações. Assim dispõe o § 2°, do art. 1° da referida norma:

§ 2º  A opção pelo RDC deverá constar de forma expressa do instrumento convocatório e resultará no afastamento das normas contidas na Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, exceto nos casos expressamente previstos nesta Lei.

Por isso, para um bom entendedor, há um presságio que anuncia a inevitável morte da Lei n° 8.666/1993.

Mas, afinal, em que o RDC inova ao ponto de ser a “menina dos olhos” da administração pública?

Em resumo, o regime traz inovações importantes, tais como: a fase recursal única, a inversão de fases (que pode reduzir o tempo médio de licitação de uma obra de 200 para cerca de 30 dias), a possibilidade da proposta fechada (não divulgação do orçamento) e da remuneração variável (que valoriza o contratado que vai além do que foi pedido, configurando um verdadeiro contrato de eficiência e visando a economia de recursos).

No entanto, a grande inovação do RDC é o surgimento da figura da contratação integrada. Tal modalidade de contratação visa suprir uma inegável deficiência do Poder Público: a dificuldade de encontrar, nos seus quadros, técnicos capazes de elaborar um projeto básico suficiente a gerar um bom projeto executivo.

Grande parte das majorações financeiras dos contratos de obras decorrem de alteração do projeto básico, que muitas vezes não é concebido de maneira correta. E essas majorações dão ensejo a prejuízos que surgem não só da falta de capacidade do técnico que elaborou o projeto básico, como até mesmo de uma eventual má-fé (fraude) deste que, visando celebrar futuros aditivos de valor, já elabora um projeto básico viciado, subestimado, de forma a negociar posteriormente com as empresas aditivos difíceis de fiscalizar.  

Sabedor dessas dificuldades, o Governo inseriu a possibilidade de contratação integrada na Lei do RDC. Nesse modelo, a empresa fica responsável pela elaboração do projeto básico e, por isso, está proibida de requerer aditivos para ajustar erros deste projeto, quando da fase de execução.

Por esta razão, a contratação integrada talvez tenha sido a grande idéia do Poder Público para se ver livre dos prejuízos causados pela elaboração de projetos básicos deficitários ou viciados, transferindo às empresas o ônus de zelar pelo bom planejamento da obra.

E a “cereja do bolo” do RDC é justamente conjugar a contratação integrada com a possibilidade de comissionar a empresa por ser mais eficiente do que a administração exigiu que ela fosse. É por isso que o art. 4°, IV da Lei do RDC criou a figura da remuneração variável, em absoluta consonância com os postulados da eficiência.

Hoje, em órgãos como o DNIT (que é o maior licitante de obras de infraestrutura de estradas da União), já há dezenas de licitações pelo RDC em curso e, desde outubro de 2012 (mês de edição da Lei n° 12.722/2012), as Universidades Federais do país começaram a se mobilizar para capacitar comissões de licitação para a realização de contratações pelo regime da Lei n° 12.462/2011.

Por fim, é evidente que o RDC, por ser novo, ainda não tem menções na doutrina e jurisprudência (nem do Poder Judiciário e nem do TCU), mas isso não impede que o Poder Executivo Federal faça uso maciço dos seus ditames, logicamente, com o obrigatório e essencial assessoramento jurídico de Membros concursados da Advocacia-Geral da União, de forma a validar os procedimentos e assegurar a correta aplicação deste novel diploma.

Assim, o presságio do fim da Lei de Licitações pode virar realidade, e a transição entre os dois regimes pode acontecer de maneira segura, de forma a proporcionar justamente o que o RDC pretende implementar no Brasil: o máximo de eficiência com o máximo de lisura e o mínimo de riscos para a sociedade.               


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LUNELLI, Rômulo Gabriel M.. Lei do RDC: a nova lei de licitações. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3510, 9 fev. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23697. Acesso em: 19 abr. 2024.