Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/artigos/24606
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

Legitimação individual no processo coletivo

Legitimação individual no processo coletivo

Publicado em . Elaborado em .

Nas ações coletivas para a tutela de direitos difusos e coletivos, a legitimação ativa deve contemplar o individuo que demonstrar interesse jurídico na proteção ao direto material invocado.

INTRODUÇÃO

Um dos focos principais do processo coletivo é relativo à legitimação. Esta tem sido objeto de estudo e reflexões de boa parte da doutrina nacional e estrangeira, que busca um modelo a contemplar a melhor forma de tutelar os direitos difusos e coletivos.

 Essa classe de direitos principalmente no pólo ativo tem reclamado cada vez mais a proteção jurisdicional em face das mudanças operadas pelos sistemas econômicos e sociais, em direção a uma sociedade de massas, na qual as preocupações individuais vão cedendo espaço para aquelas de ordem coletiva.

É o resultado natural do processo civilizatório que caminha inexoravelmente na ampliação das relações entre indivíduos e grupos. Nesse contexto, dentro das sociedades, determinados fatos adquirem importância e repercussão que atingem uma gama considerável de indivíduos, por vezes indeterminados ou indetermináveis, dificultando a tutela jurisdicional.

Com o desenvolvimento proporcionado pelo processo de civilização percebeu-se a necessidade de tutelar juridicamente alguns bens e situações jurídicas que são de interesse coletivo. O Estado Liberal sob o qual foram forjados os instrumentos de tutela de direitos influenciou os sistemas jurídicos, especialmente a ciência processual, de tal sorte a colocar o indivíduo e a propriedade privada no cento do sistema de valores.

Por essa razão, a ciência jurídica processual sempre se preocupou em estudar e desenvolver os institutos processuais com vistas a proteção do direito individual, razão pela qual, sem uma reinterpretação destes institutos, não há como tutelar de forma eficaz os direitos difusos e coletivos.  

A própria indeterminação dos sujeitos afetados por estes fatos coletivos ou até mesmo por normas coercitivas em abstrato é um obstáculo a efetiva proteção dos bens supraindividuais.

Com efeito, entre os institutos próprios do modelo jurídico concebido sob o Estado Liberal está a legitimação processual, que aplicada aos processos coletivos da mesma forma que nos litígios individuais não atende as necessidades de tutela a bens difusos e coletivos.

A legitimação processual individual está alicerçada no liame jurídico que liga o individuo ao bem ou à outra pessoa numa relação de pertinência. É o que dispõe o artigo 6º do Código de Processo Civil quando afirma que ninguém poderá pleitear, em nome próprio, direito alheio, salvo quando autorizado por lei.

A transposição deste conceito para o processo coletivo traz indesejáveis conseqüências como, por exemplo, a limitação legal de possibilidade de legitimação, o que dificulta o acesso ao judiciário na proteção dessa classe de bens.

Como identificar que parte do meio ambiente ecologicamente equilibrado pertence ao individuo “A”?  Ou que porção do patrimônio público pode ser atribuído ao individuo “B”? São questões que suscitam a problemática da legitimação processual na tutela a esses bens.

Fica evidente que a noção de propriedade não é adequada ao conceito de legitimação processual em temas de direitos difusos e coletivos. O caminho a ser percorrido passa por outras paragens, como é o caso do interesse.

Se não é possível atribuir ao individuo “A” uma porção do meio ambiente sadio, é, no entanto, permitido identificar um interesse seu em proteger esse bem difuso que é juridicamente tutelado.

O elevado grau de importância na proteção dos direitos de natureza difusa ou coletiva pode recomendar a releitura do instituto da legitimação processual. É o tema que se pretende examinar neste trabalho.

E por direitos de natureza difusa ou coletiva também se insere o acesso a uma ordem jurídica justa e a plena higidez do sistema constitucional para garantias de direitos, passando pelo controle concentrado de constitucionalidade.

Seria possível ampliar o conceito de legitimidade para permitir o acesso de grupo de indivíduos a essa espécie de tutela jurídica constitucional?

A singela investigação que se pretende fazer nesta monografia objetiva oferecer algumas possíveis respostas, que serão informadas pelos valores do acesso a justiça como manifestação plena da democracia.


1. ESCORÇO HISTÓRICO SOBRE A EVOLUÇÃO DA TUTELA DOS DIREITOS E INTERESSES COLETIVOS NO BRASIL

Partindo-se da experiência nacional, verifica-se que o processo civil tradicionalmente, como em outros países, foi idealizado para solucionar o conflito de interesses entre indivíduos, admitindo no máximo a cumulação de demandas, por meio do instituto do litisconsórcio, previsto atualmente no artigo 46 do Código de Processo Civil com o seguinte parágrafo único: “o juiz poderá limitar o litisconsórcio facultativo quanto ao número de litigantes, quando este comprometer a rápida solução do litígio ou dificultar a defesa [...]”.

O próprio texto normativo traz implícito o reconhecimento da dificuldade desse modelo tradicional em prestar a jurisdição para a solução de litígios que envolvam maior número de litigantes, o que indica a necessidade de outros institutos para cumprir essa missão.

O sistema processual de 1973 foi construído sobre o fundamento tradicional da divisão da tutela jurisdicional em conhecimento, cautelar e de execução seguindo-se os ensinamentos de LIEBMAN que defendia a idéia segundo a qual “no sistema do direito processual, a única classificação legítima e importante é a que se refere à espécie do provimento pedido”[1]. Basta verificar a estrutura codificada nos diversos livros que compõem o Código de Processo Civil, destinados ao processo de conhecimento (Livro I); Executivo (Livro II); Cautelar (Livro III); Procedimentos Especiais (Livro IV) e que leva ao desiderato da tutela reparatória ou preventiva sempre no prisma da individualidade.

A regra estatuída no artigo 6º, do Código de Processo Civil assevera que “ninguém poderá pleitear, em nome próprio, direito alheio, salvo quando autorizado por lei”, revelando também por este ângulo, a limitação do sistema processual na solução de conflitos quando o direito material não for postulado por seu titular, ou, no caso da própria titularidade do direito ser indeterminada ou transubjetiva, dita de outro modo, difuso ou coletivo.

É de ser dito também, que outro norte do sistema indica que as normas processuais objetivam solucionar um conflito de interesse manifestado no caso concreto, como adverte GALENO LACERDA ao anotar que a função jurisdicional “existe por causa de um conflito e para solucioná-lo”[2], revelando neste vértice os limites quanto ao fenômeno da cognição jurisdicional que fica adstrita ao caso concreto.

A propósito desse tema, MAURO CAPPELLETTI e BRYANT GARTH anotaram com propriedade que “o processo era visto como um assunto entre as partes, que se destinava à solução de uma controvérsia entre essas mesmas partes, a respeito de seus próprios interesses individuais”[3], conclusão afirmada por toda a doutrina processualística, revelando que o sistema está condicionado a prestar a jurisdição no caso concreto para solucionar a lide, o conflito de interesses, individualmente considerados.

Verificam-se, portanto, três aspectos relevantes do sistema processual civil codificado que limitam a atuação da jurisdição nas relações coletivas, a saber: a) impossibilidade da presença de grande número de litigantes; b) dificuldade de legitimação processual quando o detentor do direito material não pode estar em juízo; c) impossibilidade de atuação jurisdicional abstrata.

Ao longo do tempo, porém, a evolução da civilização fez surgir a sociedade de massas que é fenômeno universal e com maior ou menor intensidade demandou dos sistemas jurídicos soluções a altura do desafio de resolver os litígios de forma coletiva e/ou sobre direitos/interesses de titularidade indeterminada ou coletivos.

Do sistema de common law, originou-se na Inglaterra a ação de classes (class action) que avançou em relação ao modelo tradicional na qual era exigida a presença de todos os litigantes no processo, passando a admitir que determinados grupos ou classes de indivíduos postulassem ou fossem demandados em nome próprio por interesses alheios.

É o que informa TEORI ALBINO ZAVASCKI:

Aponta-se a experiência inglesa, no sistema da common law, como origem dos instrumentos do processo coletivo e, mais especificamente, da tutela coletiva de direitos. Desde o século XVII, os tribunais de equidade (Courts of Chancery) admitiam, no direito inglês, o Bill of Peace, um modelo de demanda que rompia com o principio segundo o qual todos os sujeitos interessados devem, necessariamente, participar do processo, com o que se passou a permitir, já então, que representantes de determinados grupos de indivíduos atuassem, em nome próprio, demandando por interesses dos representados ou, também, sendo demandados por conta dos mesmos interesses. Assim nasceu, segundo a maioria dos doutrinadores, a ação de classe (class action). [...] O certo é que da antiga experiência das cortes inglesas se originou a moderna ação de classe (class action), aperfeiçoada e difundida no sistema norte-americano, especialmente a partir de 1938, com a Rule 23 das Federal Rules of Civil Procedure, e da sua reforma, em 1966, que transformaram esse importante método de tutela coletiva em “algo único e absolutamente novo” em relação aos seus antecedentes históricos.[4]

Conforme anotou o mesmo autor, nos países europeus que adotam o sistema da civil  law não houve o desenvolvimento dos institutos processuais de tutela de direitos difusos e coletivos ao mesmo nível da class action norte-americana.

Mesmo assim, convêm citar a experiência de alguns desses países pela influência que exerceram sobre nosso ordenamento jurídico. É o caso, por exemplo, da França com a Loi Royer, de 1973, que foi posteriormente modificada em 1988, estabelecendo, por meio do artigo 46, que “as associações regularmente declaradas como tendo objeto estatutário explicito a defesa dos interesses dos consumidores podem, quando autorizadas para esse fim, atuar perante a jurisdição civil relativamente a fatos que produzam prejuízo direto ou indireto ao interesse coletivo dos consumidores”.

Na Espanha foi adotada solução semelhante por meio da Lei 20/84 (Ley General para La Defesa de los Consumidores y Usuarios), que legitimou ativamente as associações para promoverem demandas coletivas relativas ao consumidor, conforme se constata da leitura do artigo 26 dispondo que estas demandas coletivas poderiam versar, inclusive, sobre a informação e educação dos consumidores e usuários, seja em caráter geral ou em relação a produtos e serviços determinados.

Em seguida, a Ley Organica Del Poder Judicial, de 1985, permitiu maior abertura no interesse da proteção dos direitos coletivos ao conferir legitimação para as corporações, associações e grupos atingidos ou que estejam legalmente habilitados para a sua defesa, conforme preconizado no art. 7º, § 3º do diploma legal.

Na Itália, as mudanças ocorreram por meio da atuação jurisdicional com forte apoio doutrinário e somente com o advento do Tratado da União Européia, de 1992, que disciplinou os temas de direito ambiental e do consumidor em seus artigos 129 e 130 é que foi editada a Lei 281, em 1998, reconhecendo os direitos coletivos dos consumidores e estabelecendo a forma de sua tutela jurisdicional.

Antes desta lei, o Código Civil Italiano continha uma previsão no artigo 1.469-sexies de espécie de ação inibitória a ser promovida por entidades associativas de consumidores em casos de urgência para coibir a utilização abusiva de contratos.

Na Alemanha o panorama não era muito diferente, uma vez que o sistema processual concebeu formas de tutela coletiva em favor de associações somente em temas de consumidor e de meio ambiente.

Já em Portugal houve significativo avanço com o surgimento da ação popular prevista na Constituição de 1976 (art, 20, n. 1, e art. 52, n 2), que tutelou de forma preventiva a saúde pública, o meio ambiente, a qualidade de vida e patrimônio cultural, sendo posteriormente complementada por meio das leis 83/95e 24/96 com clara inspiração na legislação brasileira.  

Fica evidenciado dessa forma, que a defesa dos consumidores e do meio ambiente (primeiros direitos coletivos tutelados) se tornou imprescindível à própria civilização na sociedade industrial de massa que exerce sobre esses bens jurídicos uma enorme pressão econômica e mesmo física, exigindo que o direito processual concebesse instrumentos capazes de solucionar de forma eficaz os inúmeros conflitos advindos das tensões provocadas por este modo de vida gregária.

Essa realidade é vivenciada em todos os países com maior ou menor intensidade, e a troca de experiências é de importância vital para que se chegue a instrumentos ideais para cada sistema, daí se compreender os projetos de códigos modelos como o sugerido por ANTONIO GIDI[5] e outros.

No Brasil, tais influxos foram demandando paulatinamente as adaptações de institutos processuais já existentes para as soluções das tensões e dissídios provocados pela mudança de paradigmas, sobre os quais se fará breve histórico a fim de melhor situar o tema da legitimidade ativa que se pretende explorar.

Antes de ingressar nesse campo e em face dos reflexos processuais que acarretam, convém descrever brevemente a classificação e as definições adotadas sobre o que sejam direitos coletivos, incluindo-se nessa classe os interesses e direitos individuais homogêneos assim como definidos no Código de Defesa do Consumidor:

VICENTE DE PAULA MACIEL JUNIOR assim os resume:

O Código de Defesa do Consumidor prevê uma definição legal no art. 81, itens I, II e III, para a tutela em sede coletiva de três ordens de interesses, sendo os primeiros difusos, assim denominados os transindividuais, de natureza indivisível, cujos titulares são pessoas ligadas por circunstâncias de fato. Os segundos são os interesses coletivos, também transindividuais, de natureza indivisível, cujos titulares são grupos, categorias ou classes de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica-base. E por fim os interesses individuais homogêneos, que são decorrentes de origem comum (tais interesses não são coletivos nem difusos, mas individuais, tendo um ponto de fato comum que recomenda a defesa a um só tempo (FREITAS, 1992, p. 328). Essa classificação denota o reconhecimento dentro da relação de consumo de três possibilidades de manifestação dos interesses de forma pluralizada, quais sejam, a difusa, a coletiva e a homogênea.[6]

Por sua vez, TEORI ALBINO ZAVASCKI, assim sintetiza o tema:

“Direito coletivo é designação genérica para as duas modalidades de direitos transindividuais; o difuso e o coletivo stricto sensu. É denominação que se atribui a uma especial categoria de direito material, nascida da superação, hoje indiscutível, da tradicional dicotomia entre interesse público e interesse privado. É direito que não pertence à administração pública nem a indivíduos particularmente determinados. Pertence, sim, a um grupo de pessoas, a uma classe, a uma categoria, ou à própria sociedade, considerada em seu sentido amplo. Na definição de Péricles Prade, “são os titularizados por uma cadeia abstrata de pessoas, ligadas por vínculos fáticos exsurgidos de alguma circunstancial identidade de situação, passíveis de lesões disseminadas entre todos os titulares, de forma pouco circunscrita e num quadro abrangente de conflituosidade. Já os direitos individuais homogêneos são, simplesmente, direitos subjetivos individuais. A qualificação de homogêneos não altera nem pode desvirtuar essa sua natureza. É qualificativo utilizado para identificar um conjunto de direitos subjetivos individuais ligados entre si por uma relação de afinidade, de semelhança, de homogeneidade, o que permite a defesa coletiva de todos eles. Para fins de tutela jurisdicional coletiva, não faz sentido, portanto, sua versão singular (um único direito homogêneo), já que a marca da homogeneidade supõe, necessariamente, uma relação de referência com outros direitos individuais assemelhados. Há, é certo, nessa compreensão, uma pluralidade de titulares, como ocorre nos direitos transindividuais; porém, diferentemente desses (que são indivisíveis e seus titulares são indeterminados), a pluralidade, nos direitos individuais homogêneos, não é somente dos sujeitos (que são indivíduos determinados), mas também do objeto material, que é divisível e pode ser decomposto em unidades autônomas, com titularidade própria. Não se trata, pois, de uma nova espécie de direito material. Os direitos individuais homogêneos são, em verdade, aqueles mesmos direitos comuns ou afins de que trata o art. 46 do CPC (nomeadamente em seus incisos II e IV), cuja coletivização tem um sentido meramente instrumental, como estratégia para permitir sua mais efetiva tutela em juízo.[7]

Como marco inicial no Brasil desse movimento em direção à positivação do direito transindividual cita-se a alteração procedida na Ação Popular levada a efeito por meio da Lei nº. 6.513/1977 que modificou a redação do art. 1º, § 1º, daquele diploma popular para incluir no conceito de patrimônio público protegido por meio desta lei especial “os bens e direitos de valor econômico, artístico, estético, histórico ou turístico”.

Essa alteração positivou em nosso sistema jurídico, a tutela de direitos materiais tipicamente difusos, dando inicio ao crescente e progressivo desenvolvimento do tema em seus múltiplos aspectos. É de ser observado que o primeiro movimento legislativo nesse rumo cuidou dos aspectos materiais do direito coletivo, ou seja, o legislador preocupou-se em positivar a proteção a direitos difusos de natureza coletiva, entregando ao rito da lei da Ação Popular o meio processual para a tutela desse direito material.

Outro movimento legislativo de importância vital nesse tema ocorreu com a edição da Lei nº. 7.347/85 conhecida como Lei da Ação Civil Pública, que dotou nosso ordenamento jurídico de instrumento processual de enorme abrangência para a tutela dos direitos difusos e coletivos, sendo certo que no artigo primeiro deste diploma já se afirmava claramente seu propósito de proteger os direitos difusos e coletivos, quando dispunha na primitiva redação:

Art. 1º. Regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por danos causados:

I – ao meio ambiente;

II - ao consumidor;

III – a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico;

IV – a qualquer outro interesse difuso ou coletivo

 A lei em referência, na verdade, criou um sub-sistema processual destinado a tutela de direitos coletivos e difusos até então sem instrumento eficaz para a adequada proteção, visto que a estrutura do processo civil codificado, como se disse alhures, estava fundamentada na tutela a direitos individuais assim como concebidos na esteira no liberalismo.

Porém, foi com a Constituição Federal de 1988 que o tema de direitos difusos e coletivos ganhou importância de direito fundamental. Com efeito, o art. 5º, XXXIII, garante a proteção ao consumidor; o art. 37, § 4º, protege a probidade administrativa; o art. 216, preserva o patrimônio cultural; o art. 225, assegura o direito ao meio ambiente sadio e equilibrado.

Além de garantir a proteção a esses bens de natureza difusa e coletiva, a Constituição proveu os instrumentos processuais adequados e eficazes à tutela desses direitos, quando, por exemplo, ampliou o espectro da Ação Popular (art. 5º, LXXIII), para ser usada também para a proteção da moralidade administrativa, do meio ambiente, do patrimônio histórico e cultural; Quando conferiu às entidades associativas a legitimidade para defesa de direitos ou interesses de seus filiados (Art. 5º, XXI), ou as entidades sindicais em favor de seus membros (Art. 8º, III); Quando criou o mandado de segurança coletivo previsto no art. 5º, LXXX, “d”; Ou, quando dotou o Ministério Público da legitimação necessária para tutelar qualquer espécie de direitos ou interesses difusos e coletivos, conforme dispõe o art. 129, III, da Constituição Federal.

Ainda dentro do âmbito constitucional é digno de nota a significativa ampliação do sistema de controle de constitucionalidade concentrado, com a criação de meios coletivos de tutela da ordem constitucional, tais como a Ação Direta de Inconstitucionalidade a Ação Direta de Constitucionalidade (CF, art. 103) e a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (CF, art. 102, § 1º), que representam no ambiente do controle de constitucionalidade, forma de processo coletivo.

  Após a Constituição, surgiram outros diplomas legais versando a proteção de direitos difusos e coletivos, como, por exemplo, a Lei nº. 7.913/89 que estabelece a proteção dos investidores no mercado de capitais; A Lei nº. 7.853/89 que tutela o direito coletivo dos portadores de deficiência (arts. 3º a 7º); O Código de Defesa do Consumidor – Lei nº. 8.078/90, que trouxe a inovadora ação civil coletiva prevista no artigo 91[8]. No mesmo rumo, citam-se o Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei nº. 8.069/90, prevendo em seus artigos 208 a 224 a tutela coletiva especifica dessa classe de pessoas, ou, ainda, e o Estatuto do Idoso, Lei nº. 10.741/03 que em seus artigos 69 a 92 também oferece os meios para assegurar a proteção dos idosos, ou, a Lei nº. 12.016/2009, regulamentando o mandado de segurança coletivo, conforme disposto nos artigos 21 e 22.[9]

Evidente que o ordenamento jurídico está agora dotado de vários instrumentos para a tutela de direitos e interesses difusos e coletivos bem como, a tutela coletiva de direitos individuais homogêneos que podem ser classificados, também, como espécie de direito coletivo, revelando considerável avanço nesse campo podendo-se afirmar a presença de um microssistema de direito coletivo, composto de diversas normas intercambiantes (Lei nº. 7.347/85 – art. 21 e Lei nº. 8.078/90, art. 90) que formam um arcabouço de inegável eficácia na tutela dessa classe de direitos, aliás, reconhecido como um dos mais avançados do mundo, segundo propala BARBOSA MOREIRA.

Nesse prisma, deve ser mencionada a constatação de CAPPPELLETTI e GARTH que a propósito desse tema anotaram “a visão individualista do devido processo judicial está cedendo lugar rapidamente, ou melhor, está se fundindo com uma concepção social, coletiva. Apenas tal transformação pode assegurar a realização dos ‘direitos públicos’ relativos a interesses difusos”.

Por fim, de se registrar o projeto de lei nº. 5.139/09 que pretende a positivação do Código de Processo Civil Coletivo reunindo a experiência com as normas já mencionadas e inovando em vários outros aspectos para dotar o ordenamento de instrumentos ainda mais avançados na busca de melhorar a tutela aos interesses e direitos transindividuais, uma vez que se reconhece ainda existirem vulnerabilidades a serem superadas, conforme anota ADA PELLEGRINI GRINOVER:

[...] a aplicação prática das normas brasileiras sobre processos coletivos (ação civil pública, ação popular, mandado de segurança coletivo) tem apontado para dificuldades práticas decorrentes da atual legislação: assim, por exemplo, dúvidas surgem quanto à natureza da competência territorial (absoluta ou relativa), a litispendência (quanto é diverso o legitimado ativo), a conexão (que, rigidamente interpretada, leva à proliferação de ações coletivas e à multiplicação de decisões contraditórias), o controle difuso da constitucionalidade, a possibilidade de repetir a demanda em face de prova superveniente e a de intentar ação em que o grupo, categoria ou classe figure no pólo passivo da demanda.[10]

Alguns doutrinadores debruçaram no assunto ao conceber uma estrutura processual própria para tutelar os direitos difusos e coletivos, o que demanda revisitar os vetustos conceitos de interesse e direitos, de legitimidade, coisa julgada, entre outros institutos na busca de uma teoria do processo coletivo que será cada vez mais requisitado nas soluções dos inúmeros problemas de nosso tempo, pois como já se afirmou: problemas coletivos exigem soluções coletivas. 

O propósito deste singelo trabalho não é esquadrinhar essas inúmeras necessidades e suas soluções, mas tão somente se ater a alguns compartimentos dessa nova teoria que se busca construir, rememorando algumas idéias já expostas, mas que, observadas por outro prisma, talvez possam contribuir com o avanço da ciência processual, referindo-se especificamente ao instituto da legitimação processual ativa no ambiente da tutela aos direitos coletivos.


2.  OS CONFLITOS DE MASSA E A ADEQUADA SOLUÇÃO JURISDICIONAL

A civilização ocidental experimentou enorme transformação social com o advento da revolução industrial interferindo sobremaneira nas relações intersubjetivas e também exigindo maior organização social com o surgimento de entidades intermediárias, como os sindicatos e organizações de classe para melhor canalizar os interesses coletivos diante do Estado.

Do mesmo modo, o desenvolvimento tecnológico possibilitou significativa interferência nos recursos naturais chamando a atenção para os riscos oferecidos aos bens comuns, tais como água, ar, florestas, mares, rios, enfim, o que se denominou de meio ambiente.

A exploração desses recursos tem grandes conseqüências ambientais com potencial de afetar os elementos indispensáveis à própria vida, exigindo da ciência em geral e especialmente do Direito a atenção necessária à resolução dos naturais conflitos que podem atingir toda a humanidade.

A sociedade de massa, de outra parte, também refletiu no convívio social, assumindo cada vez mais importância as estruturas coletivas simbolizadas por grandes cidades, edifícios, condomínios, produtos em série, serviços essenciais massificados, como energia elétrica, consumo de água, telecomunicações, transportes, dando origem no direito material a figura dos contratos de adesão, dos contratos coletivos de trabalho e outros instrumentos adequados às superestruturas exigidas para suportar a crescente demanda no fornecimento desses bens ditos essenciais.

As mudanças são imensas e atingiram todos os compartimentos da sociedade, desde o direito individual (direitos de personalidade), passando pelas transformações na família (reconhecimento da união fora do casamento, proibição de discriminação dos filhos adulterinos, proteção dos relacionamentos homoafetivos, etc), chegando às exigências de tutela de bens de natureza difusa, como o meio ambiente saudável, e os direitos coletivos dos consumidores, apenas para citar alguns.

Sobre essa transformação VICENTE DE PAULA MACIEL JUNIOR anotou:

A nova dimensão trazida com o acatamento dos direitos coletivos e difusos modificou a antiga matriz do individualismo e da autonomia da vontade privada, que via no individuo o centro de todos os direitos. Ao lado dos direitos individuais, foram reconhecidos neste século direitos que sempre existiram, mas que não tinham espaço e eram abortados do ordenamento jurídico (MACIEL JÚNIOR, 1996, P. 35). Esses “novos” direitos são hauridos em uma nova atmosfera, coletivizada, ou muitas vezes fragmentada, difusa, porque numa sociedade de massa muitas vezes não se consegue identificar claramente todos os interessados atingidos por determinado fato. Somente foi possível o acatamento desses direitos porque houve uma disseminação dos Estados Democráticos de Direito, que passaram a permitir e proteger a atuação das associações, ao invés de contê-las como se fossem perigosos inimigos eu exerciam atividades paralelas e concorrentes às do Estado (MACIEL JUNIOR, 1996, p. 34-36)[11].

Enfim, chega-se ao século XXI com uma clara constatação, a de que as estruturas sociais concebidas na antiguidade parecem não conseguir atender a uma nova sociedade caracterizada pelo coletivo, pela massa, pela quase completa ausência de individualidade.

A propósito desta constatação, emblemático é o vaticínio de CELSO BASTOS quanto ao forte influxo que a ciência jurídica, em especial a processual, sofreria em face dessas transformações ao afirmar que “não mais assistiremos aos clássicos dualismos autor versus réu ou individuo versus autoridade pública, mas sim ao alinhamento no processo de várias partes coletivas, numa multiplicidade de posições concorrentes e conflitantes”.[12]

Digno de nota é a transformação provocada pela inadequação dos institutos jurídicos concebidos sobre o sistema econômico liberal para a proteção de direitos metaindividuais e que fora percebida pela arguta observação de BARBOSA MOREIRA:

A filosofia do egoísmo, que impregnou a atmosfera cultural dos últimos tempos, não concebe que alguém se possa deixar mover por outra força que o interesse pessoal. Nem faltou quem ousasse enxergar aí a regra de ouro: a melhor maneira de colaborar na promoção do bem comum consistiria, para cada individuo, em cuidar exclusivamente de seus próprios interesses. O compreensível entusiasmo com que se acolheu há dois séculos e se cultua até hoje, em determinados círculos, essa lição de Adam Smith, explica o malogro da sociedade moderna em preservar de modo satisfatório bens e valores que, por não pertencerem individualmente a quem quer que seja, nem sempre se vêem bem representados e ponderados ao longo do processo decisório político-administrativo, em geral mais sensível à influência de outros fatores.[13]

Veja-se que ao longo do tempo tais transformações foram promovendo uma demanda social que exerceu pressão suficiente à criação de normas capazes de assegurar proteção a nova classe de direitos. Por isso, o legislador de 1988 vislumbrou a necessidade de positivação a nível constitucional de inúmeros direitos metaindividuais que careciam de proteção jurisdicional em face dos riscos que os bens jurídicos assim tutelados passaram a ser expostos.

Nesse contexto podem ser compreendidas as garantias ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, à proteção do consumidor, da criança e do adolescente, do idoso, da família, da ordem econômica, da probidade administrativa, da seguridade social, bens e direitos que podem ser considerados coletivos ou difusos.

São bens e direitos que pertencem ao individuo e à coletividade ao mesmo tempo e que carecem de instrumentos adequados à eficaz proteção jurisdicional de forma coletiva, ou porque são direitos metaindividuais, ou porque, a tutela coletiva em juízo é mais apropriada e adequada à proteção exigida.

  Nota-se que determinados direitos difusos e coletivos têm natureza infungível e por essa razão não comportam tutela reparadora, antes, porém, exigem atuação preventiva a fim de que não sejam lesionados. É o que ocorre, por exemplo, com o meio ambiente. Não haverá como substituir-se por indenização pecuniária, a perda de uma fonte de água potável por contaminação química, ou a extinção de certa espécie florestal ou animal em decorrência de exploração desordenada em desacordo com a legislação aplicável.

Neste sentido convém ressaltar as características peculiares dos direitos difusos e coletivos, referindo-se a indeterminação dos sujeitos, a indivisibilidade do objeto, a intensa litigiosidade interna e a permanente mutação no espaço e no tempo, verificáveis em todas as situações em que se demanda a proteção a esses bens coletivos.

Disso resulta que o sistema processual voltado para a reparação de lesão assim como concebida nos moldes do liberalismo é ineficaz para a proteção do bem jurídico difuso e coletivo a ser tutelado, servindo à espécie, na maioria dos casos, apenas, a tutela preventiva estabelecida pelo legislador constitucional no artigo 5º, XXXV da Constituição Federal.[14]   

Mas não basta somente o texto legal para a tutela dos bens em questão. Exige-se mais. Ao Poder Judiciário incumbe encontrar os meios de coerção capazes de evitar a lesão ou fazer cessar a prática delituosa que coloca em risco o direito difuso ou coletivo a ser protegido, o que demanda ultrapassar os modelos tradicionais de tutela jurisdicional, servindo a título de exemplo, o que dispõe o artigo 461 do Código de Processo Civil.

Na observação de RODOLFO DE CAMARGO MANCUSO encontra-se solene advertência a esse respeito, quando anotou:

Dessa circunstância sobreleva o novo papel do juiz nas ações que envolvem interesses metaindividuais. Deverá ele ser criativo, ter conhecimentos parajuridicos, procurar antes a justiça e a equidade na solução do caso concreto do que a fria aplicação dos textos. Até porque, em muitos casos, não terá ele um texto perfeitamente aplicável à espécie, ou então o texto deixará a ele a tarefa de definir se existe a representatividade adequada no grupo que se apresenta como portador desses interesses (a defining function, atribuída ao juiz nas class actions do direito norte-americano). Haverá, por certo, limites a essa atuação jurisdicional, um sistema de freios e contrapesos que preserve a independência entre os Poderes. [...] Em face do caráter efêmero desses interesses e de sua inaptidão aos meios comuns de ressarcimento, deve o Direito elaborar novos instrumentos, novas tutelas de urgência com que preservá-los, antes que ocorra a lesão.[15]

E a missão não é simples, como a princípio pode parecer dadas as características inerentes especialmente aos direitos difusos decorrentes de situações de fato imprevisíveis e variáveis no tempo e espaço, como as situações conflituosas que naturalmente afloram na apreciação da tutela a essa espécie de direito supraindividual, pela qual se apresenta a necessidade de ponderação entre os valores jurídicos em jogo.

É o que ocorre, por exemplo, no caso de construção de hidrelétrica de grande porte que exige a inundação de extensas áreas florestais e modificação do curso natural de rios importantes e desalojamento de populações inteiras, por vezes, indígenas que necessitam daquele espaço para a sua vida social. Há um evidente conflito entre a necessidade de geração de energia para atender a demanda crescente com suporte ao desenvolvimento econômico e o meio ambiente que será inevitavelmente afetado, assim como as populações localizadas nas áreas a serem inundadas.

Trata-se de direitos e valores jurídicos cuja situação momentânea faz atritarem-se, vez que não é possível a obtenção de energia sem a interferência no meio ambiente. Tais situações conflituosas demonstram o que RODOLGO MANCUSO denomina de “caráter fluído” dos direitos difusos que se mostram presentes em situações fáticas instáveis e momentâneas e que reclamam proteção jurisdicional que se fará, necessariamente, por meio da ponderação dos bens jurídicos envolvidos, o que traduz “escolha de caráter político” conforme conclui o mesmo jurista. 

A esse respeito, o citado autor preleciona:

Assim, temos interesses difusos disseminados em áreas e temas de largo espectro social tais como ecologia, qualidade de vida, tutela dos consumidores, gestão da coisa pública, direitos humanos, defesa de etnias, defesa de minorias sociais, etc. Em assuntos tão abrangentes, é natural que os conflitos de interesses figurem exacerbados; ao interesse à contenção dos custos de produção, e bem assim aos preços, se opõem interesses ao “aquecimento” da economia; ao interesse à automatização industrial, se opõem os interesses à criação de novos empregos; aos interesses à proteção dos recursos naturais em geral, se opõem interesses financeiros, imediatistas, de grupos tão gananciosos quanto predadores; [...] Essa extrema diversidade dos interesses difusos provém do fato de que os dados que os compõem variam no tempo e lugar. Giorgio Recchia lembrar os exemplos do “DDT”, antes utilizado como excelente inseticida e hoje proscrito; os pântanos já foram considerados nocivos, mas hoje são protegidos [...]. A isso se podem acrescentar a pílula anticoncepcional, as lentes de contato, com fontes geradoras de opiniões as mais controvertidas, numa imensa “área de conflituosidade social” que tende a crescer à medida que se for sofisticando essa “tecnologia de massa”[16].

Diante desse quadro, o sistema processual necessita de evolução dos institutos e criação de outros novos para possibilitarem a plena tutela desses direitos e interesses “fluídos”, já que a jurisdição é chamada para agir de forma eficaz carecendo, para isso, dos instrumentos adequados que o processo individual não está adequadamente preparado para oferecer. Conforme anota ANTONIO HERMAN BENJAMIM, “tanto o fenômeno do ‘conglomerado de interesses’ (nem sempre formalizado), como o da ‘dispersão dos danos’ põem em xeque a formulação e montagem do processo civil tradicional na instrumentalização da solução de conflitos ambientais”.[17]

Basta ver, como já se afirmou alhures, as limitações na admissão de litigantes em número elevado revelada no uso do instituto do litisconsórcio; ou, nos institutos de legitimação processual onde é exigida a relação direta e quase absoluta entre os demandantes e a titularidade dos direitos e/ou obrigações a eles vinculados. Na convivência harmônica entre as possibilidades de atuação processual de forma coletiva e individual que não podem ser excludentes. Ou, ainda, ao instituto da coisa julgada que não pode ser admitido sem temperamentos em face dos riscos de se perpetuarem situações jurídicas injustas e, sobretudo, ruinosas aos interesses da coletividade exigindo evolução em sua compreensão, conforme se demonstrará em tópico próprio.

Noutro vértice, também a própria atuação da jurisdição precisa evoluir para dar maior efetividade e proteção especialmente àqueles direitos coletivos infungíveis, já que a mera reparação a posteriori não terá nenhuma eficácia na maioria das situações, o que demanda evolução do pensamento acerca da posição ocupada pelo Poder Judiciário que não pode se intimidar diante de infundadas acusações de violação do princípio da separação dos poderes, cada vez que é chamado a tutelar os interesses coletivos onde possa haver, também, interesse da administração pública.

É próprio da função jurisdicional, decidir os conflitos evitando as lesões a bens juridicamente tutelados e isso só ocorre quando os demais Poderes da República falham em sua missão. Instalado o conflito, é inerente ao Poder Judiciário a prerrogativa de solucioná-lo dentro do quanto disposto no ordenamento jurídico. Deve ser dito, porém, que há limites a atuação jurisdicional, como adverte ADA PELEGRINI GRINOVER:

A tendência ao indiscriminado controle do ato administrativo, quanto ao seu mérito, tem sido condenada pela doutrina e pela jurisprudência, atentas aos perigos do controle jurisdicional do ato discricionário: teríamos, ai, na verdade, a substituição da discricionariedade do administrador pela discricionariedade do juiz, invertendo as posições funcionais do poder e bloqueando toda a atividade administrativa.[18]

A esse propósito é importante destacar o pensamento de CARLOS ALBERTO DE SALLES a respeito do fenômeno da judicialização dos conflitos envolvendo direitos difusos, que em sua opinião serve ao propósito:

[...] trazer para o Judiciário a função de adjudicar o interesse público na situação disputada pelas partes, isso é, decidir no caso concreto o interesse que deve ser preponderante entre aqueles consagrados pelo ordenamento jurídico. Mais do que isso, deixando de adjudicar interesses circunscritos às esferas individuais de autonomia privada, ao decidir sobre bens coletivos, realiza opções relacionadas com a alocação e apropriação de recursos comuns. Nessa nova tarefa, a atividade judicial deve responder à questão de realizar não apenas uma justiça corretiva (ou retributiva), mas também aquela distributiva, ligada à atribuição individual de recursos comuns [...][19]

O que se propugna, sem embargo da criação de novos paradigmas, não é uma revolução que promova ruptura do sistema processual em vigor, senão somente, que se apliquem esforços no sentido de conferir interpretação mais ampla aos institutos para que cumpram a função de ancilar a tutela de direitos difusos e coletivos, para os quais, inegavelmente não foram originalmente concebidos.

Desse modo, a título ilustrativo, deve-se ampliar a interpretação do artigo 6º, do Código de Processo Civil para se permitir a legitimação processual ativa a quem não seja, diretamente, o titular do direito difuso ou coletivo ao qual se pede a proteção judicial. É bem verdade que em certa medida tal avanço já ocorre com o fenômeno da substituição processual na legitimação extraordinária, mas ainda é insuficiente para contemplar todas as situações em que os valores difusos estão em jogo, isto porque, a substituição processual na esteira da legitimação extraordinária ainda guarda nítida relação com a idéia originaria da titularidade do direito material envolvido, inadequada para a proteção de “direitos e interesses tuteláveis mesmo sem a apresentação imediata de um titular, decorrentes de um fato básico que afeta a todos”[20].

Por esta razão adverte CASSIO SCARPINELLA BUENO:

Se, como não se pode esconder, o processo brasileiro é iluminado e traçado a partir do mesmo vetor do devido processo legal que norteia o sistema norte-americano, parece que não se pode buscar resolver o problema da legitimidade para agir meramente no campo da lei. Que a lei possa (e deva) indicar soluções, não há o que contestar. O que não pode fazer, todavia, é pretender, em grau de definitividade, que aquela solução seja a mais adequada e a mais escorreita possível, não permitindo ao aplicador da lei liberdade para, caso a caso, valorar as situações e verificar se o espírito daquele dispositivo legal está em sintonia à cláusula constitucional precitada. Desde que positiva sua pesquisa, não há qualquer óbice de a lei, tal qual escrita, ser aplicada. De outro lado, na negativa, plausível que o juiz entenda que, naquele caso concreto, os vetores do devido processo legal não estão sendo adequadamente cumpridos. Nestes casos, deve recusar, motivadamente , o prosseguimento da ação, ao menos, enquanto veículo de tutela coletiva.[21]

Nesse rumo de ideias poderia haver uma significativa evolução com a ampliação da legitimação processual, como observa a autorizada doutrina de Rodolfo de Camargo Mancuso, avançando-se do conceito de substituição processual para a “representação adequada” a semelhança do quanto sucede na class action do direito norte-americano.

 Tal avanço poderia ampliar as situações de tutela de direitos difusos, por exemplo, nas demandas que envolvam grupos ou classes que não possuem adequada representação processual, como movimentos sociais sem personalidade jurídica, grupos autóctones, entre outros.

Nestes casos, não haveria uma associação com personalidade jurídica formada, capaz de substituir os membros em juízo o que poderia excluir a tutela jurisdicional em favor dos direitos do grupo, sem prejuízo, evidentemente, da atuação do Ministério Público.

Ora, se presente algum representante legitimo que tenha amplas condições de litigar e genuíno interesse comum com o direito material a ser tutelado, não deveria haver obstáculo para que pudesse fazer uso das ações coletivas em busca da melhor proteção aos direitos coletivos da classe que representa.

A explicação para esse avanço é fornecida com propriedade por Rodolfo de Camargo Mancuso, ao anotar:

Essa interpretação especial que devem merecer esses princípios tradicionais, quando se trate de ações à finalidade coletiva, repousa em duas ordens de argumentos: em primeiro lugar, nos interesses difusos, o homem não é tomado em sua acepção singular, e sim em dimensão coletiva, vale dizer, enquanto integrante de uma coletividade mais ou menos vasta (cuja extensão pode variar, desde núcleos menores – habitantes de um bairro; consumidores de um produto – até vastas comunidades, como os cidadãos de um país, como se dá nas ações populares, fundadas em lesão de âmbito nacional). Em tal circunstância, é claro que o critério para a legitimatio ad causam não pode ser o mesmo empregado nos conflitos individuais (uti singuli), do tipo “Ticio versus Caio”. Em segundo lugar, as garantias individuais do due processo os Law (especialmente as referentes à defesa, contraditório e limites subjetivos do julgado) hão que ser vistas sob a óptica de garantias de índole coletiva, consentâneas com a natureza e finalidade dessas novas exigências sociais. Daí por que, nas ações coletivas o conceito de “representação adequada”veio substituir o critério de legitimação fundada na coincidência ou correspondência entre titularidade do direito subjetivo material e autor da ação.[22]

Eis um campo em que se poderia avançar inovando na interpretação do instituto da legitimatio ad causam para estendê-lo também à qualquer individuo que demonstre algum grau de relação, ainda que indireto (interesse juridicamente protegidos, conforme ILHERING), com o direito material difuso ou coletivo a ser tutelado, o que atenderia ao desiderato da proteção do interesse público, já que nas palavras de VICENTE DE PAULA MACIEL JUNIOR “não há interesse difuso, mas uma indeterminação difusa de interessados. Tanto isso é verdade que os chamados interesses difusos podem ser sempre manifestados na esfera individual dos interessados”[23].

Nessa ordem de idéias e diante da importância inerente aos direitos difusos e coletivos, seria preferível outorgar a qualquer pessoa a legitimação para estar em juízo na defesa dessa classe de direitos, desde que tenha condições suficientes de litigar, inclusive com apoio do Ministério Público, fundamentada esta atuação conjunta nas prerrogativas que lhe são conferidas pelo art. 127 da Constituição Federal.

 O foco deve ser deslocado da questão da titularidade do direito material questionado, para aquele relativo à necessidade e interesse público na tutela de direitos ditos “fluídos”, especialmente se for considerado que os direitos coletivos têm relevância per si, conforme foi observado por VICENTE DE PAULA MACIEL JUNIOR ao anotar:

[...] o direito difuso não é organizado, não tem assembléia, nem deliberação para estabelecer a vontade da maioria. O direito difuso se expressa na norma que tutela bens que afetam muitas pessoas e serão legitimadas naturais a uma ação todas as pessoas que manifestem seu interesse individual em relação ao bem [...][24]

Ora, seria ilógico deixar de proteger os direitos difusos apenas porque não se identifica num primeiro momento quem seja seu legitimo titular no sentido clássico de apropriação de um direito. Daí porque qualquer individuo poderia ser legitimada para provocar a jurisdição em busca da proteção a um bem de todos, o que poderia ser realizado de forma conjunta com o Ministério Público, atendendo ao que BARBOSA MOREIRA designa como “legitimação concorrente disjustiva”.  A respeito do tema pondera TEORI ALBINO ZAVASCKI:

[...] a substituição processual tem eficácia apenas no plano do processo. Quem defende em juízo, em nome próprio, direito de outrem não substitui o titular na relação de direito material, mas sim, e apenas, na relação processual. Como conseqüência, ao substituto é vedado praticar qualquer ato que, direta ou indiretamente, importe em disposição do direito material tutelado [...].[25]

BARBOSA MOREIRA ainda enfatiza a urgência na ampliação do espectro dos legitimados para a defesa dos direitos coletivos e difusos quando alude a necessidade de:

[...] alargar os limites, às vezes demasiado estreitos, da acionalidade, quer pelo ângulo objetivo – abrindo a hipóteses injustificamente excluídas a via de acesso à cognição judicial -, quer do ponto de vista subjetivo - rompendo as barreiras erguidas pela acanhada concepção tradicional da legitimação para agir [...].[26]

Diante da análise das situações concretas, da litigiosidade interna inerente a tutela dos direitos difusos e coletivos e da inafastável necessidade de garanti-los, sobretudo naquelas situações em que a própria sobrevivência do grupo está em jogo, verifica-se que o instituto da legitimação assim como preconizada no Código de Processo Civil, incluindo a extraordinária, não se mostra adequada à plena tutela desses direitos. Daí a conclusão da necessidade da evolução no entendimento de tais conceitos que permitiriam, sem nenhuma ruptura no sistema, o pleno atendimento das novas e urgentes demandas que chegam ao Poder Judiciário, conferindo-se a qualquer pessoa a legitimação para agir, pois o que se tem no caso é a necessidade de uma tutela de direito coletivo e não uma tutela coletiva de direitos, conforme foi bem delimitado por TEORI ALBINO ZAVASCKI.[27]

Da mesma forma, ocorre com o instituto da coisa julgada que também carece de nova compreensão para atender à necessidade de imunização das decisões proferidas nesta espécie de processo, onde as carências são diferentes daquela preocupação originária em impedir novas discussões entre as partes sobre a mesma demanda.

Evidente que tais desideratos ainda permanecem na aplicação do instituto às decisões proferidas nos processos coletivos, todavia, são insuficientes para solucionar as questões suscitadas no ambiente coletivo, a exemplo da posição dos terceiros que não participaram da relação jurídica ou naquelas situações onde o legitimado ativo deixa de diligenciar na defesa dos interesses coletivos sob sua representação, levando a improcedência dos pedidos por ausência de provas.

Com efeito, é preciso conciliar a necessidade de segurança jurídica proporcionada pela imunização da coisa julgada com o desiderato de evitar prejuízos a terceiros que seriam atingidos pela conduta negligente daqueles que foram legitimados para representar os direitos/interesses coletivos em jogo.

Nesse sentido, os conceitos da coisa julgada secundum eventus litis e secundum eventus probatione devidamente adaptados com a finalidade de servirem as tutelas coletivas podem fornecer os instrumentos eficazes na técnica de imunização das decisões.

Outro aspecto igualmente importante é a extensão da decisão para além do ambiente subjetivo do processo, alcançando o efeito erga omnes ou ultra partes, como prefere a redação do artigo 103 do Código de Defesa do Consumidor, ou, ainda, a relação processual entre as demandas individuais e as coletivas versando sobre os mesmos direitos materiais e submetidos ao instituto da litispendência.

 Em todos esses campos é preciso nova e abrangente compreensão dos institutos processuais para lhes conferir alcance mais amplo a fim de instrumentalizar o processo coletivo com as melhores técnicas para se alcançar o fim maior, qual seja, a plena tutela dessa classe de direitos tão importantes e complexos.


3.  ASPECTOS PROCESSUAIS DIFERENCIADOS NOS PROCESSOS COLETIVOS

3.1 LEGITIMAÇÃO ATIVA

A questão da legitimação ativa nos processos coletivos tem suscitado enorme controvérsia doutrinária que perpassa por vários conceitos e institutos processuais, como a teoria sobre o direito de ação e o interesse de agir. A doutrina reconhece que a limitação da legitimação ativa nas ações coletivas decorre de opção legislativa para impedir que indivíduos isoladamente tenham acesso a tutela de direitos coletivos, vislumbrando-se nessa possibilidade situação que poderia fragilizar essa modalidade de atuação jurisdicional, o que RODOLFO DE CAMARGO MANCUSO percebeu ao tratar dos “corpos intermediários” quando denominou de “temor de ‘pulverização’ do poder estatal”.

Em tópico próprio se demonstrará a inconsistência teórica e prática dessa opção legislativa, visto que a legitimação individual em alguns casos não traria nenhuma depreciação ao sistema de tutela coletiva, antes, o fortaleceria dentro da ótica democrática de participação social. O certo é que o microssistema de direito coletivo positivou a legitimação processual apenas para algumas pessoas ou entidades intermediárias, o que pode ser visto das diversas espécies de ações coletivas, inclusive, no sistema de controle concentrado de constitucionalidade (CF, art. 103).

Em primeiro lugar está a legitimação do Ministério Público para a tutela dos interesses sociais e coletivos o que é natural diante da missão constitucional reservada ao parquet no artigo 127 da Constituição Federal, afirmando o texto constitucional que “O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”.

Ao aludir aos “interesses sociais” fica evidenciado que o Ministério Público tem plena legitimação para a defesa dos direitos difusos e coletivos em qualquer espécie de processo judicial, o que é reafirmado no artigo 129, III, da Lei Maior quando dispõe que “são funções institucionais do Ministério Público [...] III – promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos;”.

No ambiente infraconstitucional a legitimação do Ministério Público para a tutela de direitos difusos e coletivos é disciplinada na Lei nº. 8.625/93, artigo 25, IV (Lei Orgânica Nacional do Ministério Público); na Lei Complementar nº. 75/93, artigo 6º, VII (Estatuto do Ministério Público da União); Nas diversas ações civis, inclusive ações civis públicas – Lei nº. 6.938/81 (reparação por dano ecológico); Lei nº. 7.347/85 (responsabilidade por danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico); Lei nº. 7.853/89 (disciplina o apoio às pessoas portadoras de deficiência, sua integração social, bem como as tutelas jurisdicionais específicas para a proteção desta classe de pessoas); Lei nº. 7.913/89 (regula a proteção aos investidores no mercado de valores mobiliários); Lei nº. 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor); Lei nº. 8.429/92 (Improbidade administrativa); Lei nº. 4.717/65 (ação popular); Lei nº. 12.016/2009 (mandado de segurança coletivo).    

Essa legitimação para a tutela de direitos difusos e coletivos não se dá na função de custus legis como apregoa o art. 83 do Código de Processo Civil, mas na qualidade de titular da ação na forma definida pelo art. 81 do mesmo Código. É bem verdade que quando se fala em titularidade da ação não se está afirmando que exista relação com a titularidade do direito material envolvido na demanda no caso do Ministério Público, posto que a legitimação assenta-se no instituto da substituição processual, conforme anota TEORI ALBINO ZAVASCKI:

Os direitos e interesses difusos e coletivos se caracterizam por não terem titular determinado, por serem transinviduais. Seu conteúdo é formado por bens ou valores jurídicos de relevante interesse geral, mas que não tem “dono certo”, na expressão de Caio Tácito. Segundo definição da Lei 8.078/90, são direitos e interesses “transindividuais, de natureza indivisível”, pertencentes a pessoas indeterminadas, ligadas por circunstâncias de fato, ou a grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica básica (art. 81, parágrafo único, I e II). O que se quer realçar é que, em todas as hipóteses de promoção de ação civil pública, seja na defesa do patrimônio público ou social, seja, ainda, na defesa de interesses ou direitos difusos ou coletivos, o Ministério Público estará sempre defendendo não um direito próprio, mas sim um direito alheio. Direito, ou de toda a comunidade, ou de pessoas indeterminadas, ou determinadas por classes, categorias ou grupos. Trata-se, portanto, de legitimação extraordinária, para a qual se exige habilitação legal especifica, a teor do art. 6º, do CPC. Quem defende em juízo, em nome próprio, direito de que não é titular assume, no processo, a condição de substituto processual. Assim, o Ministério Público, autor da ação civil pública, é substituto processual.[28]

Dois aspectos importantes merecem relevo quanto à atuação do Ministério Público na defesa de direitos difusos e coletivos. O primeiro aspecto refere-se aos direitos homogêneos que, na verdade, não tem natureza coletiva como os difusos e coletivos strictu sensu. São na verdade direitos individuais, que por se referirem a um grupo determinado de pessoas atingido por um mesmo fato podem ser tutelados de forma coletiva. Neste caso, a tutela é coletiva e não o direito material envolvido que continua sendo individual.

É o que ocorre, v. g. com os danos aos consumidores que por atingirem número elevado de pessoas permitem a tutela de forma coletiva sem, contudo, perder a natureza individual, como preconiza o art. 81, III, do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº. 8.078/90). Nestes casos, como opina TEORI ZAVASCKI[29], o Ministério Público não teria legitimidade para atuar sem previsão legal especifica, a não ser que exista no fato algum aspecto que envolva direitos difusos ou coletivos a ser defendido. 

Para aquelas situações em que se opera a plena legitimação do parquet também na defesa desta espécie de direitos (individuais homogêneos) como é o caso da previsão legal da ação civil coletiva do artigo 91 do Código de Defesa do Consumidor, deve ser relembrado  que a atuação do Ministério Público na condição de substituto processual não poderá ocorrer na execução do titulo judicial que condenar o demandado a indenizar os danos aos consumidores vitimados, exceção feita no caso da execução dos resíduos (art. 100) a serem destinados ao fundo criado pela Lei nº. 7.347/85, hipótese em que a legitimação continua a se operar por substituição processual.

Os artigos 97 e 98 do Código Consumerista dispõem:

Art. 97. A liquidação e a execução de sentença poderão ser promovidas pela vitima e seus sucessores, assim como pelos legitimados de que trata o art. 82.

Art. 98. A execução poderá ser coletiva, sendo promovida pelos legitimados de que trata o art. 82, abrangendo as vitimas cujas indenizações já tiverem sido fixadas em sentença de liquidação, sem prejuízo do ajuizamento de outras execuções.

Todavia, esta legitimação para a ação de cumprimento e para a execução individual se faz sob o instituto da representação e não o de substituição processual, o que indica a necessidade da presença individual das vitimas, conforme anota TEORI ZAVASCKI:

[...] obtida a sentença genérica de procedência na ação coletiva, cessa a legitimação extraordinária. A ação especifica para seu cumprimento, em que os danos serão liquidados e identificados os respectivos titulares, dependerá da iniciativa do próprio titular do direito lesado, que será, por conseguinte, representado, e não substituído, no processo. Aliás, mesmo quando ajuizada coletivamente, como prevê o art. 98 da Lei 8.078/90, a ação de cumprimento se desenvolverá pelo procedimento comum e em litisconsórcio ativo, em que os titulares do direitos serão nomeados individualmente e identificadas particularmente as respectivas situações jurídicas. Assim, ainda nestes casos, a ação de cumprimento será proposta em regime de representação, e não de substituição processual.[30]

Isto porque, na fase executiva se dará a individualização da condenação, situação que exige a presença do titular do direito material, ou seja, o consumidor que deverá ser indenizado não sendo permitido que o Ministério Público atue na defesa do interesse particular sem a iniciativa de seu titular.

É que nesta modalidade de processo a sentença será necessariamente genérica, bipartindo a atividade jurisdicional cognitiva em duas fases, a primeira destinada a conhecer o núcleo homogêneo do direito questionado e a segunda (ação de cumprimento) tendente a individualização quando se fará a liquidação e execução do direito individual. A respeito deste tema LUIZ PAULO DA SILVA ARAUJO FILHO pontificou:

[...] a ação referente a interesses individuais [...] só admite a feição coletiva porque – e enquanto – a homogeneidade desses direitos, decorrentes de origem comum, permite que sejam desprezadas e necessariamente desconsideradas as peculiaridades agregadas à situação pessoal e diferenciada de cada interessado. Tornando-se relevante, porém, para o julgamento do feito, à vista da demanda, verificar aspectos pessoais e diferenciados dos titulares dos direitos individuais, a tutela coletiva torna-se absolutamente inviável. Por isso, para que seja realmente coletiva a ação respeitante a interesses individuais, é indispensável que seja(m) formulado(s) pedido(s) individualmente indeterminado(s), que despreze(m) e necessariamente desconsidere(m) as peculiaridades agregadas à situação pessoal e diferenciada de cada interessado, como diz a doutrina, para permitir a prolação da sentença genérica prevista em lei.[31]

O segundo aspecto relaciona-se com a indisponibilidade do direito pleiteado, ou seja, o Ministério Público na condição de substituto processual nesta espécie de ação, não está autorizado a transacionar o direito material a ser tutelado, o que é uma decorrência lógica do fenômeno da substituição processual. Evidente que a transação é instituto de direito material da qual se serve o direito processual apenas para por fim ao processo. E como instituto de direito material subordina-se a todas as exigências legais de validade do ato, entre os quais, a presença do titular do direito.

No campo processual, as limitações decorrentes da substituição processual são ainda maiores, visto que a atuação do parquet atende ao interesse publico tornando indisponível o direito tutelado. Em virtude dessa indisponibilidade, a confissão dos fatos não tem valor (art. 351); Não há incidência dos efeitos da revelia sobre os fatos (art. 320, II); Não pode haver assunção do ônus probatório não previsto em lei (art. 333, parágrafo único, I). 

Nessa direção se posicionam ANTONIO AUGUSTO MELLO DE CAMARGO, ÉDIS MILARÉ e NELSON NERY JUNIOR quando anotam:

[...] a legitimação para agir, conferida ao Ministério Público nos casos de ação civil, atende sempre ao interesse público. Este interesse é indisponível, dado que o direito substancial derivado do interesse público é indisponível. Isso vale ainda que se trate de direito meramente patrimonial, pois, legitimado o Ministério Público para vir a juízo agir na defesa desse interesse, ele se transforma de privado em público. Logo, o Ministério Público não poderá praticar atos que importem disposição do direito material como v.g., a renúncia ao direito, a confissão, a transação e o reconhecimento jurídico do pedido, no caso de estar no pólo passivo, como parte, na relação jurídica processual.[32]

Os termos de ajuste de conduta previstos na Lei nº. 7.347/85, artigo 5º, § 6º, firmados pelo Ministério Público não estão abrangidos por esta proibição uma vez que tratam apenas de regular o modo de cumprimento de obrigação de fazer e não fazer não representando transação do direito material.

No caso da ação civil publica o interesse público atinge o próprio direito de ação, ou seja, se o Ministério Público ajuizar a demanda não poderá ofertar desistência a não ser que tal providencia melhor atenda aos interesses tutelados, como é o caso de eventual vicio processual que comprometa a prestação jurisdicional. Neste caso, a desistência será sucedida de novo ajuizamento com a correção dos defeitos que comprometia o processo anterior.

Fora dessas hipóteses não se admite a desistência, o que se infere do disposto no art. 5º, § 3º, da Lei nº. 7.347/85 ao dispor que “em caso de desistência infundada ou abandono da ação por associação legitimada, o Ministério Público ou outro legitimado assumirá a titularidade ativa”.

Para a defesa dos direitos difusos e coletivos é imprescindível que o legitimado ativo atue com vigor no processo para se evitar representação defeituosa que leve ao comprometimento da prestação jurisdicional que atinja os direitos materiais a serem protegidos. É por essa razão que no sistema de class action do direito norte-americano, o juiz deve verificar a adequada representação, certificando-se que a defesa dos direitos e interesses difusos e coletivos se fará por agentes idôneos e qualificados para litigar à altura das necessidades processuais.

Reflexo dessa experiência em nosso microssistema de tutela dos direitos e interesses coletivos pode ser visto, v. g., nas exigências previstas no art. 5º, V, da Lei 7.347/85; no artigo 21 da Lei nº. 12.016/2009 e no art. 82, IV, da Lei nº. 8.078/90, exigindo que as entidades legitimadas estejam constituídas há pelo menos um ano e tenham em seu objeto social estreita relação com as pessoas representadas e com o direito material a ser tutelado, para se evitar a fraude e a ilegitimidade apócrifa que comprometa a tutela jurisdicional.

Existem criticas a nível doutrinário a atuação do Ministério Público em algumas espécies de demanda onde o direito material discutido é singular exigindo conhecimentos técnicos e científicos muito específicos dos quais o parquet não tem familiaridade, justificando a intervenção de entidades igualmente legitimadas que tenham afinidade com a questão controvertida, como aponta RODOLFO DE CAMARGO MANCUSO:

Resta, agora, examinar a alternativa de outorga de legitimação, para agir em tema dos interesses difusos, ao Ministério Público. E, nesse passo, força é reconhecer, vênia concessa, que de início a posição doutrinária revelou-se um tanto restritiva. Basicamente, vinham alinhados estes pontos críticos: a) o Ministério Público é uma instituição naturalmente voltada à persecução de delitos “tradicionais”, comuns, mostrando pouca vocação persecutória quando se trata de delitos de natureza econômica ou “coletiva; b) o Ministério Público estrutural e funcionalmente está demasiadamente conexo ou subjacente à estrutura do poder estatal, para que dele se pudesse esperar a necessária autonomia e combatividade desejáveis quando se trata de tutela aos interesses supra-individuais; c) ao Ministério Público faltam aparelhamento e infra-estrutura indispensáveis à tutela desses interesses “especiais”.[33]

O mesmo autor, porém, deixa claro que tais críticas não correspondem à atual realidade espelhando suas conclusões na atuação do Ministério Público paulista que tem demonstrado a eficácia que se espera desse órgão tão importante. Em outro campo, cita, por exemplo, a experiência com a ação civil pública em âmbito trabalhista em que, embora os sindicatos profissionais estejam legitimados a iniciá-la, preferem requerer que o parquet faça uso do inquérito civil e posteriormente ajuíze a demanda, funcionando a entidade sindical como um litisconsorte ativo. 

Essas observações levam a crer que a atuação do Ministério Público é indispensável na tutela a direitos e interesses difusos e coletivos, seja como legitimado originário, seja como litisconsorte ativo, visto que eventual deficiência da atuação processual da outra parte legitimada poderia ser suprida pela experiência e inegável qualificação dos representantes do parquet.

A importância e significado social que as decisões judiciais possuem nos casos de tutela a direitos e interesses coletivos recomenda que o respectivo processo seja conduzido com o máximo cuidado a fim de que estes interesses estejam sendo bem defendidos por aqueles que receberam a legitimação processual para tanto.

Seguindo-se, o microssistema de tutela a direitos coletivos também legitimou as denominadas por MANCUSO de “corpos intermediários”, associações, sindicatos, partidos políticos que congregam pessoas com os mesmos propósitos e interesses de forma a possibilitar a defesa desses direitos e interesses em nome da entidade na qual se subsume o individuo.

Nesse rumo, a Lei nº. 7.347/85 dispõe em seu artigo 5º, V, quem tem legitimidade para propor a ação principal e a ação cautelar:

V - a associação que, concomitantemente:

a) esteja constituída há pelo menos 1 (um) ano nos termos da lei civil;

b) inclua, entre sua finalidades institucionais, a proteção ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência ou ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico.

A lei do mandado de segurança nº. 12.016/2009 traz em seu artigo 21 a legitimação para o mandado de segurança coletivo:

Art. 21.  O mandado de segurança coletivo pode ser impetrado por partido político com representação no Congresso Nacional, na defesa de seus interesses legítimos relativos a seus integrantes ou à finalidade partidária, ou por organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há, pelo menos, 1 (um) ano, em defesa de direitos líquidos e certos da totalidade, ou de parte, dos seus membros ou associados, na forma dos seus estatutos e desde que pertinentes às suas finalidades, dispensada, para tanto, autorização especial.

No mesmo sentido está o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº. 8.069/90) ao dispor em seu artigo 210:

Art. 210. Para as ações cíveis fundadas em interesses coletivos ou difusos, consideram-se legitimados concorrentemente:

[...]

III - as associações legalmente constituídas há pelo menos um ano e que incluam entre seus fins institucionais a defesa dos interesses e direitos protegidos por esta Lei, dispensada a autorização da assembléia, se houver prévia autorização estatutária.

Já o artigo 82 do Código de Defesa do Consumidor outorga legitimidade para a tutela de direitos e interesses coletivos dos consumidores “às associações legalmente constituídas há pelo menos um ano e que incluam entre seus fins institucionais a defesa dos interesses e direitos protegidos por este Código, dispensada a autorização assemblear”.

No campo do controle concentrado de constitucionalidade, o artigo 2º, da Lei 9.868/99 legitimou “o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil; partido político com representação no Congresso Nacional; Confederação Sindical ou entidade de classe de âmbito nacional” para a propositura da ação direta de inconstitucionalidade.

Veja-se que em todas estas situações o legislador se preocupou em limitar a legitimidade para agir em tema de direitos difusos e coletivos apenas a alguns poucos representantes de classe ou grupos, o que pode ser explicado por questão de opção legislativa e também por equivoco advindo da simples aplicação dos institutos do processo civil individual que fundamentam a legitimidade na titularidade do direito material envolvido na demanda.

A primeira situação foi bem percebida por VICENTE DE PAULA MACIEL JUNIOR ao observar com percuciência:

De certo modo essa perspectiva de demanda coletiva como um veículo de participação, ao mesmo tempo em que se propôs a solucionar os problemas de acesso à justiça por uma massa de pessoas, revelou o receio de que esses participantes se fortalecessem demasiadamente, sem que sobre eles pudesse haver algum controle.Em uma lógica compreensível, mas perversa, tanto os legisladores quanto os governantes utilizaram-se do instituto processual da legitimação para agir como um mecanismo limitador do acesso à justiça a todos os interessados difusos. Com isso somente teriam a possibilidade de ajuizar a demanda coletiva algumas poucas entidades e desde que cumprissem certos requisitos pré-estabelecidos na norma. O maior receio dos agentes políticos é que a ação coletiva adotada em um modelo participativo amplo pudesse no fundo se transformar em um veículo do controle difuso do ato administrativo e da lei em tese, a ser exercido por qualquer interessado.[34]

A outra afirmação decorre da previsão legal contida no artigo 6º, do Código de Processo Civil ao estatuir que “ninguém poderá pleitear, em nome próprio, direito alheio, salvo quando autorizado por lei” aplicada ao processo coletivo sem temperamentos.

Seguindo esse raciocínio é que TEORI ALBINO ZAVASCKI anotou a diferença acerca da legitimação do Ministério Público e das entidades públicas e privadas na ação civil pública:

[...] é diferente, entretanto, com os demais legitimados, cujas funções primordiais são outras e para as quais a atuação em defesa de direitos transindividuais constitui atividade acessória e eventual. Embora sem alusão expressa no texto normativo, há, em relação a eles, uma condição de legitimação implícita: não é qualquer ação civil pública que pode ser promovida por tais entes, mas apenas as que visem tutelar direitos transindividuais que, de alguma forma, estejam relacionados com interesses da demandante. Seja em razão de suas atividades, ou das suas competências, ou de seu patrimônio, ou de seus serviços, seja por qualquer outra razão, é indispensável que se possa identificar uma relação de pertinência entre o pedido formulado pela entidade autora da ação civil pública e seus próprios interesses e objetivos como instituição.[...] Essa mesma relação de interesse jurídico deve estar presente quando a demanda for promovida pelos demais legitimados do art. 5º da Lei 7.347/85: autarquias, empresas públicas, fundações, sociedades de economia mista e associações. Também para a adequada legitimação ativa de qualquer delas há que ficar evidenciada a situação de vantagem, ainda que em sentido genérico, para seus próprios interesses, de eventual procedência do pedido.[35]

Como já se afirmou alhures, a simples aplicação dos institutos processuais civis tais como plasmados para a tutela de direitos individuais nem sempre funcionam com a mesma eficácia na tutela aos direitos difusos e coletivos, como é o caso da legitimação processual ativa.

De qualquer sorte o direito positivo está estabelecido desta forma, legitimando apenas algumas entidades ou “corpos intermediários” para a defesa dos interesses difusos e coletivos e exigindo, de outro lado, que a defesa em juízo de direitos que não são próprios da parte seja expressamente autorizada na lei.

Além das entidades já referidas, o microssistema também legitima pessoas jurídicas de direito público tais como a União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios, autarquias, fundações, sociedades de economia mista, empresas públicas, além da Defensoria Pública no caso da Ação Civil Pública e de entidades ou órgãos da administração pública, ainda que sem personalidade jurídica desde que especificamente destinados à defesa dos interesses e direitos protegidos pelo Código de Defesa do Consumidor.

Quanto ao controle concentrado de constitucionalidade, a Constituição Federal e a Lei nº. 9.868/1999 outorgaram legitimação para a ação direta de inconstitucionalidade ao Presidente da República, a mesa do Senado Federal; a mesa da Câmara dos Deputados; a mesa de Assembléia Legislativa ou a mesa da Câmara Legislativa do Distrito Federal; ao Governador de Estado ou Distrito Federal; ao Procurador-Geral da República o mesmo se repetindo na Ação Declaratória de Constitucionalidade em que funcionam como legitimados ativos o Presidente da República, a mesa da Câmara do Senado Federal e o Procurador-Geral da República.

A única hipótese em que há legitimação individual assim considerada a pessoa natural para a defesa de direitos difusos e coletivos, ocorre na ação popular regulada pela Lei nº. 4.717/65 em que o legitimado ativo será “qualquer cidadão” e mesmo assim a legitimação não é irrestrita, já que a lei alude ao “cidadão” que pode ser traduzido somente por aquele que está em gozo de seus direitos políticos, ou seja, o eleitor.

Nesse sentido anota EURICO FERRARESI:

Nos termos da Constituição Federal de 1988, qualquer cidadão é parte legitima para propor ação popular, e, por cidadão, entende-se a pessoa física detentora de cidadania ativa. Com efeito, a prova da cidadania para ingresso em juízo, conforme reza o art. 1º, § 3º, da Lei nº. 4.717/65, será feita com o título eleitoral, ou com documento que a ele corresponda. A falta de comprovação da qualidade de cidadão conduz à extinção do processo.[36]

A natureza dessa legitimação é controvertida na doutrina. Para alguns como JOSÉ AFONSO DA SILVA a legitimação do autor corresponde a interesse primário de sua titularidade como manifestação da democracia direta o que se observa da seguinte anotação:

Concebida a ação popular como instituto de democracia direta, a posição do autor deixa de oferecer dificuldade, visto ser o cidadão o titular do poder democrático que ela consubstancia. Enfim, o autor, que intenta a ação popular exerce o direito primário decorrente da soberania popular, de que ele é titular, como qualquer outro cidadão.[37]

Para outra corrente, com o apoio de JOSÉ FREDERICO MARQUES, a legitimação assenta-se no instituto da substituição processual já que a titularidade do direito material invocado tem natureza coletiva. É o que se observa das anotações do insigne processualista quando assevera:

Na ação popular, aquele que vai a juízo pleitear a anulação ou declaração de nulidade de um ato lesivo ao patrimônio público, atua em nome próprio, mas para obter o reconhecimento, através da aplicação da lei, de um direito da coletividade. O autor, em uma ação popular, funciona como substituto processual, por isso que não defende direito seu em juízo, e sim o da comunidade, de que é parte integrante.[38]

Ao contrário do posicionamento da maioria da doutrina, pensamos que a legitimação de fato é individual e inerente à condição de cidadão como manifestação da participação democrática direta no controle dos atos administrativos, porém, para a tutela de direitos difusos e coletivos dos quais ele também é um dos titulares. Não se deve confundir a titularidade do direito material com legitimidade processual no processo coletivo, uma vez que o sistema processual neste caso deve estar voltado para a tutela do direito material meta-individual que tem relevância social e pública por si mesmo, independentemente de quem seja o legitimado ativo, já que impossível delimitar os titulares que são todos e cada individuo ao mesmo tempo, posição que se pretende sustentar em tópico próprio.

Deve ser dito que cada espécie de instituto de tutela de direitos metaindividuais dentro do microsssitema com características intercambiantes serve ao propósito de tutelar bens e direitos específicos. Assim v. g., como já foi dito alhures, têm-se ação popular para a proteção da moralidade administrativa e o patrimônio público; as ações civis públicas para a tutela do meio ambiente e de outros direitos difusos e coletivos; o código de defesa do consumidor para a tutela dos interesses difusos e coletivos pertencentes aos consumidores; as ações de controle concentrado de constitucionalidade para a manutenção da ordem constitucional, entre outros.

Disso resulta que o legitimado ativo deve ter à sua disposição todos os meios adequados e eficazes para a tutela desses direitos difusos e coletivos, tais como provimentos cautelares, tutelas de urgência, inibitórias, de obrigação de fazer, não fazer, declaratórios, condenatórios, enfim, o que for o mais adequado.

3.2 RELAÇÃO ENTRE DEMANDA COLETIVA E INDIVIDUAL SOBRE DIREITOS SUPRA-INDIVIDUAIS.

Outro aspecto que diferencia o processo coletivo relaciona-se com as situações na qual a tutela está sendo reclamada ao mesmo tempo de forma individual e coletiva possibilitando a aplicação do instituto da litispendência. É tormentosa essa questão em nosso microssistema processual coletivo, visto que embora inspirado em grade parte na class action do direito norte-americano deixou de adotar várias soluções ofertadas por aquele sistema em busca de harmonizá-lo com nosso ordenamento.

No sistema norte-americano, como informa, TEORI ALBINO ZAVASCKI:

[...] atendidos os requisitos de admissibilidade e de desenvolvimento do processo, a sentença fará coisa julgada com eficácia geral, vinculando a todos os membros da classe, inclusive os que não foram dele notificados, desde que tenha ficado reconhecida a sua adequada representação.[39]

Em nosso sistema o legislador a tanto não se atreveu, procurando proteger o individuo que não deseja participar da relação jurídica processual para a tutela coletiva, fundamentando essa posição no clássico princípio relacionado à coisa julgada, segundo o qual esta não poderá prejudicar terceiros.

É o que se observa do disposto no art. 104 do Código de Defesa do Consumidor que informa as demais ações para tutela de direitos meta-individuais quando não contiverem normas especificas (Lei nº. 7.347/85, art. 21), diz o texto legal:

Art. 104. As ações coletivas, previstas nos incisos I e II e do parágrafo único do art. 81, não induzem litispendência para as ações individuais, mas os efeitos da coisa julgada erga omnes ou ultra partes a que aludem os incisos II e III do artigo anterior não beneficiarão os autores das ações individuais, se não for requerida sua suspensão no prazo de trinta dias, a contar da ciência nos autos do ajuizamento da ação coletiva.

Com efeito, o legislador estimulou o autor individual a aderir ao processo coletivo impedindo-o de participar do resultado positivo da tutela coletiva caso não for requerida a suspensão do processo individual no prazo de trinta dias da ciência do ajuizamento da ação coletiva.  É por esta razão que o artigo 94 do Código de Defesa do Consumidor exige a ampla divulgação do ajuizamento da ação coletiva, fato reforçado no já citado artigo 104 que determina a “ciência nos autos” da ação individual da propositura da ação coletiva, a fim de que se possa melhor controlar a decisão a ser tomada pelo autor individual.

Desta forma, não há litispendência entre ação coletiva e ação individual onde se pleiteia a tutela ao mesmo direito senão somente mecanismos de estimulo à adesão ao processo coletivo. Diante dessa regra poderá ocorrer situação inusitada em que o pedido no processo coletivo seja provido e o pedido individual não seja provido, trazendo prejuízo ao demandante individual que não se beneficiará do resultado da ação coletiva.

Melhor seria, então, requerer a suspensão do feito individual até o julgamento definitivo da ação coletiva, e, caso negativo o provimento naquele processo, retomar-se a marcha processual individual onde o autor poderá ter outra chance de demonstrar seu direito escapando dos efeitos da decisão coletiva.

Nota-se um avanço nessa questão no mandado de segurança coletivo, uma vez que o artigo 22, § 1º., da Lei nº. 12.016/2009, dispõe que:

§ 1º O mandado de segurança coletivo não induz litispendência para as ações individuais, mas os efeitos da coisa julgada não beneficiarão o impetrante a título individual se não requerer a desistência de seu mandado de segurança no prazo de 30 (trinta) dias a contar da ciência comprovada da impetração da segurança coletiva.

Ou seja, nos casos de mandado de segurança onde primordialmente se busca a proteção a direito liquido e certo quase sempre contra atos ilegais praticados pela administração pública, o legislador exige que o impetrante individual desista da ação ao invés simplesmente de determinar a suspensão do processo, como é o caso das demandas onde se discute direitos do consumidor.

Parece não haver justificativa nessa diferenciação, a não ser conferir maior proteção ao patrimônio público.

A solução preconizada pelo Código de Defesa do Consumidor é mantida com pequenas alterações no anteprojeto de Código Brasileiro de Processos Coletivos de Autora de ADA PELLEGRINI GRINOVER assim como definido no artigo 7º que tema seguinte redação:

Art. 7º. Relação entre demanda coletiva e ações individuais – A demanda coletiva não induz litispendência para as ações individuais em que sejam postulados direitos ou interesses próprios e específicos de seus autores, mas os efeitos da coisa julgada coletiva (art. 13 deste Código) não beneficiarão os autores das ações individuais, se não for requerida sua suspensão no prazo de 30 (trinta) dias, a contar da ciência efetiva da demanda coletiva nos autos da ação individual.

§ 1º. Cabe ao demandado informar o juízo da ação individual sobre a existência de demanda coletiva que verse sobre idêntico bem jurídico, sob pena de, não o fazendo, o autor individual beneficiar-se da coisa julgada coletiva mesmo no caso de a ação individual ser rejeitada.

§ 2º. A suspensão do processo individual perdurará até o transito em julgado da sentença coletiva, facultado ao autor requerer a retomada do curso do processo individual, a qualquer tempo, independentemente da anuência do réu, hipótese em que não poderá mais beneficiar-se da sentença coletiva.

§ 3º. O Tribunal, de oficio, por iniciativa do juiz competente ou a requerimento da parte, após instaurar, em qualquer hipótese, o contraditório, poderá determinar a suspensão de processos individuais em que se postule a tutela de interesses ou direitos referidos a relação jurídica substancial de caráter incindível, pela sua própria natureza ou por força de lei, a cujo respeito as questões devam ser decididas de modo uniforme e globalmente, quando houver sido ajuizada demanda coletiva versando sobre o mesmo bem jurídico.

§ 4º. Na hipótese de parágrafo anterior, a suspensão do processo perdurará até o trânsito em julgado da sentença coletiva, vedada ao autor a retomada do curso do processo individual antes desse momento.

É fácil notar que, mesmo no anteprojeto de Código de Processo Coletivo, não se levou essa relação ao mesmo nível em que o tema é tratado nas class action, preservando a liberdade individual em demandar pessoalmente a tutela do direito supra-individual.

Por outro lado, já se detectou a existência de problemas relacionados à insegurança jurídica decorrente do ajuizamento de várias ações coletivas nas quais se pleiteiam tutelas para os mesmo direitos, situação em que se tem visto liminares em sentidos opostos.

Vislumbrando solução para esse problema, o anteprojeto disciplinou a questão por meio de atribuição de competência territorial versada no artigo 22 e a observância da litispendência com uma interpretação mais extensa do instituto, acrescentando que se aplicam as regras de conexão e continência (art. 6º, § 3º.).

Evidente a necessidade de organização judiciária que assegure efetividade e segurança jurídica na tutela a esta classe de direitos, daí a razão da intervenção do Superior Tribunal de Justiça nos conflitos de competência concorrente.

3.3 COISA JULGADA

Matéria que também tem suscitado esforço doutrinário em sua reinterpretação é a questão relacionada ao instituto da coisa julgada nos processos coletivos, visto que a pura e simples adoção deste instituto assim como ocorre no processo individual, apresenta alguns inconvenientes e incompatibilidade com as demandas coletivas.

Diz o artigo 467 do Código de Processo Civil que “denomina-se coisa julgada material a eficácia que torna imutável e indiscutível a sentença, não mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário”.

O artigo 472 do mesmo Código afirma que:

Art. 472. A sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não beneficiando, nem prejudicando terceiros. Nas causas relativas ao estado de pessoa, se houverem sido citados no processo, em litisconsórcio necessário, todos os interessados, a sentença produz coisa julgada em relação a terceiros.

Percebe-se que a imutabilidade da decisão judicial de acertamento do direito é o principal alvo da coisa julgada, ou seja, busca-se imunização desta decisão para que não sofra ataques ao longo do tempo, impedindo que nova discussão sobre a mesma demanda torne a ocorrer.

Outro aspecto relevante é a limitação subjetiva do instituto da coisa julgada, ou seja, ela incide apenas em relação às partes no processo, “não beneficiando e nem prejudicando terceiros”. Na verdade sempre foi grande a preocupação direito processual em proteger terceiros que não participaram da relação processual como corolário do devido processo legal.

E justamente nesses dois aspectos é que há necessidade de adaptação do instituto para aplicação no processo coletivo. Pelo menos em quatro oportunidades o legislador cuidou de plasmar o instituto da coisa julgada segundo as necessidades do processo coletivo e em todas elas, com algumas variações, manteve as mesmas soluções.

Referimo-nos a Ação Civil Pública; ao Código de Defesa do Consumidor; Ao Mandado de Segurança Coletivo e à Lei nº. 9.494/97. Para melhor compreensão do tema, traz-se à colação os textos legais.

Lei nº. 7.347/85, artigo 16 – Ação Civil Pública:

Art. 16. A sentença civil fará coisa julgada erga omnes, nos limites da competência territorial do órgão prolator, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova.

Lei nº. 8.078/90, artigo 103 – Código de Defesa do Consumidor:

Art. 103. Nas ações coletivas de que trata este código, a sentença fará coisa julgada:

I - erga omnes, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação, com idêntico fundamento valendo-se de nova prova, na hipótese do inciso I do parágrafo único do art. 81;

II - ultra partes, mas limitadamente ao grupo, categoria ou classe, salvo improcedência por insuficiência de provas, nos termos do inciso anterior, quando se tratar da hipótese prevista no inciso II do parágrafo único do art. 81;

 III - erga omnes, apenas no caso de procedência do pedido, para beneficiar todas as vítimas e seus sucessores, na hipótese do inciso III do parágrafo único do art. 81.

§ 1° Os efeitos da coisa julgada previstos nos incisos I e II não prejudicarão interesses e direitos individuais dos integrantes da coletividade, do grupo, categoria ou classe.

§ 2° Na hipótese prevista no inciso III, em caso de improcedência do pedido, os interessados que não tiverem intervindo no processo como litisconsortes poderão propor ação de indenização a título individual.

§ 3° Os efeitos da coisa julgada de que cuida o art. 16, combinado com o art. 13 da Lei n° 7.347, de 24 de julho de 1985, não prejudicarão as ações de indenização por danos pessoalmente sofridos, propostas individualmente ou na forma prevista neste código, mas, se procedente o pedido, beneficiarão as vítimas e seus sucessores, que poderão proceder à liquidação e à execução, nos termos dos arts. 96 a 99.

§ 4º Aplica-se o disposto no parágrafo anterior à sentença penal condenatória.

Lei nº. 12.016/2009, art. 22 – Mandado de Segurança Coletivo:

Art. 22.  No mandado de segurança coletivo, a sentença fará coisa julgada limitadamente aos membros do grupo ou categoria substituídos pelo impetrante. 

§ 1º  O mandado de segurança coletivo não induz litispendência para as ações individuais, mas os efeitos da coisa julgada não beneficiarão o impetrante a título individual se não requerer a desistência de seu mandado de segurança no prazo de 30 (trinta) dias a contar da ciência comprovada da impetração da segurança coletiva. 

Lei nº. 9.494/97, art. 2º-A:

Art. 2º-A.  A sentença civil prolatada em ação de caráter coletivo proposta por entidade associativa, na defesa dos interesses e direitos dos seus associados, abrangerá apenas os substituídos que tenham, na data da propositura da ação, domicílio no âmbito da competência territorial do órgão prolator.

Como se observa claramente, houve enorme preocupação do legislador em respeitar o dogma da limitação subjetiva da coisa julgada ao âmbito dos litigantes, se bem que no processo coletivo esse fenômeno tem outra compreensão, servindo ao tema a aplicação dos institutos da coisa julgada secundum eventus litis e secundum eventus probatione.

Com efeito, para que ocorra a imunização da decisão judicial resolutiva do processo de tutela a direitos difusos e coletivos é preciso algo mais do que a simples impossibilidade de recurso (preclusão máxima) como ocorre no processo civil individual. Além desse requisito, deve-se acrescentar a outra característica, qual seja, a sentença deverá ser de procedência do pedido ou se de improcedência esta não ocorrer por insuficiência probatória, demonstrando-se, mais uma vez, a importância da representação adequada nos processos de tutela a direitos meta-individuais.

Interessante notar o que consta do artigo 16 da Lei 7.347/85 quando dispõe que “a sentença civil fará coisa julgada erga omnes, nos limites da competência territorial do órgão prolator” dando a impressão de que coisa julgada nessa modalidade de processo sofre uma limitação territorial o que não corresponde à realidade.

Como já afirmado alhures, a coisa julgada é uma característica da sentença de se tornar imune a alteração ao longo do tempo. Dessa forma ou ela está imune ou não está imune. Por outras palavras, não há como conceber que determinada sentença esteja acobertada pela coisa julgada em um lugar e ao mesmo tempo não esteja em outro.

Na verdade a atual redação do artigo 16 da lei da ação civil pública foi introduzida por meio do artigo 2º da Lei 9.494/97 que tinha como objetivo limitar o alcance subjetivo da coisa julgada, o que pode ser notado da redação do art. 2º - A, desta mesma lei quando alude às ações coletivas promovidas por entidades associativas afirmando que estas sentenças abrangeriam “apenas os substituídos que tenham, na data da propositura da ação, domicilio no âmbito da competência territorial do órgão prolator”.

Portanto, o dispositivo está direcionado a regular os efeitos subjetivos da sentença em processo coletivo para a tutela de direitos individuais homogêneos, conforme defende TEORI ALBINO ZAVASCKI ao afirmar:

O que ele objetiva é limitar a eficácia subjetiva da sentença (e não a coisa julgada), o que implica, necessariamente, limitação do rol dos substituídos no processo (que se restringirá aos domiciliados no território da competência do juízo). Ora, entendida nesse ambiente, como se referindo à sentença (e não à coisa julgada), em ação para tutela coletiva de direitos subjetivos individuais (e não em ação civil pública para tutela de direitos transindividuais), a norma do art. 16 da Lei 7.347/85 produz algum sentido. É que, nesse caso, o objeto do litígio  são direitos individuais e divisíveis, formados por uma pluralidade de relações jurídicas autônomas, que comportam tratamento separado, sem comprometimento de sua essência. Aqui, sim, é possível cindir a tutela jurisdicional por critério territorial, já que as relações jurídicas em causa admitem divisão segundo o domicilio dos respectivos titulares, que são perfeitamente individualizados. Compreendida a limitação territorial da eficácia da sentença nos termos expostos, é possível conceber idêntica limitação à eficácia da respectiva coisa julgada. Nesse pressuposto, em interpretação sistemática e construtiva, pode-se afirmar, portanto, que a eficácia territorial da coisa julgada a que se refere o art. 16 da Lei 7.347/85 diz respeito apenas às sentenças proferidas em ações coletivas para tutela de direitos individuais homogêneos, de que trata o art. 2º. – A da Lei 9.494, de 1997, e não, propriamente, às sentenças que tratam de típicos direitos transindividuais”.[40]

Importante destacar que o anteprojeto do Código de Processo Coletivo deixa claro que “a competência territorial do órgão prolator não representará limitação para a coisa julgada erga omnes” (art. 13, § 4º) procurando de certa forma corrigir o equivoco da redação defeituosa do artigo 16 da Lei de Ação Civil Pública.

 O efeito erga omnes, por outro lado, é decorrência lógica da indivisibilidade e da transindividualidade do direito material difuso e coletivo veiculado na ação coletiva já que não se pode identificar quais os indivíduos que serão atingidos pelos efeitos da coisa julgada, revelando extensão subjetiva universal.


4. LEGITIMAÇÃO PARA A EXECUÇÃO NO PROCESSO COLETIVO

A execução no processo coletivo possui particularidades naturais nesse sistema de tutelas a direitos supraindividuais. Duas situações distintas se apresentam: a execução na ação civil pública que tem natureza de demanda plenária, ou seja, não há necessidade de nova ação para a execução que se processa na mesma relação processual de conhecimento, em fase de cumprimento de sentença assim como no processo sincrético individual e a execução nas ações coletivas previstas no Código de Defesa do Consumidor para a tutela de direitos individuais homogêneos.

 No caso da ação civil pública a própria natureza do direito material nela veiculado (difusos e coletivos) reclama a manutenção do instituto da legitimação processual verificada na fase de conhecimento. Com efeito, os mesmos entes legitimados para a fase de conhecimento o serão para o cumprimento da sentença, notando-se uma particularidade: Se o substituto processual não promover o cumprimento da sentença no prazo de sessenta dias ou, se ocorrer abandono da causa ou desistência por parte de associação legitimada na fase de conhecimento, o Ministério Público assumirá a legitimação e promoverá a execução (Lei nº. 7.347/85 – art. 15).

Por outro lado, em face da natureza transindividual do direito tutelado por meio da ação civil pública, no caso de condenação em dinheiro o produto da execução reverterá em favor do Fundo de Defesa dos Direitos Difusos contemplado na Lei nº. 9.008/95.

 Com relação às ações coletivas consumeristas para a tutela de direitos individuais homogêneos, a situação é diversa, já que a demanda não é plenária e a sentença é genérica requerendo nova relação processual para a liquidação da sentença condenatória, o que se faz por meio da ação de cumprimento regida pelas disposições relativas a liquidação por artigos  prevista no Código de Processo Civil (arts. 475-A-H).

É o que afirma TEORI ALBINO ZAVASCKI:

[...] procedente o pedido na ação coletiva, ‘a liquidação e a execução de sentença poderão ser promovidas pela vítima e seus sucessores, assim como pelos legitimados de que trata o art. 82’, diz a Lei 8.078/90, em seu art. 97. Define-se, assim, que o cumprimento da sentença genérica será promovido mediante nova demanda, dividida em duas fases distintas: a da “liquidação”, destinada a complementar a atividade cognitiva (até então restrita ao núcleo de homogeneidade dos direitos demandados), e a da “execução”, em que serão promovidas as atividades práticas destinadas a satisfazer, efetivamente, o direito lesado, mediante a entrega da prestação devida ao seu titular (ou, se for o caso, aos seus sucessores).[41]

A legitimação para a liquidação e a execução nas ações coletivas segundo a disciplina do Código de Defesa do Consumidor é ampliada para se admitir o individuo que é vitima e titular do direito material envolvido. Em face da nova relação processual na fase de liquidação, o individuo passa a ter legitimidade também para a tutela executiva. Desta forma a sentença da fase de liquidação complementa aquela proferida na fase de conhecimento, agora delimitando subjetivamente a condenação de modo a permitir a execução.

Como já afirmado alhures, a partir da fase de liquidação é preciso ter a manifestação do titular do direito material. Nesta fase, diferentemente do que ocorre na fase de conhecimento, não haverá mais legitimação por substituição processual e sim mediante representação, uma vez que “não pode haver execução senão em benefício individual de cada credor, cuja situação particular deverá, conseqüentemente, ser discriminada e examinada [...]”[42]

Diferentemente ocorre com a liquidação e execução dos resíduos previstos no artigo 100 do Código de Defesa do Consumidor, porquanto nesta hipótese, a legitimação ocorre segundo o fenômeno da substituição processual, já que os recursos serão destinados a um fundo comum.

É de ser dito que a execução se processa segundo as regras previstas no Código de Processo Civil e de acordo com as providencias adequadas à satisfação do direito. Desta forma, se há condenação em obrigação de fazer ou não fazer, ou para entrega de coisa, incidem as regras do artigo 461 do CPC para a tutela especifica da obrigação; Se a condenação for de pagamento de quantia em dinheiro, a execução se processará segundo as regras da execução por quantia certa contra devedor solvente.


5. LEGITIMAÇÃO INDIVIDUAL NAS AÇÕES COLETIVAS

A legitimação ativa no processo coletivo tem suscitado ultimamente enorme interesse da doutrina processualista. VICENTE DE PAULA MACIEL afirma que essa questão fora abordada na Itália na década de sessenta do século passado, mas o debate perdeu rapidamente o interesse em face da opção restritiva de legitimação processual coletiva inspirado nos postulados do processo individual.

Com o surgimento da necessidade de tutelar interesses cada vez mais difusos em face da sociedade de massa e, sobretudo, com a democratização e o acesso à justiça como preocupação central da sociedade, o tema voltou a ser debatido e encontrou ressonância na doutrina nacional com vozes autorizadas defendendo sua revisão de modo ampliativo.

Justificar a limitação da legitimação individual no ambiente do processo coletivo com fundamento na aplicação dos institutos de direito processual individual não parece ser o melhor caminho para aqueles que advogam essa tese, vez que a idéia de titularidade do direito material como principal liame jurídico que autoriza a busca da tutela jurisdicional assim como preconizado pelo artigo 6º do Código de Processo Civil, funciona, na verdade, como argumento favorável a legitimar a participação individual nas demandas coletivas.

Isto porque o direito difuso ou coletivo pertence antes ao individuo e o que o torna supra-individual não é a impossibilidade de ser apropriado individualmente, mas sua dimensão supraindividual que não pode ser limitada a um único sujeito. Por isso é indivisível no sentido de que pertence a mais de uma pessoa, ou seja, a um grupo indeterminado, embora possa ser usufruído individualmente e daí logicamente sua tutela pode ser pleiteada individualmente já que o interesse individual neste caso é juridicamente tutelado. Ninguém negará que o individuo pode buscar a tutela jurisdicional para fazer cessar atividade nociva ao meio ambiente provocado por uma fábrica situada na vizinhança.

Ora, se isso pode ocorrer, fica evidenciado que o individuo tem legitimidade processual para a busca da tutela porquanto seu interesse individual em proteger o meio ambiente é juridicamente tutelado. Ocorre que, se a pretensão é atendida, ou seja, se a fábrica é obrigada a cessar a poluição ao meio ambiente, certo é que todos os vizinhos serão beneficiados por esta decisão, o que revela a dimensão coletiva do direito em questão. O fato da provocação da jurisdição ter ocorrido por um único individuo não transmuda a natureza do direito difuso e já que o resultado do processo é a tutela coletiva, é nada mais óbvio do que concluir que ele, individuo, poderia estar legitimado ao processo coletivo já que possui titularidade (não exclusiva) ao direito material invocado.

O cerne da questão deve ser deslocado para outro foco diferente da titularidade do direito que fundamenta legitimação individual clássica. A grande preocupação da ciência processual moderna é tornar o processo um instrumento de realização da ordem jurídica que contemple as garantias constitucionais, especialmente aquelas de proteção da pessoa humana, e este desiderato vale para o processo individual ou coletivo. O processo moderno tem que ser eficaz em primeiro lugar para garantir a ordem jurídica, prevenindo a lesão e somente na impossibilidade de cumprir essa missão, autorizar a reparação do dano.

CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO assevera o escopo publicista do processo civil como instrumento de realização da ordem jurídica justa ao anotar:

Mediante a utilização do sistema processual, propõe-se o Estado, antes de tudo, a realizar objetivos que são seus. Quer se pense na pacificação social, educação para o exercício e respeito a direitos, ou na manutenção da autoridade do ordenamento jurídico-substancial e da sua própria, nas garantias à liberdade, na oferta de meios de participação democrática, ou mesmo no objetivo jurídico-instrumental de atuar a vontade da lei (e tais são os escopos da ordem processual) – sempre é algo ligado ao interesse público que prepondera na justificação da própria existência da ordem processual e dos institutos, princípios e normas que a integram.[43]

Garantir a ordem jurídica justa significa tutelar os bens jurídicos que a lei procura proteger. Com efeito, a Constituição Federal garante o direito ao meio ambiente saudável, à proteção do hipossuficiente consumidor; à família; ao patrimônio público; à moralidade administrativa e a uma infinidade de outros bens considerados difusos ou coletivos e nesse rumo de proteção se insere a legitimação individual ativa para o processo coletivo como meio de viabilizar a garantia constitucional da proteção à pessoa humana.

Em percuciente análise sobre a nova ordem da jurisdição constitucional pelo processo, ROSEMIRO PEREIRA LEAL anotou:

O trinômio proposto sob o título de Estado, Processo e Tutela Jurisdicional, no quadro histórico da pós-modernidae, incita reflexão que passa pelo conceito de cidadania, porque, em sendo hoje o Processo uma instituição instrumentadora e legitimadora da Jurisdição, a tutela judicial, que é o provimento (decisão do Estado-Juiz) sobre uma quaestio, há de ser construída processualmente pela submissão aos princípios jurisdicionais e constitucionais da cidadania e, a rigor, só por estes se forma e se afirma. O Prof. José Alfredo de Oliveira Baracho, em obra especializada , ensina que a “Constituição pressupõe a existência de um processo como garantia da pessoa humana[44].

Se a principal função do processo é garantir a ordem jurídica justa, nada mais lógico do que forjar os instrumentos adequados para que essa tutela se realize no plano concreto. Em tema de direito difuso ou coletivo, a noção de propriedade não pode ser tratada da mesma forma como ocorre com bens patrimoniais individuais, se bem que até mesmo por esse ângulo é plenamente justificável a legitimação individual já que o individuo pode demonstrar o interesse juridicamente protegido na tutela de determinado bem coletivo.

Como mensurar em pecúnia quanto vale o meio ambiente saudável?  Como atribuir a uma pessoa uma porção de ar incontaminado? Como destacar para um indivíduo uma parte da administração pública proba? Em todos esses casos não se olvida que embora não se possa dividir o bem em pequenas partes para atribuí-las aos seus titulares, é certo que cada indivíduo pode usufruí-los de forma singular.

VICENTE DE PAULA MACIEL JUNIOR assim sintetizou o assunto:

O direito difuso é o direito que tutela bens (bens, fatos, situações jurídicas) e como são bens que afetam um número indeterminado de pessoas, não é possível estabelecer “um interesse” sobre esses bens. Somente podemos compreender esse fenômeno a partir do bem e sua relação com o individuo, ou seja, dos interessados. Temos interessados difusos, que são todos aqueles que manifestam um interesse em face do bem tutelado genericamente pela lei.[45]

Nesse rumo é intuitivo concluir que os bens difusos e coletivos merecem ser tutelados de forma mais ampla possível já que tem um grau de importância muito significativo para toda a coletividade. Emprestando-se novamente a síntese de VICENTE DE PAULA MACIEL JUNIOR “o fato, o bem ou a situação jurídica em que se afirme o direito lesado ou ameaçado que atinge um número indeterminado de pessoas são, portanto, o eixo na interpretação desse fenômeno processual da legitimação para agir no processo coletivo”[46].

Por essa razão não parece ser justificável que o acesso à proteção jurídica desses bens seja limitado como ocorre em nosso direito positivo que legitima apenas uma porção de entidades para a defesa desses direitos.

Os direitos difusos e coletivos assumiram tal importância na vida cotidiana que sua proteção se tornou uma missão de todos os cidadãos. É caso, v. g. do meio ambiente saudável. A pressão que o meio ambiente sofre em virtude da exploração predatória e do modo de vida consumista é enorme e coloca em risco a própria sobrevivência humana. Neste contexto, não se pode mais limitar o acesso do individuo à tutela dessa classe de bens que a todos interessam indistintamente uma vez que a ordem jurídica justa recomenda a máxima proteção desses bens, perdendo importância quem seja a pessoa que acionou a jurisdição para desencadear os mecanismos efetivos de tutela. VICENTE MACIEL JUNIOR com propriedade anotou que “da tutela a bens, relações jurídicas é que surge o direito difuso e coletivo. A lesão ou ameaça a esses bens e direitos reconhecidos, não pode ser excluída de apreciação pelo Poder Judiciário”.[47]

Não é esta, porém, a realidade vigente no ordenamento positivo infraconstitucional em que a legitimação processual em matéria de tutela a direitos coletivos é estreita e delegada apenas para uma pequena gama de legitimados. A única hipótese de atuação individual na defesa dessa classe de bens ocorre com a ação popular, onde “qualquer cidadão” está autorizado a ajuizá-la.

O que se tem visto na jurisprudência é um estreitamento ainda maior dessa legitimação, vez que o âmbito de abrangência da ação popular é restrito à tutela repressiva do patrimônio público. Desta forma, temas que não estejam diretamente vinculados ao patrimônio público não têm sido admitidos no âmbito da ação popular, porquanto o instrumento adequado seria a ação civil pública em que o individuo não tem legitimidade, deixando-se de reconhecer a natureza intercambiante do microssistema de direito coletivo.

O certo é que a tendência da jurisprudência, na falta de previsão legal especifica, tem limitado significativamente a atuação individual como é observado por EURICO FERRARESI:

Em importante ação popular movida por um cidadão contra o Governador do Estado de São Paulo, objetivando obstar a construção de uma escola e exigir a devolução aos cofres públicos das importâncias despendidas, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo entendeu que, no caso, havia interesse difuso, cabível, portanto, ação civil pública e não ação popular. O Tribunal julgou o autor carecedor da ação por ilegitimidade de parte. Esses os termos finais do dispositivo: “Por conseguinte, como proposta foi ação popular e o objeto da lide prende-se ao contido no artigo 1º da Lei 7.347/85, cabível ação civil pública e não ação popular, para coartar as ilegalidades do ato. Faltando, pois, legitimidade da autora, dá-se provimento parcial ao apelo para extinguir o feito sem exame de mérito’ (Apelação Civil 204.100-1/8 – São Paulo)”.[48]

A posição da jurisprudência tem justificativa no apego a interpretação puramente literal da legislação infraconstitucional visto que foi esta a opção oferecida pelo legislador que não teve intenção de abrir a via de acesso ao processo coletivo para além daquelas pessoas e entidades legitimadas. Nesse sentido anotou o mesmo VICENTE MACIEL JUNIOR:

Ou seja, contrariando a própria natureza do direito difuso, o legislador limita a legitimação do individuo para a ação, como se o direito difuso pudesse ser enquadrado no esquema do direito coletivo strictu sensu. Com isso atribui-se a esses órgãos e associações o distorcido poder de deliberar, pressupor e decidir qual seria a “vontade difusa” a ser defendida. Para completar, aos interessados difusos não é permitida a chamada “ação coletiva.[49]

A limitação da legitimação individual antes de ter sustentação cientifica processual tem justificativa no mito de que o fortalecimento do individuo com a ampliação da legitimação enfraqueceria o Estado e poderia colocar a própria prestação jurisdicional sob risco de ineficácia, imaginando-se profusão dessas ações sem critérios definidos e as vezes com intenções espúrias situação que seria facilmente controlável pelo Poder Judiciário.

As criticas que são esgrimidas contra a possibilidade de legitimação individual no processo coletivo não se sustentam conforme opinião da abalizada doutrina. Colhe-se da obra de EURICO FERRARESI que as principais críticas seriam: A conclusão de PONTES DE MIRANDA que em sua época foi no sentido de que as desvantagens de se expandir a legitimação ao nível individual superavam as vantagens que tal medida proporcionaria, já que:

[...] para funções dessa classe, a sociedade possui órgãos adequados, que melhor as desempenham do que qualquer do povo”; A posição de CAPPELLETTI no sentido de que seria “ridículo destino de Dom Quixote, em vã e patética luta contra o moinho de vento”; O “caráter político e a experiência oriunda da ação popular, utilizada com freqüência “como instrumento político de pressão e até de vindita, serviriam para o perfilhamento da opção legislativa mencionada. [50]

Por fim, anota que o cidadão brasileiro ainda não estaria suficientemente amadurecido para o uso das ações coletivas e que esse instituto da legitimação individual para ações coletivas seria oriundo do direito norte-americano e sem tradição correspondente no Brasil.

De certa forma, o que foi dito por PONTES DE MIRANDA tem correspondência na realidade ainda hoje, visto que o Ministério Público tem assumido papel de extrema relevância na tutela aos direitos difusos e coletivos mercê da plena capacitação de seus integrantes e da estrutura de apoio razoável que permite ao parquet ampla possibilidade de atuação.

Nesse sentido, basta verificar o que ocorre na prática, onde muitas vezes as próprias entidades legitimadas a tutela coletiva na ação civil pública preferem representar ao Ministério Público para que este possa atuar, visto, inclusive, a possibilidade do inquérito civil em que a colheita de provas e informações é eficiente mecanismo de preparação da ação coletiva de que não dispõem os demais legitimados.

A atuação eficiente do parquet na tutela aos direitos difusos e coletivos granjeou-lhe certa legitimidade natural para este mister funcionando relativamente bem a representação instituída no artigo 6º da Lei 7.347/85 ao dispor que “qualquer pessoa poderá e o servidor público deverá provocar a iniciativa do Ministério Público, ministrando-lhe informações sobre fatos que constituam objeto da ação civil e indicando-lhe os elementos de convicção”

Este modelo, porém, não atende à plenitude das necessidades de tutela aos direitos difusos e coletivos por inúmeras razões. Nem sempre o parquet está presente na localidade onde os fatos se passam, outras tantas, o órgão está abarrotado com outras responsabilidades sendo natural certa demora no encaminhamento das providencias necessárias comum a todo órgão público.

Por outro lado, a legitimação apenas de associações para a tutela de direitos difusos também não é uma solução definitiva já que impõe ao individuo a obrigação de associativismo o que conflita a garantia constitucional de ampla liberdade de associação prevista no artigo 5º, XX, da Constituição Federal.[51]

Neste sentido se posiciona EURICO FERRARESI:

O objetivo, nesse instante, é comprovar que a posição de outorgar exclusivamente a órgãos estatais e a entes representativos a titularidade de ações coletivas retira a legitimidade social e política do instrumento, na medida em que obriga o individuo a se associar ou a somente cobrar a atuação de órgãos estatais. Conceder ao cidadão unicamente a titularidade da ação popular não é o bastante.[52]

Entendemos que o posicionamento de BARBOSA MOREIRA ao afirmar que no âmbito da tutela a bens difusos e coletivos deve funcionar o princípio da legitimação “disjuntiva concorrente” melhor atende aos anseios de ampliação da legitimação ativa, já que não exclui nenhum dos atuais legitimados que continuarão atuando normalmente nas demandas, não lhe sendo retirada nenhuma prerrogativa, ao mesmo tempo em que franqueia aos demais interessados a possibilidade de acionar o processo na busca da tutela, que por vezes reclama urgência só atendida por meio da atuação individual.

Verifica-se, com efeito, não haver nenhuma sustentação cientifica nas afirmações contrárias a legitimação individual e muito menos encontra correspondência na realidade contemporânea, onde impera o regime democrático de direito com ampla participação social.

Nesse prisma é de ser observado que a democracia exige irrestrita participação popular não só nas escolhas dos representantes, mas também efetiva presença nos processos democráticos e aqui se insere, naturalmente, aquele destinado a tutelar juridicamente os bens supra-individuais, conforme anotou com propriedade ROSEMIRO PEREIRA LEAL:

Na teoria jurídica da democracia, o procedimento só é legitimo quando garantido pela instituição do devido processo constitucional que assegure a todos indistintamente uma estrutura espácio-temporal (devido processo legal e devido processo legislativo) na atuação (exercício), aquisição, fruição, correição e aplicação de direitos.[53]

Por outras palavras, a democracia reclama a plena participação do cidadão nos processos decisórios, entre os quais, se afigura o processo coletivo de tutela de direitos difusos que não pode prescindir da presença individual já que é o individuo que sofre ou se aproveita das tutelas a esta classe de direitos.

É preciso avançar nesse tema para incorporar as alterações no modelo de legitimação que melhor se ajuste ao desiderato de tutela dos bens transindividuais como defende VICENTE DE PAULA MACIEL JUNIOR ao anotar:

Entretanto, é a teoria objetiva que melhor explica o problema dos direitos difusos. Segundo essa perspectiva, como esclarece Vigoritti, a definição dos direitos difusos seria definida a partir do bem envolvido. Isso significa que os legitimados para a demanda coletiva seriam todos aqueles que são direta ou indiretamente afetados pela situação jurídica que atinge um determinado bem. A legitimação seria construída nesse modelo a partir do bem, para saber quais pessoas foram atingidas pelos fatos que os envolvem. Vigoriti expressamente rejeita essa linha de pesquisa e acata a teoria subjetiva, sob a justificativa de que ela transforma em legitimados para a ação todos aqueles que são atingidos pela modificação sofrida pelo bem e isso inviabiliza a própria ação coletiva. Mas esse não é nosso entendimento, conforme já expusemos longamente no curso desse trabalho. Essa linha de pesquisa rejeitada por Vigoriti é, no nosso sentir, o caminho para a explicação de um novo modelo de processo, que seja efetivamente adaptado ao fenômeno dos direitos difusos.[54]

A necessidade de se legitimar o indivíduo para o processo coletivo não passou desapercebida para os autores do Anteprojeto de Código Brasileiro de Processos Coletivos que na exposição de motivos fizeram constar a seguinte justificativa:

[...] A grande novidade consiste em englobar nas normas sobre a legitimação ativa, consideravelmente ampliada, requisitos fixados por lei, correspondentes à categoria da “representatividade adequada”. A representação adequada é, assim, comprovada por critérios objetivos, legais, para a grande maioria dos legitimados, com exceção da pessoa física – à qual diversas constituições ibero-americanas conferem legitimação – em relação a quem o juiz aferirá a presença os requisitos em concreto. Por outro lado, a exigência de representatividade adequada é essencial para o reconhecimento legal da figura da ação coletiva passiva, objeto do Capitulo III, em que o grupo, categoria ou classe de pessoas figura na relação jurídica processual como réu.[55]

Nesse rumo, o artigo 20 do Anteprojeto dispõe que:

Art. 20. São legitimados concorrentemente à ação coletiva ativa:

I – qualquer pessoa física, para a defesa dos interesses ou direitos difusos, desde que o juiz reconheça sua representatividade adequada, demonstrada por dados como:

a) credibilidade, capacidade e experiência do legitimado;

b) seu histórico na proteção judicial e extrajudicial dos interesses ou direitos difusos e coletivos;

 c) sua conduta em eventuais processos coletivos em que tenha atuado;

II – o membro do grupo, categoria ou classe, para a defesa dos interesses ou direitos coletivos, e individuais homogêneos, desde que o juiz reconheça sua representatividade adequada, nos termos do inciso I deste artigo;

[...]

§ 1º Na defesa dos interesses ou direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos, qualquer legitimado deverá demonstrar a existência do interesse social e, quando se tratar de direitos coletivos e individuais homogêneos, a coincidência entre os interesses do grupo, categoria ou classe e o objeto da demanda;

§ 2º No caso dos incisos I e II deste artigo, o juiz poderá voltar a analisar a existência do requisito da representatividade adequada em qualquer tempo e grau de jurisdição, aplicando, se for o caso, o disposto no parágrafo seguinte.

§ 3º Em caso de inexistência do requisito da representatividade adequada (incisos I e II deste artigo), o juiz notificará o Ministério Público e, na medida do possível, outros legitimados, a fim de que assumam, querendo, a titularidade da ação.

As referências que o texto do anteprojeto faz à representatividade adequada é fruto da experiência da class action norte-americana como já pontuamos alhures, que, todavia, não podem servir ao propósito de limitar a legitimação individual. Ao prudente arbítrio do juiz fica o dever de velar pela verificação da plena capacidade do individuo na defesa dos direitos difusos, e, sobretudo, na ausência de fraude ou conluio no processamento da ação coletiva por meio da legitimação individual, visto a importância que a decisão terá ao final.

Pensamos que é importante, para não deixar margens à dúvida, fazer constar do texto expresso da lei a legitimação individual. Porém, diante da analise sistemática do processo visto à luz da Constituição, acreditamos que tal providência não é imprescindível à admissão da legitimação individual.

Isto porque o artigo 5º, inciso XXXV da Constituição Federal consagra o princípio da inafastabilidade da jurisdição garantindo que o individuo tem o direito de postular a tutela jurisdicional para o fim de proteger ou mesmo ser reparado por uma lesão a um seu bem jurídico, quando dispõe que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.

O principio de índole constitucional consagra o amplo e irrestrito acesso à jurisdição e tem por finalidade garantir efetividade na proteção do direito dito ameaçado ou lesionado o que se aplica sem reservas aos direitos difusos e coletivos, autorizando a postulação individual. Segundo afirma Paulo Roberto de Figueiredo Dantas:

[...] referido princípio tem por objetivo assegurar o direito a uma tutela jurisdicional a todos que dela necessitem. Trata-se, portanto, do princípio que garante às pessoas, tanto naturais como jurídicas, quer de direito público quer de direito privado, o acesso à jurisdição, e que é exercido, como já vimos anteriormente, por meio do direito de ação.[56]

Como se poderia compatibilizar com essa garantia constitucional a negação de legitimação individual a uma pessoa física para a tutela do direito ao meio ambiente que está prestes a ser contaminado por uma descarga de dejetos industriais e que trará a si e a toda a coletividade o risco à própria vida?

Parece evidente a qualquer um a luz da garantia constitucional do princípio da inafastabilidade da jurisdição que em tais circunstâncias o individuo está plenamente legitimado a buscar a tutela jurisdicional para evitar o dano a um direito difuso ou coletivo, reforçando-se este fato, os argumentos já expendidos para afastar a ilegitimidade individual.

Discorrendo sobre essa possibilidade, a autorizada opinião de VICENTE DE PAULA MACIEL informa que “portanto, a legitimação para agir na tutela dos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos já existe no texto constitucional, nos termos do art. 5º, XXXV da CF/88 e pode ser exercida por qualquer individuo que perceba lesão ou ameaça a direito.”[57]

Em preciosa lição, CÂNDIDO RAGEL DINAMARCO sintetizou o alcance deste principio constitucional afirmando que vai muito além da mera possibilidade de acionar a jurisdição para ser garantida a efetiva proteção ao bem jurídico tutelado, função primordial do processo.

A garantia da ação, como tal, contenta-se em abrir caminho para que as pretensões sejam deduzidas em juízo e a seu respeito seja depois emitido um pronunciamento judicial, mas em si mesma nada diz quanto à efetividade da tutela jurisdicional. O princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional manda que as pretensões sejam aceitas em juízo, sejam processadas e julgadas, que a tutela seja oferecida por ato do juiz àquele que tiver direito à ela – e, sobretudo, que ela seja efetiva como resultado prático do processo”[58].

Desta forma, a legitimação individual prevista no anteprojeto de código de processo coletivo vem em boa hora, mas não depende de legislação infraconstitucional já que retira sua força do texto constitucional e pode ser exercitado plenamente.

É bem verdade que nesse campo a timidez da jurisprudência é visível, porém, é preciso insistir na necessidade da sua evolução não só para garantir o acesso à justiça, mas, sobretudo, para se conferir eficácia plena a tutela dos direitos metaindividuais.


6. LEGITIMAÇÃO INDIVIDUAL NO CONTROLE CONCENTRADO DE CONSTITUCIONALIDADE

Não há dúvida de que os mecanismos de controle concentrado de constitucionalidade no Brasil constituem modalidade de processo coletivo uma vez que são destinados a tutelar a ordem constitucional que se constitui em direito difuso e coletivo.

Ter garantida a ordem jurídica constitucional é o mesmo que ter a proteção aos direitos subjetivos de matiz constitucional o que implica no interesse individual na resolução das questões constitucionais submetidas ao controle concentrado até porque é o individuo que vai sofrer os efeitos desse julgamento com natureza erga omnes e eficácia vinculante.

TEORI ALBINO ZAVASCKI pontifica:

[...] considerando essa circunstância, e, ainda mais, que as mesmas sentenças têm eficácia ex tunc, do ponto de vista material e erga omnes, na sua dimensão subjetiva, não há como negar que o sistema de controle concentrado de constitucionalidade constitui, mais que modo de tutelar a ordem jurídica, um poderoso instrumento para tutelar, ainda que indiretamente, direitos subjetivos individuais, tutela que acaba sendo potencializada em elevado grau, na sua dimensão instrumental, pela eficácia vinculante das decisões. É em outras palavras, um especial modo de prestar tutela coletiva.[59]

As inúmeras transformações pelas quais vem passando o estudo sobre o controle de constitucionalidade no Brasil, indicam sem a menor sombra de dúvida, que o modelo do controle concentrado é o destino almejado para o Supremo Tribunal Federal.

Diante das inovações introduzidas no processamento do Recurso Extraordinário por meio da Lei nº. 11.418/2006 exigindo como pressuposto recursal a presença da repercussão geral para admissão do recurso, fica claro que a Corte Constitucional precisa se livrar da árdua tarefa de última instância para o controle incidental difuso, o que é compreensível diante do volume absurdo de demandas individuais atualmente em curso na Corte Suprema.

Desta forma, somente questões que tenham repercussão geral, ou seja, que correspondam a interesse difuso ou coletivo é que terão doravante passagem livre para serem examinadas pelo Supremo Tribunal Federal. Evidente que essa modificação nada mais é do que modalidade de controle concentrado, já que no julgamento o Supremo Tribunal Federal poderá utilizando-se das técnicas de controle de constitucionalidade estender os efeitos para além das partes, como, aliás tem ocorrido em decisões recentes.

Há um grande empenho em se obter ao máximo possível o efeito erga omnes dos julgamentos da corte constitucional como forma de se evitarem demandas repetitivas com os mesmo assuntos já apreciados, emprestando maior agilidade e segurança ao sistema jurídico constitucional. Nessa linha de raciocínio o requisito da repercussão geral tem dimensão de direito coletivo no aspecto processual o que pode ser visto no artigo 543-B, § 2º do Código de Processo Civil ao dispor que “negada a existência da repercussão geral, os recursos sobrestados considerar-se-ão automaticamente não admitidos”.

Com efeito, todas as pessoas que se encontram na mesma situação do recurso paradigmático, ou seja, que possuem recurso com a mesma matéria aguardando processamento, serão atingidas pela decisão negatória da repercussão geral, revelando efeito erga omnes restrito a esta classe de pessoas.

Diante do delineamento desse quadro vai ficando nítido que o controle concentrado de constitucionalidade irá, aos poucos, tornando-se predominante até o ponto em que já não mais será possível ao Supremo Tribunal Federal apreciar questões individuais que ficarão restritas aos procedimentos ordinários sob competência dos Tribunais inferiores.

Nesse rumo, o acesso ao controle constitucional perante o Supremo Tribunal Federal vai se fechando ao individuo ficando destinado apenas a apreciação das questões de interesse difuso e coletivo, cujos legitimados são poucos e nominados em rol taxativo, conforme opinião unânime da doutrina.

Nesse cenário, o individuo poderia ter interesse jurídico em postular controle concentrado de constitucionalidade? Cremos que a resposta é positiva aproveitando-se os mesmos argumentos já expendidos alhures para justificar a legitimação individual para os processos coletivos típicos, apenas transpondo os direitos difusos e coletivos para a órbita constitucional que é o ambiente de vivência e aplicação desse modo singular de jurisdição.

GILMAR FERREIRA MENDES comentando sobre a natureza do controle abstrato de normas constitucionais diante do julgamento da ADI 79/89 afirmou que “[...], parece pacifico o entendimento sobre a natureza do controle abstrato de normas como processo objetivo, para cuja instauração se afigura suficiente a existência de um interesse público de controle”[60]

Na mesma obra o referido autor constatou a natureza política do controle abstrato de constitucionalidade ao referir:

Na decisão de 3 de fevereiro de 1986, ressaltou o Tribunal, uma vez mais, a natureza política do controle abstrato de normas. O processo judicial deveria, por isso, ser considerado simples forma. Essa orientação tornou-se ainda nítida no acórdão de 18 de maio de 1988. O Supremo Tribunal Federal ressaltou a objetividade desse processo, que não conhece partes e outorga ao Tribunal um instrumento político de controle de normas.[61]

O individuo pode ter esse interesse público de controle da ordem constitucional? Como se trata de processo político, não teria este mesmo individuo o direito de participar de sua formulação diante das prerrogativas da democracia?

Se afirmativas essas respostas, qual seria o obstáculo à legitimação individual para suscitar o controle concentrado de constitucionalidade?

Nos parece claro que as respostas são positivas, ou seja, situações podem existir em que o individuo apresenta interesse juridicamente tutelado de provocar o controle concentrado de constitucionalidade para a preservação da ordem constitucional que a todos beneficia. E nos parece, também, não haver obstáculos de ordem cientifica ou mesmo de conveniência política para justificar o afastamento dessa legitimidade.

Uma tentativa de positivação dessa legitimidade subjetiva ocorreu com a Lei nº. 9.882/99 que inicialmente, em seu artigo 2°, II, previa que "qualquer pessoa lesada ou ameaçada por ato do Poder Público" seria legitimada a propor Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, mediante representação ao Procurador Geral da República.

A tentativa, porém, foi abortada no nascedouro mediante veto do Presidente da República, com a justificativa de aumento do número de processos e, sobretudo, porque a legitimação seria inadequada diante do sistema de controle concentrado adotado no Brasil. Eis as razões:

A disposição insere um mecanismo de acesso direto, irrestrito e individual ao Supremo Tribunal Federal sob a alegação de descumprimento de preceito fundamental por "qualquer pessoa lesada ou ameaçada por ato do Poder Público". A admissão de um acesso individual e irrestrito é incompatível com o controle concentrado de legitimidade dos atos estatais – modalidade em que se insere o instituto regulado pelo projeto de lei sob exame. A inexistência de qualquer requisito específico a ser ostentado pelo proponente da argüição e a generalidade do objeto da impugnação fazem presumir a elevação excessiva do número de feitos a reclamar apreciação pelo Supremo Tribunal Federal, sem a correlata exigência de relevância social e consistência jurídica das argüições propostas. (...) Afigura-se correto supor, portanto, que a existência de uma pluralidade de entes social e juridicamente legitimados para a promoção de controle de constitucionalidade – sem prejuízo do acesso individual ao controle difuso – torna desnecessário e pouco eficiente admitir-se o excesso de feitos a processar e julgar certamente decorrentes de um acesso irrestrito e individual ao Supremo Tribunal Federal. Na medida em que se multiplicam os feitos a examinar sem que se assegure sua relevância e transcendência social, o comprometimento adicional da capacidade funcional do Supremo Tribunal Federal constitui inequívoca ofensa ao interesse público. Impõe-se, portanto, seja vetada a disposição em comento. (BRASIL. Presidente da República, 1999).

 A posição do Supremo Tribunal Federal não diverge em essência das razões do veto, já que repele prontamente a possibilidade da legitimação individual, conforme se colhe do julgamento da ADPF 138-MC.

(...) Pessoas físicas, estranhas ao rol exaustivo inscrito no art. 103 da Carta Política, não dispõem de qualidade para agir, perante o Supremo Tribunal Federal, em sede de controle normativo abstrato, falecendo-lhes, em conseqüência, em virtude da cláusula de legitimação estrita consubstanciada no preceito constitucional mencionado, a prerrogativa para ajuizar ação direta de inconstitucionalidade (...). É por essa razão que o Supremo Tribunal Federal, tendo em consideração o que prescreve o art. 2º, I, da Lei n. 9.882/99, não tem conhecido de argüições de descumprimento de preceito fundamental, quando ajuizadas, como sucede na espécie, por quem não dispõe de legitimidade ativa para a propositura da ação direta de inconstitucionalidade (...).” (ADPF 138-MC, Rel. Min. Celso de Mello, decisão monocrática, julgamento em 30-4-08, DJE de 7-5-08). No mesmo sentido: ADPF 166, Rel. Min. Cármen Lúcia, decisão monocrática, julgamento em 25-3-09, DJE de 3-4-09; ADPF 20, Rel. Min. Maurício Corrêa, decisão monocrática, julgamento em 15-10-01, DJ de 22-10-01.

A doutrina é maciça em reconhecer falta de legitimidade individual para o acionamento do controle concentrado por meio das ações diretas de inconstitucionalidade, ação declaratória de constitucionalidade e a arguição de descumprimento de preceito fundamental, limitando-se a maioria esmagadora dos autores constitucionalistas a dizer que o rol dos legitimados ao controle concentrado assim como previsto no art. 103 da Constituição Federal é taxativo.

Além disso, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal também é no sentido restritivo do acesso a este mecanismo de controle de constitucionalidade já que exige para os legitimados especiais a representatividade adequada com a pertinência temática, similar as exigências contidas no artigo 5º, V, da Lei da Ação Civil Pública. Ressalte-se a exceção feita ao Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil conforme decidiu o Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADIn 3-DF, relatada pelo Ministro Moreira Alves:

[...] Em se tratando do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, sua colocação no elenco que se encontra no mencionado artigo, e que a distingue das demais entidades de classe de âmbito nacional, deve ser interpretada como feita para lhe permitir, na defesa da ordem jurídica com o primado da Constituição Federal, a propositura de ação direta de inconstitucionalidade contra qualquer ato normativo que possa ser objeto dessa ação; independente do requisito da pertinência temática entre o seu conteúdo e o interesse dos advogados como tais de que a Ordem é entidade de classe. (STF. ADIn 3- DF. Rel. Min. Moreira Alves, RTJ 142: 383, 1992).

Apesar de todas essas vozes dignamente autorizadas em matéria de direito constitucional, ousamos provocar a reflexão desse tema diante das inovações no modelo de controle constitucional em franca mutação, vislumbrando uma cidadania plena que contemple a possibilidade de acesso a todos os mecanismos de tutela jurisdicional que objetivem uma situação de proteção, salvaguarda e tutela aos direitos coletivos, como é a ordem constitucional hígida.

Tangenciando este tema, mas sem ousar propor modificações, GILMAR MENDES percebeu as conseqüências de uma abertura nesse campo da legitimação individual para as ações de controle concentrado de constitucionalidade ao advertir que “uma orientação menos criteriosa poderia imprimir ao sistema instituído pela Constituição de 1988 quase a amplitude de uma ação popular de inconstitucionalidade”[62].

Ele sustenta que as organizações contempladas com a legitimação especial já representam adequadamente todos os seguimentos da sociedade sendo o suficiente para atender ao desiderato democrático.

Objetamos essa conclusão com os mesmos argumentos já esgrimidos para a legitimação individual nas ações coletivas, porque entendemos plenamente válidos na transposição para o ambiente de controle concentrado de constitucionalidade, sendo o mais importante, a obrigatoriedade de associação contra o qual há garantia inserida nas cláusulas pétreas da Constituição Federal.

Curioso notar que a questão da legitimação para as ações de controle concentrado de constitucionalidade caminharam historicamente ao lado do nível de democracia vigente no País. Com efeito, na ordem constitucional vigente entre 1965 até 1988, como anota Luis Roberto Barroso:

[...] a deflagração do controle abstrato e concentrado de constitucionalidade era privativa do Procurador-Geral da República. Mais que isso, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou-se no sentido da plena discricionariedade do chefe do Ministério Público Federal no juízo acerca da propositura da ação, sem embargo de posições doutrinárias importantes em sentido diverso. Desse modo, era ele o árbitro exclusivo e final acerca da submissão ou não na discussão constitucional ao STF. Registre-se, por relevante, que o Procurador-Geral da República ocupava cargo de confiança do Presidente da República, do qual era exonerável ad nutum. Assim sendo, o controle de constitucionalidade por via de representação fica confinado às hipóteses que não trouxessem maior embaraço ao Poder Executivo.[63]

Com a redemocratização do País, a Constituição Federal ampliou o rol dos legitimados, libertando o controle de constitucionalidade da interferência exclusiva do Chefe do Poder Executivo em um passo largo em direção a plena democracia. Advogamos a tese que esse rol precisa ser ampliado para se admitir também o individuo, como expressão máxima do amadurecimento democrático, porquanto esta legitimação atende ao interesse público de maior participação dos processos decisórios que interferem na esfera coletiva e por conseqüência, também na individual.

Inovador nesse rumo e já sinalizando uma maior abertura para a participação coletiva nesses temas de interesse difuso e coletivo estão as disposições contidas na Lei nº. 9.868/99 – art. 7º, § 2º, e no artigo 543-A, § 6º do Código de Processo Civil, prevendo a possibilidade de manifestação de terceiros interessados em similaridade com a figura do amicus curiae do direito norte-americano no julgamento da ação direta de inconstitucionalidade e na análise da presença da repercussão geral para admissão do recurso extraordinário. 

Não se ouvida que essa hipótese é deveras controvertida, porém é um tema que precisará ser discutido diante das necessidades de tutela jurisdicional coletiva eficaz o que inclui, também, a ordem constitucional.


CONCLUSÃO

De tudo quanto foi exposto neste singelo trabalho, colhem-se as seguintes conclusões:

1 - No Brasil, principalmente a partir da edição da Lei da Ação Civil Pública ocorrida em 1985, iniciou-se um processo de reformas com vistas ao aperfeiçoamento de instrumentos processuais de tutela de direitos difusos e coletivos para atender às necessidades de proteção da coletividade. Com o advento da Constituição Federal, os temas de direitos difusos e coletivos foram alçados à grandeza constitucional. As leis relativas a estes assuntos que se seguiram cuidaram não só de aspectos relacionados ao direito material difuso e coletivo, mas, também dos aspectos processuais, passando pelo Código de Defesa do Consumidor, Estatuto da Criança e do Adolescente, culminando com o anteprojeto de código de processos coletivos. Houve, então, a percepção da existência de um microssistema de tutela aos direitos difusos e coletivos, com normas intercambiantes que forneceram o arcabouço jurídico necessário a plena tutela desses direitos, sendo reconhecido como um dos mais avançados do mundo.  

2 - O avanço da civilização e o fenômeno da sociedade de massa exigem uma ordem jurídica que contemple instrumentos processuais atuais e eficazes na tutela aos direitos difusos e coletivos. Nesse contexto, a atuação do Juiz assume importância vital estando autorizada margem de criatividade na implementação de medidas capazes de oferecer efetiva tutela aos direitos supraindividuais. Passam por este terreno as tutelas preventivas e repressivas e a necessidade de ampla legitimação decorrente da noção de importância substancial conferida aos direitos dessa natureza, legitimação esta a ser controlada pelo Juiz para se ter garantida a representatividade adequada à altura das necessidades processuais. Nesse rumo também caminham a necessidade de reinterpretação dos vetustos institutos do direito processual individual, como a noção de legitimidade relacionada a propriedade do direito material a ser tutelado constante do artigo 6º do Código de Processo Civil,  da substituição processual, da litispendência, da coisa julgada para adequá-los às necessidades do processo coletivo, sem, contudo, romper com o sistema processual individual.

3 - A tutela aos direitos coletivos apresenta aspectos processuais diferenciados do processo civil individual. A legitimação ativa aproveitando-se do instituto da substituição processual é mais ampla adotando a noção de interesse juridicamente tutelado para informá-la, diante da transindividualidade dos direitos nela veiculados; A litispendência também é fenômeno com dimensão mais ampla do que aquela adotada no processo civil individual, assim como o instituto da coisa julgada também deve ter um tratamento diferenciado em face da necessidade de proteger os terceiros não participantes da lide, dando ensejo a aplicação da coisa julgada secundum eventus litis e secundum eventus probatione.

4 - A legitimação para a execução no processo coletivo também apresenta peculiaridades em relação ao processo civil individual, conforme seja a natureza do direito coletivo tutelado. Com efeito, na execução das ações civis públicas em decorrência da natureza plenária da demanda, o legitimado processual da fase cognitiva é o mesmo para a fase de execução sendo certo que quando a execução se referir a quantia certa, o produto obtido deverá reverter para o fundo criado por intermédio do artigo 13 da Lei no. 7.347/85. Já nas demandas regidas pelo Código de Defesa do Consumidor, notadamente nos casos de direitos individuais homogêneos, em face da natureza genérica da sentença condenatória, para a fase de conhecimento são legitimados pelo regime de substituição processual todos aqueles constantes do rol do artigo 82. Já na ação de cumprimento para a liquidação há necessidade de nova relação processual, onde a presença da vitima é imprescindível e a atuação dos entes relacionados no referido artigo 82 se faz sob o regime de representação, sendo admitida a legitimação por substituição somente na execução dos resíduos previstos no art. 100 do Código de Defesa do Consumidor.

5 - Nas ações coletivas para a tutela de direitos difusos e coletivos a legitimação ativa deve contemplar o individuo que demonstrar interesse jurídico na proteção ao direto material invocado. A legitimação não deve partir da perspectiva da pertinência do direito material em relação ao autor, e sim da importância do fato ou do direito difuso ou coletivo que se pretende tutelar uma vez que esta classe de direitos é de suma importância para a coletividade, revelando haver interesse público em sua defesa. Além disso, o processo deve servir ao desiderato da manutenção da ordem jurídica justa e sob esse prisma a legitimação individual encontra inegável respaldo. A legitimação do Ministério Público e das demais entidades catalogadas nos diversos dispositivos legais não é mutuamente excludente e nem exaure as hipóteses de legitimação que deve ser informada pelo princípio da legitimidade concorrente disjuntiva. O aspecto político do processo judicial também reclama a ampla participação popular que o legitime. O anteprojeto de código de processo coletivo contempla essa mudança de paradigma legitimando o individuo para a tutela a direitos difusos e coletivos. Independente dessa proposta de positivação infraconstitucional, a legitimação individual na tutela aos bens difusos e coletivos retira sua validade do principio constitucional da inafastabilidade da jurisdição.

6 - As recentes mudanças no processamento do recurso extraordinário com a exigência de demonstração da repercussão geral e as técnicas de controle de constitucionalidade demonstram a prevalência do modelo de controle concentrado de constitucionalidade vigente perante o Supremo Tribunal Federal como uma realidade presente. O instituto da repercussão geral revela aspecto de direito coletivo no âmbito processual, já que a decisão que rejeita a presença da repercussão geral tem incidência erga omnes para a classe de pessoas que recorrem extraordinariamente ao Supremo Tribunal Federal em demanda individual.  Diante da marcha rumo ao controle concentrado perante o Supremo Tribunal Federal, a legitimação individual também deveria vigorar neste campo já que a manutenção da ordem constitucional consulta ao interesse não só da coletividade, mas também do individuo como manifestação da efetiva participação democrática já que o sistema de controle concentrado de constitucionalidade é processo de natureza política. Essa modalidade de controle exercida no âmbito concentrado constitui-se em manifestação do processo coletivo diante da força vinculante e efeito erga omnes que as decisões contêm e por isso deveria estar aberta a provocação individual. Embora a maciça doutrina constitucionalista e a jurisprudência uníssona do Supremo Tribunal Federal rejeitem a legitimação individual, deveria ela ser admitida já que representa demonstração de plena democracia.


REFERÊNCIAS

ARAUJO FILHO, Luiz Paulo da Silva. Ações coletivas: a tutela jurisdicional dos direitos individuais homogêneos. Rio de Janeiro: Forense, 2000.

BARROSO, Luis Roberto. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro: exposição sistemática da doutrina e análise crítica da jurisprudência. 4. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2009.

BASTOS, Celso. A tutela dos interesses difusos no direito constitucional brasileiro. Revista de Processo, nº. 23, jul.-set. 1981. São Paulo.

BENJAMIM, Antonio Herman de Vasconcelos e. A citizen action norte-americana e a tutela ambiental. Revista de Processo, v. 16, nº 62, pp. 61-78, abr./jun. 1991. São Paulo.

BUENO, Cassio Scarpinella. As class actions norte-americanas e as ações coletivas brasileiras: pontos para uma reflexão conjunta. Revista de Processo, v. 21, nº 82, pp. 92-151, abr./jun. 1996. São Paulo.

CAMARGO, Antonio Augusto Mello de; MILARÉ, Édis; NERY JUNIOR, Nelson. A ação civil pública e a tutela jurisdicional dos interesses difusos. São Paulo: Saraiva, 1984.

CAPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Tradução Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Fabris, 1988.

DANTAS, Paulo Roberto de Figueiredo. Direito processual constitucional. São Paulo: Atlas, 2009.

DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. v. 1. São Paulo: Malheiros, 2001.

__________________. A instrumentalidade do processo. 13. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2008.

FERRARESI, Eurico. Ação popular, ação civil pública e mandado de segurança coletivo: instrumentos processuais coletivos. 1. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009.

GIDI, Antonio. Rumo a um Código de Processo Civil Coletivo: a codificação das ações coletivas no Brasil. Rio de Janeiro: Forense, 2008.

GRINOVER, Ada Pellegrini. Rumo a um Código Brasileiro de Processos Coletivos. In: MILARÉ, Edis (coord). A ação civil pública após 20 anos: efetividade e desafios. São Paulo: RT, 2005.

________________. A tutela jurisdicional dos interesses difusos. Revista Forense, nº. 268.

LACERDA, Galeno. Comentários ao Código de Processo Civil. 3. ed. v. 8, t. I. Rio de Janeiro: Forense, 1987.

LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria geral do processo: primeiros estudos. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009.

LIEBMAN, Enrico Tullio. Manual de direito processual civil. Tradução Cândido Rangel Dinamarco. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1985.

MACIEL JUNIOR, Vicente de Paula. Teoria das ações coletivas: as ações coletivas como ações temáticas. São Paulo: LTr, 2006.

MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Interesses difusos: conceito e legitimação para agir. 6. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: RT, 2004.

MARQUES, José Frederico. As ações populares no direito brasileiro. Revista dos Tribunais, ano 46, v. 266, dez. 1957. São Paulo.

MARTINS, Ives Gandra da Silva; MENDES, Gilmar Ferreira. Controle concentrado de constitucionalidade: comentários à Lei n. 9.868, de 10-11-1999. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

MOREIRA, José Carlos Barbosa. Tendências contemporâneas do direito processual civil: temas de direito processual. São Paulo: Saraiva, 1984.

________________. A proteção jurídica dos interesses coletivos. n. 139, jan-marc. 1980, Atlas: RDA.

SALLES, Carlos Alberto de. Execução judicial em material ambiental. São Paulo: RT, 1999.

SILVA, José Afonso da. Ação popular constitucional. São Paulo: RT, 1968.

ZAVASCKI, Teori Albino. Processo coletivo: tutela de direitos coletivos e tutela coletiva de direitos. 4. ed. rev., e atual. São Paulo: RT, 2009.


Notas

[1] LIEBMAN, Enrico Tullio. Manual de direito processual civil, p. 162.

[2] LACERDA, Galeno. Comentários ao Código de Processo Civil. p. 20.

[3] CAPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça, Fabris, Porto Alegre, 1988, p. 49.

[4] ZAVASCKI, Teori Albino. Processo coletivo: tutela de direitos coletivos e tutela coletiva de direitos, p. 23/24.

[5] GIDI, Antonio. Rumo a um Código de Processo Civil Coletivo: a codificação das ações coletivas no Brasil.

[6] MACIEL JUNIOR, Vicente de Paula. Teoria das ações coletivas: as ações coletivas como ações temáticas, p. 26.

[7] ZAVASCKI, Teori Albino. Ob. cit., p. 34/35.

[8] Art. 91. Os legitimados de que trata o art. 82 poderão propor, em nome próprio e no interesse das vítimas ou seus sucessores, ação civil coletiva de responsabilidade pelos danos individualmente sofridos, de acordo com o disposto nos artigos seguintes. (Redação dada pela Lei nº 9.008, de 21.3.1995)

[9] Art. 21. O mandado de segurança coletivo pode ser impetrado por partido político com representação no Congresso Nacional, na defesa de seus interesses legítimos relativos a seus integrantes ou à finalidade partidária, ou por organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há, pelo menos, 1 (um) ano, em defesa de direitos líquidos e certos da totalidade, ou de parte, dos seus membros ou associados, na forma dos seus estatutos e desde que pertinentes às suas finalidades, dispensada, para tanto, autorização especial. Parágrafo único. Os direitos protegidos pelo mandado de segurança coletivo podem ser: I – coletivos, assim entendidos, para efeito desta Lei, os transindividuais, de natureza indivisível, de que seja titular grupo ou categoria de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica básica. II – individuais homogêneos, assim entendidos, para efeito desta Lei, os decorrentes de origem comum e da atividade ou situação específica da totalidade ou de parte dos associados ou membros do impetrante.

Art. 22. No mandado de segurança coletivo, a sentença fará coisa julgada limitadamente aos membros do grupo ou categorias substituídos pelo impetrante. § 1º. O mandado de segurança coletivo não induz litispendência para as ações individuais, mas os efeitos da coisa julgada não beneficiarão o impetrante a título individual se não requerer a desistência de seu mandado de segurança no prazo de 30 (trinta) dias a contar da ciência comprovada da impetração da segurança coletiva. § 2º. No mandado de segurança coletivo, a liminar só poderá ser concedida após a audiência do representante judicial da pessoa jurídica de direito público, que deverá se pronunciar no prazo de 72 (setenta e duas) horas.

[10] GRINOVER, Ada Pellegrini. Rumo a um Código Brasileiro de Processos Coletivos. In: MILARÉ, Edis (coord). A ação civil pública após 20 anos: efetividade e desafios. p. 13.

[11] MACIEL JUNIOR, Vicente de Paula. Ob. cit., p. 65-66.

[12] BASTOS, Celso. A tutela dos interesses difusos no direito constitucional brasileiro. Revista de Processo. p. 41.

[13] MOREIRA, José Carlos Barbosa. A proteção jurídica dos interesses coletivos. p. 105.

[14] A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.

[15] MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Interesses difusos: conceito e legitimação para agir, p. 109.

[16] Ibidem. p. 112.

[17] BENJAMIM, Antonio Herman de Vasconcelos e. A citizen action norte-americana e a tutela ambiental. Revista de Processo, p. 64.

[18] GRINOVER, Ada Pelegrini. A tutela jurisdicional dos interesses difusos. Revista Forense, p. 76.

[19] SALLES, Carlos Alberto de. Execução judicial em material ambiental. p. 58.

[20] MACIEL JUNIOR, Vicente de Paula. Ob. cit., p. 26.

[21] BUENO, Cassio Scarpinella. As class actions norte-americanas e as ações coletivas brasileiras: pontos para uma reflexão conjunta. Revista de Processo, p. 129.

[22] MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Ob. cit., p. 274-275.

[23] MACIEL JUNIOR, Vicente de Paula. Ob. cit., p. 54.

[24] Ibidem. p. 155.

[25] ZAVASCKI, Teori Albino. Ob. cit., p. 64.

[26] MOREIRA, José Carlos Barbosa. Tendências contemporâneas do direito processual civil: temas de direito processual. p. 9.

[27] ZAVASCKI, Teori Albino. Ob. cit.

[28] ZAVASCKI, Teori Albino. Ob. cit., p. 138-139.

[29] Convém observar que os direitos que os direitos sujeitos a irrestrita tutela do Ministério Público são apenas os direitos difusos e coletivos, ou seja, os subjetivamente transindividuais (sem titular determinado) e materialmente indivisiveis, que não se confundem, portanto, com os direitos individuais homogeneos. Estes, conforme se enfatizou em capitulo próprio, não são direitos transindividuais, mas, simplesmente, direitos subjetivos individuais, os mesmos “direitos comuns ou afins” de que trata o art. 46 do CPC, nomeadamente em seus incisos II e IV. A sua natureza “coletiva” tem um sentido meramente instrumental, para fins de defesa conjunta em juízo, viabilizada pelas características comuns (=homogeneidade) do conjunto desses direitos individuais. Nessa condição, diferentemente do que ocorre com os de natureza transindividual, os direitos individuais homogêneos não são irrestritamente tuteláveis pelo Ministério Público, só podendo sê-lo nas hipóteses expressamente previstas em lei. (ZAVASCKI, Teori Albino. Ob. cit., p. 127).

[30] ZAVASCKI, Teori Albino. Ob. cit., p. 185.

[31] ARAUJO FILHO, Luiz Paulo da Silva. Ações coletivas: a tutela jurisdicional dos direitos individuais homogêneos, p. 120-121.

[32] CAMARGO, Antonio Augusto Mello de; MILARÉ, Édis; NERY JUNIOR, Nelson. A ação civil pública e a tutela jurisdicional dos interesses difusos, p. 43-44.

[33] MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Ob. cit., p. 249.

[34] MACIEL JUNIOR, Vicente de Paula. Ob. cit., p. 121.

[35] ZAVASCKI, Teori Albino. Ob. cit., p. 63.

[36] FERRARESI, Eurico. Ação popular, ação civil pública e mandado de segurança coletivo: instrumentos processuais coletivos, p. 178.

[37] SILVA, José Afonso da. Ação popular constitucional, p. 195.

[38] MARQUES, José Frederico. As ações populares no direito brasileiro. Revista dos Tribunais, p. 11.

[39] ZAVASCKI, Teori Albino. Ob. cit., p. 27.

[40] ZAVASCKI, Teori Albino. Ob. cit., p. 67.

[41] ZAVASCKI, Teori Albino. Ob. cit., p. 179.

[42] ZAVASCKI, Teori Albino. Ob. cit., p. 187.

[43] DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. p. 90-91.

[44] LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria geral do processo: primeiros estudos. p. 37.

[45] MACIEL JUNIOR, Vicente de Paula. Ob. cit., p. 155.

[46] Ibidem, p. 176.

[47] MACIEL JUNIOR, Vicente de Paula. Ob. cit., p. 175.

[48] FERRARESI, Eurico. Ob. cit., p. 265-266.

[49] MACIEL JUNIOR, Vicente de Paula. Ob. cit., p. 157.

[50] FERRARESI, Eurico. Ob. cit., p. 262.

[51] Ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado.

[52] FERRARESI, Eurico. Ob. cit., p. 261.

[53] LEAL, Rosemiro Pereira. Ob. cit., p. 39.

[54] MACIEL JUNIOR, Vicente de Paula. Ob. cit., p. 156.

[55] FERRARESI, Eurico. Ob. cit., p. 322.

[56] DANTAS, Paulo Roberto de Figueiredo. Direito processual constitucional. p. 29.

[57] MACIEL JUNIOR, Vicente de Paula. Ob. cit., p. 175.

[58] DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. p. 198-199.

[59] ZAVASCKI, Teori Albino. Ob. cit., p. 241.

[60] MARTINS, Ives Gandra da Silva; MENDES, Gilmar Ferreira. Controle concentrado de constitucionalidade: comentários à Lei n. 9.868, de 10-11-1999. p. 153-154.

[61] MARTINS, Ives Gandra da Silva; MENDES, Gilmar Ferreira. Ob. cit., p. 153-154.

[62] MARTINS, Ives Gandra da Silva; MENDES, Gilmar Ferreira. Ob. cit., p. 151.

[63] BARROSO, Luis Roberto. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro: exposição sistemática da doutrina e análise crítica da jurisprudência. p. 160.


Autor


Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FERNANDEZ, Hamilton Donizeti Ramos. Legitimação individual no processo coletivo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3625, 4 jun. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24606. Acesso em: 25 abr. 2024.