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Crimes falimentares em espécie

Crimes falimentares em espécie

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O presente artigo apresenta algumas noções sobre os crimes falimentares, analisando todos os dez tipos penais insculpidos na nova Lei de Recuperação Judicial e Falência.

 

1 INTRODUÇÃO

            O Direito Falimentar é responsável pela disciplina da matéria relativa à falência e à recuperação judicial dentro do dispositivo destinado a si pelo Direito Comercial ou, mais comumente chamado, Direito Empresarial. Este trabalho tem por objetivo analisar todos os crimes falimentares dispostos na Lei n° 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, a qual regulamenta a Recuperação Judicial e a Falência, também conhecida como a nova Lei de Falências.

            O estudo dos crimes falimentares em espécie é deveras importante, tendo em vista a pouca doutrina disponível sobre o assunto, ainda mais que, por se tratar de uma lei relativamente nova – de 2005 – algumas figuras penais ainda não apareceram em julgamento nos nossos tribunais superiores.

            Essa falta de doutrina, aliada a parca jurisprudência no assunto, fez mister discorrer sobre o tal, porquanto estaremos trabalhando de matéria penal em sede de Direito Falimentar, o que, para alguns doutrinadores, requer um maior cuidado, principalmente devido à atração que a matéria penal seja atraída para o juízo universal da falência (vis attractiva) em alguns Estados, não aceitando o juízo criminal competente.

            Por se tratar de assunto sensível, este trabalho resolveu emergir questões controversas, lacunas na doutrina e nos entendimentos corroborados dos mais variados autores que ousaram falar sobre assunto, além de, claro, julgados interessantes para se verificar como decidem nossos magistrados sobre a matéria.  

            O leitor – aqui desde já convidado à leitura – encontrará no elemento textual deste trabalho, inicialmente, um tratado resumido sobre a definição de falência e recuperação judicial, seguido de um breve histórico da evolução penal-social a qual a quebra de empresa passou desde o nascimento do comércio.

            No segundo capítulo, abordaremos as considerações gerais sobre os crimes falimentares, levantando seu conceito, natureza jurídica, sanções penais e outras definições com o fito de melhor caracterizar o ramo penal do Direito Falimentar.

             No terceiro e último capítulo, trazemos à colação o escopo do presente Trabalho, analisando artigo por artigo os crimes falimentares em espécie, do art. 168 usque art. 178 da nova Lei de Falência e Recuperação Judicial.

2 OS INSTITUTOS DA FALÊNCIA E DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL: BENS JURÍDICOS A SEREM PROTEGIDOS

2.1 Conceitos de falência e recuperação judicial

            Para que entendamos o conceito de crimes falimentares, mister se faz entender, inicialmente,  o conceito de Falência e Recuperação Judicial, que serão, a priori, o fim a que se pretendem proteger os tipos penais a serem estudados.

            Com o objetivo de melhor definição dos termos acima, pretendemos dar conhecimento de vários conceitos trazido por importantes doutrinadores e, após o pinçamento das partes mais importantes, elaboraremos o nosso conceito.

2.1.1 Falência

             Para Amador Paes de Almeida (2012, p. 41), a “falência é um processo de execução coletiva contra o devedor empresário ou sociedade empresária insolventes”.

             Assim como Almeida (2012), Amaury Campinho (2002), em seu renomado Manual, faz uma conceituação rumada para um caráter adjetivista da matéria, porém não esquecendo o Direito Material: “falência é a insolvência da empresa comercial devedora que tem o seu patrimônio submetido a um processo de execução coletiva”.

            Waldemar Ferreira (1963), em seu inquestionável Tratado – e de injustificável reedição –, segue a toada dos autores assinalados e mantém firme sua posição processual, afirmando que "a falência é um processo destinado a realizar o ativo, liquidar o passivo e repartir o produto entre os credores, tendo em vista os seus direitos de prioridade, anterior e legitimamente adquiridos”.

            Já Sampaio de Lacerda (1985), em abordagem puramente de Direito Material, portanto substantivo, aduz que:

Falência é, pois, a condição daquele que, havendo recebido uma prestação a crédito, não tenha à disposição, para execução da contraprestação, um valor suficiente, realizável no momento da contraprestação. A falência é por isso um estado de desequilíbrio entre os valores realizáveis e as prestações exigidas.

            Gecivaldo Vasconcelos Ferreira (2005), em prestimoso artigo na internet, arremata a conceituação: “é o processo que, pelo afastamento do devedor de suas atividades, visa a preservar e otimizar a utilização produtiva dos bens, ativos e recursos produtivos, inclusive os intangíveis, da empresa".

            Com as definições apresentadas, observa-se que é difícil, inicialmente, conceituar Falência, mas, mais difícil ainda, é tentar apô-la em uma natureza jurídica única, quer seja substantiva, adjetiva ou administrativa. Por isso, renomados autores, dentre eles Almeida (2012) e Campinho (2002), dizem a Falência ser um instituto sui generis, de natureza jurídica diversa, tanto processual, como material e administrativo.

            A nossa conceituação de Falência, portanto, é ponderada entre os mestres renomados citados: Falência é o instituto processual que visa resguardar, em condições de igualdade, os recebíveis da coletividade de credores de empresa comercial que não consegue responder, com seus ativos, os passivos exigíveis em condições normais.  

2.1.2 Recuperação Judicial

            Amador Paes de Almeida (2012, p. 320) conceitua Recuperação Judicial com o seu objetivo: “recuperar, economicamente, o devedor, assegurando-lhe, outrossim, os meios indispensáveis à manutenção da empresa, considerando a função social desta.” Observa-se que o douto professor faz um amálgama entre a natureza substantiva com um leve caráter administrativista, evocando a função social do instituto.

            O professor Sergio Campinho (apud Westein, 2014), aborda o conceito de Recuperação Judicial da seguinte forma:

um somatório de providências de ordem econômico-financeiras, econômico-produtivas, organizacionais e jurídicas, por meio das quais a capacidade produtiva de uma empresa possa, da melhor forma, ser reestruturada e aproveitada, alcançando uma rentabilidade auto-sustentável, superando, com isso, a situação de crise econômico-financeira em que se encontra seu titular, o empresário, permitindo a manutenção da fonte produtora, do emprego e a composição dos interesses dos credores

            Sampaio de Lacerda (op. cit.), em apertada síntese, mais uma vez, apregoa um caráter adjetivista ao conceito de Recuperação Judicial: “é um ato processual onde o devedor propõe em juízo uma forma mais justa de pagar aos credores para evitar ou suspender a falência”.

            Alessandro Sanchez (2012) conseguiu emergir as três searas da natureza jurídica (material, processual e administrativo) aplicáveis aos conceitos de Falência e Recuperação Judicial numa sintética abordagem:

A recuperação judicial é uma ação que tem por objetivo a superação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.

          Castellani (2008) arremata o conceito:

O instituto da recuperação judicial, nos moldes definidos pela nova lei, pode ser entendido como um conjunto de medidas jurídicas, econômicas, administrativas e organizacionais tendentes a reestruturar e recuperar uma atividade empresarial em crise, mantendo a fonte de produção, de emprego e de interesses dos credores e garantindo, ainda, a preservação da função social da empresa. Aliado a isso, podemos entender a recuperação como medida judicial, de iniciativa exclusiva do devedor, tendente a reunir e renegociar as dívidas do empresário.

       

            Diante do exposto, conceituamos Recuperação Judicial como o conjunto de ações jurídica, administrativa e financeiras que visam à manutenção e à reestruturação de empresa comercial, objetivando a não decretação de sua falência e a perda de sua função social.

2.2 Histórico conciso e evolução penal-social da Falência e Recuperação Judicial

            Em épocas passadas, o devedor respondia por suas obrigações com a a liberdade e até mesmo com a própria vida. Posteriormente, essa responsabilidade pessoal pelas obrigações foi sendo extinta, introduzindo, inicialmente no direito romano, a execução patrimonial, e de lá que encontramos o embrião do instituto da falência. Somente na Idade Média, com a grande expansão do comércio terrestre  e marítimo, disciplinou-se o princípio do concursus creditorum, o atual par conditio creditorum, surgindo efetivamente a falência.

            Na edição do Código Napoleônico, em 1807, reservava a falência ao devedor comerciante, considerando-o um agente delituoso. (OLIVEIRA, 2013)

            No Brasil, interpolou entendimentos sobre a falência. De início, como era comum à época, o falido, mesmo sem ações fraudulentas, era submetido ao processo penal, podendo perder a sua liberdade para pagamento de seus débitos. Do início da proclamação da República até o início da atividade industrial brasileira (nos idos de 1945 a frente), o objetivo da falência era a retirada da empresa nociva do cenário comercial e industrial brasileiro. Com o advento de vultosas indústrias e a busca do pleno emprego, o que se persegue hodiernamente, o objetivo da falência e principalmente da recuperação judicial é o de dar prosseguimento da empresa, garantindo sua função social. 

            Conforme proclama o professor Amador Paes  de Almeida (2012, p.  39),  a expressão falência, do latim fallere, possui uma conotação pejorativa, significando enganar, quebrar um vínculo de confiança. Ainda segundo o autor, empregava-se, também, a expressão bancarrota para designar a falência criminosa. Este termo, que significa “banca quebrada”, teve origem do  costume  da  época  de  se  quebrar  a  banca  onde  o  falido  expunha  suas mercadorias.

            A atual legislação brasileira que trata sobre a matéria, Lei n° 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, regulando a falência, a recuperação judicial e a extrajudicial, assumiu um caráter econômico-social, tendo como farol o princípio da Preservação das  Empresas.  Busca-se, sempre que possível, a manutenção da atividade empresarial, haja vista a sua importância social. Com efeito, as empresas geram empregos, renda, tributos, além de movimentarem a economia, de forma que é preferível a utilização da Recuperação da Empresa, reservando-se a Falência às situações extremas.

            A própria lei apõe sua prioridade no apoio e na recuperação econômica da empresa, principalmente com o instituto da Recuperação Judicial:

Art. 47. A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica. (BRASIL, 2005)

            Manoel Olivencia Ruiz (apud THOMÉ, 2000) arremata, fixando-se ao Princípio da Preservação da Empresa:

A permanência da empresa não é instituto destinado a manter privilégios ou situações favoráveis a alguns em detrimento dos outros, mas trata-se de salvar o viável e não garantir o funcionamento a qualquer custo de organismos inertes que deixam de ser produtivos. Não se aplicará, desta forma, recursos da comunidade em empresas nestas situações, haja vista ser necessário cessar sua atividade residindo aí o interesse público da sua não manutenção

3 CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE CRIMES FALIMENTARES  

3.1 Conceito

            A definição de crimes falimentares é, no escólio de Coimbra (2005), referente aos crimes insculpidos nos arts. 168 a 178 da Lei n° 11.101/05, os quais podem ser praticados tanto pelo devedor, quanto por terceiros, antes ou depois da sentença que decretar a falência, conceder a recuperação judicial ou homologar a recuperação judicial.

            Observa-se que o termo ”crimes falimentares” na atualidade não é o mais apropriado, tendo em vista o ato criminal não ser exclusivo somente ao instituto da falência, podendo recair, também, sobre as recuperações judiciais e extrajudiciais. Importante observação foi a realizada por Almeida (2012, p. 384) quando aduz que a própria lei se importou em trocar o antigo nome por “Disposições Penais”, as quais podem abarcar doravante os ilícitos em tela.

            Concessa venia aos ilustres autores, bem como a própria lei, este trabalho se utiliza da nomenclatura antiga por fins meramente didáticos e pelo próprio costume acadêmico, como obtempera Freitas (2005):

 

A expressão "Crimes Falimentares" foi abolida. A lei refere-se tão-somente a crimes em espécie, afastando-se do modelo anterior, porquanto, agora, há crimes que podem ser cometidos após ou durante a recuperação judicial da empresa, bem antes da sentença declaratória de falência. Contudo, a expressão crimes falimentares é tradicional e deve permanecer em nosso meio, especialmente porque os tipos estão contidos na nova Lei de Falências, a despeito do novo instituto de recuperação judicial. (grifo nosso)

            No respeitante a possibilidade de se punir terceiros, ao invés de somente o devedor, Coimbra (2005) esclarece que “contadores, técnicos, auditores, juiz, representante do Ministério Público, o administrador judicial, o gestor judicial, o perito, avaliador, escrivão, oficial de justiça, leiloeiro, entre outros” também poderão igualmente ser punidos pelos tipos penais a serem estudados mais a frente.

3.2 Natureza jurídica

            Amador Paes de Almeida (2012, p. 383) levanta importante divergência na doutrina sobre a natureza do crime falimentar. Nos ensinamentos de Carvalho de Mendonça (1962) o que há é um crime contra o patrimônio, já Galdino Siqueira (apud op. cit.) o considera um crime contra fé pública e, por fim, e numa abordagem mais atual, Oscar Stevenson (apud op. cit.) julga ser um crime contra a atividade empresarial.

            Coimbra (2005) sintetiza afirmando não haver necessidade de se ter uma taxação tão escorreita da natureza jurídica dos crimes falimentares:

Tal divergência com certeza persistirá com relação aos novos crimes falimentares, sendo que da breve análise que fizemos em relação aos novos tipos penais, pudemos constatar que alguns dos delitos se aproximam dos crimes contra o patrimônio, no caso do patrimônio dos credores. Já alguns dos delitos, podemos considerá-los como crimes contra a Administração da Justiça, ou contra a fé pública, daí porque a divergência doutrinária, pois na verdade os delitos falimentares é uma mistura de crimes que tutelam bens jurídicos diferentes (patrimônio dos credores, patrimônio do próprio falido, fé pública e a administração da justiça).

                        Concordamos com Coimbra, porquanto a Falência e a Recuperação Judicial, desde a sua essência, serem matéria sui generis na sua definição. Se o próprio conceito dos institutos não segue um caminho parametrizado, não se olvidariam os doutrinadores de estabelecer, para os crimes aqui alocados, natureza jurídica também parametrizada.

3.3 Condições de punibilidade

                        Importante menção deve ser feita quanto ao requisito indispensável para que ocorra o crime falimentar: sentença declaratória da falência, ou concessiva de recuperação judicial ou homologatória da recuperação extrajudicial. Sem elas, não há crime.

                        Almeida (2012, p. 384) observa que o próprio dispositivo da Lei n° 11.101/2005 apresenta no seu subtítulo do Capítulo VII que trata de crime de fraude a credores, subtendendo-se, seu pólo ativo, a priori, um devedor empresário ou sociedade empresária.

                        Crepaldi (2008) assevera :

Nenhuma das condutas descritas pela Lei 11.101/2005 é punível, ao menos como crime falimentar, sem que tenha sido decretada a falência, concedida a recuperação judicial ou homologada a recuperação extrajudicial. Esta sentença constitui elemento normativo do tipo quando a conduta só pode ser cometida após sua prolação (habilitação ilegal de crédito, exercício ilegal de atividade ou violação de impedimento), ou condição objetiva de punibilidade quando a conduta pode ser praticada antes da sentença, mas só é punível como crime falimentar se ela for prolatada (fraude a credores, violação de sigilo empresarial e favorecimento a credores).

3. 4 Espécies de delitos falimentares

            Amador Paes de Almeida (2012, p. 386) deixa claro haver quatro espécies de delitos falimentares: próprios, impróprios, pré-falimentares e pós-falimentares.

            Os crimes próprios são os praticados pelo próprio falido, quando declarada sua falência ou decretada recuperação judicial. Os crimes impróprios, segundo orientação do mestre Almeida (2012, p. 386), são “aqueles praticados por outras pessoas que não é o falido, tais como o juiz , o membro do Ministério Público, o administrador, o escrivão, o oficial de justiça ou o leiloeiro, e até mesmo o credor (...)”. Crimes pré-falimentares são os executados anteriormente à falência ou recuperação judicial. O pós, obviamente, no sentido contrário dos pré-falimentares.

3. 5 Sanções penais previstas

            Em análise perfunctória do arts. 168 a 178, da Lei n° 11.101/2005, observamos que o legislador optou por penas de reclusão, detenção e multa, esta sempre cominada com aquelas.

            Não há, como aponta Francisco de Assis Basílio de Moraes (2013, p. 277), uma intenção definida pelo legislador ordinário ao estabelecer penas para os crimes dispostos da nova Lei de Falências. Coimbra (2005) questiona, ainda, face aos princípios intervenção mínima e o da subsidiariedade do Direito Penal, o porquê de se ter insistido com os crimes falimentares, entendendo o Estado dispor de outras formas coercitivas para inibir e controlar empresas, através, por exemplo, do Direito Administrativo, Tributário e, até mesmo, pelo Civil.

            Calha mencionar, também, o recorrente debate sobre se o menor, emancipado para efeitos civis, portanto, apto a ser empresário e à falência, bem como aos crimes a ela pertinentes.

            Resende e Lima (2009) concluem sobre o tema com maestria, invocando a corrente doutrinária majoritária:

(...) alguém que tem a pretensão de se tornar empresário individual não pode estar à margem do campo da responsabilidade penal. Desta forma, a Lei de Falências é uma e, como tal deve ser aplicada. Entendimento distinto acabaria por criar um "limbo" para os emancipados, além das fronteiras legais, onde poderão permanecer impunes até a maioridade penal. Tal situação é inaceitável, visto que a atividade comercial irá influenciar não apenas aqueles que a exercer, mas toda a coletividade. Portanto, com vistas à prevalência do interesse público, não pode ser limitada nem afastada a criminalização das condutas irregulares nas questões falimentares. Por fim, haveria a configuração não de uma forma de incapacidade do menor, mas de mero impedimento, tal como acontece com o magistrado em atividade.


              3. 6 Efeitos da condenação por crime falimentar

            O art. 181 da nova Lei de Falências enumera os possíveis efeitos da condenação por crime falimentar:

Art. 181. São efeitos da condenação por crime previsto nesta Lei:

I – a inabilitação para o exercício de atividade empresarial;

II – o impedimento para o exercício de cargo ou função em conselho de administração, diretoria ou gerência das sociedades sujeitas a esta Lei;

III – a impossibilidade de gerir empresa por mandato ou por gestão de negócio.

§ 1° Os efeitos de que trata este artigo não são automáticos, devendo ser motivadamente declarados na sentença, e perdurarão até 5 (cinco) anos após a extinção da punibilidade, podendo, contudo, cessar antes pela reabilitação penal.

§ 2º Transitada em julgado a sentença penal condenatória, será notificado o Registro Público de Empresas para que tome as medidas necessárias para impedir novo registro em nome dos inabilitados. (BRASIL, 2005)

         

Moraes (2013, pp. 276-277) explica, a cada inciso, controvérsia suscitadas pelo dispositivo.

No inciso I, por exemplo, quando afirma a inabilitação para o exercício da atividade empresarial, o autor aduz que “não quer dizer que o falido não possa ser sócio em uma sociedade simples”.

No inciso II, a controvérsia é o questionamento sobre se o condenado poderá, então, ser presidente ou diretor de empresa pública ou sociedade de economia mista; responde, o ilustre autor, que não há expressamente previsto em lugar alguma a objeção, mas o princípio da moralidade pode dar azo ao veto ao concorrente ao cargo que tenha sido condenado em crime falimentar.

No respeitante ao inciso III, Moraes indaga se o condenado por crime falimentar pode firmar contrato de comissão mercantil ou como representante comercial; entendendo, logo em seguida, que poderá sim atuar, não entendendo qualquer impedimento do condenado.

Requer-se, por fidelização a jurisprudência e à doutrina, citar que os efeitos insculpidos no art. 181 da Lei de Falências não é rol taxativo e, obviamente, no plano concreto veremos vários julgados em que há outros tipos de efeitos, tal qual perdimento de bens, efetuado pela condenação em si e do princípio geral do direito o qual ninguém poderá se beneficiar da própria torpeza, como a parte inicial da ementa abaixo transcrita, por exemplo:

CONFLITO DE COMPETÊNCIA ENTRE JUÍZOS CRIMINAL E FALIMENTAR - PERDA DE BENS, EM FAVOR DA UNIÃO, FRUTOS DO CRIME COMO EFEITO DA SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA TRANSITADA EM JULGADO - DECRETO DE FALÊNCIA DAS EMPRESAS TITULARES DESSES BENS ANTES DO TRÂNSITO EM JULGADO DA SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA - COMPETÊNCIA DO JUÍZO UNIVERSAL DA FALÊNCIA PARA ATOS DE DISPOSIÇÃO E CONSERVAÇÃO DOS BENS DA MASSA FALIDA - CARACTERIZAÇÃO - AÇÃO DE RESPONSABILIDADE CIVIL PREVISTA NA LEI N. 6.024/74 CONTRA EX-ADMINISTRADORES DE INSTITUIÇÃO FINANCEIRA, COM ORDEM DE ARRESTO DE BENS - PROXIMIDADE COM FEITO FALIMENTAR - APLICAÇÃO, MUTATIS MUTANDI, DO PRINCÍPIO DA UNIVERSALIDADE DO JUÍZO DE QUEBRA - NECESSIDADE - COMPETÊNCIA DO JUÍZO FALIMENTAR - CONFIGURAÇÃO - CONFLITO CONHECIDO PARA AFIRMAR A COMPETÊNCIA DO JUÍZO DE FALÊNCIA. (STJ - CC: 76861 SP 2006/0280806-2, Relator: Ministro MASSAMI UYEDA, Data de Julgamento: 13/05/2009, S2 - SEGUNDA SEÇÃO, Data de Publicação: DJe 15/06/2009. Grifo nosso)   

            Ainda nesta toada, Jayme Freitas (2005) faz uma síntese sobre outros possíveis efeitos reluzentes da condenação por crime falimentar:

De se citar, outrossim, os seguintes efeitos penais: a) revogação facultativa ou obrigatória da suspensão condicional da pena ou do livramento condicional anteriormente concedido; b) configuração da reincidência pelo crime posterior; c) aumento do prazo da prescrição da pretensão executória quando caracterizar a reincidência; d) a inscrição do nome do condenado no rol dos culpados; e) é pressuposto da reincidência; f) são suspensos os direitos políticos do condenado (CF, art. 15, III). Alguns efeitos secundários extrapenais podem derivar automaticamente da sentença condenatória por crime falimentar: a) a obrigação de indenizar o dano (CP, art. 91, I); e b) o confisco (art. 91, II). Efeitos não automáticos – dependentes de motivação na sentença - são: a) perda do cargo ou função pública; e b) inabilitação para condução de veículos.

3. 7 Ação penal em crimes falimentares

            Os crimes tipificados na Lei de Recuperação Judicial e Falências, dos arts. 168 a 178, serão julgados no juízo criminal de onde se conheceu a ação de falência ou recuperação, conforme a própria lei aduz:

Art. 183. Compete ao juiz criminal da jurisdição onde tenha sido decretada a falência, concedida a recuperação judicial ou homologado o plano de recuperação extrajudicial, conhecer da ação penal pelos crimes previstos nesta Lei. (BRASIL, 2005)

            Cabe ressaltar que a Lei de Falências anterior mantinha o juízo cível responsável pela falência como competente para receber a denúncia dos crimes ali insculpidos e, após aceitas, os autos iriam para o juízo criminal.

            Há grande embate doutrinário sobre a competência para o julgamento dos crimes falimentares, inclusive, o artigo acima citado ser, conforme suscitam ilustres professores, de desarraigada constitucionalidade, o que foi objeto de estudo de brilhante monografia de Eduardo de Teixeira Araújo (2013). Por um lado, autores da estirpe de Rodolfo Soares dos Reis (2013) e banda doutrinária comercialista patrocinam o juízo cível para a persecução penal dos crimes falimentares. Já não menos importante doutrina, capitaneada por Beatriz Vargas e pelo próprio Araújo (2013) discorrem sobre a supremacia e experimentação prática do juízo criminal em matéria que lhe é afeta, porquanto mais matraqueado com princípios a si congruentes, como o da verdade real, por exemplo, e não contaminados com o processo da falência que lhe malda sem nem mesmo o contraditório na via penal. Conclui o autor:

Desta feita, deve-se zelar pelo processo judicial escorreito em obediência às garantias processuais, verificando as incongruências que perfazem o procedimento, em especial, no que tange o contraditório, a ampla defesa e a imparcialidade do julgador. Princípios esses muitas vezes desprezados em detrimento de valores em nada acurados e de questões repentinas  enviesadas em atecnias jurídicas pela função legiferante do Estado (a exemplo do exaurido e debatido inquérito judicial, qual seria aqui  a mens legislatoris?). É notório que as atecnias e controvérsias na persecução penal falimentar engendram instabilidade no ordenamento jurídico, mormente, por aviltar-se o direito processual. Processo não é mesmo um fim per se, entretanto, é a garantia maior de aplicação da lei e concretização do Estado Constitucional Democrático. Por derradeiro, ressalta-se a preeminência do devido processo constitucional e seus princípios consectários a elidir os excessos da inobservância da lei, impedindo a hipertrofia da punição, em clara guarida ao jurisdicionado em face da conduta desregrada do Estado. Lado outro, enquanto imperativo de tutela, evita-se a proteção deficiente ou a ausência do Estado que deve zelar pela efetividade da lei, apta a produzir concretamente seus efeitos. (ARAÚJO, 2013)

 

  

            Há ainda autores, como Fábio Ulhoa (in: TOMAZETTE, 2011), que defendem que o art. 183 é inconstitucional por discorrer sobre matéria que não lhe é competente, como a organização judiciária – competência do estado. Ricardo Negrão (in: op. Cit.) também é voz ouvida quando afirma que o mandamus da lei é mera faculdade, cabendo a lei de organização judiciária do ente federado destinar a vara especializada que lhe melhor houver para conhecer da matéria.

            Para tentar dirimir o conflito de jurisdição ora mencionado da nova lei, o Superior Tribunal de Justiça tem aceitado o preconizado nos ditames da lei, reverberando, também, o que preconiza a lei estadual, conforme ementas reproduzidas a seguir:

PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINARIO EM HABEAS CORPUS. PRELIMINAR DE INCOMPETENCIA EX RATIONE MATERIAE. JULGAMENTO DE HABEAS CORPUS POR CÂMARA CIVIL DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO. CRIME FALIMENTAR. PREVISÃO REGIMENTAL DE COMPETENCIA DA SEÇÃO CRIMINAL. NULIDADE. I - PREVENDO O REGIMENTO INTERNO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO, INCISO IV, DO ART. 179, COMPETENCIA DE SEÇÃO CRIMINAL, PARA PROCESSAR E JULGAR AÇÕES PENAIS RELATIVAS A CRIMES FALIMENTARES, E NULO E O JULGAMENTO PROFERIDO POR CÂMARA CIVIL, DEVIDO A SUA INCOMPETENCIA EX RATIONE MATERIAE. II - RECURSO PROVIDO. (STJ - RHC: 3623 SP 1994/0014111-4, Relator: Ministro PEDRO ACIOLI, Data de Julgamento: 18/10/1994, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJ 06.02.1995 p. 1373 LEXSTJ vol. 70 p. 344).

 

CRIMINAL. HC. CRIMES FALIMENTARES. NULIDADE. INCOMPETÊNCIA DO JUÍZO FALIMENTAR PARA O PROCESSO E JULGAMENTO DO CRIME DE QUADRILHA. IMPROCEDÊNCIA. CONEXÃO. PRESCRIÇÃO DOS CRIMES FALIMENTARES. DECLARAÇÃO EM SEDE DE RECURSO DE APELAÇÃO. NOVA LEI DE FALÊNCIAS QUE NÃO SE APLICA AOS CASOS ANTERIORES. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO. ORDEM DENEGADA. 1- Em São Paulo, por força da Lei Estadual n.º 3.947/83, firmou-se a competência do juízo universal da falência para o julgamento dos crimes falimentares. 2- O Juízo Universal da Falência detém competência para julgar também os crimes conexos aos falimentares, como o delito de quadrilha praticado pelo acusado e pelos outros co-réus no mesmo contexto daqueles. 3- Evidenciado que no momento da prolatação do decisum condenatório não estava configurada a prescrição, pois o lapso temporal necessário para a configuração do instituto foi ultrapassado somente entre o recebimento da denúncia e a publicação da sentença condenatória, permanecendo a imputação ao réu dos crimes falimentares, reforça-se a competência do Juízo Falimentar para o julgamento do feito também em relação ao crime conexo de quadrilha. 4- As normas procedimentais reguladas na Lei n.º 11.101/05, tais como a disposição do art. 183, em respeito à determinação do art. 192 da norma, somente se aplicam aos casos posteriores à sua vigência. 5- Os temas de direito material penal tratados na nova legislação devem respeitar a retroatividade da lei penal mais benéfica, sendo que, deste modo, as disposições de caráter penal tratadas na Lei n.º 11.101/05, as quais de qualquer modo beneficiem o réu, devem retroagir para atingir casos anteriores à sua vigência. 6- Ordem denegada. (STJ - HC: 85147 SP 2007/0140128-3, Relator: Ministra JANE SILVA (DESEMBARGADORA CONVOCADA DO TJ/MG), Data de Julgamento: 18/10/2007, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJ 05.11.2007 p. 334)

            Na mesma toada, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul determina a competência do juízo criminal em recente julgamento:

CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. CRIME FALIMENTAR. Compete ao juiz criminal da jurisdição onde tenha sido decretada a falência conhecer da ação penal pelos crimes previstos na Lei nº 11.101/05. Conflito julgado procedente. Unânime. (Conflito de Jurisdição Nº 70055237853, Quarta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Aristides Pedroso de Albuquerque Neto, Julgado em 01/08/2013). (TJ-RS - CJ: 70055237853 RS , Relator: Aristides Pedroso de Albuquerque Neto, Data de Julgamento: 01/08/2013, Quarta Câmara Criminal, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 07/08/2013).

            Muito embora jurisprudência dominante – e a própria lei – assevere a atração da competência do juízo criminal para os crimes falimentares, o Tribunal de Justiça de São Paulo, com fulcro em lei estadual, admite tão somente a competência do juízo falimentar para julgar os ilícitos em sede de falência e recuperação judicial:

CONFLITO DE JURISDIÇÃO Crime falimentar Competência do juízo universal da falência Inteligência da Lei Estadual nº 3.947/83, do Parecer nº 653/2005-J - Prot. CG nº 36.366/2005 da E. Corregedoria Geral de Justiça e da Resolução nº 200/2005 do E. Órgão Especial do Tribunal de Justiça - Conflito procedente - Competência do Juízo suscitado. (TJ-SP - CJ: 2990243720118260000 SP 0299024-37.2011.8.26.0000, Relator: Martins Pinto, Data de Julgamento: 14/05/2012, Câmara Especial, Data de Publicação: 16/05/2012).

        

Ainda nesta seara, o STJ reconheceu, mais uma vez, reconheceu a vis atractiva do juízo criminal, mas neste escólio somente quanto aos crimes, não quanto aos seus efeitos, in casu, do das perdas de bens:

CONFLITO DE COMPETÊNCIA ENTRE JUÍZOS CRIMINAL E FALIMENTAR - PERDA DE BENS, EM FAVOR DA UNIÃO, FRUTOS DO CRIME COMO EFEITO DA SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA TRANSITADA EM JULGADO - DECRETO DE FALÊNCIA DAS EMPRESAS TITULARES DESSES BENS ANTES DO TRÂNSITO EM JULGADO DA SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA - COMPETÊNCIA DO JUÍZO UNIVERSAL DA FALÊNCIA PARA ATOS DE DISPOSIÇÃO E CONSERVAÇÃO DOS BENS DA MASSA FALIDA - CARACTERIZAÇÃO - AÇÃO DE RESPONSABILIDADE CIVIL PREVISTA NA LEI N. 6.024/74 CONTRA EX-ADMINISTRADORES DE INSTITUIÇÃO FINANCEIRA, COM ORDEM DE ARRESTO DE BENS - PROXIMIDADE COM FEITO FALIMENTAR - APLICAÇÃO, MUTATIS MUTANDI, DO PRINCÍPIO DA UNIVERSALIDADE DO JUÍZO DE QUEBRA - NECESSIDADE - COMPETÊNCIA DO JUÍZO FALIMENTAR - CONFIGURAÇÃO - CONFLITO CONHECIDO PARA AFIRMAR A COMPETÊNCIA DO JUÍZO DE FALÊNCIA. 1. A decretação da falência carreia ao juízo universal da falência a competência para distribuir o patrimônio da massa falida aos credores conforme as regras concursais da lei falimentar. 2. A ratio essendi do ordenamento jurídico repousa na necessidade de reservar a único juízo a atribuição de gerenciar e decidir acerca de todos os bens sob a titularidade e posse da massa falida. Para tanto, eventuais terceiros prejudicados deverão valer-se dos mecanismos previstos na legislação falimentar, como o pedido de habilitação de crédito, a formulação de pedido de restituição, entre outros. 3. Havendo conflito de competência entre o juízo criminal - que determina a perda de bens em favor da União com base no art. 91, II, do Código Penal após o trânsito em julgado - e o juízo falimentar quanto a atos de disposição dos bens da massa falida, deverá ser prestigiada a vis attractiva do foro da falência, que é - por assim dizer - o idôneo distribuidor do acervo da massa falida. 4. Após o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, momento em que se aperfeiçoará o decreto de perda de bens em favor da União, cumprirá ao juízo falimentar - mediante provocação - indicar quem são os terceiros de boa-fé, que, à luz do art. 91, II, do CP, não poderão ser prejudicados pelo confisco-efeito da condenação penal. 5. A ação de responsabilidade civil prevista na Lei n. 6.024/74 (Lei de Intervenção e de Liquidação das Instituições Financeiras) possui notória interconexão com o feito falimentar, do que dão nota a coincidência do foro competente (art. 46 da Lei n. 6.024/74), a legitimidade ativa do administrador da massa falida (art. 47 da Lei n. 6.024/74) e a finalidade da ação de responsabilidade em obter a condenação dos ex-administradores da instituição financeira com o intuito de incrementar o acervo patrimonial constitutivo da massa falida, tudo em prol do pagamento dos credores da instituição financeira (art. 49 da Lei n. 6.024/74). 6. A acentuada proximidade entre a ação de responsabilidade dos administradores da instituição financeira e o feito falimentar permite que o princípio da universalidade do foro da falência seja, no que couber, aplicado às aludidas ações de responsabilidade. 7. Ao símile do que ocorre no caso da falência, diante de sentença penal posterior à ação de responsabilidade a qual determine, após o trânsito em julgado, a perda dos bens dos ex-administradores em proveito da União, a competência para custodiar esses bens e avaliar se o confisco está ou não prejudicando os terceiros de boa-fé mencionados no art. 91, II, do Código Penal será do r. juízo falimentar. 8. É desinfluente - seja no caso de falência, seja no de ação de responsabilidade - que o eventual sequestro de bens na esfera penal seja anterior à propositura da ação de responsabilidade civil dos ex-administradores ou ao decreto de quebra. 9. Conflito conhecido para declarar a competência do r. juízo falimentar. (STJ - CC: 76861 SP 2006/0280806-2, Relator: Ministro MASSAMI UYEDA, Data de Julgamento: 13/05/2009, S2 - SEGUNDA SEÇÃO, Data de Publicação: DJe 15/06/2009)          

            Observa-se, portanto, que o assunto ainda instiga dúvidas quanto a sua competência, não obstante o STJ já pacificá-la em partes. Acontece que questão insidiosa se obtempera quando da força normativa do art. 183 da nova Lei de Falências e Recuperação de Empresas, a qual, no plano da eficácia, esbarra na Constituição Federal e à competência do estado de organizar sua matéria procedimental processual. Aguardemos o Supremo Tribunal Federal se pronunciar sobre o assunto.

4 CRIMES FALIMENTARES EM ESPÉCIE

4.1 Introdução

            Após analisarmos toda matéria propedêutica referente aos crimes falimentares, chegamos ao objetivo-fim deste Trabalho, quer seja o de discorrer sobre os crimes falimentares em espécie.

            Para melhor explicar a matéria relacionada, ousaremos em citar jurisprudências atuais, com o fito de verificar o que os nossos tribunais estão decidindo sobre os crimes falimentares, além de que disporemos de farta doutrina para melhor entender o assunto suscitado.

4. 2 Fraude a credores

 Art. 168. Praticar, antes ou depois da sentença que decretar a falência, conceder a recuperação judicial ou homologar a recuperação extrajudicial, ato fraudulento de que resulte ou possa resultar prejuízo aos credores, com o fim de obter ou assegurar vantagem indevida para si ou para outrem.

Pena – reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa.

 Aumento da pena

§ 1° A pena aumenta-se de 1/6 (um sexto) a 1/3 (um terço), se o agente:

I – elabora escrituração contábil ou balanço com dados inexatos;

II – omite, na escrituração contábil ou no balanço, lançamento que deles deveria constar, ou altera escrituração ou balanço verdadeiros;

III – destrói, apaga ou corrompe dados contábeis ou negociais armazenados em computador ou sistema informatizado;

IV – simula a composição do capital social;

V – destrói, oculta ou inutiliza, total ou parcialmente, os documentos de escrituração contábil obrigatórios. (BRASIL, 2005)

      

           Trata-se do art. 168 da nova Lei de Falências, o qual, conforme Coimbra (2005) – reproduzida in totum por Moraes (2013) –, “praticamente repete a figura do crime de falência fraudulenta, tipificado na lei anterior no art. 187, entretanto com a pena exasperada, pois enquanto a lei anterior estabelecia uma pena de reclusão de 01(um) a 04 (quatro) anos, na nova lei, a sanção é de 3 (três) a 6 (seis) anos de reclusão e multa”.

            O núcleo da conduta típica é praticar, sujeitando-se às condições temporais de: antes ou depois da sentença que decretar a falência, antes ou depois da sentença que conceder a recuperação judicial e antes ou depois da sentença que homologar a recuperação extrajudicial. Dentro deste estribo, o núcleo deve avocar ato fraudulento de que resulte prejuízo aos credores, com o especial fim de agir em detrimento de credores, com o fim de obter ou assegurar vantagem indevida para si ou para outrem.

            Moraes (2013, p. 280) menciona que “para quem adota a teoria formal-objetiva não caberá tentativa, porque há consumação com a simples possibilidade de ocorrer o resultado. Para quem adota a teoria subjetivo-objetiva, caberá a tentativa”.

            O sujeito ativo poderá ser o empresário falido ou em recuperação judicial, relembrando que a sentença que decreta a falência é conditio sine qua non para incorrer em crime falimentar, se não poderá ser o crime de estelionato (art. 171 do Código Penal). Coimbra (2005) recorda, ainda, que

conforme disciplina o § 3° do artigo em comento quando trata do concurso de pessoas: "Nas mesmas penas incidem os contadores, técnicos contábeis, auditores e outros profissionais que, de qualquer modo, concorrerem para as condutas criminosas descritas neste artigo, na medida de sua culpabilidade".

            O mesmo autor (op. cit.) ainda rememora que “no caso das sociedades, os sócios, diretores, gerentes, administradores e conselheiros, de fato ou de direito, bem como o administrador judicial, também poderão responder pelo delito do art. 168, por força do teor do art. 179”.

            Trazemos a colação, o julgado Tribunal de Justiça de Santa Catarina que acatou Habeas Corpus para trancar ação penal, tendo em vista revogação de sentença que decretou a falência de empresa, condição objetiva da ação penal falimentar em face de seus sujeitos ativos:

HABEAS CORPUS. FRAUDE A CREDORES (ART. 168, CAPUT, DA LEI. 11.101/05). TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL PELO NÃO PREENCHIMENTO DE CONDIÇÃO OBJETIVA DE PUNIBILIDADE. REVOGAÇÃO DA SENTENÇA QUE DECRETOU A FALÊNCIA. REGRAMENTO INSCULPIDO NO ART. 180 DA LEI 11101/2005. CONSTRAGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. ORDEM CONCEDIDA PARA TRANCAR A AÇÃO PENAL. EXTENSÃO DOS EFEITOS AOS CORRÉUS NA FORMA DO ARTIGO 580 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. (TJ-SC - HC: 20130622552 SC 2013.062255-2 (Acórdão), Relator: José Everaldo Silva, Data de Julgamento: 30/09/2013, Primeira Câmara Criminal Julgado)

            O elemento subjetivo é o dolo, alardeado pelo termo “com o fim de” gravado no caput da lei.

            A conduta é comissiva, podendo ser aceito, a nosso ver, a omissão dolosa, punível nos mesmos termos do crime comissivo.

4. 2. 1 Causas de aumento da pena

            Visando aproveitar a rubrica da fraude a credores, o legislador ordinário resolveu incluir, na forma de aumento de pena , de 1/6 (um sexto) a 1/3 (um terço), as circunstâncias agravantes específicas de:

I – elabora escrituração contábil ou balanço com dados inexatos;

II – omite, na escrituração contábil ou no balanço, lançamento que deles deveria constar, ou altera escrituração ou balanço verdadeiros;

III – destrói, apaga ou corrompe dados contábeis ou negociais armazenados em computador ou sistema informatizado;

IV – simula a composição do capital social;

V – destrói, oculta ou inutiliza, total ou parcialmente, os documentos de escrituração contábil obrigatórios. (BRASIL, 2005)

            Reproduziremos, abaixo, um interessante julgado em que o réu alega haver abolitio criminis de figura penal disposta na lei anterior de falências, e o egrégio STJ não acatou a tese e nos trouxe a ementa da lavra do eminente relator Napoleão Nunes Maia Filho, ilustre cearense de Limoeiro do Norte:

RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. RECORRENTES DENUNCIADOS PORCRIMES FALIMENTARES: FALSIFICAÇÃO DE ESCRITURAÇÃO OBRIGATÓRIA E OMISSÃO DE LANÇAMENTO QUE DELA DEVERIA CONSTAR OU LANÇAMENTO FALSO (ART. 188, VI E VII DO DL 7.661/45). ABOLITIO CRIMINIS NÃO VERIFICADA. FIGURAS PENAIS DESCRITAS NA DENÚNCIA QUE, EM TESE, FORAM MANTIDAS PELA LEI DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL E EXTRAJUDICIAL E FALÊNCIA (ART. 168, § 1o.., I E II DA LEI 11.105/05). NÃO OCORRÊNCIA DA PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA. INADMISSIBILIDADE DE COMBINAÇÕES DE LEIS SUCESSIVAS. PRECEDENTES DO STJ. ANÁLISE DA PRETENSÃO À LUZDE CADA UMA DAS NORMAS. DL 7.661/45: DECLARAÇÃO DA FALÊNCIA EM 04.06.99. PRAZO DE 2 ANOS PARA O ENCERRAMENTO DO PROCESSO (ART. 132,§ 1o. DO DL 7.661/45). INÍCIO DO PRAZO PRESCRICIONAL DE 2 ANOS EM04.06.01 (ART. 199 DO DECRETO-LEI 7.661/45 E ENUNCIADO SUMULAR 147DO STF). RECEBIMENTO DA DENÚNCIA EM 14.11.02, INTERROMPENDO O PRAZO PRESCRICIONAL. PRESCRIÇÃO QUE TAMBÉM NÃO SE VERIFICA SE APLICADA NA ÍNTEGRA A NOVA LEGISLAÇÃO (LEI 11.105/05), VISTO QUE A PENA COMINADAEM ABSTRATO É DE 3 ANOS DE RECLUSÃO (ART. 168, CAPUT DA LEI11.105/05), PRESCREVENDO EM 8 ANOS, A PARTIR DA DECRETAÇÃO DAFALÊNCIA, OCORRIDA EM 04.06.99 (ART. 182 DA LEI 11.105/05 C/C ART. 109, IV DO CPB). PARECER DO MPF PELO NÃO PROVIMENTO DO RECURSO.RECURSO ORDINÁRIO DESPROVIDO. 1. As condutas supostamente praticadas pelos recorrentes-falsificação de escrituração obrigatória e omissão de lançamento ou lançamento falso - estão, em tese, previstas pela Lei de Recuperação Judicial e Extrajudicial e Falência (11.101/05); daí que não há falar em abolitio criminis. 2. Firme é o entendimento desta Corte Superior quanto à impossibilidade de combinação de leis sucessivas, resultando na criação de lex tertia não prevista pelo legislador, devendo ser analisada as condições específicas de cada norma, permitindo-se ao recorrente beneficiar-se daquela disposição que mais lhe favoreça,seja a novel legislação seja aquela já revogada. (STJ   , Relator: Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, Data de Julgamento: 04/02/2010, T5 - QUINTA TURMA)

            Importa mencionar que o caput do art. 168 não expôs um termo específico, podendo abranger uma grande quantidade de ilícitos, bastando-se para tanto se aprumar aos seus condicionamentos estribados. A enumeração taxativa a que perfaz o artigo citado é talhada no seu § 1°, o qual discrimina em seus incisos fatos que considera, obtemperadamente, mais graves. É o mesmo expediente utilizado no Código Penal de 1940 que, com termos abrangentes, deixa ao crivo do juiz azeitar o ilícito cometido ao subjetivismo da norma.

4. 2. 2 Contabilidade paralela

            O § 2° é uma agravante de até 1/3 (um terço) até a metade da pena, caso a ação do delinqüente sujeitou sua ação a mantença ou movimentação de recursos ou valores paralelamente à contabilidade exigida pela legislação. Caso típico do comumente chamado “caixa-dois”.

4. 2. 3 Concurso de pessoas

             Aduz o § 3° do art; 168 da nova Lei de Falências que “nas mesmas penas incidem os contadores, técnicos contábeis, auditores e outros profissionais que, de qualquer modo, concorrerem para as condutas criminosas descritas neste artigo” (BRASIL, 2005).

            É o caso explicado quanto ao sujeito ativo dos crimes falimentares, conforme dito alhures.

4. 2. 4 Redução ou substituição da pena

            O legislador ordinário houve por bem privilegiar o crime insculpido no art. 168 para microempresários ou empresário responsáveis por empresa de pequeno porte, condicionado a redução ou substituição da pena restritiva de liberdade por restritiva de direitos.

            A redução – de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços) – é medida de política criminal, na qual poderá vir a tolher a livre iniciativa do pequeno empresário, o pequeno empreendedor, que, sob a ótica legislativa, não se pode comparar com o grande empresário, que possui mais patrimônio e meios para evitar sua quebra. Por vezes, é sabido, o pequeno empresário pratica certo crime falimentar por um estado de necessidade realmente, dada sua hiposuficiência de bem administrar sua empresa, clarividente que sem levar em conta seu animus delicti de fraude a credor.

            Neste entendimento, acompanho o entendimento de Luis Silva (2005):

 Ao verificarmos este tratamento díspare em relação às demais empresas excluídas da redação do § 4.º supra citado, constatamos, em rara ocasião, a preocupação legislativa com o princípio da proporcionalidade penal. O impacto social e o capital de giro destas empresas é menor e, portanto, proporcionais devem ser as penas aplicadas ao microempresário devedor que não possui habitualidade na prática de condutas fraudulentas.

            Para exemplificar o quantum diminuído de uma pena, substituída, in casu, por uma restritiva de direito, trago a colação extrato da sentença do Dr Edilson Enedino das Chagas, Juiz de Direito do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, em sentença prolatada em 4 de abril de 2011:

Das circunstâncias judiciais, presente a culpabilidade, pois os sócios de sociedade empresária, pela boa-fé objetiva comum entre seus fornecedores (também empresários), tem a nítida noção dos riscos da atividade e dos prejuízos comuns ao trespasse irregular do estabelecimento empresarial, pois o estabelecimento empresarial (conjunto de bens corpóreos ou incorpóreos) em última análise se avizinha como a garantia possível de obrigações pendentes; circunstâncias comuns à espécie; nada de desabonador em relação à personalidade do agente e consequências inerentes ao tipo penal. Em razão disso, fixo a pena-base em 03 (três) anos de reclusão e 10 (dez) dias-multa. Apesar da atenuante da confissão, e sem a concorrência de agravantes, mantenho a pena inalterada, pois fixada no mínimo legal (Súmula 231 do STJ). Na terceira fase da dosimetria, tendo em vista tratar-se de falência de EPP, tenho o sentenciado, como ex empregado e pessoa diretamente interessada na continuação do empreendimento, merece a diminuição de pena descrita no § 4º, do art. 168, da Lei 11101/05, razão pela qual reduzo as sanções em 2/3 (dois terços), para torná-las definitivas, quanto ao tipo penal em epígrafe, em 01 (um) ano de reclusão e 03 (três) dias-multa. Fixo como regime inicial de cumprimento de pena, o ABERTO, com fulcro no art. 33, § 2º, alínea c, do CP. Presentes os requisitos objetivos e subjetivos do art. 44, do CP, substituo a pena restritiva de liberdade, por uma restritiva de direito, a ser pormenorizadas pelo Juízo da VEPEMA. Após o trânsito em julgado da presente, lancem os nomes dos ora sentenciados no rol dos culpados. Custas pelos ora condenados. Providenciem-se as devidas cartas de guia e as baixas de estilo, inclusive em relação ao INI. Dê-se vista. Brasília - DF, terça-feira, 04/10/2011 às 16h58. Edilson Enedino das Chagas, Juiz de Direito. (Nº 163609-6/10 - Ação Penal - A: MINISTÉRIO PÚBLICO DO DISTRITO FEDERAL E TERRITÓRIOS. Adv (s).: DF123321 - MINISTÉRIO PÚBLICO. R: JOSELENE ALMEIDA VIEIRA DE ANDRADE e outros. Adv (s).: DF012017 - NARCISO CAMILO DE ANDRADE. R: ANDERSON BOSCO NOGUEIRA DE ANDRADE. Adv (s).: DF012017 - NARCISO CAMILO DE ANDRADE. R: ANSELMO ZARUR NOGUEIRA DE ANDRADE. Adv (s).: DF012017 - NARCISO CAMILO DE ANDRADE. Grifo nosso.)     

4. 3 Violação de sigilo empresarial

            O art. 169 da Lei 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, assim expõe o seguinte crime:

Art. 169. Violar, explorar ou divulgar, sem justa causa, sigilo empresarial ou dados confidenciais sobre operações ou serviços, contribuindo para a condução do devedor a estado de inviabilidade econômica ou financeira:

Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa. (BRASIL, 2005)

            O fato incriminado alberga vários núcleos, quer seja violar, expressar ou divulgar. Neste miolo, condiciona-se o resultado da ação principal se foi sem justa causa e se o foi contra o sigilo empresarial ou sobre dados confidenciais sobre operações e serviços, calhando na contribuição para a condução do devedor a estado de inviabilidade econômica ou financeira.

            O brocardo nullum crime sine lege stricta aqui cabe perfeitamente, conforme observação de Moraes (2013, p. 284): na primeira condição, “sem justa causa”, se houver causa que justifique a violação, exploração e divulgação, não haverá crime; na segunda condição, tratando de “sigilo empresarial ou dados confidenciais sobre operações ou serviços”, se for dados de outra natureza, não se trata de crime falimentar.

            Coimbra (2005) explica a novidade do crime em tela:

Este delito não encontra correspondência em nenhum dos delitos revogados, na antiga lei de falência, tratando-se então de novatio legis incriminadora, que não pode atingir àqueles que praticaram tal conduta na vigência da lei anterior. Entretanto caso não haja a decretação da falência ou a concessão da recuperação judicial ou extrajudicial, pode caracterizar algum dos delitos previsto no código penal, entre eles podemos citar os crimes previstos nos arts. 153 e 154, do CP, respectivamente os crimes de violação de segredo ou violação do segredo profissional, conforme o caso concreto.

            O bem jurídico a que se pretende proteger é a inviolabilidade do sigilo empresarial, porquanto não pode ser revelado sem que tenha causa que lhe dê azo.

            O sujeito ativo, vale mencionar, é qualquer pessoa e o passivo poderá ser exclusivamente empresário individual ou a sociedade empresária.

            O elemento subjetivo é o dolo, conforme parte final do artigo que prescreve o fim de contribuir para a condução do devedor a estado de inviabilidade econômica e financeira. Caso a ação seja realizada a título de culpa, o fato não é punível.

            Aqui, mais uma vez, recai o estudo da possibilidade da tentativa. “Para quem adota a teoria formal-objetiva caberá tentativa nos núcleos do tipo ‘violar’, ‘explorar’ ou ‘divulgar’, porque há possibilidade de o resultado ser evitado. Para quem adota a teoria subjetivo-objetiva também caberá tentativa” (MORAES, 2005, p. 285)

4. 4 Divulgação de informações falsas

             Promulgado o art. 170, que diz:

Art. 170. Divulgar ou propalar, por qualquer meio, informação falsa sobre devedor em recuperação judicial, com o fim de levá-lo à falência ou de obter vantagem:

Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa. (BRASIL, 2005)

           Sob o seu enfoque, o artigo em tela nos traz dois núcleos de importante significado: divulgar e propalar. Divulgar é expor, tornar público e fazer com que o máximo de pessoas tome conhecimento. Propalar não deixa de ser divulgar, mas aqui se entende com uma abrangência maior, por meios maiores de divulgação.

            O ilícito condiciona a pena a quem divulga ou propala informação falsa sobre devedor em recuperação judicial, com o fito de levá-lo à falência ou obter vantagem. Requer, o tipo penal, que a informação seja falsa, mentirosa, cabendo, se necessário for, a prova da verdade.

            O sujeito ativo poderá ser qualquer um do povo. O sujeito passivo, ao contrário do que pensa Moraes (2013, p. 286), é a empresa, strictu sensu seu devedor, que deve estar com sua sentença de recuperação judicial decretada. Por inteligência do princípio da nullum crime sine lege stricta, não devemos levar aos efeitos da pena, quem o faz contra devedor em recuperação extrajudicial, porquanto não citada no artigo. 

            O elemento subjetivo mais uma vez é o dolo, o animus de levar a empresa em recuperação judicial à bancarrota, satisfazendo sua medincância de ver empresa imergindo ainda mais.

             Insta mencionar que só se configura o crime realizado durante a recuperação judicial, caso não tenha sido decretada, ou se já o foi decretada e evoluída para falência, ou se a empresa já se recuperou, não há crime, caso o agente haja de acordo com a conduta exposta.

4. 5 Indução a erro

Art. 171. Sonegar ou omitir informações ou prestar informações falsas no processo de falência, de recuperação judicial ou de recuperação extrajudicial, com o fim de induzir a erro o juiz, o Ministério Público, os credores, a assembléia-geral de credores, o Comitê ou o administrador judicial:

Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa. (BRASIL, 2005)

            Conforme se observa na letra lei, o legislador ordinário resolveu punir quem sonega, omite ou presta informações falsas no processo de falência, de recuperação judicial ou de recuperação judicial, com o especial fim de induzir ao erro juiz, o Ministério Público, os credores, a assembléia geral de credores, o Comitê ou o administrador judicial.

            Trata-se de novatio legis em relação a lei anterior, que não dispunha de crime de idêntico teor, mas é “parente próximo”, nos dizeres de Moraes (2013, p. 287), do delito de Fraude Processual, previsto no art. 347 do Código Penal.

            Qualquer um do povo poderá ser sujeito ativo do crime em tela, com exceção do réu no processo falimentar, pela cognoscência do princípio pelo qual ninguém é obrigado a produzir prova contra si mesmo, corolário do direito ao silêncio, estabelecido rol de direitos e garantias fundamentais da constituição da República. Como sujeito passivo, encontra-se numerus clausus no próprio artigo: o juiz, o Ministério Público, os credores, a assembléia-geral de credores, o Comitê ou o administrador judicial.

            O dolo é o elemento subjetivo do crime, em especial a vontade de induzir ao erro, que deverá ficar latente quando da observação do fato criminoso. Para ilustrar, temos esse julgado de 2012, que absolve o réu do crime do art. 171, tendo em vista não haver o elemento subjetivo caracterizado:

Ademais, entendo que a norma incriminadora do artigo 171 da lei em referência exige dolo específico consistente na vontade livre e consciente do agente de induzir a erro o juiz, o Ministério Público, os credores, a assembleia geral de credores, o Comitê ou o administrador judicial, não havendo nos autos informações de que a autoridade judiciária competente para a análise do pedido de recuperação judicial, o Ministério Público ou qualquer credor tenha constatado qualquer manobra fraudulenta por parte dos investigados, sendo certo que a BBA NORDESTE não consta da relação de credores que instrui o referido pedido. No caso em comento, observo que tal elemento subjetivo (fim de induzir em erro tais pessoas) não restou caracterizado nos autos, não havendo, portanto, que se falar em crime de indução a erro exatamente por atipicidade da conduta. Sob tal diapasão, posicionamento de Nucci: Elemento subjetivo do tipo: é o dolo. Não se pune a forma culposa. Exige-se o elemento subjetivo específico, consistente em ¿induzir a erro, o juiz, o Ministério Público, os credores, a assembleia-geral de credores, o Comitê ou o administrador judicial. (PROCESSO: 00045142820118140201 Ação: Inquérito Policial em: 08/11/2012 AUTOR:APURACAO VÍTIMA:A. AUTOR: ANTONIO MARTINS GOMES. PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PARÁ COMARCA DA CAPITAL GABINETE DA 1ª VARA PENAL DO DISTRITO DE ICOARACI PROCESSO Nº 0004514-28.2011.814.0201 AUTOS DE INQUÉRITO POLICIAL INSTAURADO PARA APURAR CRIMES FALIMENTARES. PEDIDO DE ARQUIVAMENTO FORMULADO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARÁ. INDICIADO: EM APURAÇÃO. VÍTIMA: EM APURAÇÃO.)

4. 6 Favorecimento de Credores

            O art. 172 da nova Lei de Falências assim expõe o crime de favorecimento de credores:

Art. 172. Praticar, antes ou depois da sentença que decretar a falência, conceder a recuperação judicial ou homologar plano de recuperação extrajudicial, ato de disposição ou oneração patrimonial ou gerador de obrigação, destinado a favorecer um ou mais credores em prejuízo dos demais:

Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.

Parágrafo único. Nas mesmas penas incorre o credor que, em conluio, possa beneficiar-se de ato previsto no caput deste artigo. (BRASIL, 2005)

            Trata-se de crime recorrente em nossa atualidade, porquanto quando o empresário se vê em situação pré-falência, buscando satisfazer pelo menos a um credor de importância maior, quando não, na maioria das vezes, tratar-se de parente próximo, dispõe do patrimônio da empresa ou, vislumbrando a bancarrota próxima, geram ainda mais obrigações para a empresa.

            O núcleo do ilícito é a prática de ato de disposição, oneração patrimonial ou gerador de obrigação, condicionado ao período antes ou depois de decretado a falência ou recuperação judicial ou extrajudicial, com especial fim de favorecer um ou mais credores, ferindo o princípio do par conditio creditorum.

            Vidal, em artigo eletrônico, recomenda ser um crime de dano:

O crime é de dano, exigindo o prejuízo dos demais credores, pela diminuição do numerário, subtraído ao concurso de credores e pode ser praticado pelo devedor como por outras pessoas, p. ex., o administrador judicial que, em violação ao art. 113 da Lei n. 11.101\2005, aliena bens da massa, sem autorização judicial, preferindo determinado credor, com os recursos obtidos. O dispositivo alcança o credor beneficiado com o favorecimento e está endereçado, sobretudo, ao ‘desvio do ativo’ praticado antes da sentença de falência ou da concessão da recuperação judicial ou extrajudicial. (2005)

                    

            Há que haver, conforme ensinamento de Moraes (2013), a ocorrência do prejuízo ou a possibilidade do prejuízo, caso a tentativa foi aceita, o que é amplamente aceito pela doutrina e jurisprudência.

            O sujeito ativo é o empresário devedor, sendo a sociedade, os seus sócios. Cabe culpa, também, ao Administrador Judicial, caso disponha ou onere patrimônio da empresa em recuperação. No pólo passivo encontram-se os credores.

4. 7 Desvio, ocultação ou apropriação de bens

            Em consonância com o artigo anterior, o crime em estudo é recorrente nos dias atuais, conforme se observa na lei:

Art. 173. Apropriar-se, desviar ou ocultar bens pertencentes ao devedor sob recuperação judicial ou à massa falida, inclusive por meio da aquisição por interposta pessoa:

Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa. (BRASIL, 2005)

            Vidal (2005) explica cada núcleo de ação a ser praticada:

No desvio, o agente dá à coisa destino diverso daquele para o qual ela lhe foi entregue. Não há necessidade, assim, de que o agente tenha o ânimo de apropriação. Nessa hipótese (apropriação), o agente procura incorporar, no seu patrimônio, o patrimônio alheio. Ele inverte o título da posse. Na modalidade típica de ocultação, o agente coloca a coisa fora do alcance da massa ou dos demais credores.

            O crime em comento é correspondente com delito da lei anterior de falências, divergindo na pena cominada, que passou de 1 (um) a 3 (três) anos para 2 (dois) a 4 (quatro) anos de reclusão, tratando-se de novatio legis in pejus.

            A condição interposta pelo ilícito aludido requer que a apropriação, desvio ou ocultação de bens seja de bens pertencentes ao devedor sob a recuperação judicial ou à massa falida, Moraes (2013) assevera: “se o sujeito ativo praticar a conduta na recuperação extrajudicial, e não se enquadra em outro artigo da legislação especial penal ou do CP, não será crime”.

            “O sujeito ativo pode ser qualquer pessoa que tenha a posse (guarda, depósito, penhor ou retenção) dos bens do devedor sob recuperação judicial, ou bens da massa falida” (MORAES. 2013, p. 290). Já o sujeito passivo é a coletividade de credores.

            O dolo que visa abocanhar alguma vantagem dos bens do falido, até mesmo por terceira pessoa interposta, é o elemento subjetivo da conduta, devendo ficar evidente no crime cometido, sob o acinte de não haver a justa causa penal, de acordo com jurisprudência recente da sexta turma STJ:

PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. CRIMES FALIMENTARES. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. FALTA DE JUSTA CAUSA. DENÚNCIA. INÉPCIA. RECEBIMENTO DA INCOATIVA. MOTIVAÇÃO. DEFICIÊNCIA NA INSTRUÇÃO. AUSENTE DOCUMENTAÇÃO COMPROBATÓRIA NOS AUTOS. DESVIO DE BENS. ROL DOS ITENS. SUPOSTA INEXISTÊNCIA. EXAME APROFUNDADO DO CONTEXTO FÁTICO-PROBATÓRIO. NECESSIDADE. MATÉRIA INCABÍVEL NA VIA ELEITA. RECURSO DESPROVIDO. 1. Na espécie, deixou-se de proceder à demonstração, mediante documentação comprobatória suficiente, da tese elencada pela defesa, eis que ausentes a cópia integral da exordial acusatória, bem como do contrato social da empresa, visto tratar-se de crime falimentar, não sendo possível apurar, portanto, qualquer ilegalidade na incoativa, nem mesmo acerca do preenchimento dos requisitos elencados no artigo 41 do Código de Processo Penal. 2. Impende ressaltar que cabe ao impetrante a escorreita instrução do habeas corpus, bem assim do subsequente recurso ordinário, indicando, por meio de prova pré-constituída, o alegado constrangimento ilegal. 3. Não obstante a menção defensiva de que não se afigura presente o rol dos supostos bens desviados, a dar supedâneo a imputação de desvio de bens, digressões outras, diversas do entendimento adotado pelas instâncias de origem, demandam inexoravelmente revolvimento de matéria fático-probatória, não condizente com a via angusta, devendo, pois, serem avaliadas pelo Juízo a quo por ocasião da prolação da sentença, após a devida e regular instrução criminal, sob o crivo do contraditório. 4. Recurso a que se nega provimento. (STJ - RHC: 31538 SP 2011/0278381-6, Relator: Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Data de Julgamento: 20/03/2014, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 09/04/2014)

4. 8 Aquisição, recebimento ou uso ilegal de bens

174. Adquirir, receber, usar, ilicitamente, bem que sabe pertencer à massa falida ou influir para que terceiro, de boa-fé, o adquira, receba ou use:

Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa. (BRASIL, 2005)  

            Os núcleos da ação são adquirir, receber, usar ou influir, sendo as condicionantes: ilicitamente, bem que sabe pertencer à massa falida. Portanto, de imediato insta mencionar que só cabe o crime aqui preconizado se houve as condutas de forma ilícita, bem como saber que o bem, ou o patrimônio pertença à massa falida.

            Não é crime se, por exemplo, se o bem pertencer a empresária em recuperação judicial ou extrajudicial.

            Vidal (2005) em importante síntese arremata:

Por sua vez, aquele que recebe, adquire ou usa, ilicitamente, bem que sabe pertencer à massa falida ou influir para que terceiro, de boa-fé, o adquira, receba ou use, incorre no art. 174 da Lei n. 11.101\2005. Trata-se de uma receptação especial, a qual se acrescentou a modalidade do uso de bem pertencente á massa falida. O crime é material, de dano, podendo ser cometido por qualquer pessoa. Se o devedor se apropria de bem pertencente à massa (um veículo, p. ex.), o uso posterior constitui-se em ‘post factum’ impunível.

4. 9 Habilitação ilegal de crédito

            Visando dar guarida ao instituto da falência e recuperação judicial, mais ainda no que se refere ao seu procedimento, o legislador houve por bem proteger o ato de habilitação de créditos, em face de agentes que conturbam, sob o deslinde da lei, de importante mecanismo para a execução do par conditio creditorum.

            O art. 175 veio escrito dessa forma:

Art. 175. Apresentar, em falência, recuperação judicial ou recuperação extrajudicial, relação de créditos, habilitação de créditos ou reclamação falsas, ou juntar a elas título falso ou simulado:

Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa. (BRASIL, 2005)

            Aqui se vê um autêntico crime de falso ou de estelionato, a depender do caso. O crime é formal e de perigo, consumando-se com a apresentação da relação ou habilitação de créditos ou reclamação falsas ou com a juntada do título falso ou simulado, independente da ocorrência do efeito desejado pelo agente (VIDAL, 2005).

            Coimbra (2005) complementa: “a falsidade dos títulos, deve ser convicente e idônea para enganar, pois caso contrário, se for grosseira, não configura o delito. Aliás, tratar-se-ia de crime impossível (objeto absolutamente impróprio), previsto no art. 17 do CP”.

            O sujeito ativo do crime pode ser qualquer pessoa que participe da habilitação de créditos, ou que queira participar, com exceção do devedor, do falido ou suas equiparações dispostas no art. 179 da nova Lei de Falências.

4.10 Exercício ilegal de atividade

Art. 176. Exercer atividade para a qual foi inabilitado ou incapacitado por decisão judicial, nos termos desta Lei:

Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa. (BRASIL, 2005)

            O artigo supracitado aduz o núcleo exercer sujeitado à condicionante de “atividade para a qual foi inabilitado ou incapacitado por decisão judicial, nos termos desta Lei”.

            Como se observa, a condicionante requer uma decisão judicial que tenha inabilitado ou incapacitado o agente, sob os ditames da Lei 11.101/05.

Constitui-se em efeito da condenação, por crime previsto na própria lei, a inabilitação para o exercício de atividade empresarial, o impedimento para o exercício de cargo ou função em conselho de administração, diretoria ou gerência das sociedades sujeitas à Lei n. 11.101\2005, e, bem assim, a impossibilidade de gerir empresa por mandato ou por gestão de negócio (art. 181). Se o sentenciado viola o impedimento judicialmente determinado, comete o crime em questão. (VIDAL, 2005)

4. 11 Violação de impedimento

            O art. 177 tem, em suas letras, impedimento expresso de alguns agentes para sua aquisição:

Art. 177. Adquirir o juiz, o representante do Ministério Público, o administrador judicial, o gestor judicial, o perito, o avaliador, o escrivão, o oficial de justiça ou o leiloeiro, por si ou por interposta pessoa, bens de massa falida ou de devedor em recuperação judicial, ou, em relação a estes, entrar em alguma especulação de lucro, quando tenham atuado nos respectivos processos:

Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa. (BRASIL, 2005)

            A violação de impedimento ao que artigo aduz é no respeitante ao núcleo adquirir e sub-núcleo entrar em alguma especulação de lucro, elencando, daí, um rol de possíveis agentes que porventura tenham participado do processo e, seguramente, tenham informações privilegiadas, desfigurando uma real concorrência.

            O dispositivo penal defende a moralidade da justiça, no sentido de que as pessoas que funcionam em determinados processos desempenhem seus deveres desinteressada e profissionalmente (VIDAL, 2005).

            Coimbra complementa com os seguintes termos:

O legislador, primeiramente, quis assegurar (dar maior garantia) aos direitos dos credores (futura satisfação de seus créditos), impedindo dessa forma que as pessoas relacionadas acima, adquiram por preso vil os bens da massa falida ou do devedor em recuperação judicial. Também são protegidos todos os interesses das demais pessoas envolvidos na falência ou recuperação judicial, especialmente a Administração da Justiça e a Fé Pública. (2005).

4. 12 Omissão de documento contábeis obrigatórios

            Estamos diante do único crime com pena em abstrato de detenção, prevendo-a de 1 (um) a 2 (dois) anos. Eis o que regula o tipo penal:

Art. 178. Deixar de elaborar, escriturar ou autenticar, antes ou depois da sentença que decretar a falência, conceder a recuperação judicial ou homologar o plano de recuperação extrajudicial, os documentos de escrituração contábil obrigatórios:

Pena – detenção, de 1 (um) a 2 (dois) anos, e multa, se o fato não constitui crime mais grave. (BRASIL, 2005)

            Pelo que dispõe, a lei emerge três núcleos (elaborar, escriturar ou autenticar documentos de escrituração contábil obrigatórios), aliado às condicionantes de pré ou pós sentença que decretar a falência, conceder a recuperação judicial ou homologar plano extrajudicial.

            É norma penal em branco quando diz “documentos de escrituração contábil obrigatórios”, recaindo ao Direito Comercial, Civil ou os dois, citar os livros dito obrigatórios aos quais o legislador obriga.

O presente dispositivo contém uma norma penal em branco, ficando carente de especificação no que diz respeito aos documentos de escrituração contábil obrigatórios. O livro diário é obrigatório (CC, art. 1.180). Pune-se a omissão do empresário, quando tinha o dever de possuir escrituração contábil, revelando, assim, uma conduta irregular e dolosa, pois ‘não é sequer de imaginar-se um comerciante, por mais modesto que seja, que nenhum livro possua para nele assentar, ainda que sucintamente, as suas principais operações’. (VIDAL, 2005).

            O tipo penal em estudo tem pena prevista de 1 (um) a 2 (dois) anos de detenção, se o fato não constitui crime mais grave. Hodiernamente, não raro são as vezes que o crime de omissão de documentos é meio para alcançar a fraude a credores (art. 168), recorrendo à unidade do crime mais grave praticado, conforme importante julgado abaixo:

PENAL E PROCESSUAL PENAL - CRIMES FALIMENTARES - LEI 11.101/05 - ARTS 168, 176 E 178 - PRESCRIÇÃO - PRELIMINAR AFASTADA - ATOS FRAUDULENTOS - EXERCÍCIO DE GERÊNCIA POR PESSOA INABILITADA - AUSÊNCIA DE LIVROS OBRIGATÓRIOS - MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS - UNICIDADE DOS DELITOS - PARCIAL REFORMA. 1.A FLUÊNCIA DO PRAZO PRESCRICIONAL INICIA NO "DIA DA DECRETAÇÃO DA FALÊNCIA" (ART. 183, CAPUT, LEI 11.101/05). IN CASU, A CONSIDERAR AS CAUSAS INTERRUPTIVAS DA PRESCRIÇÃO (ART. 177, CP), NÃO DECORREU O PRAZO PRESCRICIONAL DE QUATRO ANOS (ART. 109, V, CP), PARA O CRIME FALIMENTAR DO ART. 178 DA LEI 11.101/05 (CUJA PENA MÁXIMA DE DOIS ANOS FOI CONCRETIZADA NA SENTENÇA EM UM ANO), QUÃO MENOS OS PRAZOS PRESCRICIONAIS PARA OS CRIMES DO ART. 168 E 176 DA LEI 11.101/05. 2.O ENCERRAMENTO IRREGULAR DAS ATIVIDADES DA SOCIEDADE EMPRESÁRIA, A CIÊNCIA INEQUÍVOCA DA INSOLVABILIDADE QUANDO DA VENDA DO "PONTO" COMERCIAL PARA SALDAR P ARTE DA DÍVIDA COM UMA FORNECEDORA, BEM COMO A CONTINUIDADE DA ATIVIDADE EMPRESARIAL POR MEIO DE PESSOA JURÍDICA PARA A QUAL FORAM REVERTIDOS OS BENS REMANESCENTES DA SOCIEDADE FALIDA, EVIDENCIAM ATOS FRAUDULENTOS CAUSADORES DE LESÃO PATRIMONIAL A MÚLTIPLOS CREDORES, RESTANDO DEMONSTRADA A PRÁTICA DA CONDUTA PREVISTA COMO TIPO PENAL NO ART. 168 DA LEI 11.101/05. 3.EMBORA INABILITADA PARA O EXERCÍCIO DE ATIVIDADES EMPRESARIAIS, A RÉ PROSSEGUIU EXERCENDO ATOS DE GERÊNCIA DE EMPRESA, DE MODO QUE INCORREU NA CONDUTA DELITUOSA DESCRITA NO ART. 176, DA LEI 11.101/05, QUE NÃO SE DESCARACTERIZA DIANTE DE MERA ALEGAÇÃO DE CRISE E NECESSIDADE FINANCEIRAS. 4.O DELITO DE OMISSÃO DOS DOCUMENTOS CONTÁBEIS OBRIGATÓRIOS (ART. 178 DA LEI 11.101/05) SE CONSUMOU COM A ENTREGA PARCIAL DOS LIVROS DE ESCRITURAÇÃO CONTÁBIL OBRIGATÓRIA, NÃO SOCORRENDO OS APELANTES A ALEGAÇÃO DE QUE OS LIVROS ENTREGUES ERAM OS ÚNICOS QUE DETINHAM, POIS CONSTITUI OBRIGAÇÃO DO EMPRESÁRIO E DA SOCIEDADE EMPRESÁRIA PROMOVER A REGULAR ESCRITURAÇÃO DOS LIVROS EXIGIDOS POR LEI, BEM COMO CONSERVÁ-LOS EM BOA GUARDA. 5.HÁ UNIDADE DELITIVA NA HIPÓTESE DE MULTIPLICIDADE DE ATOS QUE CARACTERIZEM CRIMES FALIMENTARES, APLICANDO-SE AO AGENTE SOMENTE A PENA DO DELITO MAIS GRAVE. 6.RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. (TJ-DF - APR: 288162920108070015 DF 0028816-29.2010.807.0015, Relator: HUMBERTO ADJUTO ULHÔA, Data de Julgamento: 17/05/2012, 3ª Turma Criminal, Data de Publicação: 24/05/2012, DJ-e Pág. 232)

            Depreende-se, ainda, que, com a pena mínima em abstrato cominada em um ano, neste artigo e em outros acima mencionados, poder-se-ia invocar a competência do Juizado Especial Criminal, mas como dito alhures, a vis attractiva  do juízo falimentar em alguns estados é soberana, pelo menos no Estado de São Paulo, como se vê no importante julgado daquele Estado:

PROCESSUAL PENAL RECURSO EM SENTIDO ESTRITO CRIME FALIMENTAR ART. 178, LEI Nº. 11.101/2005 - COMPETÊNCIA JUÍZO DA FALÊNCIA A competência para a apuração dos crimes falimentares é do Juízo Universal da Falência, e não do Juizado Especial Criminal - Não obstante o delito falimentar constituir-se em crime de menor potencial ofensivo, o Estado de São Paulo possui legislação específica que fixa a competência do Juízo Falimentar Inteligência do art. 15 da Lei Estadual de São Paulo nº 3.947/1983, da Resolução do TJSP nº 200/2005, do art. 125, § 1º, da CF, e art. 74, ?caput?, do CPP Precedentes do TJSP, STJ e STF Ressalta-se que, apesar da competência fixada, os institutos despenalizadores dispostos na Lei do JECrim devem ser observados - Decisão recorrida cassada RECURSO EM SENTIDO ESTRITO PROVIDO, COM DETERMINAÇÃO DO PROCESSAMENTO DA AÇÃO PERANTE O JUÍZO DA FALÊNCIA. (TJ-SP - RECSENSES: 402434120048260100 SP 0040243-41.2004.8.26.0100, Relator: Amado de Faria, Data de Julgamento: 10/05/2012, 8ª Câmara de Direito Criminal, Data de Publicação: 15/05/2012).

5 CONCLUSÃO

            Após a apresentação de diversos conceitos, definições, ensinamentos, doutrina e jurisprudência, chegamos a esta breve conclusão, a qual pretende reafirmar o que tentou ser repassado durante toda esta apresentação.

            A guisa de conclusão, vimos que a falência é um meio pelo qual a coletividade de credores busca, através do princípio do par conditio creditorum, o saneamento dos débitos dos devedores para consigo. Objetivando não recair a empresa na falência, o legislador ordinário, através da Lei n° 11.101/05, criou a figura da recuperação judicial, que é um processo pelo qual a empresa, visando evitar a quebra, dispõe de um conjunto de ações jurídica, administrativa e financeiras que visam à manutenção e reestruturação de empresa comercial. Nesse passo, trouxemos o histórico do instituto da falência e sua evolução, passando de algo criminoso a algo de certa normalidade, face às intempéries as quais as empresas passam atualmente.

            No respeitante ao estudo do crime falimentar, em seu gênero, verificamos ser um crime os quais podem ser praticados tanto pelo devedor, quanto por terceiros, antes ou depois da sentença que decretar a falência, conceder a recuperação judicial ou homologar a recuperação judicial. Sua natureza jurídica é sui generis, por possuir características de crime contra o patrimônio, fé publica e atividade empresarial no mesmo estribo. Importante citação se referiu à competência do juízo universal da falência para processar e julgar os crimes falimentares em alguns Estados da Federação, conquanto seja matéria penal especial afeta ao juízo criminal.

            No que se refere ao escopo deste Trabalho, ou seja, aos crimes falimentares em espécie, aqui analisamos todos os artigos da incidência criminosa a que se pretendem atingir os incautos que ousam ir de encontro aos institutos da falência e recuperação judicial, bens jurídicos a serem protegidos, prima facie, pelos crimes estudados. Doutrina e jurisprudência trouxeram uma melhor reflexão sobre o assunto e sobre como é enfrentado, atualmente, no plano concreto.

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Autor

  • João André Ferreira Lima

    Especialista em Direito Administrativo pela Universidade Cândido Mendes (2016). Bacharel em Ciências Militares pela Academia Militar das Agulhas Negras (2008) e em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará (2014). Oficial do Exército Brasileiro.

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