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Lei Maria da Penha e as atribuições conferidas ao Ministério Público para a sua aplicação

Lei Maria da Penha e as atribuições conferidas ao Ministério Público para a sua aplicação

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O MP, considerando ser uma instituição reconhecida pela Constituição Federal, alvo de designações legais da Lei Maria da Penha e dotada da confiança da sociedade, deve utilizar todos os meios necessários, judiciais e extrajudiciais, para contribuir com a erradicação e a prevenção da violência doméstica; para exterminar de uma vez por todas a cultura machista e egoísta preservada por alguns.

“Todavia, nem o homem é sem a mulher, nem a mulher sem o homem, no Senhor. Porque, como a mulher provém do homem, assim também o homem provém da mulher, mas tudo vem de Deus.”

 Bíblia Sagrada - I Coríntios 11:11-12

RESUMO: Há muito tempo a mulher é vítima de atos de violência e discriminação nos mais diversos ambientes em que convive. Esta realidade provocou na sociedade atual, através da ciência jurídica, o despertar para a busca pela igualdade de direitos entre os sexos. A Lei Maria da Penha é o resultado nacional, dentre outras medidas tomadas pelo governo brasileiro, na tentativa de proteger de modo mais eficaz os direitos humanos relacionados à mulher. No entanto nunca foi e nunca será possível que a simples edição de uma lei mude um fato socialmente evidente, antes é preciso que a lei seja cumprida e que seu espírito seja compreendido pela sociedade e pelos agentes governamentais e não-governamentais determinados por ela. Através de pesquisa bibliográfica nos propomos a estudar, entender e expor o surgimento da Lei Maria da Penha e a atuação do Ministério Público brasileiro para cumpri-la, destacando as áreas administrativa, institucional e judicial, além do papel exercido pelo Ministério Público do Estado de Roraima. Com isso, como operadores do Direito e como cidadãos, estaremos mais aptos a agir contra a violência doméstica e familiar contra a mulher.

Palavras-chaves: Mulher. Direitos Humanos. Lei Maria da Penha. Ministério Público.

SUMÁRIO:INTRODUÇÃO.1. Projeção Histórica.1.1. Ação Internacional..1.1.1. Declaração Universal dos Direitos Humanos...1.1.2. Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres....1.1.3. Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher – “Convenção de Belém do Pará”.1.1.4. Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento “Cairo” e Declaração e Plataforma de Ação da IV Conferência Mundial sobre a Mulher “Beijing”.1.2. Desenvolvimento Legislativo Brasileiro.1.2.1. Legislação Infraconstitucional.1.2.2. Constituição da República de 1988.1.3. O Caso Maria da Penha perante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos .2. Enfim a Lei n° 11.340/2006.3. Ministério Público.3.1. Origens e Funções.3.2. O Ministério Público e a Constituição Federal de 1988.3.3. A Atuação do Ministério Público na Lei Maria da Penha.3.3.1. Atuação Institucional.3.3.2. Atuação Administrativa..3.3.3. Atuação Judicial.3.4. O Ministério Público do Estado de Roraima e a Lei Maria da Penha.CONSIDERAÇÕES FINAIS.REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.ANEXO A – Reportagem do Jornal Folha de Boa Vista, versão online, sobre a I Marcha pelo Fim da Violência Contra a Mulher.ANEXO B - Reportagem do Jornal Folha de Boa Vista, versão online, sobre AS MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA RECEBIDAS PELO JUIZADO ESPECIALIZADO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER DE RORAIMA.ANEXO C – Notícia extraída do site do Ministério Público do Estado de Roraima sobre as ações governamentais conjuntas para combater a violência doméstica.


INTRODUÇÃO

O presente trabalho, intitulado de Lei Maria da Penha e as atribuições conferidas ao Ministério Público para a sua aplicação, tem como principal objetivo estudar e compreender as funções outorgadas ao Parquet para efetivar os comandos legais da Lei n.° 11340/2006 - Lei Maria da Penha - e destacar as ações do Ministério Público local quanto ao tema.

A desigualdade de tratamento entre os sexos, que se transformou gradualmente no que hoje compreendemos como violência doméstica, é um fato existente há muito tempo. Fato que está arraigado inconscientemente em nós mesmos devido à sociedade que construímos, ao grau de importância que concedemos a uns em detrimento de outros e da excessiva valorização da força bruta, naturalmente encontrada nos homens.

Apesar de a violência familiar, sobretudo contra a mulher, fazer parte do nosso cotidiano (bem verdade que na maioria das vezes acobertada) ela ganhou força como fenômeno social a partir dos anos 70, com os grupos feministas. Embora aparentemente contraditório pode-se dizer que a violência nos lares é democrática, uma vez que não escolhe nacionalidade, cor, sexo, idade e nem classe social.

Em meio a um contexto histórico um pouco diferente das demais leis ordinárias nacionais, a Lei Maria da Penha foi o resultado de movimentos sociais dentro e fora do Brasil que culminaram numa condenação perante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, devido à negligência política e da Justiça brasileira nos casos de violência doméstica e familiar. Baseada nos direitos humanos da mulher, a Lei Maria da Penha é produto de ações afirmativas do governo em prol de um grupo (o gênero feminino) carente de maior defesa pela ordem jurídica.

Apesar do evidente esforço dos governos federal, estaduais e municipais de extirpar a violência intrafamiliar dos lares brasileiros, com a propagação da existência de leis e programas específicos, muitos são os que ainda desconhecem a Lei n.º 11340/2006 ou por não a compreenderem não acreditam na eficácia de suas medidas. Em recente pesquisa realizada pelo Instituto AVON em parceria com o grupo IPSOS - considerando um universo de 1800 (um mil e oitocentos) entrevistados, entre homens e mulheres a partir dos 16 (dezesseis) anos de idade, em 70 (setenta) municípios brasileiros (nas cinco regiões), no período de 30 de janeiro a 10 de fevereiro de 2011 - foi possível constatar que:

a)        Apenas 2 (dois) % das pessoas afirmaram saber muito a respeito da Lei Maria da Penha;

b)        36 (trinta e seis) % confessaram já terem ouvido falar, mas admitem não saber quase nada a respeito;

c)        54 (cinqüenta e quatro) % das pessoas, dentre homens e mulheres, disseram que não confiam na proteção jurídica e policial descrita na Lei. 

Após a edição da Lei Maria da Penha foi lançado um novo desafio que a cada dia precisa ser vencido pelo Poder Judiciário, a Defensoria Pública, o Ministério Público e os demais agentes participantes na luta contra a erradicação da violência doméstica e familiar contra a mulher: o de buscar a plena efetivação da lei.

Entender sobre o tema é importante não somente para os operadores do Direito, mas também para a sociedade em geral, já que a mesma é a fiscalizadora das ações governamentais e ao mesmo tempo objeto da atuação estatal. De modo mais prático, saber o que o Ministério Público tem realizado ou aquilo que intenta fazer é um meio do cidadão conhecer os seus próprios direitos e de participar positivamente na construção de uma sociedade mais justa e solidária.

Através do método de pesquisa bibliográfica e considerando todo o exposto pretendemos realizar o trabalho monográfico com base na seguinte questão: Por qual motivo a popularmente conhecida como Lei Maria da Penha outorgou ao Ministério Público “poderes” mais singulares e talvez abrangentes em defesa das mulheres vítimas de violência doméstica e familiar que os ofertados constitucionalmente ao Parquet, e quais são eles?

E para respondê-la a contento formulamos as seguintes hipóteses:

a) a Lei Maria da Penha deu ao Ministério Público atribuições além das ordinárias em razão do contexto histórico em que foi formada e do objeto de sua proteção, a mulher violentada dentro do seu próprio lar;

b) por opção legislativa, o Brasil, através da edição da Lei Maria da Penha, usou a oportunidade para inovar e acrescentar o papel do Ministério Público diante da sociedade, permitindo ser mais ousado e atuante ao lhe conferir outros mecanismos de atuação.

Por ora, quanto ao desenvolvimento do tema, nos limitaremos a expor que os capítulos estão dispostos em uma lógica seqüencial, do mais extendido ao mais particular, sendo que o primeiro deles trata dos aspectos históricos, desde os primórdios da civilização clássica até o reconhecimento da violência contra a mulher como forma de violação aos direitos humanos; o segundo aborda especificamente a chegada da Lei Maria da Penha, resumindo-a e destacando algumas inovações; o derradeiro capítulo, o terceiro, apresenta o Ministério Público fazendo menção às suas origens e ao seu desenvolvimento nas Constituições brasileiras, além de, finalmente, enumerar e explicar a atuação do MP brasileiro e do local (Ministério Público do Estado de Roraima) no contexto da Lei Maria da Penha.


1. Projeção Histórica

A história é a mãe da verdade, “êmula do tempo, depositária das ações, testemunha do passado, exemplo e anúncio do presente, advertência para o futuro” (Dom Quixote de La Mancha, por Miguel de Cervantes y Saavedra).

O melhor modo de se entender o que ocorre nos nossos dias é conhecer e compreender o vivido no passado. Não seria diferente com a questão da mulher, violência tão específica que foi e ainda é realidade em muitos lares do Brasil e do mundo.

Através dos registros históricos percebemos que desde os tempos mais longínquos, ainda durante a Antiguidade Clássica - com as civilizações dos gregos e dos romanos - a mulher era relegada à situação de mera parte integrante de seu pai ou de seu esposo, nas questões religiosas e civis; a filha, diferentemente do filho, não era considerada herdeira necessária das propriedades da família, devendo ser indicada em testamento para poder receber parte menor que a metade da herança do pai; o casamento, cerimônia eminentemente religiosa, tinha o fim maior de perpetuar a descendência familiar, que caso fosse impossibilitada pela infertilidade da esposa poderia ser desfeito, baseado no direito do homem de repudiar a mulher; o direito à liberdade sexual e à formação dos vínculos afetivos não havia, uma vez que era possível o casamento entre irmãos de mães diferentes (pelo falecimento prematuro do pai comum), o matrimônio com o parente mais próximo (geralmente o tio, que se casado deveria se divorciar para casar-se com a sobrinha, que se fosse casada deveria fazer o mesmo), na hipótese do pai da filha única falecer e a instituição de um tutor ou um segundo marido àquela que se tornava viúva (COULANGES, 1987).    

1.1.       Ação Internacional

A Lei n.° 11.340/2006, mais conhecida como Lei Maria da Penha, é o símbolo de uma luta em favor do reconhecimento da igualdade de direitos entre homens e mulheres e a proteção destas contra a violência nos seus mais diversos aspectos. No entanto, até a promulgação desta Lei, largos passos precisaram ser dados mundo a fora.

O anteparo legal à mulher não surgiu como um direito isolado, mas das questões relativas aos direitos humanos.

Apesar da instituição do Direito Internacional dos Direitos Humanos ser recente, as ideias básicas que o formaram são antigas. Os direitos humanos são fruto dos mais diversos pensamentos e tempos, recebendo influência da história das civilizações, da filosofia, do direito natural e da religião, seguimentos que, conjuntamente, entendiam a necessidade de limitar e controlar os atos estatais e das autoridades constituídas por eles próprios, assim como elevar a igualdade e a legalidade em nível de princípios regentes do Estado moderno e contemporâneo (MORAES, 2007).

Moraes (2007, p. 20) conceitua a expressão direitos humanos fundamentais como:

O conjunto institucionalizado de direitos e garantias do ser humano que tem por finalidade básica o respeito a sua dignidade, por meio de sua proteção contra o arbítrio do poder estatal, e o estabelecimento de condições mínimas de vida e desenvolvimento da personalidade humana (grifo nosso).

A dignidade é um elemento intrínseco a qualquer ser humano, refere-se às necessidades básicas e ao respeito à própria existência e desenvolvimento de cada indivíduo não podendo ser desassociada dos direitos fundamentais [1] (CAVALCANTI, 2010).

Desta forma, considerando que a regulamentação legal da proteção à mulher violentada existe para resguardar a sua dignidade como ser humano, e que a dignidade não pode ser apartada dos direitos humanos fundamentais a qualquer indivíduo, a conclusão adequada somente pode ser uma, a mesma expressada pelo artigo 6º da Lei Maria da Penha, ou seja, a violência doméstica e familiar contra a mulher constitui uma das formas de violação dos direitos humanos.

1.1.1.   Declaração Universal dos Direitos Humanos

Terminada a Segunda Guerra Mundial, - ambiente de terríveis atrocidades cometidas por agentes desrespeitadores dos direitos fundamentais dos homens - em 1948 nasceu o primeiro dos grandes Tratados sobre Direitos Humanos, a Declaração Universal dos Direitos Humanos[2], aprovada pela Assembleia Geral da ONU (Organização das Nações Unidas), a qual traz em seu preâmbulo e artigos não somente a intenção de cuidar e proteger os povos, mas de cada indivíduo como um ser único:

Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo,  

Considerando que o desprezo e o desrespeito pelos direitos humanos resultaram em atos bárbaros que ultrajaram a consciência da Humanidade e que o advento de um mundo em que os homens gozem de liberdade de palavra, de crença e da liberdade de viverem a salvo do temor e da necessidade foi proclamado como a mais alta aspiração do homem comum, Considerando essencial que os direitos humanos sejam protegidos pelo Estado de Direito, para que o homem não seja compelido, como último recurso, à rebelião contra tirania e a opressão,   

Considerando essencial promover o desenvolvimento de relações amistosas entre as nações,   

Considerando que os povos das Nações Unidas reafirmaram, na Carta, sua fé nos direitos humanos fundamentais, na dignidade e no valor da pessoa humana e na igualdade de direitos dos homens e das mulheres, e que decidiram promover o progresso social e melhores condições de vida em uma liberdade mais ampla,   

Considerando que os Estados-Membros se comprometeram a desenvolver, em cooperação com as Nações Unidas, o respeito universal aos direitos humanos e liberdades fundamentais e a observância desses direitos e liberdades,   Considerando que uma compreensão comum desses direitos e liberdades é da mais alta importância para o pleno cumprimento desse compromisso,   

A Assembléia  Geral proclama 

A presente Declaração Universal dos Diretos Humanos como o ideal comum a ser atingido por todos os povos e todas as nações, com o objetivo de que cada indivíduo e cada órgão da sociedade, tendo sempre em mente esta Declaração, se esforce, através do ensino e da educação, por promover o respeito a esses direitos e liberdades, e, pela adoção de medidas progressivas de caráter nacional e internacional, por assegurar o seu reconhecimento e a sua observância universais e efetivos, tanto entre os povos dos próprios Estados-Membros, quanto entre os povos dos territórios sob sua jurisdição.

(...)

Artigo II - Toda pessoa tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua,  religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição (grifos nosso).

Foi com a fundação da Organização das Nações Unidas, em 1945, que o ramo do Direito Internacional Público passou a ter maior preocupação com o tema dos direitos humanos (REZEK, 2008), deixando alguns tratados avulsos que anteriormente cuidara para assinar “a mais importante conquista dos direitos humanos fundamentais em nível internacional”, segundo Moraes (2007, p. 17).

 A partir de então se formava um “sistema normativo global de proteção dos direitos e liberdades fundamentais, no âmbito das Nações Unidas” (CAVALCANTI, 2007, p. 88), o qual se ramifica em ações gerais, destinadas a toda e qualquer pessoa, e ações especiais, voltadas a um grupo específico imerso em situações peculiares, de acordo com as especificações dos sujeitos de direito.

Para efetivar as ações deste segundo braço foram criados sistemas regionais, que são autônomos entre si, mas harmonicamente baseados nos princípios emanados pela Declaração Universal dos Direitos Humanos e pelos Pactos Internacionais das Nações Unidas. Entre eles há o sistema regional americano, representado pela OEA (Organização dos Estados Americanos), sendo membros todos os 35 (trinta e cinco) países independentes das Américas.

1.1.2.   Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres

No ano de 1975, no México, aconteceu a I Conferência Mundial sobre a Mulher, da qual nasceu, em 1979, a Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres (CEDAW).

A CEDAW, que objetivava promover a igualdade entre os gêneros e reprimir qualquer forma de discriminação contra a mulher, foi o primeiro instrumento internacional que tratou diretamente sobre o direitos da mulher, falando de questões do trabalho, da saúde, da educação, dos direitos civis e políticos, da família e outros, mas perdendo a oportunidade de mencionar a violência doméstica e sexual. Tal omissão tem reflexos até hoje com a proposta de complementar a CEDAW com a adoção de um Protocolo Opcional para incorporar a Declaração sobre a Eliminação da Violência contra a Mulher e a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher – Convenção de Belém do Pará.

Além de recomendar aos Estados participantes a edição de legislação especial para a proteção da mulher e a prestação jurisdicional baseada na igualdade de direitos entre os gêneros, a CEDAW definiu a expressão discriminação contra a mulher:

Artigo 1º. Para os fins da presente Convenção, a expressão "discriminação contra a mulher" significará toda a distinção, exclusão ou restrição baseada no sexo e que tenha por objeto ou resultado prejudicar ou anular o reconhecimento, gozo ou exercício pela mulher, independentemente de seu estado civil, com base na igualdade do homem e da mulher, dos direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos político, econômico, social, cultural e civil ou em qualquer outro campo.

Em 1981, ratificando em 1984, o Brasil assinou a Convenção com algumas reservas relativas à família, haja vista o ordenamento jurídico nacional existente à época. Após a Constituição de 1988, em 1994, o Brasil retirou as reservas ratificando totalmente a CEDAW e dando-lhe força de lei ordinária.

1.1.3.   Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher – “Convenção de Belém do Pará”

A Convenção em comento foi aprovada pela Assembleia Geral da OEA em 6 de junho de 1995, ratificando e ampliando a Declaração e o Programa de Ação da Conferência Mundial de Direitos Humanos, ocorrida em 1993, em Viena.

A Convenção de Belém delimitou e conceituou a violência física, sexual e psicológica contra a mulher, além de garantir em seu artigo 3° que toda mulher tem direito a uma vida livre de violência, tanto no âmbito público como no privado.

Desde então, nos moldes do artigo 12 da anteriormente citada convenção, qualquer pessoa, ou grupo de pessoas, ou entidade não-governamental pode peticionar à Comissão Interamericana de Direitos Humanos denunciando casos de violência contra a mulher.

Conforme ensina Cavalcanti (2007, p. 93):

A simples possibilidade de submeter casos de violações de direitos humanos das mulheres ao conhecimento da comunidade internacional já impõe ao Estado violador uma condenação política e moral. A visibilidade e a publicidade das violações trazem o risco do constrangimento político e moral do Estado violador, que será compelido a apresentar justificativas de sua prática no fórum da opinião internacional. Além do constrangimento do Estado, a Comissão Interamericana poderá condená-lo pela afronta a direitos fundamentais assegurados às mulheres, determinando a adoção de medidas cabíveis, como por exemplo, a investigação e a punição dos agentes perpetradores da violência, a fixação de indenização aos familiares da vítima etc. A Comissão Interamericana, contudo não é órgão judicial. Suas decisões não apresentam natureza jurídica normativa. A Corte Interamericana de Direitos Humanos é que constitui o órgão jurisdicional no plano da OEA, tendo suas decisões força normativa obrigatória e vinculante.

Foi por este dispositivo que a cearense Maria da Penha Maia Fernandes pode representar contra o Brasil que se omitiu na resolução dos casos de violência contra ela cometidos por seu esposo, à época dos fatos.

1.1.4.   Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento “Cairo” e Declaração e Plataforma de Ação da IV Conferência Mundial sobre a Mulher “Beijing”

Em setembro de 1994, no Egito, mais de 180 nações reuniram-se para fixar quatro plataformas para qualquer programa de população e desenvolvimento, onde o elemento central, pela primeira vez, foi a saúde reprodutiva e sexual e os direitos da mulher.

Aos Estados participantes foi recomendado que:

a) se estabelecessem mecanismos para que a mulher tenha igual participação e representação em todos os níveis do processo político e da vida pública;

b) se esforçassem para promover a educação, o trabalho e a capacitação da mulher;

c) fosse eliminada toda prática discriminatória.

A IV Conferência Mundial da Mulher, organizada e realizada pela ONU, em Beijing, China, em 1995, aprovou uma Declaração e uma Plataforma de Ação focando a questão da violência doméstica, as medidas punitivas e preventivas, além de meios que apõem a vítima e sua família, bem como a reabilitação dos agressores.

Tais acordos internacionais fomentaram as ações no campo global de proteção dos direitos humanos quanto à proteção da mulher, restando à OEA, representante do sistema regional de direitos humanos da mulher, a edição de um documento específico.

1.2.       Desenvolvimento Legislativo Brasileiro

Até a chegada da Lei Maria da Penha o caminho legislativo brasileiro foi lento e demorado, alterando artigos, retirando outros do ordenamento jurídico e ampliando a proteção já existente. Leis infraconstitucionais precisaram ser criadas e a Constituição de 1988 necessitou se adequar ao ambiente de proteção das liberdades e dos direitos humanos propagado por todo o mundo.

Tudo isso ocorreu pela necessidade de trazer à realidade social a igualdade material entre homens e mulheres, e não somente a igualdade formal já positivada em alguns diplomas legais (VELLASCO, 2007).

1.2.1.   Legislação Infraconstitucional

A primeira das modificações foi a trazida pela Lei n.° 10.455, de 13 de maio de 2002, a qual alterou o parágrafo único do artigo 69 da Lei n.° 9.099 [3], de 26 de setembro de 1995 (Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais). O novo parágrafo, que vigora até hoje, diz que o autor do fato, no caso de violência doméstica, pode ser, como medida cautelar, afastado do lar, domicílio ou local de convivência com a vítima.

No ano seguinte, em 2003, por meio da Lei n.° 10.714, o Poder Executivo foi autorizado a disponibilizar nacionalmente, de modo gratuito, um número telefônico operado pelas Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher, para atender as denúncias de violência contra a mulher.

Com relação ao controle dos atendimentos nos serviços de saúde pública e privada, foi promulgada a Lei n.° 10.778, de 24 de novembro de 2003, a qual estabelece a notificação compulsória, em todo o território nacional. Esta lei aproveita e conceitua, em sede de instrumento normativo nacional, o que se entende por violência contra a mulher, além de estender que para seus efeitos devem ser observadas as convenções e acordos internacionais assinados pelo Brasil.

Por meio do Decreto n.° 5030, de 31 de março de 2004, nasceu o Grupo de Trabalho Interministerial, o qual tinha a tarefa, de em sessenta dias prorrogáveis por mais trinta dias, a partir da publicação da portaria de designação de seus membros, apresentar propostas de medida legislativa e outros instrumentos para coibir a violência doméstica e familiar.

Enfim houve uma modificação mais expressiva na zona de atividade do direito penal, quando em 17 de junho de 2004, a Lei n.° 10.886 acrescentou ao artigo 129 do Código Penal dois parágrafos. Os novos parágrafos, 9° e 10, respectivamente, trouxeram o tipo penal especial denominado violência doméstica e um aumento de pena de 1/3 (um terço) para os casos de lesão corporal de natureza grave, gravíssima e seguida de morte que ocorressem nas circunstâncias indicadas no §9° do mesmo artigo.

A Lei Complementar n.° 119, de 19 de outubro de 2005, acrescentou o inciso XIV ao artigo 3° da Lei Complementar n° 79, de 7 de janeiro de 1994, incluindo a manutenção, pelo Fundo Penitenciário Nacional, o FUNPEN, de casas de abrigo destinadas a acolher vítimas de violência doméstica.

Em 26 de outubro de 2006, o Decreto n.° 5948 aprovou a Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas e instituiu um Grupo de Trabalho Interministerial aos quais, respectivamente, cabia estabelecer princípios, diretrizes e ações de prevenção e repressão ao tráfico de pessoas e de atendimento às vítimas e elaborar a proposta de atuação do Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas. Cabe ressaltar que o Grupo de Trabalho seria integrado, dentre outros, por representantes da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres.

Por derradeiro, mas não menos importante, pelo contrário, um marco legislativo nacional, em 7 de agosto de 2006 surge a Lei n.° 11.340 (Lei Maria da Penha).  De acordo com a própria letra da lei sua intenção é a de criar mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do §8° do art. 226 da Constituição Federal, da CEDAW e da Convenção de Belém do Pará; dispor sobre a criação dos JEspVDF c/ Mulher; alterar dispositivos do Código de Processo Penal, do Código Penal e da Lei de Execução Penal; além de dar outras providências sobre o tema.

1.2.2.   Constituição da República de 1988

Conforme os textos até agora exposto e segundo a literalidade do Preâmbulo da Convenção do Pará (1995): “a violência contra a mulher constitui uma violação dos direitos humanos e das liberdades fundamentais (...)”.

Abrindo um novo tempo no nosso sistema jurídico, seguindo a corrente internacional de proteção dos direitos humanos, veio a Constituição Federal de 1988, trazendo a ideia de um Estado Democrático de Direito e não deixando a oportunidade de registrar em seus primeiros artigos a dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos da República e a promoção do bem de todos, sem preconceito de raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação como um dos objetivos do País.

Uma vez que a Constituição positivou a preocupação nacional com a dignidade da pessoa, essa “norma-princípio, dotada de cogência e força vinculante em relação ao poder público e particulares” (CAVALCANTI, 2010, p. 82) irradiou sobre todo o ordenamento jurídico nacional.

Diferentes das Constituições passadas, os instrumentos internacionais, principalmente os que tratam de direitos humanos, ganharam importante relevância.

Sobre isso ensina Cavalcanti (2007, p. 96):

A nova Constituição, além disso, seguindo a tendência do constitucionalismo contemporâneo, deu um grande passo rumo à abertura do sistema jurídico brasileiro ao sistema internacional de proteção de direitos, quando, no §2° do seu art. 5°, deixou estatuído que ‘os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte’. Assim, as normas de direitos humanos constantes nos tratados ratificados pelo Brasil têm atualmente status de lei federal e devem ser respeitados e aplicados em sua integralidade pelo Estado brasileiro.

Ademais, no capítulo referente à família, à criança, ao adolescente e ao idoso, a CF/88, de modo expresso, demonstra a responsabilidade do Estado em criar mecanismos para coibir a violência doméstica (artigo 226, §8°).

1.3.       O Caso Maria da Penha perante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos

Criada em 1959, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos é um órgão da OEA, com sede atual em Washington (EUA). Dentre suas diversas atribuições a principal é, segundo Zadoná e Baretto (2010, p.3):

Promover a observância e a defesa dos direitos humanos (...) mediante o estímulo à consciência dos direitos humanos, a formulação de recomendações aos governos dos Estados Membros sobre políticas em prol dos direitos humanos, da análise de petições e outras comunicações sobre violação de direitos humanos e da publicação de relatórios com informações pertinentes aos direitos humanos levantadas durante certo período de tempo ou após a decisão do mérito de um caso concreto.

 Qualquer pessoa, grupo, ONG que seja reconhecida legalmente por pelo menos um Estado-participante da OEA, a vítima da violação, uma terceira pessoa, com ou sem o consentimento da vítima, podem peticionar à Comissão Interamericana de Direitos Humanos.

Maria da Penha Maia Fernandes, farmacêutica bioquímica, cearense, permaneceu casada por vários anos com o seu agressor, Marco Antonio Heredia Viveros, colombiano, professor universitário, que veio ao Brasil para fazer mestrado.

Assim que o matrimônio alcançou certa idade chegou com ela uma série de ameaças e agressões psicológicas feitas por Marco Antonio, as quais foram suportadas por Maria da Penha devido ao medo de que mal maior acontecesse a ela e às três filhas do casal.

No ano de 1983, Maria da Penha, enquanto dormia, foi alvo de uma tentativa de homicídio, arquitetada pelo então esposo, que lhe desferiu um tiro de arma de fogo, atingindo sua coluna vertebral e deixando-a paraplégica. Para disfarçar o episódio Marco Antonio simulou uma tentativa de roubo. Após meses de recuperação no hospital a cearense retornou a sua casa, no entanto, outra vez foi alvo da violência doméstica quando Marco Antonio tentou eletrocutá-la no chuveiro.

Dias (2010, p. 16) escreve sobre o caso e registra que:

(...) as investigações só começaram em junho de 1983, mas a denúncia só foi oferecida em setembro de 1984. Em 1991, o réu foi condenado pelo tribunal do júri a oito anos de prisão. Além de ter recorrido em liberdade, ele, um ano depois, teve seu julgamento anulado. Levado a novo julgamento em 1996, foi-lhe imposta a pena de dez anos e seis meses. Mais uma vez recorreu em liberdade e somente 19 anos e 6 meses após os fatos, em 2002, é que M. A. H. V. foi preso. Cumpriu apenas dois anos de prisão e foi liberado.

Devido à morosidade da justiça cearense, em 1998, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) recebeu uma denúncia conjunta pela brasileira Maria da Penha Maia Fernandes, pelo Centro pela Justiça e o Direito Internacional (CEJIL) e pelo Comitê Latinoamericano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher (CLADEM).

A posição assumida pelo Brasil foi qualificada como de total omissão, já que, por diversas vezes a CIDH incitou o país a se manifestar e este não o fez. A iniciar pela solicitação de informações em outubro de 1998, seguida pela reiteração do pedido em agosto de 1999 e a terceira tentativa em agosto de 2000, inclusive com a aplicação do artigo 39 do Regulamento da CIDH, o qual presumia serem verdadeiros os fatos narrados na denúncia, frente à inércia do Estado brasileiro em não se explicar (CUNHA; PINTO, 2008).

Em março de 2001 a CIDH enviou um relatório ao Brasil contendo recomendações que deveriam ser cumpridas em um mês, entretanto, conforme já vinha ocorrendo desde o início, o país se manteve em silêncio. Enfim, em 16 de abril de 2001, o Brasil foi condenado internacionalmente perante a Comissão, através da emissão do Relatório n.° 54 da OEA que impôs o pagamento de uma indenização na importância de 20 mil dólares, em favor de Maria da Penha, responsabilizando ainda, o Estado brasileiro por negligência e omissão em relação à violência doméstica, recomendando a adoção de medidas que simplificassem os procedimentos judiciais penais (DIAS, 2010). A Comissão entendeu que fora violada tanto a Convenção de Belém do Pará, em seu artigo 7°, quanto o Pacto de São José da Costa Rica, nos seus artigos 1°, 8° e 25.


2.Enfim a Lei n° 11.340/2006

Injustificável a falta de consciência do legislador de que a violência intrafamiliar merecia um tratamento diferenciado (DIAS, 2010, p.27).

Anteriormente à edição da Lei Maria da Penha, a grande maioria dos casos de violência doméstica e familiar tramitava nos Juizados Especiais, por amoldarem-se ao conceito legal de infrações de menor potencial ofensivo [4].

A Lei dos Juizados Especiais trouxe considerável avanço ao sistema jurídico brasileiro, entretanto, no caso específico da violência intrafamiliar, a aplicação dos institutos despenalizadores característicos dessa lei deixavam no ar uma sensação de impunidade. Por exemplo, mesmo que a vítima representasse contra o seu agressor era permitido ao membro do Ministério Público transacionar a aplicação de multa ou de pena restritiva de direitos, e sendo aceita a proposta o crime não seria computado para fins de reincidência, não constaria na certidão de antecedentes e nem mesmo geraria responsabilidade civil (DIAS, 2010, p. 28).

Em meio a esse contexto, a recomendação da OEA ao Brasil - para que tomasse efetivas providências a respeito dos casos de violência doméstica – começava a dar esperança às vítimas desse desrespeito aos direitos humanos.

Paralelamente à tramitação da denúncia de violência doméstica na Comissão Interamericana de Direito Humanos, diversas ONG’s iniciaram um movimento com repercussão internacional, o qual se intensificou ainda mais quando o Brasil foi condenado, em abril de 2001.

Acerca disso Cavalcanti (2007, p. 174) ensina que:

(...) a partir daí as organizações não-governamentais brasileiras e estrangeiras com sede no Brasil iniciaram discussões entre si e com representantes da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, com finalidade de elaborar o texto da proposta de lei que incluísse políticas públicas de gênero, medidas de proteção para as mulheres vítimas e punição mais rigorosa para os agressores

Em novembro de 2004 o Projeto de Lei n.° 4.559, de iniciativa do Poder Executivo, foi apresentado ao Congresso Nacional para ser aprovado na Câmara dos Deputados e depois no Senado, onde passou a tramitar como PLC n.° 37/06.

Após todo o trâmite legislativo, nasceu finalmente em 7 de agosto de 2006 a Lei n.° 11.340, publicada no Diário Oficial da União de 8 de agosto do mesmo ano e passando a vigorar a partir de 22 de setembro de 2006.

Em sua obra Dias (2010, p. 17) cita as palavras proferidas pelo à época Presidente da República, Luís Inácio Lula da Silva, quando assinou a Lei Maria da Penha: “esta mulher renasceu das cinzas para se transformar em um símbolo da luta contra a violência doméstica no nosso país”.

Conforme a própria ementa do ordenamento legal, a Lei Maria da Penha se propõe a coibir a violência doméstica e familiar, nos moldes do § 8°, do artigo 226, da Constituição Federal de 1988, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; prevê punição mais rigorosa aos agressores, mecanismos de prevenção à violência, meios de assistência às vítimas e políticas públicas a serem adotadas.

O artigo 5° da lei em comento traz louvável direcionamento do conceito e abrangência da violência doméstica e familiar contra a mulher, considerando-a na ocorrência de qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial, no âmbito da unidade doméstica, da família ou em qualquer relação íntima de afeto, independentemente da orientação sexual dos envolvidos.

Adiante, o artigo 7° da mesma lei delimita as formas de manifestação da violência, a saber, a física, a psicológica, a sexual, a patrimonial e a moral, exemplificando as possibilidades de ocorrência:

São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras:

I - a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal;

II - a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da auto-estima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação;

III - a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos;

IV - a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades;

V - a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria.

Dentre as diversas melhorias advindas da Lei n.° 11.340/2006 uma que merece real destaque é a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, órgão especialmente designado para o processo, o julgamento e a execução desses casos, com competência cível e criminal, atuando em parceria com uma equipe de atendimento multidisciplinar, a ser integrada por profissionais especializados nas áreas psicossocial, jurídica e de saúde. 

Observando os aspectos positivos da Lei, Pereira (2007, p. 170-171), propõe que:

(...) o aspecto que eu considero como o de maior avanço dessa lei á a possibilidade de utilização conjunta das normas civis e penais, tanto materiais como processuais. Afirmo que é um avanço porque rompe com um dos mais antigos dogmas que mantemos na ciência do Direito: a compartimentalização do Direito. O dogma que se mantém nas dicotomias: público x privado, civil x penal, processo civil x processo penal. Essa lei, na minha opinião, vai ao encontro do que existe de mais contemporâneo na ciência do Direito, que é o estudo do Direito por problemas e não o estudo do Direito por áreas. A mulher, vítima de violência no âmbito das relações domesticas ou de família, vive um grande problema familiar que, apesar de complexo, para ela é um só, mas, pela nossa tradicional organização judiciária, essa mulher acaba forcada a ver seu problema pulverizado em diversos processos judiciais, em diversos órgãos judiciários, em diversas Promotorias de Justiça. Isso não e só dificultar o acesso a Justiça, é praticamente negar a essa mulher o acesso a Justiça, porque essa mulher não vai conseguir ver chegar ao fim seus diversos processos. Se chegar com vida, ela não mais terá mais qualquer estrutura para acompanhar tantos processos em tantos órgãos judiciários diferentes. Acredito que essa lei avançou muito ao permitir que o mesmo órgão judiciário possa aplicar as normas de direito civil e direito penal, as normas de processo civil e processo penal, e também as normas do Estatuto da Criança e do Adolescente e do Estatuto do Idoso, quando for o caso.

Analisando a Lei Maria da Penha em todo o seu conteúdo, Cavalcanti (2007, p. 175-193) faz importante comentário acerca do estatuto:

É uma lei que tem mais o cunho educacional e de promoção de políticas públicas de assistência às vítimas que a intenção de punir mais severamente os agressores dos delitos domésticos, pois prevê em vários dispositivos medidas de proteção à mulher em situação de violência doméstica e familiar, possibilitando uma assistência mais eficiente e a salvaguarda dos direitos humanos das vítimas. (...) Cerca de 90% das determinações constantes nos artigos da lei ‘Maria da Penha’ têm cunho eminentemente educativo, ora propondo a implementação de políticas pública (sic) ora preocupada com a proteção das vítimas da violência doméstica. 

Outro ponto inovador são as Medidas Protetivas de Urgência, de natureza cautelar, que devem ser remetidas ao juízo e decididas no prazo de 48 (quarenta e oito) horas. Podem ser requeridas pela própria ofendida ou pelo Ministério Público, posteriormente possibilitando a revisão ou renovação das mesmas. As Medidas Protetivas incidem sobre o próprio agressor, obrigando-o a realizar ou não realizar determinadas condutas, sob pena de aplicação de multa diária ou decretação de prisão preventiva; sobre a vítima, nos aspectos pessoais, patrimoniais e do trabalho.


3.  Ministério Público

De modo bastante breve podemos descrever o Ministério Público dos nossos dias como: uma instituição não pertencente ao Poder Judiciário, mas que trabalha em cooperação aos seus objetivos; executante de funções diversas do advogado público e do privado, mas que tem como tarefa constitucional a tutela da sociedade.

3.1.       Origens e Funções

A maioria esmagadora da Doutrina assevera que o Ministério Público tem seu berço na França, mas há aqueles que citam civilizações mais antigas, como:

a) a dos egípcios: “o funcionário real do Egito Magiai, que possuía funções de castigar os rebeldes, reprimir os violentos e proteger os cidadãos pacíficos” (MAZZILLI, 1996 apud MORAES, 2003, p.490). Por suas atividades este funcionário ficou conhecido como a língua e os olhos do rei.

b) a dos gregos: os Éforos de Esparta que buscavam o equilíbrio entre o poder real e o poder senatorial e os thesmotetis que trabalhavam como acusadores público.

c) a dos romanos: os curadores dos bens do Imperador, os advocatus fisci e os procuratores caesaris - e outras, durante o período da Idade Média.

Entre os mais recentes estão os Procuradores da Coroa Portuguesa que marcaram as épocas das Ordenações Afonsinas, das Manuelitas e das Filipinas.

Além daqueles há os franceses, que por sua importância e maior semelhança com o Parquet atual colaboraram para a formação de um entendimento mais difundido, ao dizer que o Ministério Público foi criado na Ordenação de 25 de março de 1302, do rei Felipe IV, o Belo, a qual vedava aos Procuradores do Rei o patrocínio de outras causas, senão a do próprio rei.

O professor Mazzilli (1993, p. 3) escreve em uma de seus livros que:

(...) Felipe regulamentou o juramento e as obrigações dos procuradores do rei em termos que levam a crer que a instituição já preexistia. Menciona-se que a Revolução Francesa teria estruturado mais adequadamente o Ministério Público, enquanto instituição, ao conferir garantias aos seus integrantes; contudo, foram os textos napoleônicos que instituíram o Ministério Público que a França veio a conhecer na atualidade.

Citando as palavras de Michèle-Laure Rassat o mestre continua:

Um decreto de 1790 deu vitaliciedade aos agentes do Ministério Público; todavia, outro decreto do mesmo ano dividiu as funções do Ministério Público entre dois agentes: um comissário do rei e um acusador público. O primeiro, nomeado pelo rei e inamovível, tinha por única missão velar pela aplicação da lei e pela execução dos julgados; era ele, ainda, que recorria contra as decisões dos tribunais. O acusador público, por sua vez, era eleito pelo povo, com o só encargo de sustentar a acusação diante dos tribunais (1967 apud mazzilli, 1993, p. 3).

No Brasil, a primeira legislação a citar a existência de uma função denominada promotor de justiça foi o Alvará de 7 de março de 1609, que criou o Tribunal de Relação da Bahia. A partir daí o Ministério Público foi tomando espaço nas inúmeras Constituições nacionais, ora muito próximo de como o conhecemos hoje, ora apresentando características retrógradas.

Vejamos:

a) Constituição de 1824: em seu texto não houve menção do Ministério Público como instituição, mas somente a outorga de funções ao Procurador da Coroa e Soberania Nacional que detinha a atribuição da acusação perante o juízo, salvo a dos crimes de iniciativa da Câmara dos Deputados. Durante sua vigência, tanto o Código Criminal, de 1830, como o Código de Processo Criminal, de 1832, continham trechos designando tarefas ao promotor.

b) Constituição de 1891: seguindo a Constituição anterior o Ministério Público ficou mais uma vez sem ser referido como uma instituição. No entanto, decretos anteriores à sua inauguração - como o Decreto n.° 848, de 11 de outubro de 1890, que trata da organização da Justiça Federal e o Decreto n.° 1030, de 14 de novembro de 1890, organizador da Justiça do Distrito Federal – fizeram referência ao Procurador-Geral da República. A Constituição da época inseriu textualmente o Procurador-Geral da República no título referente ao Poder Judiciário.

c) Constituição de 1934: a partir daqui o Ministério Público ganhou status constitucional, alocado topograficamente em espaço próprio, deixou de pertencer ao Poder Judiciário para ser “órgão de cooperação nas atividades governamentais” (LENZA, 2011, p. 753), conforme a expressão do capítulo VI, artigos 95 a 98 da referida Constituição. Recebeu atribuições que lhe dão certa autonomia, como a organização por lei própria, a nomeação do Procurador-Geral da República pelo Presidente da República, o ingresso ao Parquet por meio de concurso público, a legitimação exclusiva para propor a ADI, a regra do “quinto constitucional”, dentre outras.

d) Constituição de 1937: considerando o momento histórico da ditadura imposta por Getúlio Vargas, o Ministério Público foi novamente incluído no capítulo do Poder Judiciário, fato que contribuiu para o retrocesso de algumas regras, enquanto instituição.

e) Constituição de 1946: trazendo ao país novamente a democracia esta Constituição fixou o Ministério Público em título exclusivo, separando-o dos demais Poderes, prevendo a organização do Ministério Público da União e do Ministério Público dos Estados, além de conceder aos seus membros as garantias da estabilidade e da inamovibilidade.

f) Constituição de 1967: a maioria das previsões da Constituição passada permaneceu, salvo a desvinculação do Ministério Público dos demais Poderes, resultando em nova inserção no capítulo referente ao Poder Judiciário.

g) Emenda Constitucional n.° 1, de 1969: analisando as vedações, as garantias e as regras instituídas outrora não houve grandes mudanças, salvo duas que ganharam destaque. A primeira foi a inclusão do Ministério Público como órgão pertencente ao Poder Executivo. A segunda referente à Emenda Constitucional n.° 7, de 1977, que modificou a previsão inicial de que o Ministério Público Estadual seria organizado por lei estadual para lei complementar federal, de iniciativa do Presidente da República, estabelecedora de normas gerais. 

h) Constituição de 1988: o órgão foi mais uma vez afastado dos três Poderes, desta vez dividindo espaço, num capítulo denominado das funções essenciais à Justiça, com a Advocacia Pública, a Advocacia Particular e a Defensoria Pública.

3.2.        O Ministério Público e a Constituição Federal de 1988

A atual Constituição da República inovou radicalmente o cenário jurídico por ter sido a primeira a disciplinar “de forma harmônica e orgânica a instituição e as principais atribuições do Ministério Público” (MAZZILLI, 1993, p. 54).

O Ministro do Supremo Tribunal Federal, Sepúlveda Pertence, explica que:

(...) a posição do Ministério Público entre os Poderes do Estado, desvinculado do seu compromisso original com a defesa judicial do Erário e a defesa dos atos governamentais aos laços de confiança do Executivo, está agora cercado de contraforte de independência e autonomia que o credenciam ao efetivo desempenho de uma magistratura ativa de defesa impessoal da ordem jurídica democrática, dos direitos coletivos e dos direitos da cidadania [5].

Abrindo a seção I (do Ministério Público), do capítulo IV (das funções essenciais à Justiça), do título IV (da organização dos poderes), o caput do artigo 127 da CF/88 oferece um conceito, nos seguintes termos:

o Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.

Como instituição permanente o Parquet é um dos meios de expressão estatal, sendo um dos órgãos pelos quais o Estado exprime sua vontade na pessoa de seus agentes, os membros ministeriais[6]. No entanto há de se notar que esta instituição está dotada de uma finalidade constitucional de defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e dos individuais indisponíveis. (MAZZILLI, 1993, p. 59).

Neste sentido, ao defender a ordem jurídica, o regime democrático e os interesses sociais e os individuais indisponíveis, o Ministério Público nada mais faz além de zelar pelo interesse público, mas não um interesse voltado à concretização da vontade da Administração, mas um que vise o bem comum geral, isto é, o interesse da sociedade ou da coletividade (MAZZILLI, 1993, p. 60).

Mazzilli (1993, p. 65), ainda sobre a questão do interesse público e de modo bastante apropriado, expõe que:

Em suma, o objeto da atenção do Ministério Público se resume nesta tríade: a) ou zela para que não haja disposição alguma de um interesse que a lei considera indisponível; b) ou, nos casos em que a indisponibilidade é apenas relativa, zela para que a disposição daquele interesse seja feita conforme as exigências da lei; c) ou zela pela prevalência do bem comum, nos casos em que não haja indisponibilidade do interesse, nem absoluta nem relativa, mas esteja presente o interesse da coletividade como um todo na solução do problema. 

É indiscutível que a Constituição da República de 1988 conferiu ao Ministério Público não somente um status constitucional (ao mencioná-lo como essencial à função jurisdicional do Estado), mas o tornou “um verdadeiro defensor da sociedade” (MORAES, 2003, p. 498), tanto na esfera criminal quanto na cível, outorgando-lhe garantias, vedações e funções institucionais que permitem a livre atuação de seus membros.

A fim de concentrar o exposto até o momento sobre atuação ministerial, quanto às hipóteses que merecem a sua intervenção, trazemos um pequeno trecho da obra de Mazzilli (1993, p. 151):

Em doutrina, tem-se procurado sintetizar em três as causas interventivas da instituição ministerial em juízo: a) defesa de hipossuficientes, quando visa a compensar o desequilíbrio das partes (acidentados do trabalho, favelados); b) defesa de interesses indisponíveis (ligados de forma absoluta ou relativa, a uma pessoa ou a uma relação jurídica); c) defesa do interesse público ou de interesses difusos ou coletivos (ação penal, ações ambientais ou grande parcela de consumidores).

As funções institucionais do Ministério Público devem ser iluminadas pelo zelo de um interesse social ou individual indisponível, ou então, pelo zelo de um interesse difuso ou coletivo. Sua atuação processual dependerá ora da natureza do objeto jurídico da demanda, ora se ligará à qualidade de uma das partes, porque: a) de seus interesses não possam estas dispor, de forma absoluta ou limitada; b) os titulares de seus interesses em litígio padeçam de alguma forma de acentuada deficiência, que justifique a intervenção protetiva ministerial.

Em suma, já deixamos claro que, desde que haja alguma característica de indisponibilidade parcial ou absoluta de um interesse, ou desde que a defesa de qualquer interesse, disponível ou não, convenha à coletividade como um todo, aí será exigível a iniciativa ou a intervenção do Ministério Público junto ao Poder Judiciário.

Quanto às garantias do Ministério Público, podem ser divididas em garantias institucionais, garantias dos membros e vedações ou impedimentos aos membros.

Vejamos:

a) as primeiras referem-se à autonomia funcional, à administrativa e à financeira, as quais foram concedidas pelo legislador constituinte a fim de que o Parquet, como instituição, exercesse com liberdade a sua essencialidade à função jurisdicional;

b) as segundas, expressadas pelas características de vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de subsídios, foram conferidas aos agentes ministeriais não por sua pessoa, mas em razão da importância da função que exercem. Tanto o é que o artigo 85, II, da atual Constituição Federal entende como crime de responsabilidade do Presidente da República a prática de qualquer ato atentatório contra o livre exercício do Ministério Público;

c) as vedações, que proíbem o recebimento de qualquer valor além do subsídio, o exercício da advocacia, a participação em sociedade comercial, o exercício de qualquer outra função pública, salvo uma de magistério, o exercício da atividade política e o recebimento de qualquer auxílio ou contribuição, foram estabelecidas para que imperasse a imparcialidade no exercício das funções dos membros ministeriais.

Na intenção de colocar em prática o estatuído no caput do artigo 127, da Constituição da República, isto é, a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, a mesma Constituição, desta vez no artigo 129, expôs rol exemplificativo das funções institucionais do Ministério Público: 

São funções institucionais do Ministério Público:

I – promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei;

II – zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia;

III – promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos;

IV – promover a ação de inconstitucionalidade ou representação para fins de intervenção da União e dos Estados, nos casos previstos nesta Constituição;

V - defender judicialmente os direitos e interesses das populações indígenas;

VI – expedir notificações nos procedimentos administrativos de sua competência, requisitando informações e documentos para instruí-los, na forma da lei complementar respectiva;

VII – exercer o controle externo da atividade policial, na forma da lei complementar mencionada no artigo anterior;

VIII – requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial, indicados os fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais;

IX – exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com a sua finalidade, sendo-lhe vedada a representação judicial e a consultoria jurídica de entidades públicas.

§1º - A legitimação do Ministério Público para as ações civis previstas neste artigo não impede a de terceiros, nas mesmas hipóteses, segundo o disposto nesta Constituição e na lei.

§2º - As funções do Ministério Público só podem ser exercidas por integrantes da carreira, que deverão residir na comarca da respectiva lotação, salvo autorização do chefe da instituição.

§3º - O ingresso na carreira do Ministério Público far-se-á mediante concurso público de provas e títulos, assegura a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em sua realização, exigindo-se do bacharel em direito, no mínimo, três anos de atividade jurídica e observando-se, nas nomeações, a ordem de classificação.   

§4º - Aplica-se ao Ministério Público, no que couber, o disposto no art. 93.

§5º - A distribuição de processos no Ministério Público será imediata. (grifo nosso)

Cabe lembrar que a atuação ministerial pode ocorrer tanto na seara penal quanto na cível, destacando-se naquela a posição de dominus litis da ação penal pública, isto é o exclusivo dono da ação, o formulador da acusação, mas também o vigilante dos direitos do acusado. Na área cível, ou extrapenal, o Ministério Público tem a possibilidade de trabalhar, por exemplo, como promovedor do inquérito civil e da ação civil pública para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos, como interventor em prol da defesa dos incapazes, como controlador externo da atividade policial, como administrador público de interesses privados nos casos de habilitação matrimonial, de fiscalização de fundações, de aprovação de acordos extrajudiciais e na tomada de compromisso de ajustamento, dentre outras possibilidades estabelecidas em lei. 

Ainda, segundo a posição da doutrina clássica, a atuação ministerial no âmbito do processo civil brasileiro pode se dividir em parte do processo[7] e fiscal da lei (custos legis). Os doutrinadores mais modernos criticam tal divisão, pois atualmente vislumbra-se que não é absoluta, ou seja, nada impede que agindo como parte do processo o Ministério Público possa fiscalizar a aplicação da lei, e nem mesmo intervindo como fiscal da lei possa deixar de ser parte.

Mazzilli (2007, p. 32, 33) apresenta duas classificações distintas, uma baseada na forma da atuação e outra na causa da atuação ministerial. Na primeira, o MP pode se apresentar como legitimado ordinário, como autor; como substituto processual, legitimado extraordinário; como interveniente devido à natureza que a lide apresenta, por exemplo, em processos que envolvem o estado das pessoas; como interveniente em razão da qualidade da parte, por exemplo, em função da situação de vulnerabilidade da mulher vítima de violência doméstica; e como réu, excepcionalmente, por exemplo, ajuizando ação rescisória de sentença proferida em ação civil pública movida pelo Ministério Público.

A segunda classificação, admitida pelo STF no julgamento do RE n.º 248.869/SP, leva em consideração a causa da atuação ministerial, podendo o órgão intervir quando se tratar de interesse indisponível da pessoa, por exemplo, no caso de haver incapaz figurando em um dos pólos da ação; de interesse indisponível da relação jurídica; e de questões de grande repercussão social.

3.3.       A Atuação do Ministério Público na Lei Maria da Penha

Visando a obediência aos ditames constitucionais ao Ministério Público – quanto à defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis – a Lei n.° 11340/2006 previu em seu texto a participação efetiva deste órgão das mais diversas formas.

Conforme Santana a ação ministerial se funda nos mesmos motivos de vivência da Lei Maria da Penha, que são o Estado Democrático de Direito, os Direitos Humanos e os Direitos e Garantias Fundamentais, tendo a lei específica buscado justificar a sua existência no sistema jurídico brasileiro. (2010)

A professora Dias (2010, p. 101) divide a atuação ministerial, no contexto da Lei Maria da Penha, em três esferas: institucional, administrativa e judicial.

Antes de esmiuçar as esferas citadas acima é importante explicar sobre a justificativa da participação do Ministério Público nos casos de violência doméstica, já que a primeira vista trata-se da causa de um indivíduo, apenas, o que distanciaria a intervenção ministerial.

Pois bem, vejamos.

Noutra oportunidade reescrevemos as lições (MAZZILLI, 1993, p. 151) quanto às causas interventivas do Ministério Público em juízo, das quais gostaríamos de realçar a hipossuficiência das partes, isto é, baseado na qualidade deficitária de uma das partes (no caso em apreço, a mulher vitimada) o agente ministerial atua para igualá-la à outra parte.

Para compreender melhor podemos utilizar as lições do Direito Consumerista, que teve como base para a confecção de uma lei especial de tratamento (Lei n° 8078, de 11 de setembro de 1990 – Código de Defesa do Consumidor) a situação de vulnerabilidade do consumidor. Sergio Cavalieri Filho (ALMEIDA, 2000 apud CAVALIERI FILHO, 2009, p. 38) ensina que:

(...) essa é a espinha dorsal da proteção do consumidor, sobre o que se assenta toda a filosofia do movimento. Reconhecendo-se a desigualdade existente, busca-se estabelecer uma igualdade real entre as partes nas relações de consumo. Logo, o princípio da vulnerabilidade, expresso no art. 4°, I, do CDC, é também um princípio estruturante do seu sistema, na verdade o elemento informador da Política Nacional de Relações de Consumo. As normas do CDC estão sistematizadas a partir dessa idéia básica de proteção de um determinado sujeito: o consumidor, por ser ele vulnerável.

Portanto, da mesma forma ocorre no âmbito da proteção da mulher agredida, a qual muitas vezes está subjugada econômica, física, psicológica e/ou sentimentalmente ao seu agressor e por isso necessita da intervenção ministerial.

Dada a notória participação do Ministério Público, a Lei Maria da Penha o destacou em capítulo especial, além de outras disposições esparsas no mesmo diploma legal.

3.3.1.   Atuação Institucional

Conforme preconizam os primeiros artigos da Lei Maria da Penha, o Poder Público desenvolverá políticas que visem garantir os direitos humanos das mulheres no âmbito das relações domésticas e familiares, as quais serão efetivadas através de um conjunto articulado de ações entre os entes governamentais (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) e os não-governamentais.

Especial destaque merece a atuação ministerial no que diz respeito à efetivação das políticas públicas, as quais gozam do compromisso do Estado brasileiro perante a comunidade internacional quando, ratificou os diversos instrumentos supra-estatais anteriormente mencionados, vinculando-se a garantir os direitos humanos das mulheres.

O livro Políticas Públicas: Conceito e Práticas, editado pelo SEBRAE de Minas Gerais, conceitua Política Pública como “(...) a totalidade de ações, metas e planos que os governos (nacionais, estaduais ou municipais) traçam para alcançar o bem-estar da sociedade e o interesse público.” (CALDAS, 2008, p. 5).

Luís Roberto Barroso citado por Maria Berenice Dias (sem ano apud 2010, p. 197) escreve que é “necessária a existência de órgãos, instrumentos e procedimentos capazes de fazer com que as normas jurídicas se transformem de exigências abstratas dirigidas à vontade humana em ações concretas”. Não bastam o planejamento e a positivação de pretensões estatais para o bem estar da sociedade, é imprescindível a movimentação em prol da realização de tais ações.

É neste contexto que o MP está inserido e deve agir. A partir da edição da Lei n.° 7345/85, que disciplina a Ação Civil Pública, e da Constituição Federal de 1988 o órgão ganhou relevância neste ponto, inclusive por ter sido chamado de defensor da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. As políticas públicas são “instrumentos e diretrizes com eficácia suficiente para atingir aquilo que o Poder Constituinte reputou como objetivos elementares de um Estado Democrático de Direito” (FERRARESI, 2009, p. 64).

A Lei Maria da Penha contém um grande número de mandamentos legais[8] que abordam a questão das políticas públicas, direcionados aos mais diversos agentes colaboradores da luta pela erradicação da violência doméstica, dos quais faz parte o Ministério Público.

Assim age o Parquet para a aplicação da lei, integrando-se operacionalmente com o Poder Judiciário, a Defensoria Pública e as áreas de segurança pública, assistência social, saúde, educação, trabalho e habitação (artigo 8°, I, Lei n° 11.340/2006).

Também, celebrando convênios, protocolos, ajustes, termos ou outros instrumentos de promoção de parceria entre órgãos governamentais ou entre estes e entidades não-governamentais, tendo por objetivo a implementação de programas de erradicação da violência doméstica e familiar contra a mulher (artigo 8°,VI, Lei n° 11.340/2006).

Cunha e Pinto (2008, p. 68 e 69), discorrendo sobre a integração operacional, afirmam que a ausência desse pensamento uno (a integração entre os órgãos) é o maior responsável pelo fracasso do combate à criminalidade. A divisão entre os seguimentos da segurança pública, entre Poder Judiciário e Ministério Público, é fator determinante para impedir a eficácia do serviço público que prestam. A Lei Maria da Penha intentou, através da imposição de comunhão, fazer com que os agentes governamentais e não-governamentais se unissem em prol do combate à violência intrafamiliar.

Pereira (2007) cita que, além das atribuições em sede processual, o Ministério Público, dentro do seu novo perfil constitucional, deve dar cada vez mais atenção às atividades extraprocessuais, por exemplo, reunindo com Delegados e com equipes técnicas, buscando instrumentalizar o caminho e os meios necessários para a efetivação das medidas protetivas de urgência, fiscalizando a instalação e a estruturação das casas-abrigo, as casas de passagem, etc.

À autoridade policial cabe, quando no atendimento às vítimas, além de outras providências, comunicar de imediato o agente ministerial (artigo 11, I, Lei n.° 11.340/2006), bem como remeter a ele os autos do inquérito policial (artigo 12, VII, Lei n.° 11.340/2006).

Em sede de Medidas Protetivas de Urgência, ao juiz foi determinado, após o recebimento do expediente com o pedido da ofendida, comunicar o fato ao Ministério Público para que este adote as medidas recomendáveis (artigo 18, III, Lei n.° 11.340/2006).

Por derradeiro, ao tratar da equipe de atendimento multidisciplinar, além de outras atribuições, a lei dispõe que a ela cabe fornecer subsídios por escrito ao juiz, ao Ministério Público e à Defensoria Pública, mediante laudos ou verbalmente em audiência.

3.3.2.    Atuação Administrativa

Ainda como meio de efetivação das políticas garantidoras dos direitos humanos das mulheres, os entes governamentais (estando entre eles o Ministério Público) precisam promover estudos e pesquisas, estatísticas e outras informações relevantes, com a perspectiva de gênero e de raça ou etnia, concernentes às causas, às conseqüências e à freqüência da violência doméstica e familiar contra a mulher, para a sistematização de dados, a serem unificados nacionalmente, e a avaliação periódica dos resultados das medidas adotadas (artigo 8°, II, Lei n.° 11.340/2006).

Aos órgãos oficiais do Sistema de Justiça e Segurança foi instituída a inclusão de estatísticas sobre a violência doméstica e familiar contra a mulher em suas bases de dados, a fim de subsidiar o sistema nacional de dados e informações relativos às mulheres (artigo 38, caput, Lei n.° 11.340/2006), contudo, apesar de tal disposição, a Lei apontou individualmente ao Parquet a tarefa de cadastrar os casos de violência doméstica que chegam ao seu conhecimento através de Inquéritos Policiais (artigo 26, III, Lei n.° 11.340/2006).

Quanto à formação de cadastros e estatísticas, Pereira (2007) analisa a questão e expõe que a obrigação ministerial em manter tais dados não significa ter um controle de antecedentes criminais dos agressores, mas criar e manter um perfil dos agressores, das vítimas e do tipo de relação familiar com incidência de casos de violência doméstica, no intuito de melhor atuar nas políticas públicas.

A segunda vertente da atuação administrativa é a fiscalização de estabelecimentos públicos e particulares de atendimento à vítima, bem como a adoção de medidas administrativas ou judiciais cabíveis para sanar quaisquer irregularidades constatadas (artigo 26, II, Lei n.° 11.340/2006). A Lei Maria da Penha foi bastante genérica neste mandamento não especificando qualquer procedimento. No entanto, o artigo 13, permite aplicação subsidiária do Estatuto do Idoso e do Estatuto da Criança e do Adolescente, além de outros, o que oportuniza a utilização das normas relativas à fiscalização dos estabelecimentos e à apuração das irregularidades dos mesmos.

O procedimento de apuração das irregularidades, nos dois Estatutos, é bastante parecido, podendo ser sintetizado da seguinte forma: é possível ocorrer em entidades governamentais e não-governamentais; pode ser iniciado por representação do Ministério Público, dentre outros legitimados; havendo motivo grave o dirigente da entidade pode ser afastado liminarmente, por decisão judicial fundamentada; o dirigente da entidade deverá apresentar resposta em 10 (dez) dias e havendo necessidade será marcada audiência de instrução e julgamento; salvo manifestação em audiência, as partes e o Ministério Público possuirão 5 (cinco) dias para apresentação de alegações finais, devendo a autoridade judicial decidir em igual prazo; caso seja decidido pelo afastamento, provisório ou definitivo, do dirigente da entidade, o juiz fixará prazo para a imediata substituição; antes de qualquer medida o magistrado poderá optar pela remoção das irregularidades encontradas, as quais, se sanadas, ensejarão a extinção do processo, sem julgamento de mérito; serão impostas ao dirigente da entidade ou ao responsável pelo programa de atendimento a multa e a advertência.

Como ato finalizador da atuação administrativa está a requisição de serviços. Cabe ao Ministério Público, quando necessário, requisitar força policial e serviços públicos de saúde, de educação, de assistência social e de segurança, entre outros (artigo 26, Lei n.° 11.340/2006).

Inicialmente esta disposição parece bastante atrativa e até mesmo respeitadora da intenção de ação conjunta entre os órgãos governamentais e não-governamentais, contudo não é perfeita, uma vez que o vocábulo requisitar, em Direito, tem sentido de ordenar, exigir, o que não seria possível ao Ministério Público, pelo menos diretamente, em face dos serviços de saúde, de educação, de assistência social e de segurança. Há ressalva, em termos de requisição, quanto à força policial a fim de proceder a condução coercitiva, ato que é possibilitado por previsão expressa na Lei Orgânica Nacional do Ministério Público (artigo 26, I, a, Lei n.° 8625/1993).

Cunha e Pinto (2008, p. 164 e 165) tecem crítica bastante ponderada sobre o inciso da Lei Maria da Penha:

(...) explicar a possibilidade do Ministério Público requisitar “serviços públicos de saúde, de educação, de assistência social e de segurança, entre outros”, como quer a lei, é tarefa impossível. Pode até o parquet, em tese, ajuizar ação civil pública, a fim de compelir o Estado, por exemplo, a instalar os equipamentos sociais que a lei prevê, como “centro de atendimento integral e multidisciplinar para mulheres, casas-abrigos” etc. (art. 35 da lei). Mas jamais ordenar ao poder público que adote tais medidas, sob pena de indevida ingerência na esfera do Poder Executivo, capaz de subverter todo o sistema no qual se funda o pacto federativo. Trata-se, portanto, de dispositivo que carece do mínimo rigor lógico e sistemático que se espera de uma lei, fadado, por isso mesmo, a não gerar qualquer consequência de ordem prática.  

3.3.3.   Atuação Judicial

A última das atuações do Ministério Público - segundo a divisão de Maria Berenice Dias - é a judicial, pela qual pode agir tanto na seara penal quanto na cível, como parte do processo ou como fiscal da lei, independentemente da vítima ser maior de idade e capaz ou estar acompanhada de advogado, sempre em função da vulnerabilidade da mulher (artigo 25, Lei n.° 11.340/2006).

A representação, nos delitos que ensejarem ação penal pública condicionada à representação da ofendida, uma vez adquirida, somente poderá ser renunciada na presença da autoridade judicial, em audiência designada para tanto, antes de recebida a denúncia por ventura oferecida pelo Ministério Público e com a oitiva deste (artigo 16, Lei n.° 11.340/2006). A importância na oitiva do Ministério Público existe porque a representação é condição de procedibilidade, portanto, interfere diretamente na instauração do processo (AVENA, 2009, p. 157-158).

No capítulo referente às Medidas Protetivas de Urgência o artigo 18 da Lei menciona que assim que o juiz receber o expediente com o pedido de medidas protetivas, requeridas pela vítima, tem 48 (quarenta e oito) horas para tomar providências, sendo uma delas a comunicação ao Ministério Público.

Observa-se que, apesar das medidas protetivas também poderem ser requeridas pelo Ministério Público, conforme veremos adiante, para a tomada da decisão o juiz não precisa ouvir previamente o órgão, tão somente comunicando-o a respeito do ocorrido. Isso se justifica pela necessidade de celeridade processual e garantia de imediato atendimento à vítima da violência doméstica (CAVALCANTI, 2007, p. 191).

Em continuidade, quanto às medidas protetivas, o artigo 19 da Lei ensina que, agindo como substituto processual, na função de parte no processo, o Ministério Público pode requerer ao juiz a concessão das medidas, inclusive para renovar ou rever outras já outorgadas, devendo, quando se tratar de renovação ou revisão, o Parquet ser ouvido.

As medidas protetivas se dividem em dois tipos, aquelas que obrigam o agressor e as relativas à ofendida. O artigo 22, que trata essencialmente das medidas que obrigam o agressor, especificamente no § 1°, apresenta a possibilidade da aplicação de outras medidas não previstas na Lei Maria da Penha, sempre que a segurança da ofendida ou as circunstâncias o exigirem, devendo o Ministério Público ser comunicado. 

Quanto à privação da liberdade do agressor, em qualquer fase do inquérito policial ou da instrução criminal, a autoridade judicial pode decretar de ofício, a requerimento da autoridade policial ou do agente ministerial, a prisão preventiva (artigo 20, Lei n.° 11.340/2006 e a nova redação do artigo 313, II, do Código de Processo Penal). Além disso, é possível o requerimento da prisão temporária, nos moldes da Lei n.° 7960/1989, da quebra do sigilo bancário, do telefônico e da interceptação telefônica, tanto na fase do inquérito policial como da instrução criminal, segundo a Lei n.° 9296/1996, artigo 3°, II.

No capítulo específico da atuação ministerial, o artigo 26, II, trata da fiscalização dos estabelecimentos públicos e particulares de atendimento à mulher em situação de violência doméstica, que conforme já vimos faz parte da atuação administrativa do Ministério Público, embora não somente desta, tratando-se também de atuação judicial, já que a segunda parte do inciso incumbe ao Ministério Público, na qualidade de fiscal da lei, a adoção de medidas judiciais cabíveis no tocante às irregularidades constatadas.

Por fim, no artigo 37, a Lei Maria da Penha reafirma a atuação do agente ministerial em defesa dos interesses e direitos transindividuais[9], concorrentemente com associação atuante na área.

A doutrina clássica divide os interesses em duas categorias, interesse público, subdividido em primário e secundário, e o interesse privado. Aquele envolve o Estado em um dos pólos e o indivíduo noutro, enquanto este compreende dois indivíduos, sejam pessoas físicas ou jurídicas, predominando a vontade dos particulares. Entretanto, com o passar dos tempos e das relações sociais, apesar da existência anterior, no início da década de 1970, foi reconhecida a presença de um novo grupo de interesses, os interesses transindividuais ou metaindividuais.

Os interesses transindividuais, a partir de alguns critérios, se dividem em:

a) interesses difusos: se de natureza indivisível, são comuns a um grupo, classe ou categoria de indivíduos indeterminável e compartilham de uma mesma situação de fato (por exemplo, interesse por um meio ambiente sadio.);

b) interesses coletivos: também de natureza indivisível, porém pertencem a um grupo, classe ou categoria de indivíduos divisíveis ou determináveis, compartilhando de uma mesma relação jurídica (por exemplo, indivíduos específicos assinam um contrato de adesão que contem uma cláusula abusiva, sendo que todos são alvo de tal cláusula.);

c) interesses individuais homogêneos: tem natureza divisível, envolvem um grupo, classe ou categoria de indivíduos determinável e estão reunidos por uma lesão de direito de origem comum a todos (por exemplo, consumidores destacáveis adquirem certo produto que foi produzido com defeito, sendo que todos os lesados terão direito a reparação, individualmente).

Pela leitura do artigo 37 da Lei Maria da Penha, compreendemos que o legislador confirmou a possibilidade do Ministério Público - utilizando a legitimação extraordinária[10], isto é, agindo excepcionalmente em nome próprio para salvaguardar direito alheio – ajuizar a ação civil pública ou ação coletiva, na intenção de forçar o Estado a implementar as políticas públicas pertinentes e a tomar as providências necessárias à defesa da mulher vítima de violência doméstica.

3.4.        O Ministério Público do Estado de Roraima e a Lei Maria da Penha

O estado de Roraima possui ao todo oito Comarcas, sendo uma na capital Boa Vista e as demais instaladas nos municípios de Mucajaí, de Caracaraí, de Rorainópolis, de São Luiz do Anauá, de Bonfim, de Pacaraima e de Alto Alegre. Em todas as Comarcas do interior a competência é única, isto é, todos os feitos são processados e julgados pela Vara Única, composta por apenas um Juiz de Direito.

Assim, no âmbito do Ministério Público, nas Comarcas do interior, encontram-se instaladas Promotorias de Justiça que possuem atribuições para todas as áreas, cuja execução está a cargo de um Promotor de Justiça. Dessa forma, os feitos envolvendo violência doméstica ou familiar, quer sejam inquéritos, ações penais ou medidas protetivas de urgência, são processados e julgados conjuntamente com todas as demais espécies de processos, devendo ser garantida a prioridade no processamento das medidas protetivas, bem como a aplicação da Lei n.º 11340/2006, conforme o parágrafo único do artigo 33:

Art. 33.  Enquanto não estruturados os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, as varas criminais acumularão as competências cível e criminal para conhecer e julgar as causas decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, observadas as previsões do Título IV desta Lei, subsidiada pela legislação processual pertinente.

Parágrafo único.  Será garantido o direito de preferência, nas varas criminais, para o processo e o julgamento das causas referidas no caput (grifo nosso).

Embora a Lei Maria da Penha estabeleça em seu artigo 14 a possibilidade da criação de Juizados Especializados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, com competência cível e criminal, é forçoso reconhecer que a instalação desses juizados acaba ocorrendo somente nas capitais e em grandes centros urbanos, em face da grande demanda populacional, de inquéritos e de processos judiciais. Por outro lado, nas cidades menores e com pouca demanda, dificilmente os Tribunais criam os juizados especializados, os quais, por força de lei, devem possuir uma estrutura multidisciplinar, exigindo o aumento do quadro de pessoal e do espaço físico.

Em Roraima, no dia em que a Lei Maria da Penha passou a viger, em 22 de setembro de 2006, o Tribunal de Justiça, por meio de sua Corregedoria Geral, editou a Portaria CGJ n.º 065/2006, de 22 de setembro de 2006, publicada no DJE n.º 3454, páginas 04 e 05, do dia 23 de setembro de 2006, atribuindo a competência criminal e cível, dos feitos relativos à violência doméstica e familiar a 2ª Vara Criminal.

Posteriormente, com a edição da Lei Complementar Estadual n.° 154, de 30 de dezembro de 2009 que alterou o Código de Organização Judiciária do Estado de Roraima, a Lei Complementar n.º 002/1993, a competência para o processo e julgamento dos feitos relativos à Lei Maria da Penha foi atribuída a 8ª Vara Criminal.

Entretanto, embora criada a 8ª Vara Criminal pela lei, a mesma nunca foi instalada. Em razão disso, foi editada pelo Tribunal de Justiça do Estado de Roraima a Resolução n.º 08, de 24 de fevereiro de 2010, publicada no DJE n.º 4268, de 04 de março de 2010, páginas 03 e 04, atribuindo a 6ª Vara Criminal, até a instalação da 8ª Vara Criminal, a competência para o processo e julgamento dos feitos relativos à violência doméstica.

Por meio da Lei Complementar n.° 163, de 19 de maio de 2010, o COJERR foi novamente alterado, criando-se o Juizado Especializado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, atendendo a Recomendação n.º 9, do Conselho Nacional de Justiça - CNJ, publicada no dia 08 de março de 2010.

A instalação dessa unidade jurisdicional ocorreu no dia 17 de junho de 2010, nas dependências das Faculdades Cathedral, que cedeu espaço físico para o funcionamento do JEsp VDF c/ Mulher, da Promotoria de Justiça e da Defensoria Pública. O Tribunal também designou para atuar no juizado uma Juíza de Direito, Dra. Caroline da Silva Braz, que foi a responsável pelas primeiras ações voltadas para o atendimento e acolhimento da mulher num ambiente multidisciplinar.

O juizado, à época, recebeu da 6ª Vara Criminal cerca de três mil processos, entre medidas protetivas, ações penais e inquéritos policiais.

No âmbito do Ministério Público, formalmente ainda não houve a criação de uma Promotoria Especializada para agir nos casos de violência doméstica e familiar, contudo desde a edição da Lei Maria da Penha sempre houve membros do Ministério Público atuando, de acordo com suas atribuições junto às varas criminais que anteriormente à criação do juizado possuíam competência para tal.

Com a instalação do juizado foram designadas para atuar junto à nova unidade jurisdicional as Promotoras de Justiça Carla Cristiane Pipa e Ilaine Aparecida Pagliarini, conforme Portaria de n.º 281, de 17 de junho de 2010, publicada no DJE n.º 4338, de 18 de junho de 2010, página 99, as quais permanecem respondendo até os dias atuais.

A criação formal de uma Promotoria de Justiça Especializada na área de violência doméstica e familiar, via Resolução do Procurador Geral de Justiça, é uma necessidade imperiosa, tendo em vista que a atuação do Parquet deve ser das mais amplas, não somente se atendo ao aspecto judicial, mas também, devido à grande relevância, às atribuições administrativas e institucionais. A realidade atual é entrave ao completo cumprimento das atribuições ministeriais, haja vista que os membros designados cumulam atividades das Promotorias de Justiça de origem, sobrecarregando-os de afazeres, bem como ficam limitados aos termos da Portaria que os estabeleceu.

Com apenas 5 (cinco) anos de Lei Maria da Penha, pouco mais de 1 (um) ano da criação do JEsp VDF c/ Mulher em Roraima e atuando em aproximadamente 6000 processos judiciais o Ministério Público local, por meio de seus agentes e servidores, tem trilhado o caminho para o alcance da real proteção à mulher vitimada. Mesmo em meio às dificuldades - como o desencontro de dados no âmbito estadual e nacional, a falta de um sistema unificado de colhimento das informações sobre os agressores, as limitações advindas da não criação formal da Promotoria de Justiça Especializada, dentre outras que podem surgir durante o labor diário – o MP tem buscado, por meio do exercício de atividades jurisdicionais e extrajudiciais, garantir a aplicação da Lei Maria da Penha no nosso estado.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao findar este trabalho, realizando um balanço do proposto inicialmente e do obtido, concluímos que alcançamos com êxito os objetivos da pesquisa, os quais eram:

a) conhecer histórico e juridicamente os caminhos da luta pela igualdade de direitos entre homens e mulheres até a edição da Lei n.° 11340, de 7 de agosto de 2006;

b) aprender sobre a história do Ministério Público até a sua atual formação, evidenciando seu papel institucional diante da sociedade e a atuação específica para o cumprimento satisfatório do intencionado pela Lei Maria da Penha;

c) destacar a realidade roraimense na luta contra a violência doméstica e familiar no âmbito do Ministério Público do Estado de Roraima.

Além disso, considerando o problema proposto – Por qual motivo a popularmente conhecida como Lei Maria da Penha outorgou ao Ministério Público “poderes” mais singulares e talvez abrangentes em defesa das mulheres vítimas de violência doméstica e familiar que os ofertados constitucionalmente ao Parquet, e quais são eles? – pudemos responder que a Lei Maria da Penha concedeu ao Ministério Público atribuições especiais, além das já dispostas no artigo 129, da Constituição Federal de 1988, que é mero rol exemplificativo, em razão do contexto histórico em que foi formada, no mundo e também no Brasil; do objeto de sua proteção, a mulher violentada dentro do seu próprio lar; por afetar não somente a vida da mulher, mas também a de seus filhos, demais familiares e do grupo social que a cerca.

 A julgar pela evidência do tema, em virtude da infeliz ocorrência diária de casos de violência intrafamiliar, bem como pela relativa novidade da Lei Maria da Penha, com apenas 5 (cinco) anos de vigência, entendemos que ainda há muito para se estudar, questionar e propor, sobretudo quanto à função específica dos agentes participantes na luta contra a erradicação da violência contra a mulher - o Ministério Público, que já foi objeto deste trabalho, a Defensoria Pública, os Juizados Especializados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, os agentes policiais e os (as) delegados (as), os (as) psicólogos (as), os (as) assistentes sociais, etc.

O MP, considerando ser uma instituição reconhecida pela Constituição Federal de 1988, alvo de designações legais da Lei Maria da Penha e órgão dotado da confiança da sociedade, deve utilizar todos os meios necessários, judiciais e extrajudiciais, para contribuir com a erradicação e a prevenção da violência doméstica no Brasil; para exterminar de uma vez por todas a cultura machista e egoísta preservada por alguns.

Por todo o exposto esta monografia torna-se então base para acadêmicos de Direito e de áreas afins e para a sociedade em geral; fonte de conhecimento e ponto de partida para a abordagem de outras questões pertinentes da Lei Maria da Penha. Destaca-se nela a novidade trazida com relação aos dados acerca do Ministério Público do Estado de Roraima, especificamente quanto à atuação dos seus agentes no âmbito da violência intrafamiliar, a instalação do JEsp VDF c/ Mulher, a inexistência formal de uma Promotoria de Justiça Especializada, dentre outras informações contidas no corpo do trabalho.


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VIOLÊNCIA DOMÉSTICA: MP e governo intensificam ações de combate. Publicado em 11 de abril de 2011. Disponível em <www.mp.rr.gov.br/conteudos/view/333>. Acesso em 25 de nov. de 2011.

ZANDONÁ, Roberto Torro; BARRETO, João Francisco de Azevedo. Os Relatórios da Comissão Interamericana de Direitos Humanos sobre a Situação Atual dos Direitos Humanos no Brasil. Disponível em <http://intertemas.unitoledo.br/revista/index.php/ETIC/article/viewFile/2338/1834>. Acesso em 26 jul. de 2011.


ANEXO A – Reportagem do Jornal Folha de Boa Vista, versão online, sobre a I Marcha pelo Fim da Violência Contra a Mulher

23/11/2011 02h48

Mulheres realizam marcha contra violência

  Foto:  Raynere Ferreira

As mulheres se agruparam no plenário da Assembleia Legislativa para entregar carta aos parlamentares

NAIRA SOUSA

Em busca dos direitos que venham a beneficiar a classe feminina no Estado, centenas de mulheres participaram da 1ª Marcha pelo Fim da Violência Contra a Mulher, na manhã de ontem. A carta com os principais pontos foi entregue aos poderes Legislativo e Executivo. A maior preocupação diz respeito ao 2º lugar que Roraima ocupa no ranking nacional de violência contra mulher.Depois da concentração em frente ao Palácio Senador Hélio Campos, as integrantes do movimento ocuparam o plenário da Assembleia Legislativa do Estado (ALE). Cartazes e faixas mostravam a indignação das mulheres roraimenses. Conforme a coordenadora da União de Negros pela Igualdade (Unegro), Glória Rodrigues, o objetivo do movimento foi alcançado. “Agora é esperar os próximos passos, ou seja, a resposta do poder público quanto aos questionamentos citados na carta”, informou.

A implantação das ações estabelecidas no Pacto de Enfrentamento à Violência Contra a Mulher, assinado pelo Governo do Estado no ano de 2009, foi o assunto mais falado durante a movimentação. “Até o momento isso não saiu do papel, já que não foram implantadas”, disse.

Consta ainda a implantação de um Organismo Estadual de Políticas para Mulheres e um Centro de Referência de Atendimento à Mulher vítima de violência. Tudo isso envolvendo atendimento multiprofissional. “Buscamos a efetivação das políticas públicas, como a construção de delegacia especializada, tudo voltado à efetivação, e implementação com foco ao combate e ao enfrentamento da violência contra a mulher”, observou.

“Não podemos deixar que as políticas públicas não sejam efetivadas de fato e de direito. A carta entregue está justamente mostrando as propostas e soluções. O poder precisa estar ciente desta realidade que só cresce a cada dia em Roraima, visível dentro dos lares”, enfatizou Glória.

“Estamos atrás dos direitos da mulher, para que as propostas e projetos realmente sejam colocados em prática para beneficiar principalmente as vítimas da violência na sociedade”, frisou Joziane Sagica, que representou os agentes de endemias na marcha.

PLANO - O Conselho Municipal dos Direitos da Mulher reuniu representantes de 12 secretarias da Prefeitura de Boa Vista na manhã de ontem para começar a elaboração do I Plano Municipal de Políticas Públicas para Mulheres. A reunião aconteceu no gabinete da vice-prefeita, Suely Campos.

A comissão será encarregada de até janeiro elaborar o I Plano Municipal de Políticas Públicas para Mulheres, que será embasado nos fundamentos contidos no Plano Nacional de Políticas Públicas para Mulheres.

Os fundamentos são: igualdade e respeito à diversidade, equidade, autonomia das mulheres, universalidade das políticas, transparência dos atos públicos, laicidade do Estado, participação e controle social e justiça social.

A próxima reunião está marcada para a sexta-feira, na Secretaria Municipal de Saúde.  Representantes de cada secretaria irão definir ações e apresentá-las para, posteriormente, serem colocadas em prática.

ANEXO B - Reportagem do Jornal Folha de Boa Vista, versão online, sobre as Medidas Protetivas de Urgência recebidas pelo Juizado Especializado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher de Roraima

24/09/2011 08h03

Juizado recebe média de três solicitações de medidas protetivas à mulheres diariamente

O Juizado Especializado de Violência contra a Mulher recebe diariamente uma média de três medidas protetivas para ser analisadas. O descumprimento de tais medidas tem levado muitos agressores para trás das grades. 

Inclusas no rol de mecanismos criados com a Lei Maria da Penha para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, dentre as medidas protetivas de urgência elencadas pela lei, o juiz possui a competência de fixar, inclusive em metros, a distância a ser mantida pelo agressor não apenas da residência, mas também dos locais de convivência da vítima, entre eles, de seu local de trabalho.

No caso do descumprimento da ordem judicial, as vítimas precisam denunciar para que o juizado possa agir. Se comprovado, uma das medidas adotadas é a decretação de prisão preventiva para garantir que a determinação do juiz tenha validade.

Mais informações na edição impressa da Folha deste fim de semana, 24 e 25.

ANEXO C – Notícia extraída do site do Ministério Público do Estado de Roraima sobre as ações governamentais conjuntas para combater a violência doméstica

11/04/2011  17:18:00

VIOLÊNCIA DOMÉSTICA:MP e governo intensificam ações de combate

O Ministério Público brasileiro, a Secretaria Nacional de Políticas para as Mulheres e o Ministério da Justiça vão intensificar a proteção às mulheres que são vítimas de violência doméstica e familiar e buscar efetivar a punição dos agressores com base na Constituição e na Lei Maria da Penha.

Para atingir esses objetivos, um protoloco de cooperação foi assinado em março, em Brasília, entre o Conselho Nacional dos Procuradores-Gerais dos Estados e da União (CNPG), Ministério Público Federal (MPF), Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) Secretaria de Políticas para as Mulheres e o Ministério da Justiça, por meio da Secretaria de Reforma do Judiciário.

A cooperação técnica entre o Ministério Público e os órgãos do governo federal vai reforçar a atuação integrada entre as várias instituições e permitirá o desenvolvimento de ações conjuntas para o máximo aproveitamento das informações disponíveis nos bancos de dados que auxiliem o combate à violência doméstica.

Núcleos de combate a esse tipo de crime e Promotorias Especializadas no Enfrentamento da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher nos Ministério Públicos Estaduais serão ampliados e fortalecidos, de acordo com o protocolo firmado. Além disso, Os Ministérios Públicos dos Estados e do Distrito Federal, o Ministério Público Federal, a Secretaria de Políticas para as Mulheres e a Secretaria de Reforma do Judiciário irão realizar encontros periódicos para planejar o enfrentamento do problema.

“A atuação integrada, com intercâmbio de informações e esforços conjuntos, vai possibilitar a otimização do combate aos crimes de violência contra a mulher, um problema grave no Brasil e que merece toda a atenção do Ministério Público”, destaca o presidente do CNPG, Fernando Grella Vieira, procurador-geral de Justiça do Estado de São Paulo.

Nesse esforço conjunto, o CNPG vai adotar medidas para que os Ministérios Públicos dos Estados e do Distrito Federal comuniquem à Secretaria de Políticas para as Mulheres o fluxo de encaminhamento das denúncias e reclamações registradas na Central de Atendimento à Mulher e na Ouvidoria da SPM para os MPs. Também vai definir com SPM um protocolo de procedimentos para encaminhamento das notícias de violência contra a mulher diretamente para a Promotoria de Justiça que terá atribuição de examinar o caso concreto. Registros de casos e processos nos MPs estaduais e do Distrito Federal serão unificados para estatísticas e divulgação dos dados referentes à aplicação da Lei Maria da Penha.

Já o Ministério Público Federal vai zelar pela celeridade na tramitação das ações penais, recursos e incidentes processuais no Superior Tribunal de Justiça (STJ) e no Supremo Tribunal Federal (STF) para evitar a impunidade dos agressores de mulheres. Signatário do acordo, o CNMP vai desenvolver, entre outras medidas, políticas de atuação no âmbito do Ministério Público para a promoção dos direitos das mulheres e para prevenir e combater a violência praticada contra elas.

Pelo acordo, a Secretaria de Reforma do Judiciário do Ministério da Justiça vai apoiar o fortalecimento e a criação de Promotorias de Justiça e de Núcleos Especializados em violência Doméstica e Familiar. Caberá à Secretaria Nacional de Políticas para as Mulheres estabelecer diretrizes claras e objetivas para os serviços da rede de atendimento à mulher sob risco de violência doméstica e familiar.

 Fonte: MP de São Paulo


Notas

[1] Alguns estudiosos fazem a diferenciação entre os conceitos de direitos humanos e os de direitos fundamentais, dentre eles Pérez Luño, Los derechos fundamentales, (1995 apud CAVALCANTI, 2010, p. 86): “Os direitos humanos podem ser entendidos como um conjunto de faculdades e instituições que, em cada momento histórico, concretizam as exigências da dignidade, liberdade e igualdade humanas, as quais devem ser reconhecidas positivamente pelos ordenamentos jurídicos nacionais e internacionais. No entanto a noção de direitos fundamentais diz respeitos a aqueles direitos humanos garantidos pelo ordenamento jurídico positivo, na maior parte dos casos na norma constitucional e que sugerem gozar de uma tutela reforçada” (tradução do autor). 

[2] Herkenhoff (1998, p. 35, 36) explica que são possíveis duas denominações, Declaração Universal dos Direitos Humanos e Declaração Universal dos Direitos do Homem, sendo que em português a mais apropriada é a primeira. Isto se justifica, pois “é preciso dar ao vocábulo ‘homem’ um sentido ampliado para abranger ‘direitos do homem’ e ‘direitos da mulher’; a forma ‘Direitos do Homem’ acentua uma conotação individualista desses direitos (...); a expressão ‘Direitos do Homem’ abstrai os ‘Direitos dos Povos’, cujo respeito é essencial para que vigorem os ‘Direitos Humanos’; a expressão ‘Direitos Humanos’ significa ‘direitos da pessoa humana’ – a pessoa humana homem, a pessoa humana mulher, a pessoa humana individualmente considerada, a pessoa humana na sua dimensão coletiva, a pessoa humana referida à cultura e ao povo de que faz parte e que integra”.

[3] A modificação na Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais se justifica, pois anteriormente à Lei Maria da Penha os casos de violência doméstica e familiar eram tratados em sede juizados especiais, como se crimes de menor potencial ofensivo fossem.

[4] Conforme a dicção do artigo 61, da Lei n.° 9.099, de 26 de setembro de 1995 (Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais), são infrações penais de menor potencial ofensivo as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a 2 (dois) anos, cumulada ou não com multa.

[5] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Mandado de Segurança nº 21.239/DF.  Julgado em 05 de junho de 1991. Tribunal Pleno. Relator Ministro Sepúlveda Pertence. Disponível em <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%2821239.NUME.+OU+21239.ACMS.%29&base=baseAcordaos>. Acesso em 25 de nov. de 2011.

[6] A partir de agora para a devida compreensão da atuação do Ministério Público à luz da atual Constituição faremos uso das lições do insigne professor Hugo Nigro Mazzilli na obra Regime Jurídico do ministério público: análise da lei orgânica nacional do ministério público, aprovada pela Lei n. 8.625, de 12 de fevereiro de 1993, o qual oferece explicações pormenorizadas do citado caput do artigo 127, da Constituição Federal de 1988.

[7] “todo aquele que está presente no contraditório perante o juiz é parte” (GRECO FILHO, 2008, p. 164).

[8] Dias (2010, 197-201) enumera os artigos da Lei Maria Penha que determinam providências a serem adotadas pelo poder público no âmbito das políticas públicas: artigo 3°, §§1° e 2°; artigo 8°, caput, I, II, IV, V, VI, VII, VIII, IX; artigo 9°, caput, §§ 1° e 3°; artigo 11, caput, I, II, III, IV; artigo 12, IV; artigo 14; artigo 20; artigo 22, III, a, b, c; artigo 23, I; artigo 26, II, III; artigo 27; artigo 28; artigo 29; artigo 32; artigo 35 caput, I, II, III, IV; artigo 36; artigo 38, caput, parágrafo único; artigo 39; artigo 45, parágrafo único combinado com o artigo 35, V.

[9] Apesar de anteriormente termos descrito um pouco sobre os “direitos dos grupos” (em sentido amplo) que são objeto da atuação ministerial, faz-se necessária a exposição sobre o significado de interesses e direito transindividuais, e para tanto, mais uma vez, nos utilizaremos das preciosas lições de Hugo Nigro Mazzilli (2007, p. 19-24).

[10]  Alguns Doutrinadores discordam da atuação do MP como legitimado extraordinário, por não ser possível a delimitação dos referidos direitos alheios, por se tratar de grupos e não de indivíduos determinados em si mesmos, transferindo ao Ministério Público a titularidade do direito material. Existe uma terceira possibilidade de classificar a legitimidade ministerial como sui generis ou anômala já que apresenta características próprias e não se encaixa perfeitamente em nenhuma das classicamente conhecidas (FERRAZ, 1999).


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MORAIS, Suellen Pinheiro. Lei Maria da Penha e as atribuições conferidas ao Ministério Público para a sua aplicação . Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3987, 1 jun. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/29038. Acesso em: 17 abr. 2024.