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Abrangência da representação do voto no Brasil

Abrangência da representação do voto no Brasil

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O Brasil ruma para um aperfeiçoamento de sua representatividade e evolução de seu sistema jurídico e social.

RESUMO: Este artigo estabelece comparativo entre o Código Civil Brasileiro, Código Eleitoral e outras leis correlatas a fim de encontrar essencialmente o fundamento da representatividade democrática e com base na interpretação dos dispositivos apresenta conceituação deste elemento de efetivação da cidadania com base no quadro legislativo e doutrinário aplicado ao caso da Democracia no Brasil.

Palavras-Chave: Democracia. Cidadania. Voto. Representação. Direito Eleitoral. Direito Civil. Legislação Comparada. Procuração. Mandato.

SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO. 2. O VOTO E A REPRESENTAÇÃO. 2.2. CONCEITO DE PROCURAÇÃO. 2.2. REPRESENTAÇÃO. 2.3. O VOTO. 2.3.1. Procuração Eleitoral. 2.3.2. Substabelecimento Eleitoral. 2.3.3. A evidência comparativa. 3. CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS.


1. INTRODUÇÃO

O presente artigo pretende realizar comparativo entre a Legislação Eleitoral e o correlacionado em termos de Direito Civil brasileiro, a fim de solucionar algumas das questões mais recorrentes à lógica quando do estudo da essência do sistema representativo democrático, do funcionamento dos elementos de Direito Eleitoral, e da análise dos conceitos dos mais frequentes doutrinadores da área.

Não tem a pretensão de opor-se às teorias majoritárias, apenas apresentar tese em consonância com os dispositivos legais vigentes a fim de buscar maior compreensão da essência destes dispositivos na aplicação prática, e encontrar formas mais amplas para entendimento do sistema representativo brasileiro dentro do quadro atual.

Por ser tese diversa e não suscitada no mesmo foco de análise adotado no presente artigo, o embasamento de vários bons doutrinadores não pôde ser contemplado, o que se espera fazer em futuro trabalho focado na adequação desta tese ao entendimento de outras fontes do direito, pois que não se adequaria à lógica adotada para a solução das questões que nortearam o estudo e as conclusões a que se chega como resultado deste estudo comparativo essencialmente de legislação objetiva.


2. O VOTO E A REPRESENTAÇÃO

2.2. CONCEITO DE PROCURAÇÃO

A procuração é um instrumento formal e legal através do qual uma pessoa autoriza outra a agir em seu nome, ou seja, é uma formalidade jurídica que possibilita a outorga de poderes de uma pessoa (outorgante) à outra (outorgado). Por exemplo, a outorga de poderes para o uso de conta bancária, para a realização de matrícula universitária, para a realização de contratos, para se casar, para participação em assembleias condominiais, etc. É a formalidade mais usada para a realização de mandato (negócio celebrado exatamente quando alguém recebe poderes de outro para realizar atos no interesse deste).[1]

Nos termos do Código Civil depreende-se que:

Art. 653. Opera-se o mandato quando alguém recebe de outrem poderes para, em seu nome, praticar atos ou administrar interesses. A procuração é o instrumento do mandato.

Art. 654. Todas as pessoas capazes são aptas para dar procuração mediante instrumento particular, que valerá desde que tenha a assinatura do outorgante.

§ 1o O instrumento particular deve conter a indicação do lugar onde foi passado, a qualificação do outorgante e do outorgado, a data e o objetivo da outorga com a designação e a extensão dos poderes conferidos.

[...]

Art. 655. Ainda quando se outorgue mandato por instrumento público, pode substabelecer-se mediante instrumento particular.

[...]

Art. 657. A outorga do mandato está sujeita à forma exigida por lei para o ato a ser praticado. Não se admite mandato verbal quando o ato deva ser celebrado por escrito.

Assim verifica-se que a procuração é o instrumento revestido dos requisitos legais a que se propõe o interesse, indicando o representante daqueles que a outorgam por sua livre vontade, contendo informação das partes, data de início, local em que foi concebida e objetivo da outorga, sendo esta limitada ao que a lei define no âmbito proposto, sendo ele civil, criminal, eleitoral ou de natureza diversa.

A procuração, contratualmente analisada encontra-se revestida das características indicadas a tal ainda pelo Codex Civel, litteris:

Art. 104. A validade do negócio jurídico requer:

I – agente capaz;

II – objeto lícito, possível, determinado ou determinável;

III – forma prescrita ou não defesa em lei.

[...]

Art. 106. A impossibilidade inicial do objeto não invalida o negócio jurídico se for relativa, ou se cessar antes de realizada a condição a que ele estiver subordinado.

Art. 107. A validade da declaração de vontade não dependerá de forma especial, senão quando a lei expressamente a exigir.

[...]

Art. 110. A manifestação de vontade subsiste ainda que o seu autor haja feito a reserva mental de não querer o que manifestou, salvo se dela o destinatário tinha conhecimento.

[...]

Art. 112. Nas declarações de vontade se atenderá mais à intenção nelas consubstanciada do que ao sentido literal da linguagem.

A procuração para haver-se dentro da validade, deve possuir agentes capazes para a sua outorga legal, objeto lícito, ou neste caso, poderes que possam ser conferidos por este meio jurídico, e forma prescrita em lei, tal como a procuração ao foro cível, nos termos do Art. 38, ou uma procuração nos termos do Codex Processual Penal, entre outras possibilidades que não proibidas por lei expressamente.

2.2. REPRESENTAÇÃO

O mandatário é o representante, na esfera permitida pelo instrumento de mandato, a saber, a procuração, para a realização de atos atinentes ao que lhe é permitido pela força do instrumento procuratório dentro dos termos da lei, em nome do mandante que representa.

Nesse ínterim, observa-se que aquele que é detentor de mandato eletivo é representante do povo que o elegeu, ou seja, de cada um dos eleitores que lhe concedeu o voto perante a justiça eleitoral.

Afirma o Dr. Aglézio de Brito[2] que:

Com o evoluir das civilizações e o crescimento geométrico da população, aperfeiçoando-se dia a dia o pacto social de que já falava Platão, estudado por Thomas Hobbes e desenvolvido por Jean Jaccques Rousseau, começou a se esboçar as democracias modernas, culminando com o sistema tripartido de Poderes, arquitetado por Montesquieu, em cujo protótipo se insculpe a representação popular nos Poderes Legislativo e Executivo, ou seja, é o povo, através do sufrágio universal, quem nomeia os Vereadores, Deputados, Senadores, Prefeitos, Governadores e, no caso do Brasil, o Presidente da República, para representa-lo e tomar as decisões deste povo, nas Câmaras Municipais, nas Assembléias Legislativas, na Câmara Federal, no Senado, nos governos dos Municípios, dos Estados membros e da União Federal.

Essa representação, essa delegação de poderes, concedida pelo povo, chama-se mandato eletivo.

É uma procuração que o povo outorga a essas pessoas para, em nome desse povo, no caso dos Vereadores, Deputados e Senadores, votarem as leis, exercerem o controle externo do Poder Executivo, e, no caso dos Prefeitos, Governadores e Presidente da República, promoverem a segurança pública, a ordem econômica, a ordem social, a seguridade social, a educação, a cultura, enfim, tudo o que for necessário para atender à teleologia do pacto social.

Aduzindo-se então desta premissa explicitada, no texto do CCB/2002, in verbis:

Art. 115. Os poderes de representação conferem-se por lei ou pelo interessado.

Art. 116. A manifestação de vontade pelo representante, nos limites de seus poderes, produz efeitos em relação ao representado.

E observa-se claramente no texto da Carta Magna:

PREÂMBULO

Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.

TÍTULO I

Dos Princípios Fundamentais

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

[...]

Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.

A afirmação categórica a respeito do tamanho poder da representação dos mandatários do povo, que tem o poder de promulgar o contrato social que rege a civilização desta nação, como demonstração da base em que está fundada a tradição democrática no Brasil.

Sendo tamanha a importância deste texto que foi buscado ainda no que se verifica do Código Eleitoral, in litteris:

Art. 2º Todo poder emana do povo e será exercido em seu nome, por mandatários escolhidos, direta e secretamente, dentre candidatos indicados por partidos políticos nacionais, ressalvada a eleição indireta nos casos previstos na Constituição e leis específicas.

E destaca-se ainda o disposto no Regimento Interno da Câmara dos Deputados:

Art. 226. O Deputado deve apresentar-se à Câmara durante a sessão legislativa ordinária ou extraordinária, para participar das sessões do Plenário e das reuniões de Comissão de que seja membro, além das sessões conjuntas do Congresso Nacional, sendo-lhe assegurado o direito, nos termos deste Regimento, de:

[...]

V – promover, perante quaisquer autoridades, entidades ou órgãos da administração federal, estadual ou municipal, direta ou indireta e fundacional, os interesses públicos ou reivindicações coletivas de âmbito nacional ou das comunidades representadas;

VI – realizar outros cometimentos inerentes ao exercício do mandato ou atender a obrigações político-partidárias decorrentes da representação.

Assim explicitando a áurea importância da representação e o seu âmbito, abrindo os dispositivos de regulamentação, a expressão da representatividade, na cabeceira da lei, de forma clara, nos dispositivos que tratam e trazem em especial a regulamentação mãe de todo o ordenamento jurídico que compõe o instrumento procuratório destes representantes.

2.3. O VOTO

Segundo Pontes de Miranda, o voto é definido constando de que “é função pública, função de instrumentação do Povo: donde ser direito”[3].

Define ainda Fávila Ribeiro[4] que:

Por igual, tanto o alistamento quanto o voto figuram nas pautas de direito individual. E tanto se trata de um Direito, que existem os provimentos judiciais para assegurá-lo, na hipótese de haver qualquer medida lesiva que esteja a estorvar o seu livre exercício.

O voto é um direito do cidadão apto para isso nos termos da lei eleitoral, podendo a pessoa natural capaz para os atos da vida eleitoral, assim denominada cidadão ou eleitor, escolher um ou nenhum candidato, havendo tão somente o dever legal de comparecer na data determinada em lei e local escolhido (sua seção da zona eleitoral) a fim de declarar a sua vontade, em escolher representante ou não, perante a justiça eleitoral.

O voto é o instrumento democrático que gera a capacidade de representação ao eleito mandatário, dentro dos requisitos da lei, e averiguado pela justiça eleitoral.

2.3.1. Procuração Eleitoral

O voto é então, em essência, uma procuração eleitoral.

Revestido dos requisitos em lei nos termos do Código Civil, este ato ou negócio jurídico perfeito é regido pela lei constitucional, cível e eleitoral quanto aos limites e poderes concedidos por esta procuração no que tange à atuação do representante, deixando a ele o voto para ser representado em todos os assuntos de interesse eleitoral decorrentes.

O voto outorga como representantes do povo, nos termos da lei, os mandatários.

É revestido dos requisitos legais cíveis, de validade e legalidade do objeto, tem forma prescrita na lei, e é realizado entre agentes capazes para tal, o candidato que se enquadra na lei e tem a sua candidatura deferida, e o eleitor que se enquadra nos requisitos legais para ser cadastrado devidamente na justiça eleitoral e ter seus direitos de cidadania assegurados.

É o voto procuração eleitoral, pois que instrumento do mandato, nos termos do Código Civil vigente, e destinasse, nos termos desta lei, a praticar atos e administrar interesses; já que se observa, evidentemente, que o mandatário pratica atos dentro do poder executivo ou legislativo, respectivamente a sua função, e também que administra interesses de ordem política, partidária e eleitoral.

É ainda, procuração eleitoral na forma de instrumento público. E isso se deve a ter seu registro realizado pelo cartório da justiça eleitoral nos termos da lei, dando por autêntico, firme e valioso a realização desta manifestação de vontade do outorgante e garantindo a lisura e correição do registro desta outorga por parte do eleitor ao seu escolhido mandatário.

Desta forma se revestindo dos requisitos legais para a constituição do instrumento procuratório nos termos do art. 654, §1º do CCB/2002 e outros relacionados da legislação, tendo o registro da firma do outorgante como autêntica pelos meios eletrônicos ou físicos certificada pela justiça eleitoral; em local certo informado como sendo a seção respectiva na zona eleitoral do eleitor; tendo as informações válidas do eleitor no cadastro da justiça eleitoral; revestida ainda da segurança de serem os agentes, eleitor e candidato, ambos enquadrados na lei específica para figurarem como detentores do direito de votarem e serem votados, respectivamente; contendo publicamente o objetivo e poderes da outorga nos termos da lei vigente e no que é veiculado ao tempo da campanha eleitoral e averiguado pessoalmente pelo outorgante como algo que é de seu interesse que seja representado pelo mandatário.

A procuração eleitoral na forma de instrumento público é registrada nesta serventia do poder judiciário especializado na forma do Diploma ao mandatário, concedendo-lhe publicamente poderes para atuar como representante dos seus outorgantes, contendo especificamente as informações definidas na lei especial, o Codex Eleitoral:

Art. 215. Os candidatos eleitos, assim como os suplentes, receberão diploma assinado pelo Presidente do Tribunal Regional ou da Junta Eleitoral, conforme o caso.

Parágrafo único. Do diploma deverá constar o nome do candidato, a indicação da legenda sob a qual concorreu, o cargo para o qual foi eleito ou a sua classificação como suplente, e, facultativamente, outros dados a critério do juiz ou do Tribunal.

Assim, tal qual uma procuração por instrumento público para efeitos cíveis, registrada em um cartório de títulos e documentos, em que constam os dados referentes ao art. 654 do Código Civil, verifica-se que a procuração eleitoral destinada pelos eleitores e registrada na justiça eleitoral ganha a lavra de instrumento próprio denominada aqui especialmente Diploma, seguindo subscrita pelo responsável legal pelo cartório que emitiu este instrumento público.

É ensinado pelo Tribunal Superior Eleitoral[5] que:

O diploma eleitoral é o documento emitido pela Justiça Eleitoral ao candidato eleito. Terminado o pleito, apurados os votos, conhecidos os eleitos e passados os prazos de questionamento e de processamento do resultado vindo das urnas, a Justiça Eleitoral emite documento em que certifica a legitimidade da pessoa cujo nome consta dele para empossar-se no cargo ao qual tenha concorrido. Esse diploma reconhece também a legitimidade do candidato eleito para representar a população da circunscrição eleitoral pela qual se elegeu.

Tendo o diploma a informação de identificação do mandatário, o número de outorgantes capazes nos termos da lei – que mantém suas informações cadastradas com o cartório da justiça eleitoral -, o local e data, a vigência desta procuração, ou tempo de mandato, e a fé pública do instrumento assegurada pelo responsável pela circunscrição eleitoral nos termos da lei.

2.3.2. Substabelecimento Eleitoral

Ainda é de salutar interesse quando observado o voto a partir do prisma mandatário representativo de interesses eleitorais, tal como a procuração o é para interesses cíveis, que há também neste modal de procuração a existência da figura de substabelecimento com ou sem reservas de iguais poderes.

Não sendo o foco de análise direta do presente artigo, e merecendo por si mesmo uma explanação completa, traz-se ao presente apenas uma ilustração de sua possibilidade jurídica e efetivação.

Tal como é concedido ao mandatário eletivo a investidura nos poderes para a representação de interesses político-eleitorais do eleitor capaz, também é prevista nesta procuração por instrumento público a figura do substabelecimento, quando nos deparamos com a figura dos suplentes e da sua eventual ação no plano dos fatos assumindo o posto vago do titular da procuração eleitoral.

As normas para este substabelecimento, tal como no Direito Civil regidas de forma até mesmo contratual, constam da legislação eleitoral no tocante ao disposto de forma de apuração das eleições e do sistema proporcional, de forma que representa o seu sistema uma forma válida de substabelecimento avalizada pelo eleitor em seu voto válido.

Em pretensão a analisar-se o sistema proporcional de eleições e seu funcionamento, há de forma clara na citação do Min. Gilmar Mendes, em excerto do Inteiro Teor de seu voto na ADI nº. 1.351-3, in verbis:

No sistema eleitoral adotado no Brasil, impõe-se precisar (1) o número de votos válidos, (2) o quociente eleitoral, (3) o quociente partidário, (4) a técnica de distribuição de restos ou sobras e (5) o critério a ser adotado na falta de obtenção do quociente eleitoral.

Os votos válidos são os votos conferidos à legenda partidária e ao candidato. Não são computados os votos nulos e os votos em branco.

O quociente eleitoral, que traduz o índice de votos a ser obtido para a distribuição das vagas, obtém-se mediante a divisão do número de votos válidos pelos lugares a preencher na Câmara dos Deputados, nas Assembleias Legislativas ou nas Câmaras de Vereadores.

O quociente partidário indica o número de vagas alcançado pelos partidos e é calculado pela divisão do número de votos conferidos ao partido, diretamente, ou a seus candidatos pelo quociente eleitoral, desprezando-se a fração.

A distribuição de restos ou sobras decorre do fato de, após a distribuição inicial, haver vagas a serem preenchidas sem que os partidos tenham votos suficientes para atingir o quociente eleitoral. Podem-se adotar diferentes critérios, como a distribuição pela maior sobra ou pela maior média[6]. O Código Eleitoral adotou o critério da maior média, estabelecendo para obtê-la “adiciona-se mais um lugar aos que já foram obtidos por cada um dos partidos; depois, toma-se o número de votos válidos atribuídos a cada partido e divide-se por aquela soma; o primeiro lugar a preencher caberá ao partido que obtiver a maior média; repita-se a mesma operação tantas vezes quantos forem os lugares restantes que devam ser preenchidos, até sua total distribuição entre os diversos partidos" (Código Eleitoral, art. 109).

Se nenhum partido atingir o quociente eleitoral, o Código Eleitoral determina que hão de ser considerados eleitos os candidatos mais votados, independentemente de qualquer critério de proporcionalidade (Código Eleitoral, art. 111). A solução parece questionável, como anota José Afonso da Silva, pois a Constituição prescreve, no caso, a adoção do sistema eleitoral proporcional[7].

Vê-se, assim, que, também no sistema proporcional, tendo em vista razões de ordem prática, os votos dos partidos que não atingiram o quociente eleitoral e os votos constantes das sobras podem não ter qualquer aproveitamento, não havendo como conferir-lhes significado quanto ao resultado.

Interessante notar que esse sistema permite que um candidato sem nenhum voto nominal seja eleito. Tal como registra Walter Costa Porto, nas eleições de 2 de dezembro de 1945 o Partido Social Democrático apresentou dois candidatos a deputado federal, no Território do Acre: Hugo Ribeiro Carneiro e Hermelindo de Gusmão Castelo Branco Filho. O primeiro candidato obteve 3.775 votos; o segundo nenhum voto nominal, pois ficara no Rio de Janeiro. Não obstante, o partido alcançou uma vez o quociente eleitoral e mais uma sobra de 1.077 votos. O critério do “maior número de votos” do partido, em caso de sobra, acabou por conferir mandato a candidato que não obtivera sequer um voto[8].

Mencione-se que pode ocorrer até mesmo que o candidato mais votado no pleito eleitoral não logre obter o assento em razão de a agremiação partidária não ter obtido o quociente eleitoral. Foi o que se verificou em vários casos expressivos, dentre os quais se destava o de Dante de Oliveira, que, candidato pelo PDT a uma vaga para a Câmara dos Deputados, pelo Estado de Mato Grosso, nas eleições de 1990, obteve a maior votação (49.886 votos) e não foi eleito em razão de seu partido não ter obtido quociente. À época, postulou a revisão do resultado com a alegação de que a inclusão dos votos brancos para a obtenção do quociente eleitoral revelava-se inconstitucional (Código Eleitoral, art, 106, parágrafo único). O Tribunal Superior Eleitoral rejeitou essa alegação com o argumento de que os votos brancos eram manifestações válidas e somente não seriam computáveis para as eleições majoritárias por força de normas constitucionais expressas (CF, artigos 28, 29, II, e 77, §2º)[9]. Também o recurso extraordinário interposto contra essa decisão não foi acolhido tendo em vista as mesmas razões[10]. O art. 106, parágrafo único, do Código Eleitoral foi revogado pela Lei n. 9.504/1997[11]. Desde então, não se tem mais dúvida de que o voto em branco não deve ser contemplado para os fins de cálculo do quociente eleitoral.

De forma detalhada, e ao mesmo tempo sintética o Ministro do Supremo conseguiu expressar o sistema proporcional brasileiro de uma maneira bem fundamentada, ao que pouco resta acrescentar, sendo sua contribuição de bom tom para que haja entendimento de como se procede a apuração que nos leva ao resultado dos titulares e suplentes ou substabelecentes e substabelecidos pela procuração eleitoral, em usando o conceito tecido neste texto até o momento.

2.3.3. A evidência comparativa

REPRESENTAÇÃO CÍVEL

REPRESENTAÇÃO ELEITORAL

Característica

Legislação

Característica

Legislação

poderes para praticar atos e administrar interesse

CCB/2002 – art. 653

poderes para praticar atos e administrar interesse

CF/88 – art. 1º, parágrafo único

mandato

CCB/2002 – art. 653

mandato

CE/65[12] - art. 215

local, data, objetivo, tempo de duração

CCB/2002 – art. 654

local, data, objetivo, tempo de duração

CE/65 – art. 215, parágrafo único

outorgante capaz

CCB/2002 – arts. 1º a 5º

outorgante capaz = eleitor

CE/65 – arts. 4º e 5º

mandatário capaz

CCB/2002 – art. 666

mandatário capaz = candidato

CE/65 – art. 3º

forma de registro

CCB/2002 – art. 654, §2º

forma de registro

CE/65 – art. 215

instrumento de procuração pública = documento emitido pelo cartório de registro de títulos e documentos

instrumento de procuração pública = diploma emitido pelo cartório da justiça eleitoral

substabelecimento com ou sem reserva de poderes

a procuração ou a lei define a possibilidade

substabelecimento com reserva de poderes = ao suplente seguinte

ex.: investidura em cargo permitido por lei na administração pública

substabelecimento sem reserva de poderes = ao suplente seguinte

ex.: renúncia ou cassação

TABELA 1 – Comparativo entre o Código Civil e Eleitoral acerca dos instrumentos procuratórios.[13]

Só ao se observar qual é o dispositivo legal que concede poderes ao representante eleitoral em comparação com o cível, deparamo-nos com a Carta Magna, a mãe das leis, o que demonstra a importância e legitimidade da representação eleitoral dentro da democracia na nossa República.

E cabe dentro deste último quadro que sintetiza o pensamento que se busca exprimir aqui apenas um questionamento ainda não suscitado anteriormente, para melhor organicidade textual: e o voto na legenda?

O voto na legenda partidária, tal como prevê a lei eleitoral, é de mesma sistemática dentro da tese apresentada para estudo, já que, estando devidamente regulamentado, representa o mesmo que uma procuração análoga à procuração particular que civilmente subscrevemos a um escritório de advocacia, ou sociedade de advogados, nos termos do regulamentado pelo Estatuto da OAB, que é legitimado como diploma legal cível no país para todos os efeitos devidos.

Não há diferenciação na analogia da procuração cível à sociedade de advogados, em que de certa forma signatários de uma procuração em branco, do que existe eleitoralmente, no comparativo, para o voto na legenda, que é um voto em branco para a organização partidária de preferência do eleitor.


3. CONCLUSÃO

Em análise ao estudo realizado se conclui que o comparativo estabelecido encontra respaldo legislativo suficiente para estar em base sólida, e até mesmo doutrinariamente, em diversos entendimentos que à sua maneira convergem para um entendimento essencial da representação democrática.

Além disso, é de utilização diversificada e importante para o aprimoramento das instituições democráticas e da aplicação da cidadania que haja um entendimento mais claro e amplo a respeito dos atos de cidadania praticados por todos.

Do que se depreende que é plausível que haja a aplicação desta conceituação em aspectos diversos relacionados à representatividade, tais como as Leis de Iniciativa Popular, que poderiam bem ver suas listas firmadas por procuração, pelos representantes, dada a observância de cálculo para não incorrer em risco duplicidade de firma por procuração, em razão de ser o voto direto, mas também secreto. Além é claro de haverem as mais diversas aplicações para este entendimento em que pese estar no Brasil o direito civil e eleitoral se modernizando a passos lentos ainda.

Pôde-se verificar que o detentor de mandato eletivo, tanto quanto os substabelecidos pelo mesmo, estão investidos de poder de representação em razão tanto da tradição de democracia no Brasil em consolidação constante, quanto também sob um prisma contratual e histórico da civilização ocidental. E estando em consonância com a mais atualizada matéria em termos de democracia, o Brasil ruma para um aperfeiçoamento de sua representatividade e evolução de seu sistema jurídico e social.


REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. 5 out. 1988.

BRASIL. Lei nº. 4.737 de 15 de julho de 1965. Institui o Código Eleitoral. Diário Oficial da União. Brasília, DF. 19 jul. 1965.

BRASIL. Lei nº. 5.689 de 11 de janeiro de 1973. Institui o Código de Processo Civil. Diário Oficial da União. Brasília, DF. 17 jan. 1973.

BRASIL. Lei nº. 10.406 de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial da União. Brasília, DF. 11 jan. 2002.

BRITO, Aglézio de. A nova democracia. Disponível em: http://wwwagleziodebrito.blogspot.com.br/ Acesso em: 20/06/2013.

NASCIMENTO, Marcos de Sá. Procuração: o que é e para que serve? Disponível em: http://www.direitodireto.com/procuracao-o-que-e-e-para-que-serve/ Acesso em: 20/06/2013.

PONTES DE MIRANDA. Comentários à Constituição de 1967, com E.C. nº. 01, de 1969. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, Tomo IV, 1970.

RIBEIRO, Flávila. Direito Eleitoral. 5ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999.


[1] Bel. Marcos de Sá Nascimento, graduado na USP, atua em filosofia do Direito.

[2] Advogado no Estado do Ceará.

[3] PONTES DE MIRANDA. Comentários à Constituição de 1967, com E.C. nº. 01, de 1969. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, Tomo IV, 1970, p. 566.

[4] RIBEIRO, Fávila. Direito Eleitoral. 5ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999.

[5] http://www.tse.jus.br/institucional/memoria-e-cultura/diplomas-presidenciais

[6] Cf TEIXEIRA, J. H. Meirelles. Curso de Direito Constitucional, cit. p. 525.

[7] Cf. SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 27. ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 376.

[8] COSTA PORTO, Essa mentirosa urna, cit., p. 157.

[9] Cf. Recurso Especial - TSE nº 9.277, Relator Vilas Boas, DJ 23.4.1991; Cf sobre o assunto também Costa Porto, Walter, Essa mentirosa urna, São Paulo, 2004, p. 171-173.

[10] RE 140.386, Relator Carlos Velloso, DJ 20.4.2001.

[11] Cf. Estudos de Xavier de Albuquerque, Leitão de Abreu, Paulo Bonavides e Tito Costa. In: Estudos Eleitorais, TSE n. 2, maio/ago. 1997, p. 79-137.

[12] Código Eleitoral.

[13] Tabela desenvolvida pela e de autoria da autora para demonstrativo neste artigo.



Informações sobre o texto

Artigo elaborado em pesquisa para trabalho forense e publicado em edição especial da Revista Eletrônica Refletindo o Direito.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BAGINSKI, Cibele Bumbel. Abrangência da representação do voto no Brasil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4125, 17 out. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/30249. Acesso em: 18 abr. 2024.