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O dano moral e sua quantificação decorrente da aquisição de produto ou serviço mediante a utilização fraudulenta da identidade de terceiro

O dano moral e sua quantificação decorrente da aquisição de produto ou serviço mediante a utilização fraudulenta da identidade de terceiro

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As indenizações por danos morais fixadas em virtude das fraudes envolvendo furto de identidade devem ser arbitradas em valores elevados, compelindo os agentes econômicos a serem mais cautelosos no uso de meios que assegurem a veracidade da identificação do contratante.

Resumo:Discute-se neste artigo a problemática envolvendo a contratação de produtos ou serviços mediante a utilização de identidade de terceiros, bem como os danos morais decorrentes de tais fraudes e os critérios para a fixação da indenização compensatória em favor das vítimas.

Palavras-chave: Furto de identidade; Dano moral; Indenização; Critérios. Compensação; Punição.

Abstract:This paper discusses the problematic involving the contracting of products or services through the use of third-party identity, as well as damages resulting from such fraud and the standard for fixing the compensatory damages to victims.

Key words: Identity theft; Damage; Reparation; Standards; Compensation; Punishment.

SUMÁRIO: Introdução; 1 A contratação mediante furto de identidade; 2  Contratação mediante furto de identidade e dano moral; 2.1  Caracterização do dano moral; 2.1.1 O dano moral e os direitos da personalidade; 2.2 O dano moral e sua compensação; 2.3 O dano moral decorrente de contratações efetuadas mediante furto de identidade de terceiro; 2.4 Parâmetros para fixação da indenização quando o dano moral é provocado por furto de identidade; 2.4.1 Critérios para a fixação do valor do dano moral; 2.4.2 Comportamento jurisprudencial na fixação do montante das indenizações quando o dano moral é praticado mediante furto de identidade; 3 Fixação do dano moral na aquisição de bem ou serviço mediante furto de identidade; 3.1  Indenização punitiva; 3.1.1 Destinação da indenização punitiva; 3.2 Como fixar a indenização por dano moral na contratação de bem ou serviço mediante furto de identidade; Conclusão.


INTRODUÇÃO

As inovações tecnológicas trouxeram muitos avanços. Em outros tempos, os seres humanos apenas se comunicavam dentro dos limites do grupo no qual se encontravam inseridos. Indivíduos nasciam e vinham a óbito sem saberem da existência de outras culturas humanas e sem que tivessem qualquer perspectiva de interagir com outros indivíduos que não os integrantes de sua comunidade. 

Com o desenvolvimento dos meios de comunicação de massa e, em especial com o surgimento da rede mundial de computadores – internet, operou-se uma verdadeira revolução na forma como os seres humanos interagem com os demais, o que trouxe reflexos no âmbito das relações contratuais.

O modelo clássico de contratação, no qual as partes interessadas na avença  firmavam presencialmente o contrato, geralmente escrito e com cláusulas acertadas de comum acordo entre elas, vai se transformando cada vez mais em peça histórica e ofertando lugar às chamadas contratações de massa, nas quais o mesmo modelo contratual é utilizado para a celebração de pactos com um número indeterminado de pessoas, sem que os contratantes interessados na aquisição do produto ou serviço tenham margem de negociação a respeito das cláusulas a que estão aderindo, fazendo surgir o que se convencionou denominar de contrato de adesão.

Novos modelos de relação contratual surgem com a finalidade de atender a um número cada vez maior de consumidores, em curto espaço de tempo. É o caso da aquisição de produtos ou serviços mediante utilização de telefone ou por meio da internet. Nessa modalidade, o consumidor, ao acessar o ambiente virtual do fornecedor de produto ou serviço, pode adquirir o bem ofertado com um simples “clique” no local destinado para tal finalidade. A partir daí, o contrato entre as partes é considerado perfeito e acabado, com todas as obrigações e direitos que lhe são inerentes.

A utilização de ferramentas simples e ágeis para a aquisição de produtos ou serviços sem a necessidade da presença física das partes ou da assinatura de qualquer instrumento contratual tem se convertido em ambiente fértil para a concretização de inúmeras fraudes. É que terceiros, utilizando os dados pessoais de outro indivíduo sem prévia ciência e autorização deste, vêm logrando êxito em adquirir produtos ou serviços em nome do titular dos dados furtados, legando à vítima os débitos oriundos da avença fraudulenta, com os consequentes transtornos daí provenientes, sob a forma de cobrança judicial ou extrajudicial da dívida e inserção do nome da parte inocente em cadastros dos órgãos restritivos de crédito.

Trata-se de um problema que vem se tornando recorrente no Brasil[1], facilitado pela ânsia das empresas em comercializarem os seus bens de consumo, desprovidas de qualquer preocupação com a verificação da autenticidade dos dados que são apresentados quando da contratação. A elas interessa, apenas, alcançar fatias cada vez maiores do mercado de consumo, e, com esse objetivo, os meios de contratação pela internet ou telefone se mostram instrumentos fundamentais, haja vista a rapidez com que se concretizam. Eventuais consequências negativas que a conduta negligente dos fornecedores de produtos ou serviços causem aos consumidores lesados, por eventuais fraudes, é o que menos importa para elas, dado o ambiente normativo-jurisprudencial vigente no Brasil que, quando as penaliza em razão das fraudes, mostra-se bastante brando.

É certo que o sistema de registro de documentos, cuja responsabilidade é do Estado, contribui de forma significativa para que as fraudes perpetradas, mediante o furto de dados de terceiros, logrem êxito. O sistema de registro geral no Brasil é muito falho, em especial por não existir um cadastro nacional, cabendo a cada estado da federação a atribuição de emitir carteiras de identidade e, por consequência, administrar os dados do registro geral dos seus cidadãos, sem qualquer mecanismo eficiente de compartilhamento de dados com os órgãos de registro geral dos outros entes federados. Dessa forma, é possível, por exemplo, que um mesmo indivíduo possa obter uma carteira de identidade em cada estado da federação[2].

É nesse ambiente de consumo de massa, facilitação da contratação e vulnerabilidade do sistema de segurança quanto à emissão de documentos, que se apresentam oportunidades para fraudes mediante utilização dos dados de identificação de terceiros. É também nele que se discute se existe dano moral decorrente de tais ocorrências e, em caso afirmativo, quais os parâmetros adequados para a fixação do valor da indenização.


1 A CONTRATAÇÃO MEDIANTE FURTO DE IDENTIDADE

Inicialmente, é importante deixar claro que aquilo que denominados como furto de identidade não é somente a apropriação física de documentos de identificação pessoal de outra pessoa. Além disso, tal conduta abarca também as situações nas quais um indivíduo, sem o conhecimento do titular dos dados, deles se apropria para, com isso, efetivar a contratação de produtos ou serviços passando-se pela vítima.

Assim, o indivíduo “A” se apropria fraudulentamente dos dados pessoais do indivíduo “B”, passando a adquirir produtos ou serviços em nome de “B” que, por consequência, recebe os ônus do contrato, sem que tivesse sequer, ciência de sua existência.

Em tais situações, “B”, na condição de indivíduo lesado, somente toma ciência de que seus dados foram utilizados indevidamente, quando passa a receber cobranças em função do inadimplemento contratual ou quando descobre que o seu nome se encontra inserido em cadastro restritivo de crédito.

A partir do momento em que toma conhecimento da existência do contrato fraudulento, começam os tormentos para o indivíduo lesado, pois a empresa fornecedora do produto ou serviço adquirido, não raras vezes, recusa-se a reconhecer a existência da fraude, passando a tratar o lesado como alguém apenas interessado em se eximir das obrigações do contrato. Muitas vezes, os fornecedores sequer adotam, nessa fase dos acontecimentos, as cautelas necessárias para verificar a autenticidade das informações prestadas quando o contrato foi firmado.

As contratações mediante furto de identidade de terceiros se revelam bastante fáceis de serem concretizadas atualmente. É que, além das deficiências do sistema de registro geral no Brasil, consoante já ressaltamos acima, as empresas são muito negligentes no momento da contratação, pois aceitam comercializar bens ou serviços por telefone ou mediante páginas na internet, sem que qualquer documento seja assinado pelas partes contratantes.

Logo, com a grande disseminação de dados pela internet, torna-se muito simples para indivíduos mal intencionados obter os dados pessoais de terceiros, passando, dessa forma, a firmar inúmeros contratos em nome do lesado com a complacência das empresas negligentes, que não adotam práticas que, ao menos, dificultem a materialização do ardil. Assim, ao titular dos dados remanesce apenas a dívida e os transtornos que a acompanham.

Trata-se de um problema que poderia ser, no mínimo, mitigado se as empresas fossem mais cautelosas quando da comercialização de produtos ou serviços pela internet ou por telefone. Tais modalidades de contratação, em virtude de ensejar potencial ocorrência de fraudes, deveriam não ser utilizadas enquanto não fossem disponibilizados mecanismos eficientes para a inibição das ações fraudulentas.

No entanto, uma vez que as empresas insistem em utilizar tal modalidade de contrato, assumem o risco de, caso ocorram fraudes, se responsabilizarem por elas. Com efeito, nos termos do artigo 927, parágrafo único, do Código Civil, haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, quando a atividade desempenhada pelo autor do dano implique, por sua natureza, riscos para os direitos de terceiros.


2  CONTRATAÇÃO MEDIANTE FURTO DE IDENTIDADE E DANO MORAL

Os contratempos enfrentados pela vítima de contração operacionalizada mediante o furto de identidade, em face das fragilidades dos sistemas de controle das empresas que admitem a aquisição de produtos ou serviços por telefone ou pela internet, em muito ultrapassam as situações caracterizáveis como meros aborrecimentos cotidianos.

A difusão de tais fraudes não indica que elas são decorrentes dos avanços tecnológicos vivenciados em nossos dias e, por consequência, devem ser interpretadas como inábeis a gerar abalo moral nas vítimas. Ao contrário, a multiplicação da conduta aponta que, pelo menos no Brasil, as empresas não se encontram devidamente preparadas ou interessadas em evitar as fraudes, o que ainda mais sinaliza a reprovabilidade da conduta delas e a dimensão dos prejuízos morais padecidos pelas vítimas dos contratos mediante furto  de identidade.

Para melhor especificar a nossa visão a respeito do dano moral envolvendo os contratos firmados mediante furto de identidade, necessário se faz algumas considerações a respeito do dano moral.

2.1  Caracterização do dano moral

A vida em sociedade demanda certas cautelas. Uma delas indica que a ninguém é dado causar lesão a outrem. Caso isso ocorra, deve o agente causador providenciar a devida reparação. É dentro desse contexto que se estabelecem os elementos centrais da responsabilidade civil, quais sejam: uma conduta dolosa ou culposa praticada pelo agente; o dano decorrente da conduta praticada e nexo de causalidade, vinculando a conduta do agente ao dano padecido pela vítima.

Algumas condutas, no entanto, não produzem um decréscimo patrimonial na vítima do dano. Mas, embora o patrimônio do lesado permaneça incólume, é inegável o sofrimento, a angústia ou tormento psíquico infligido  à vítima como decorrência da ação praticada pelo agente. É nessa esfera que se firmou o conceito de dano moral, mas corretamente denominado como dano extrapatrimonial, uma vez que não se vincula a sua ocorrência a qualquer interferência no patrimônio da vítima.

Discorrendo a respeito do dano moral, Reis (2010, p. 182) trouxe a seguinte lição:

(...). Portanto, o que deve ser ‘medido’ não é o patrimônio da pessoa lesionada, mas essencialmente, a lesão produzida no âmago da vítima, que se viu ferida em seus valores, atingida em seus componentes axiológicos, violada em sua intimidade e teve aviltada a sua dignidade como pessoa humana.

Rizzardo (2013, p.16-17), por sua vez, leciona que:

Dano moral, ou não patrimonial, ou ainda extrapatrimonial, reclama dois elementos, em síntese, para configurar-se: o dano e a não diminuição do patrimônio. Apresenta-se como aquele mal ou dano que atinge valores eminentemente espirituais ou morais, como a honra, a paz, a liberdade física, a tranquilidade de espírito, a reputação, a beleza, etc. Há um estado interior que atinge o corpo ou o espírito, isto é, fazendo a pessoa sofrer porque sente dores no corpo, ou porque fica triste, ofendida, magoada, deprimida. A dor física é a que decorre de uma lesão material do corpo, que fica com a integridade dos tecidos ou do organismo humano ofendida; a moral ou do espírito fere os sentimentos, a alma, com origem em uma causa que atinge as ideias.

É por isso que Dias (2006, p. 1006), assegura que “dano moral (...), é a reação psicológica à injúria, são dores físicas e morais que o homem experimenta em face da lesão”.

Por atingir valores não quantificáveis patrimonialmente, não se exige que o dano moral seja comprovado mediante a demonstração de um prejuízo material padecido pela vítima. Segundo Dias (2006, p.1003) o dano moral “é consequência irrecusável do fato danoso. Este se prova ‘per se’.” Logo, cabe ao julgador mensurar se a situação que lhe é trazida para a apreciação possui, por natureza, potencial para causar sofrimento psíquico que se sobrepõe aos aborrecimentos que são inerentes à vida em sociedade.

2.1.1 O dano moral e os direitos da personalidade

Na avaliação do dano moral ou extrapatrimonial, não se deve analisar a dor individual do lesado, mas a situação em si, extraindo o julgador do caso apreciado potencialidade ou não de violação a direitos de cunho extrapatrimonial tutelados pela legislação, como a honra, a boa imagem, o respeito e a consideração que o indivíduo desfruta no meio social. É por isso que Resedá (2013) ensina que,

 Falar em dano moral não é falar em dor, ou em qualquer outro sentimento desagradável. A humilhação em nada tem haver com prejuízos extrapatrimoniais. Ninguém deverá ser indenizado somente porque ficou triste com algum comportamento, pois se assim fosse, seria possível um dos namorados que sofreu com o término do relacionamento pleitear indenização para o outro (...).

Trata-se de uma visão que vincula a ocorrência do dano moral a lesão a direitos da personalidade, dissociando-a da dor ou sentimento negativo individual padecido pela vítima.

Discorrendo a respeito dos direitos da personalidade, Schreiber (2013, p. 5), ensina que,

A expressão foi concebida por jusnaturalistas franceses e alemães para designar certos direitos inerentes ao homem, tidos como preexistentes ao seu reconhecimento por parte do Estado. Eram, já então, direitos considerados essenciais à condição humana, direitos  sem os quais ‘todos os outros direitos subjetivos perderiam qualquer interesse para o indivíduo, ao ponto de se chegar a dizer que, se não existissem, a pessoa não seria mais pessoa’.

A concepção dos direitos da personalidade como inerentes ao ser humano e independentes de reconhecimento pelo ordenamento jurídico parece haver encontrado respaldo no sistema jurídico brasileiro, pois o artigo 11 do Código Civil de 2002  reconhece tais direitos como “intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo seu exercício sofrer limitação voluntária”, não obstante tenha admitido que tais aspectos do direito da personalidade podem ser afastados nos casos previstos em lei.

Quando se lesiona um direito da pessoalidade, atinge-se inquestionavelmente o patrimônio imaterial do indivíduo, não sendo necessário se aferir a dor ou abalo psicológico por ele sofrido para se concluir pela existência de dano moral, uma vez que o julgador não pode adentrar na esfera do comportamento psíquico do lesado, a fim de mensurar com segurança a dimensão de sua dor.

Assim, pode-se dizer que o critério mais seguro para a caracterização do dano moral vincula-o à lesão a direitos da personalidade, pois sendo tais direitos de cunho extrapatrimonial tutelados pelo ordenamento jurídico, a lesão a eles enseja um dano indenizável. Trata-se de critério objetivo, que destoa da concepção subjetiva do dano moral, que o vincula a dor, sofrimento ou humilhação sofrido pela vítima.

2.2 O dano moral e sua compensação

Conforme já se procurou esclarecer, o dano moral, para ser indenizável, não demanda repercussão patrimonial negativa em desfavor da vítima. O dano moral, que se caracteriza de “per se”, uma vez presente, é indenizável, consoante deixa claro a Constituição Federal em seu artigo 5º, inciso V.

No caso do dano moral, dada a sua natureza extrapatrimonial, não é possível se falar em reparação, uma vez que o preço da dor não é quantificável pecuniariamente. Assim, não é possível restabelecer o equilíbrio psíquico do indivíduo cujo direito da personalidade foi lesado mediante o pagamento de um determinado valor. O que se consegue fazer, na verdade, é conceder-lhe uma compensação financeira, a fim de que a lesão imaterial por ele sofrida receba um lenitivo financeiro capaz de prover situações que lhe tragam sentimentos positivos, como alegria, satisfação e outros semelhantes.

Dessa forma, um indivíduo que padeceu o transtorno de ter o seu nome negativado de forma indevida em cadastro de restrição ao crédito, ao receber uma compensação financeira em virtude do ocorrido, poderá, mediante uma viagem de férias, por exemplo, usufruir de sentimentos de alegria e satisfação capazes de compensar o abalo psíquico por ele sofrido. É nesse contexto que se coloca a lição de Lobo (2003): “Em razão de sua visceral interdependência com os direitos da personalidade, os danos morais nunca se apresentam como reparação, pois a lesão ao direito da personalidade não pode ser mensurada economicamente, como se dá com os demais direitos subjetivos. Por isso, a indenização tem função compensatória (...).”

A compensação não possui natureza de restabelecimento do patrimônio imaterial lesado. Ela tem finalidade substitutiva, ou seja, procura alocar sentimentos positivos onde outrora surgiram sentimentos negativos, operando, dessa forma, um reequilíbrio psíquico no indivíduo.

Dessa forma, embora o dano moral se caracterize de forma mais segura a partir da verificação da ocorrência de lesão a um direito da personalidade do indivíduo, a sua indenização tem como foco central a dor por ele padecida, operando uma compensação de sentimentos.

É nesse âmbito que incide o equívoco da maior parte da jurisprudência nacional quando aprecia a questão do dano moral. Busca se aplicar um critério subjetivista focado na dor para caracterizá-lo, sendo que essa dor apreciada no momento inadequado, ou seja, naquele da avaliação de ocorrência ou não do dano moral, deve ser focada quando da oferta da compensação ao indivíduo que sofreu o dano, dando-lhe a oportunidade usufruir sentimentos positivos verdadeiramente compensadores.

No entanto, o que se verifica, não raras vezes na jurisprudência, é um enfoque demasiado na dor quando da caracterização do dano moral e, uma vez se concluindo pela existência dele, concede-se indenizações pífias que, ao invés de compensar o dano sofrido, serve apenas para agravá-lo, uma vez que o indivíduo se sente duplamente lesado: pelo agente causador do dano e pelo Judiciário ao considerar o seu direito da personalidade violado como insignificante, haja vista o valor irrisório da indenização concedida.[3]

Cabe ao Judiciário decidir pela existência ou não do dano moral e, uma vez se concluindo pela sua existência, deve outorgar a vítima da lesão uma indenização capaz de efetivamente compensar a dor sofrida, sob pena de transformar a indenização do dano numa espécie de extensão dos tormentos e dissabores padecidos pelo lesado.

2.3 O dano moral decorrente de contratações efetuadas mediante furto de identidade de terceiro

A contratação efetivada mediante furto de identidade, nos casos em que não ocorre restrição cadastral da vítima junto aos órgãos de proteção ao crédito não vem sendo considerada pela jurisprudência como ensejadora de dano moral. Mas, quando a fraude perpetrada leva a empresa fornecedora do produto ou serviço a promover restrição cadastral da vítima junto a órgãos de proteção ao crédito, a jurisprudência, em especial do Superior Tribunal de Justiça, vem se pacificando no sentido de que tal conduta caracteriza dano moral indenizável[4].

Os dissabores gerados pelas contratações mediante furto de identidade pode ser reputada como ensejadora de dano moral, em especial quando existe a restrição cadastral da vítima em órgãos de proteção ao crédito ou nas situações  em que é promovida a cobrança judicial ou extrajudicial da dívida, quer se analise o dano extrapatrimonial dentro de uma visão subjetivista ou objetivista, consoante já nos referimos acima.

Dentro de uma visão subjetivista, não há como se negar que o abalo psíquico da vítima em face de uma restrição cadastral indevida ou de uma cobrança judicial ou extrajudicial de uma dívida que não contraiu, em muito ultrapassa qualquer aborrecimento cotidiano, gerando um sentimento de impotência e inquietude de espírito que outra conclusão não enseja que não a presença, no caso, de um dano moral indenizável.

Já sob o enfoque objetivista, o dano moral se faz presente na situação, levando em consideração que uma restrição cadastral ou uma cobrança de uma dívida não contraída pela parte, provoca um sério abalo na honra e no bom nome ostentado por ela, sendo a presença de um dano de natureza extrapatrimonial bastante evidente.

Quanto ao dano moral decorrente da mera contratação fraudulenta perpetrada sob o manto do furto de identidade, sem que a empresa tenha adotado contra a vítima qualquer postura destinada à cobrança do débito, mas, ao contrário, ao tomar conhecimento do ocorrido, de pronto adota as medidas necessárias para sanar o ocorrido, entendemos que não existe dano moral em tais situações.

Porém, se qualquer medida voltada à cobrança da dívida é adotada pelo fornecedor do produto ou serviço contratado mediante furto de identidade, acreditamos que o dano moral se faz presente, merecendo, por consequência, ser devidamente indenizado.

2.4 Parâmetros para fixação da indenização quando o dano moral é provocado por furto de identidade

O dano moral, estando ele presente na situação gerada a partir do furto de identidade ensejador da contratação de produto ou serviço em nome de terceiro, ou seja, quando já há reclamação judicial ou extrajudicial da dívida gerada pela conduta do fraudador ou quando há restrição do nome da vítima em órgão de proteção ao crédito, faz-se necessário fixar o valor devido a título de indenização compensatória em favor dela.

Nesse ponto, é necessário esclarecermos que o produto ou serviço contratado mediante furto de identidade pode ensejar danos que saem da esfera da extrapatrimonialidade, alcançando o patrimônio da vítima. Tal se dá, por exemplo, quando a vítima fica impossibilitada de adquirir um bem a crédito ou quando é necessário dispender valores destinados a custear advogados e viagens para resolver os problemas gerados pela contratação indevida. Nesses casos, além do dano moral, a vítima deve reclamar a reparação pela lesão patrimonial sofrida, cabendo a ela, quanto a este ponto, comprovar o decréscimo patrimonial sofrido.

Todavia, neste trabalho, enfocaremos apenas a questão do dano extrapatrimonial, sendo o dano moral in re ipsa, no qual se faz desnecessária a comprovação de qualquer decréscimo patrimonial pela vítima.

2.4.1 Critérios para a fixação do valor do dano moral

Barbosa Júnior (2012 apud BERNARDO, 2005), aponta a existência de três critérios geralmente utilizados para a fixação do montante compensatório do dano moral. São eles: o matemático, o tabelamento e o arbitramento judicial. Segundo o autor, o critério matemático consiste na vinculação do montante da compensação a outra grandeza que envolve o ilícito, quer seja ela a pena criminal correspondente ao ilícito praticado, quer seja o decréscimo patrimonial sofrido pela vítima. Já o critério do tabelamento atrela-se a valores mínimo e máximo previamente estipulados para a conduta praticada e, por fim, o critério do arbitramento judicial lega ao juiz a prerrogativa de estabelecer o montante da indenização, levando em consideração critérios de razoabilidade e proporcionalidade, bem como outros elementos que influenciaram no convencimento do julgador.

Já Garbellini (2010) trata a questão relacionando-a com sistemas de fixação do montante do dano moral, fazendo menção a existência de dois sistemas ou correntes adotados no Brasil, a saber, o sistema fechado, denominado também de tarifado e o sistema aberto (ilimitado), também conhecido como o de arbitramento judicial.

Quanto ao critério matemático, dada a independência do dano moral em face de qualquer repercussão da conduta, quer no campo patrimonial da vítima ou mesmo na seara criminal, entendemos que ele não tem espaço para aplicação no sistema brasileiro, podendo, no máximo, servir como elemento de fundamentação do convencimento do julgador, quando do arbitramento judicial do montante da compensação.

Já o critério tarifado ou de sistema fechado, como preferem outros doutrinadores, nós o consideramos inadequado. É que, embora não defendamos que a dor, o abalo psíquico ou qualquer outro sentimento íntimo da vítima em face do ocorrido não possa ser considerado parâmetro para a caracterização do dano moral, tais elementos devem ser levados em consideração quando da fixação do montante indenizatório, de forma que a prefixação de limites mínimo e máximo para a compensação do dano moral cerceia o julgador no momento de apreciar as peculiaridades do caso e as consequências por ele geradas para a vítima, em especial quando os limites mínimo e máximo da indenização prefixada são muito próximos.

Logo, o critério que nos parece mais adequado para a fixação do montante compensatório do dano moral é o do arbitramento judicial. Isso porque, firmado no seu livre convencimento, o julgador pode melhor sopesar as peculiaridades de cada caso, fixando o montante compensatório que entender mais adequado e justo para  o caso em apreciação. Além disso, eventuais abusos cometidos em tal fixação podem ser facilmente corrigidos pela instância recursal competente, tal como acontece com as penas fixadas no âmbito do direito criminal.

2.4.2 Comportamento jurisprudencial na fixação do montante das indenizações quando o dano moral é praticado mediante furto de identidade

A jurisprudência nacional não vem emprestando ao dano moral provocado nas aquisições de produtos ou serviços mediante furto de identidade, a importância que o tema merece. Dada a proliferação dos casos, provocada pela negligência das empresas em adotarem mecanismos eficientes voltados a coibir tais condutas, o tema vem se tornando recorrente no cotidiano do foro, havendo já uma espécie de tabelamento no tocante ao montante compensatório aplicável nestes casos.

Ao se fazer um levantamento na jurisprudência dos Tribunais de Justiça dos estados, nos tribunais regionais federais, bem como no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, verifica-se que as indenizações nos casos que ora tratamos encontra-se limitada a um máximo geralmente fixado em R$ 10.000,00 (dez mil reais), sendo que o patamar mínimo alcança, não raras vezes valores irrisórios, na faixa de R$ 1.000,00 (mil reais)[5].

Dessa forma, embora prevaleça no Brasil o critério do arbitramento judicial, na prática, verifica-se que a jurisprudência comporta-se como se o critério adotado fosse o do tabelamento, havendo reforma pelas instâncias recursais de qualquer decisão que destoe das faixas de valores acima referidas.

Isso enseja para as empresas uma previsibilidade no tocante aos valores das indenizações com as quais terão de arcar caso algum produto ou serviço seja contratado mediante furto de identidade e a vítima venha padecer de uma lesão caracterizadora de um dano moral.

Essa previsibilidade, embora seja ótima para o mercado, é péssima para as vítimas reais e potenciais da conduta nefasta relacionada ao furto de identidade. Isso porque, sabendo do montante irrisório com o qual terão de arcar nestes casos, as empresas concluem que é mais vantajoso continuar disseminando os seus produtos ou serviços no mercado de consumo, valendo-se de meios frágeis para a verificação da identidade do potencial contratante, obtendo vantagens com o volume de bens ou serviços comercializados de tal maneira, quando comparado com os custos em que teriam de incorrer, caso optassem pela adoção de mecanismos de segurança mais eficientes voltados ao combate de tais fraudes.

Assim, cria-se um círculo vicioso bastante oportuno para as empresas: elas aumentam as suas vendas valendo-se de facilidades na contratação e quando alguém é vitimado por uma fraude provocada por furto de identidade e, caso decida recorrer ao Judiciário em busca de indenização, o montante a ser pago é irrisório e já previamente conhecido, compensando a negligência na qual o fornecedor do bem ou serviço rotineiramente incorre em suas contratações.

Assim, faz-se necessário que as indenizações arbitradas pelo Judiciário quando se tratar de danos morais provocados por furto de identidade sejam exemplares, a ponto de compelir os fornecedores de bens ou serviços a adotar mecanismos de segurança mais eficientes em suas contratações.


3 FIXAÇÃO DO DANO MORAL NA AQUISIÇÃO DE BEM OU SERVIÇO MEDIANTE FURTO DE IDENTIDADE

A indenização por dano moral tem como finalidade, a princípio, ofertar uma compensação à vítima pela lesão a direito da personalidade por ela padecida. Essa regra deve prevalecer sempre que o dano extrapatrimonial tenha sido provocado sem acentuada culpabilidade por parte do agente responsável pela conduta.

Mas, em diversas situações, resta patente que o pagamento da indenização compensatória em favor da vítima não é suficiente para reprimir a conduta do agente da lesão, uma vez que levando em consideração o montante por ele dispendido para arcar com a indenização, pode lhe parecer vantajoso continuar incorrendo na prática da conduta, uma vez que o acréscimo patrimonial oriundo dela, quando comparado com o valor dispendido para arcar com a compensação da vitima da lesão moral, mostra-se positivo.

Quando um quadro de vantagem pela prática do dano extrapatrimonial se desenha para o agente, faz-se necessário que a indenização em favor da vítima extrapole o aspecto meramente compensatório que, a princípio, ser-lhe–ia inerente e passe a assumir um papel punitivo para o ofensor, compelindo-o, por consequência, a uma mutação comportamental que não seria provocada sem uma dose de punição. Logo, faz-se necessário que a vantagem patrimonial decorrente da conduta danosa seja claramente inferior quando comparada com o dispêndio financeiro requerido pela indenização da vítima da lesão.

É por isso que, nas palavras de Amaral (2003),

Na reparação do dano moral o dinheiro não assume função de equivalência, de correspectivo valor, como sói acontecer no dano material/patrimonial, antes ao contrário, o dinheiro, aqui, desempenha papel de satisfação tanto quanto possível, mas principalmente de pena (contra-incentivo ao ilícito). A rigor, indenizar, ou seja, tornar indene, isento da lesão e consequências do dano moral (extra-patrimonial - sic) é impossível, assim só resta mesmo a compensação material (satisfação/restituição possível) e pena pecuniária(carácter aflitivo) – itálico no original.

Duas correções merecem as colocações de Amaral (2013) acima transcritas: em primeiro lugar, não há que se falar em reparação quando se estar diante de um dano moral, uma vez que a afetação patrimonial da vítima não é exigida em tal modalidade de dano, de forma que se adentra, apenas, na órbita da mera compensação, sem qualquer vinculação ao restabelecimento (reparação) do patrimônio do lesado. Em segundo lugar, discordamos que a indenização em virtude do dano moral tenha, necessariamente, função aflitiva para o agente do dano, uma vez que a indenização fixada em favor da vítima pode ser de valor insignificante em face do patrimônio do infrator, sendo, por consequência, incapaz de lhe trazer qualquer aflição.

Portanto, necessário se faz a cuidadosa avaliação da conduta do agente da lesão moral, a fim de que a indenização pelo dano extrapatrimonial por ele provocado seja dotada, quando indicado, do devido aspecto punitivo, a fim de que ele seja desestimulado a continuar incorrendo em práticas semelhantes.

3.1  Indenização punitiva

A jurisprudência brasileira, pelo menos em termos de fundamentação de decisões - sem que isso se reflita, necessariamente, no valor indenizatório estipulado - vem adotando, como verdadeiro estereótipo, a alusão ao suposto caráter repressivo das indenizações por dano moral. No entanto, isso vem sendo feito sem qualquer vinculação com o quantum indenizatório que, na quase totalidade dos casos, é irrisório em face da lesão provocada, fazendo-se, ainda, referência, a uma suposta “indústria das indenizações”, quando o que se verifica, na prática, é um total descuido para com os direitos da personalidade dos indivíduos, em especial dos consumidores.

Por consequência, verifica-se que esse caráter punitivo das indenizações por dano moral no Brasil, consoante consta na quase totalidade das decisões encontradas, é fictício, pois não se reflete na quantia fixada como indenização em favor da vítima da lesão moral.

É necessário, portanto, abeberar-se na fonte da verdadeira indenização por dano moral como função punitiva, tal como se verifica no direito anglo-saxão, em especial no direito americano.

A indenização punitiva ou punitive damages consolidada no direito americano, consiste na fixação da quantia indenizatória decorrente de um dano moral em duas fases distintas: na primeira, é fixado o montante que o juiz entende como adequado para compensação da lesão moral sofrida pela vítima. Em um segundo momento, em se verificando que a conduta do agente da lesão merece ser punida, a fim de que ele, de fato, sinta-se compelido a mudar o seu comportamento, fixa-se um novo valor, geralmente bem mais elevado que o primeiro, a título de indenização punitiva, destinada especificamente a punir, com uma verdadeira aflição patrimonial, o agente da lesão.

Discorrendo a respeito dos punitives damages, Barbosa Júnior ( 2012), tece as seguintes considerações:

(...) a indenização punitiva implicaria em um aumento da condenação destinado tanto à efetiva punição do agente causador dos danos, quanto ao desestímulo da sociedade ao não cometimento da mesma atitude realizada pelo ofensor. Além disso, é possível concluir que, enquanto a função compensatória busca a compensação das lesões e a satisfação do ofendido, a feição punitiva tem foco distinto, atuando na direção do ofensor e da sociedade.

Observa-se, portanto, que a indenização punitiva, tem como finalidade desempenhar uma verdadeira função preventiva geral, voltada a toda a sociedade, para que cada um dos seus membros se sinta desestimulado em incorrer na mesma conduta punida, bem como é dotada também de uma função preventiva especial, voltada ao causador da lesão, a fim de que, mediante a sua punição exemplar, ele, de fato, sinta-se estimulado a mudar o comportamento que ensejou a lesão padecida pela vítima.

3.1.1 Destinação da indenização punitiva

A aplicação de uma real indenização do dano  no Brasil dotada de verdadeiro aspecto punitivo é objeto de fortes resistências na jurisprudência e também na doutrina, em especial sob o argumento de que isso estimularia a formação de uma “indústria de indenizações”, bem como serviria como instrumento de enriquecimento indevido da vítima da lesão.

O primeiro argumento, voltado à proliferação das demandas em busca de indenização por dano moral é inconsistente por dois motivos: o primeiro deles é que o direito de ação do indivíduo não pode ser cerceado, de forma que, por mais absurda que seja a sua pretensão, caso  ele decida leva-la à apreciação do Judiciário, este não pode se omitir em decidi-la. Logo, cabe ao Judiciário o controle no tocante a procedência ou improcedência dos pedidos que lhe são direcionados, de forma que, em se constatando que uma determinada pretensão indenizatória em decorrência de um suposto dano moral não merece acolhimento, cabe-lhe rejeitar o pedido. Quanto ao segundo, não há que se falar em enriquecimento indevido da vítima quando recebe um determinado acréscimo patrimonial dotado de causa jurídica, que, no caso, seria a compensação pela lesão moral padecida.

Nesse contexto, é importante trazer lição de Pereira (2012, p.276) a respeito do enriquecimento indevido. Segundo ele:

Como aponta doutrina mais recente, o pensamento segundo o qual é inadmissível o reconhecimento de acréscimo patrimonial às custas de outrem, sem fato jurídico a justifica-lo é revelado pela vedação ao enriquecimento sem causa. No Direito, tal pensamento se traduz de duas maneiras: a) Como princípio que, na jurisprudência, recebia atuação até superior às normas legais; b) como fonte da obrigação de restituir o que foi indevidamente objeto de locupletamento.

Dessa forma, somente é possível se falar em enriquecimento indevido, sem causa ou ilícito, quando não existir um fato jurídico que justifique o acréscimo patrimonial. No caso da vítima do dano moral, essa causa jurídica existe, vinculada à compensação que lhe é devida em face da lesão moral que lhe foi impingida, razão pela qual a resistência à concessão de indenizações punitivas destinadas às vítimas não subsiste.

Assim, mesmo nos casos em que uma indenização de cunho punitivo for fixada, entendemos que ela deve ser destinada integralmente à vítima, pois foi ela que sofreu a lesão, foi ela quem buscou o Judiciário e quem sofreu com as incertezas e percalços inerentes à própria demanda. Logo, destinar a parte punitiva da indenização a fundos públicos, por exemplo, é postura com a qual não concordamos, pois em relação eles sim, não existe causa jurídica que justifique a destinação de patrimônio do agente que causou uma lesão a vítima com a qual tal fundo não tem qualquer vinculação.

Além disso, a parte punitiva da indenização, ainda que fixada em artigo autônomo da sentença quando da delimitação da quantia indenizatória, não deixa de integrar a indenização devida à vítima, uma vez que a causa jurídica que legitimou o seu arbitramento incidiu sobre direito da personalidade dela e não de qualquer fundo ou entidade, quer seja pública ou privada.

Portanto, entendemos que, quando fixada uma indenização punitiva em virtude de um dano moral, o valor a ela correspondente deve ser destinado integralmente à vítima, sem que isso importe qualquer enriquecimento indevido por parte dela.

3.2 Como fixar a indenização por dano moral na contratação de bem ou serviço mediante furto de identidade

Como já foi ressaltado, a aquisição de produto ou serviço mediante furto de identidade é um problema muito recorrente no Brasil, em especial nos casos em que as empresas admitem a contratação sem a presença física da outra parte em seu estabelecimento, valendo-se, para isso, de sítios na rede mundial de computadores ou ligações telefônicas.

Nesses casos, é muito fácil para um fraudador se apropriar indevidamente dos dados de um terceiro e, ao se passar por ele, adquirir produtos ou serviços, legando para a vítima o débito decorrente de tal aquisição. Os fornecedores de produtos ou serviços têm pleno conhecimento da facilidade da prática destas fraudes, uma vez que desde a mais remota até à mais movimentada comarca no Brasil, contam-se às centenas, senão aos milhares, as demandas envolvendo tais espécies de fraudes.

Mesmo assim, os fornecedores de bens ou serviços insistem em continuar comercializado seus produtos pela internet ou por telefone sem a adoção de qualquer cautela voltada à coibição de fraudes, o que torna a conduta de tais agentes dotada de um nível de reprovabilidade bastante acentuado.

Não é possível que o Judiciário continue adotando o sistema tarifado quando da fixação das indenizações por danos morais sofridos pelas vítimas das fraudes envolvendo o furto de identidade na contratação de bens ou serviços, em especial quando são vitimadas por cobranças judiciais das dívidas e inscrição dos seus nomes em cadastros dos órgãos protetivos ao crédito.

Os valores que, conforme já ressaltamos, alcançam, no geral, um teto de R$ 10.000,00 (dez mil reais) a título de indenização, torna a situação dos fornecedores de bens ou serviços bastante cômoda, uma vez que conhecendo o máximo de indenização que poderão ser obrigados a arcar para com a vítima da fraude e, levando em consideração que a maior parte delas não procuram o Judiciário quando descobrem que foram vitimadas pelo furto de identidade, fica fácil internalizar tais custos, levando os fornecedores à conclusão de que muito mais dispendioso seria investir em mecanismos de segurança adequados à coibição das fraudes em questão.

Argumenta-se que a previsibilidade do Judiciário é um fator de estímulo ao desenvolvimento econômico, uma vez que as empresas teriam como melhor planejar os seus custos e, dessa forma, promover uma composição mais segura dos preços dos seus produtos ou serviços. Mas, em se tratando de danos morais, previsibilidade pode significar estímulo à reincidência e desrespeito ao consumidor, tal como ocorre nas fraudes perpetradas mediante furto de identidade.

Diante desse contexto, defendemos que os valores das indenizações por danos morais decorrentes de fraudes praticadas mediante furto de identidade sejam estipulados em consonância com o caráter verdadeiramente punitivo para os fornecedores de produtos ou serviços, em especial quando forem contumazes no polo passivo de demandas ajuizadas por vítimas de tais fraudes.

Não é possível que as empresas continuem a negligenciar a segurança de suas contratações, valendo-se, para isso, da complacência do Poder Judiciário em delimitar um valor compensatório não somente justo para a vítima do dano moral decorrente do furto de identidade, mas também imbuído de um real aspecto punitivo, capaz de retirar os fornecedores de produtos ou serviços do quadro de inércia em que se encontram, forçando-os a buscar mecanismos que viabilizem contratações seguras, nas quais produtos ou serviços sejam vendidos ao real titular da identidade apresentada.

Para isso, é recomendado que se passe a adotar a fixação bipartida da indenização, na qual a primeira parte teria aspecto compensatório, levando em consideração as individualidades da vítima, enquanto a segunda parte teria natureza punitiva, voltada a aflição patrimonial do fornecedor do produto ou serviço, devendo tal parcela ter como parâmetro principal a reincidência dele no polo passivo de demandas envolvendo contratações operacionalizadas mediante furto de identidade.

Somente dessa forma, os fornecedores de produtos ou serviços serão forçados a saírem da inércia em que se encontram e passarão a ser mais rigorosos em suas contratações com os consumidores, modificando o cenário atualmente vigorante, no qual o cidadão pode, a qualquer momento, ver-se reclamado por uma dívida que não contraiu, sendo que ao tomar conhecimento, geralmente o seu nome já é objeto de restrição creditícia, podendo a situação já haver ensejado, inclusive, uma ação judicial de cobrança.

Logo, verifica-se que a situação envolvendo contratações de produtos ou serviços mediante furto de identidade é grave e o Judiciário, com os valores irrisórios de indenizações por danos morais que vem fixado no Brasil, não vem agindo de forma pedagógica, a ponto de estimular os agentes econômicos a adotarem mecanismos de segurança eficientes voltados a coibição destas fraudes.

Portanto, somente com a fixação de indenizações elevadas é que os agentes econômicos verdadeiramente deixarão de enxergar como vantajosa a sua inércia e passarão a agir com responsabilidade na identificação e negativa de contratação com fraudadores que se valem do furto de identidade de terceiro.


CONCLUSÃO

A contratação de produtos ou serviços mediante furto de identidade é uma modalidade de fraude que vem se proliferando de forma assustadora no Brasil, estimulada pela facilidade de obtenção, pelos fraudadores, de dados de terceiros, bem como pela vulnerabilidade do sistema de registro geral no Brasil - que não é unificado, podendo cada Estado emitir uma carteira de identidade em favor de quem pleiteia tal documento –  associando-se a isso a inércia das empresas em adotarem mecanismos de segurança eficazes em suas contratações, destinados à proteção da potencial vítima de um furto de identidade.

O Judiciário não vem contribuindo para alterar tal estado de insegurança para os cidadãos, que podem a qualquer momento, serem reclamados por uma dívida que não contraíram. É que os valores das indenizações que são fixadas em face dos danos morais decorrentes de contratações de produtos ou serviços mediante furto de identidade são irrisórios, sendo facilmente incorporados nos custos operacionais das empresas, que não se sentem estimuladas a adotarem mecanismos de segurança para coibirem tais fraudes.

Portanto, faz-se necessário que as indenizações por danos morais fixadas em virtude das fraudes envolvendo furto de identidade sejam arbitradas em valores elevados, compelindo os agentes econômicos que fornecem bens ou serviços a serem mais cautelosos em suas contratações, utilizando-se de meios que assegurem a veracidade da identificação do contratante.

Para isso, o Judiciário deve começar a olhar com mais atenção a sistemática das indenizações punitivas do direito anglo-saxão, não necessariamente para arbitrar indenizações milionárias, como ocorre muitas vezes nos Estados Unidos da América, mas, pelo menos, para ofertar uma natureza verdadeiramente punitiva às indenizações arbitradas em virtude das fraudes em comento, sob pena de o estado de insegurança  a que o cidadão se encontra submetido no Brasil atualmente, envolvendo a utilização indevida dos seus dados pessoais, somente se agravar.

Com compensação adequada para a vítima da fraude e indenização, de fato, punitiva para o fornecedor de produto ou serviço negligente, o Judiciário estará dando à responsabilidade civil por danos morais uma verdadeira dimensão social, com benefícios reais para toda a coletividade.


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Notas

[1] De acordo com reportagem publicada pelo jornal Folha de São Paulo em 12 de maio de 2013, “as tentativas de fraude na contratação de serviços e produtos com o uso de dados pessoais alheios, como CPF e RG, aumentaram 5,14% no primeiro trimestre de 2013 em comparação com o mesmo período do ano passado, com destaque para ocorrências no setor de telefonia. No período, 507.546 tentativas de fraude foram registradas, ante 482.756 nos três primeiros meses de 2012. Os dados são do Indicador Serasa Experian de Tentativas de Fraudes, divulgado pela empresa de análise de crédito nesta segunda-feira (6). Os golpistas usam dados pessoais de terceiros para obter crédito, adquirir serviços ou produtos e deixam a ‘conta’ para a vítima. A prática é conhecida como roubo de identidade.”

[2] Reportagem publicada pelo jornal Folha de São Paulo em 13 de outubro de 2013 de monstra a fragilidade do sistema de registro geral atualmente vigente no Brasil. O mesmo repórter obteve a expedição de cédula de identidade em nove estados diferentes. Segundo a reportagem, “a falta de um sistema que reconheça digitais coletadas em outros Estados permitiu ao repórter fazer em Belo Horizonte um RG com sua foto e suas digitais, mas com o nome de um colega do jornal”. Isso somente corrobora a conclusão de que o sistema de registro geral utilizado no Brasil é muito vulnerável, facilitando em demasia as atividades dos fraudadores.

[3] Crítica contundente a esta postura do Judiciário, em especial do Superior Tribunal de Justiça, é externada por Mozart Vilela Andrade Júnior, em artigo intitulado “Dano moral, STJ e desestímulo às avessas”.

[4] A título exemplificativo, confira-se os seguintes julgados do Superior Tribunal de Justiça: AgRg no AREsp 274.448/SP, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 02/05/2013, DJe 11/06/2013; AgRg no AREsp 281.035/RJ, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 19/03/2013, DJe 26/03/2013; AgRg no AREsp 181.931/MG, Rel. Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, QUARTA TURMA, julgado em 04/09/2012, DJe 13/09/2012. Merece ser mencionada, ainda, a Súmula 479 do mesmo Tribunal, que reza: “As instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias.”

[5] A título exemplificativo, merecem ser conferidos os seguintes julgados: Superior Tribunal de Justiça: AgRg no Ag 1104677/MG, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 22/06/2010, DJe 02/08/2010: valor da indenização R$ 4.000,00 (quatro mil reais); AgRg no AREsp 274.448/SP, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 02/05/2013, DJe 11/06/2013: valor da indenização: R$ 7.000,00 (sete mil reais). Tribunal Regional Federal da 1ª Região: AC 200038000303947, JUIZ FEDERAL MARCELO DOLZANY DA COSTA, TRF1 - 2ª TURMA SUPLEMENTAR, e-DJF1 DATA:12/07/2013 PAGINA:824: valor da indenização: R$ 5.000,00 (cinco mil reais). Tribunal Regional Federal da 2ª Região: AC 200751010191920, Desembargador Federal RALDÊNIO BONIFACIO COSTA, TRF2 - OITAVA TURMA ESPECIALIZADA, E-DJF2R - Data::06/08/2013: Valor da indenização: R$ 5.500,00 (cinco mil e quinhentos reais). Tribunal Regional Federal da 3ª Região: AC 00419896819984036100, DESEMBARGADOR FEDERAL ANDRÉ NEKATSCHALOW, TRF3 - QUINTA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:11/04/2013: valor da indenização: R$ 10.000,00 (dez mil reais). Tribunal Regional Federal da 5ª Região: EDAC 0012017562011405810001, Desembargador Federal Fernando Braga, TRF5 - Segunda Turma, DJE - Data::13/06/2013 - Página:337: valor da indenização: R$ 10.000,00 (dez mil reais). Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul: Número: 70054764303 Seção: CIVEL Tipo de Processo: Apelação Cível      Órgão Julgador: Décima Nona Câmara Cível. Decisão: Acórdão Relator: Eduardo João Lima Costa Comarca de Origem: Comarca de Porto Alegre: valor da indenização: R$ 5.000,00 (cinco mil reais).


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LIMA, Gilvânklim Marques de. O dano moral e sua quantificação decorrente da aquisição de produto ou serviço mediante a utilização fraudulenta da identidade de terceiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4229, 29 jan. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/31125. Acesso em: 17 abr. 2024.