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A concepção do precedente judicial pelo direito brasileiro

aspectos históricos, atuais e prospectivos

A concepção do precedente judicial pelo direito brasileiro: aspectos históricos, atuais e prospectivos

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O sistema de precedentes vinculantes cuja adoção pelo Brasil é iminente virá a contribuir sobremaneira para o aprimoramento do Processo Civil pátrio, inclusive majorando a credibilidade do Judiciário perante a sociedade.

RESUMO: A forma de aplicar o direito a partir de uma dinâmica de precedentes judiciais vinculantes é há muito utilizada pelo direito estrangeiro, em especial pela Inglaterra, seu berço, e pelos Estados Unidos, possuindo bons resultados quanto à efetiva solução dos litígios e, por extensão, à realização do bem estar social. Os precedentes vinculantes têm o condão de garantir o real respeito aos postulados da isonomia e da segurança jurídica. E, rumando ao aprimoramento de seu direito processual civil, o Brasil tem incorporado institutos jurídicos próprios de uma teoria de precedentes. Há hoje no país, v.g., precedentes vinculantes (decisões proferidas em sede controle de constitucionalidade – concentrado ou difuso), além de serem aplicadas técnicas como o distinguishing e o overruling, ainda que não haja plena consciência disso por parte do operador do direito. Mas não é só. O Projeto do Novo Código de Processo Civil, em consonância com a dimensão constitucional do processo, está a adotar amplamente um sistema de precedentes vinculantes, o que tem a contribuir – e muito – para a evolução do direito nacional.

Palavras-chave: Teoria do precedente; Brasil; Novo Código de Processo Civil.


INTRODUÇÃO

Tal qual é largamente dito nos dias atuais, o modelo do Processo Civil brasileiro – em verdade, toda a estrutura do Judiciário nacional – não se mostra plenamente de acordo com os anseios sociais contemporâneos, tampouco perfeitamente afinado com uma dimensão constitucional do processo. Seria necessário, assim, que se promovessem mudanças visando ao aprimoramento de nossa dinâmica processual.

Pois bem, mobilizados parlamentares e a comunidade jurídica, o Projeto do Novo Código de Processo Civil está hoje na iminência de ser promulgado.

E é em meio a esse contexto de mudanças com vistas à melhora do Processo Civil pátrio que se assoma o tema do presente estudo: o precedente judicial.

De há muito vimos incorporando ao nosso direito experiências jurídicas bem sucedidas em outros países, e o precedente judicial, na forma concebida pelo direito anglo-saxão, é fenômeno jurídico que, se bem delimitado no direito positivo interno, tem o condão de produzir efetivas melhoras no exercício da jurisdição.

A adoção de um sistema de precedentes vinculantes pode garantir ao jurisdicionado, a um só tempo, o efetivo respeito de seu direito à igualdade e à segurança jurídica, além de assegurar a coerência da ordem jurídica. No Brasil de hoje, v.g., é bastante comum que jurisdicionados envolvidos em lides que encerram idêntico quadro fático, ao se socorrerem no Judiciário, tenham cada qual soluções distintas a suas quezílias. Essa inegável e vexatória pecha pode ser solucionada pelos precedentes vinculantes. Ao se padronizarem as decisões judiciais, não se permite que casos análogos tenham desfechos díspares e variáveis de acordo com o julgador.

Defende-se aqui, pois, a adoção de um sistema vinculante de precedentes no Brasil, em consonância com o que está sendo elaborado no Projeto do Novo Código de Processo Civil.

Mas não se engane o leitor ao achar que o direito brasileiro atual está à parte da dinâmica dos precedentes judiciais. Já é possível vislumbrar no cenário jurídico brasileiro de hoje uma série de especificidades que evidenciam o perfilhamento de uma teoria de precedentes.

Nesse contexto, a fim de bem expor a reflexão acerca do precedente judicial, o presente estudo foi dividido em quatro partes. A primeira busca inserir o leitor no ambiente da teoria do precedente por meio das necessárias noções preliminares. Ao depois, explanar-se-á  o surgimento histórico do precedente, de seu berço no direito anglo-saxão ao status que ostenta na Inglaterra de hoje. Em uma terceira etapa, será abordado o Processo Civil brasileiro contemporâneo à luz da teoria do precedente, identificando-se nele institutos e caracteres próprios dessa teoria. Ao fim, demonstrar-se-á o que se pode esperar do direito processual civil pátrio no que toca ao precedente em futuro próximo, notadamente com o advento de um novo Código de Processo Civil.


CAPÍTULO 01 – O PRECEDENTE JUDICIAL: NOÇÕES PRELIMINARES

1.1)   CONCEITUAÇÃO

Seria ao menos indesejável iniciar a análise do precedente judicial em diversas perspectivas temporais sem antes proceder à sua conceituação, de forma a delimitar o objeto do estudo que ora se expõe.

Pois bem, Karl Larenz é pontual ao indigitar que o precedente judicial define-se como “resoluções em que a mesma questão jurídica, sobre a qual há que decidir novamente, foi já resolvida por um tribunal noutro caso”[1].

Sejamos mais detalhistas, sem, contudo, desviarmo-nos da essência da conceituação dada pelo renomado jurista alemão.

Com efeito, a solução de litígios realizada pelo Judiciário culmina, invariavelmente, na prolação de decisões judiciais.

No direito brasileiro contemporâneo, essas decisões podem ser meramente interlocutórias (art. 162, §2º, do Código de Processo Civil/1973), pondo termo à questão incidente do processo (v.g., a análise de antecipação de tutela ou a admissibilidade de determinada prova), assim como podem, a partir da atividade intelectiva do órgão jurisdicional, julgar, em sentido técnico[2], a questão de fundo posta à análise (art. 269, inciso I, do codex processual mencionado). Há a possibilidade de a decisão, por outro lado, tão somente pôr fim ao processo, resolvendo seu mérito, sem que se proceda ao exame do bem da vida discutido na demanda (art. 269, incisos II a V, do Código de Processo Civil/1973), sendo possível, ainda, a extinção do processo sem resolução do seu mérito (art. 267 do diploma processual civil vigente).

E a decisão, fundada em quaisquer das hipóteses supra, prolatada em instância singela ou colegiada, em qualquer grau, interessa ao presente estudo, uma vez que terá o condão de ostentar o status de precedente.

O precedente é, nessa linha, uma decisão judicial qualificada, detentora de determinados aspectos – um positivo e outro negativo. Para que a decisão judicial se revista da qualidade de precedente, deverá necessariamente decidir questão de direito em sua ratio decidendi (condição positiva), não obstante o possa fazer a partir de um caso concreto, é dizer, de matéria de fato, não se configurando como tal se se cingir a afirmar a letra da lei (condição negativa), hipótese em que sequer há significativa atividade cognitiva e interpretativa do magistrado.

Portanto, uma decisão pode não ter os caracteres necessários à configuração de precedente, por não tratar de questão de direito ou se limitar a afirmar a letra da lei, como pode estar apenas reafirmando o precedente. Outrossim, um precedente requer a análise dos principais argumentos pertinentes à questão de direito, além de poder necessitar de inúmeras decisões para ser definitivamente delineado.

Nesta dimensão fica claro que um precedente não é somente uma decisão que tratou de dada questão jurídica como determinada aptidão, mas também uma decisão que tem qualidades externas que escapam ao seu conteúdo.[3]

É possível dizer, pois, que todo precedente judicial deriva de uma decisão, mas nem toda decisão configura precedente. A última é gênero do qual o primeiro é espécie. Dessa forma, pode-se ilustrar a relação entre precedente judicial e decisão como sendo ambos dois círculos concêntricos, tendo o último maior espectro de abrangência:                                                        

De remate, concluímos, diante do já exposto e à luz das demais ponderações que alicerçam este estudo, que o precedente é decisão judicial que, partindo ou não da análise de um caso concreto, decide questão de direito a partir de uma ratio decidendi, tendo o condão de vincular e/ou persuadir.

1.2)  ELEMENTOS CONSTITUTIVOS DO PRECEDENTE

O precedente judicial, nos moldes expostos no tópico anterior, possui elementos que, agregados, garantem-lhe um todo de sentido. Passemos à sua análise.

1.2.1) RATIO DECIDENDI

É a ratio decidendi o elemento nuclear do precedente judicial. Trata-se, em suma, da tese jurídica esposada na decisão.

A ratio decidendi (...) constitui a essência da tese jurídica suficiente para decidir o caso contrato (rule of law). É essa a regra de direito (e, jamais, de fato) que vincula os julgamentos futuros inter alia.[4]

A ratio decidendi – ou, para os norte-americanos, a holding – são os fundamentos jurídicos que sustentam a decisão; a opção hermenêutica adotada na sentença, sem a qual a decisão não teria sido proferida como foi; trata-se da tese jurídica acolhida pelo órgão julgadora no caso concreto.[5]

Pode o leitor afoito pensar num primeiro momento que a ratio decidendi encontra paralelo na fundamentação da decisão judicial (art. 458, inciso II, do Código de Processo Civil/1973). Mas não. “É preciso sublinhar que a ratio decidendi não tem correspondência no processo civil adotado no Brasil, pois não se confunde com a fundamentação e com o dispositivo. Assim, quando relacionada aos chamados requisitos imprescindíveis da sentença, ela certamente é ‘algo a mais’”[6].

Já é de se ver que a compreensão da ratio decidendi demanda atividade intelectiva que, partindo dos elementos da decisão, extraia seu conteúdo. Tal atividade se assemelha à do hermeneuta que, diante de dispositivos legais, busca a norma neles contida, de modo que é possível afirmar que a compreensão da ratio decidendi está para a decisão assim como a compreensão da norma está para os dispositivos de lei.

Normas não são textos nem o conjunto deles, mas os sentidos construídos a partir da interpretação sistemática de textos normativos. Daí se afirmar que os dispositivos se constituem no objeto da interpretação; e as normas, no seu resultado.[7]

Se o hermeneuta tem à disposição métodos próprios para extrair de dispositivos a norma, como as variadas espécies de interpretação, a atividade de intelecção da ratio decidendi também demanda técnicas específicas. A doutrina estrangeira afeita à tradição jurídica do Common Law e, por consequência, à dinâmica dos precedentes, concebeu teorias que auxiliam o jurista nesse mister, das quais destacam-se duas: a de Eugene Wambaugh e a de Arthur Goodhart[8].

Para o primeiro autor, a compreensão da ratio decidendi se faz a partir de um raciocínio contrariu sensu. Dá-se sentido oposto à proposição adotada no julgado, de modo que, se com a inversão a decisão tiver que também ser alterada por coerência lógica, está-se diante da ratio decidendi. Tem-se, nessa hipótese, a proposição que conduziu o julgamento. Se, ao revés, a despeito da inversão, a decisão permanecer incólume, trata-se a proposição de mera obiter dictum (elemento a seguir abordado).

Diante do teste de Wambaugh, invertendo-se o sentido da proposição tomada em conta pelo tribunal, a sua decisão não pode ser a mesma para que a proposição constitua ratio decidendi. A proposição com sentido invertido – portanto, outro proposição – faria com que o caso fosse decidido de outra maneira. Se a nova proposição gera igual decisão, a proposição original, em vez de constituir ratio decidendi, representa obiter dictum.[9]

Ocorre, entretanto, que o método de Wambaugh não tem sido bem aceito pela atual doutrina, na medida em que se mostra falho diante de uma situação. Acaso o precedente contenha duas ou mais rationes decidendi, sendo cada uma delas bastante à conclusão a que chegou o órgão julgador, mesmo que se proceda à inversão delas, manter-se-á a mesma forma de decidir. Logo, nessa hipótese, a teoria de Wambaugh levaria o jurista a equivocadamente concluir que duas ou mais rationes decidendi são obiter dicta.

A teoria de Goodhart, por outro lado, ressoa em mais vozes. Seu método “propõe que a ratio decidendi seja extraída a partir do exame dos fatos fundamentais (material facts) considerados pelo julgador e da conclusão jurídica advinda da análise dos referidos fato”[10]. Assim, para Goodhart, para que se identifique a ratio decidendi, deve-se reconhecer a tese jurídica que decorre dos principais fatos analisados pelo magistrado.

(...) para Goodhart é necessário determinar todos os fatos do caso como vistos pelo juiz e, após, identificar quais destes fatos o juiz admitiu como materiais ou fundamentais para decidir. Mas, para a ratio, além dos fatos que o juiz considerou materiais, também seria importante a decisão que neles se fundou.

Goodhart explica através de exemplo, servindo-se do caso Ryland v. Fletcher. Fletcher contratou um empreiteiro para construir um reservatório em sua propriedade. O empreiteiro atuou com negligência e a água do reservatório invadiu as terras do vizinho, causando prejuízos. Goodhart, ao analisar a situação, admitiu como “fatos do caso”: i) B tinha um reservatório em sua propriedade; ii) o empreiteiro, contratado por B para edificá-lo, agiu com negligênci; iii) a água escoou do reservatório e prejudicou A. Foram considerados “fatos materiais”: i) B tinha um reservatório construído em sua propriedade; ii) a água escoou e prejudicou A. Anota Goodhart que a Corte ignorou o fato relacionado à negligência do empreiteiro, que foi implicitamente considerada como fato imaterial.[11]

A nosso ver, contudo, salvo melhor juízo, a proposta de Goodhart também não é cabal, pois, na medida em que tem como pressuposto a análise fática, deixa à margem o precedente que não aprecia um caso concreto, como o oriundo do controle abstrato de normas.

1.2.2) obiter DICTUM

O conceito de obiter dictum – obiter dicta no plural – está intimamente ligado ao de ratio decidendi, visto que o elemento do precedente que não constituir a ratio decidendi será, por exclusão, obiter dictum.

O obiter dictum ­­­nada mais é que os argumentos acessórios constantes da decisão, e que, não obstante contribuam para a formação do precedente quando somados a ratio decidendi, isoladamente, pouco significam.

O obiter dictum (...) consiste nos argumentos que são expostos apenas de passagem na motivação da decisão, consubstanciando juízos acessórios, provisórios, secundária, impressões ou qualquer outro elemento que não tenha influência relevante e substancial para a decisão (“prescindível para o deslinde da controvérsia). Normalmente é definido de forma negativa: é obiter dictum a proposição ou regra de Direito que não compuser a ratio decidendi. É apenas algo que se fez constar “de passagem”, não podendo ser utilizado com força vinculativa por não ter sido determinante para a decisão.[12]

Sem embargo disso, o obiter dictum não é de todo insignificante. Isso porque “o obiter dictum pode sinalizar uma futura orientação do tribunal, por exemplo. Além disso, o voto vencido em um julgamento colegiado é obiter dictum e tem a sua relevância para a elaboração do recurso dos embargos infringentes, bem como tem eficácia persuasiva para uma tentativa futura de superação do precedente”[13].

1.2.3) DISTINÇÃO PRÁTICA ENTRE RATIO DECIDENDI E obiter DICTUM

Considerando que está o leitor diante de assunto que pode se afigurar demasiadamente abstrato, com o fito de tornar sólida e clara a compreensão dos conceitos de ratio decidendi e obiter dictum, passemos a um exercício de identificação dos elementos do precedente em casos concretos.

Pois bem. Analisemos, ab initio, o Recurso em Mandado de Segurança n° 18.534/SP, de relatoria do então ministro Aliomar Baleeiro, julgado em 1° de outubro de 1968 pelo Supremo Tribunal Federal, largamente citado, em que pese sua vestutez, quando da discussão acerca da união homoafetiva.

Trata-se de recurso, interposto pela editora Abril – Abril Comunicações S/A –, que visou contrastar decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo que, de seu turno, confirmou a legalidade de ato do juízo da Vara de Menores da Comarca de São Paulo/SP que, por sua vez, determinara a apreensão de milhares de exemplares da revista “Realidade” ao argumento de carrearem conteúdo obsceno. O voto do relator, seguido pela maioria, é deveras rico para o exame que ora se realiza. Vejamos um excerto do acórdão:

Ninguém contesta o direito de a sociedade, da qual é órgão o Estado, defender-se do obsceno e repugnante e, sobretudo, preservar de influências deletérias o caráter do adolescente e da criança.

(...)

Mas o conceito de "obsceno", "imoral", "contrário aos bons costumes" é condicionado ao local e à época. Inúmeras atitudes aceitas no passado são repudiadas hoje, do mesmo modo que aceitamos sem pestanejar procedimentos repugnantes às gerações anteriores. A Polícia do Rio, há 30 ou 40 anos não permitia que um rapaz se apresentasse de busto nu nas praias e parece que só mudou de critério quando o ex-Rei Eduardo VIII, então Príncipe de Gales, assim se exibiu com o irmão em Copacabana. O chamado bikini (ou "duas peças") seria inconcebível em qualquer praia do mundo ocidental, há 30 anos.

Negro de braço dado com branca em público, ou propósito de casamento entre ambos, constituía crime e atentado aos bons costumes em vários Estados norte-americanos do Sul, até tempo bem próximo ao atual.

(...)

Os juízes dos tempos de nossos avós e pais, ao que eu saiba, não apreenderam nunca A Carne, de Júlio Ribeiro, hoje um clássico. Mostraram com isso compreensão acima de qualquer farisaísmo ou pressão religiosa. Não há motivo para imitarmos o puritanismo da autoridade postal dos Estados Unidos, que proibiu o tráfego de cópias coloridas da Maya desnuda, de Goya, pintada no mais católico, preconceituoso e clerical dos países. Seria o mesmo que um cache-sexe no David de Miguel Ângelo.

(...)

Entendo que há direito líquido e certo de alguém expor e defender livremente seu pensamento, respondendo pelos abusos que cometer.

(...)

Concedo que, no exercício do poder de polícia, a autoridade pode apreender a publicação evidentemente pornográfica, obscena ou contrária aos bons costumes (...), sem nenhum propósito de divulgação científica, artística, educacional ou literária. (...) a obra controversa deve ser analisada em seu todo (e não em trechos isolados) do ponto de vista do cidadão médio. É o padrão moral deste, e não do juiz, o metro de aferição.

(...)

Concluindo, pervaguei a vista pelo exemplar de Realidade anexo aos autos – o que foi objeto da apreensão – e não lhe atribuo o caráter de publicação obscena, imoral, sórdida ou contrária aos bons costumes. A linguagem é decorosa, a exposição se fez em tom alto e não encontrei apologia ao vício, da anomalia ou mesmo da irreverência, enfim nenhum juízo de valor que se possa considerar anti-social. Não há ofensa aos padrões atuais do Brasil ou de qualquer país. – (destacamos)

 À vista da manifestação do eminente ministro, é fácil notar que toda a linha argumentativa exposta converge no sentido de ser procedente a rogativa recursal. No entanto, apenas os trechos negritados constituem, quando conjugados, a ratio decidendi do precedente, que, inobstante o direito vigente à época, pode-se resumir da seguinte forma: não sendo a publicação contrária aos bons costumes, terá seu veiculador direito de livremente expô-la. Foi dado, dessa forma, parcial provimento ao recurso.

Em consequência, conclui-se que, à exceção dos trechos acima mencionados, todo o extenso juízo de valor feito pelo julgador não se afigurou decisivo para a construção da tese jurídica perfilhada, não obstante sua pertinência no caso.

Aplicando-se ao precedente a teoria de Wambaugh, previamente exposta, nota-se que as únicas proposições cujas alterações lógicas mudariam o desfecho do julgamento são “há direito líquido e certo de alguém expor e defender livremente seu pensamento” e “não lhe atribuo o caráter de publicação obscena”. As demais, acaso tivessem seu valor positivo ou negativo alterado, em nada modificariam o dispositivo do acórdão, apenas soariam desconexas em relação ao contexto decisório.

Se, por outro lado, aplicarmos o método de Goodhart, também anteriormente abordado, temos como fato central a obscenidade do periódico, sendo a tese jurídica que o circunda – publicações não obcenas podem ser divulgadas – a ratio decidendi.

Efetuemos mais um exame: o do recente julgamento do Recurso Especial n° 1.414.887 – DF, efetuado em 19.11.2013. Na espécie, o deputado Valdemar Costa Neto e a esposa de seu pai, já falecido, interpuseram o especial em face de acórdão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios que confirmou sentença denegatória de sua pretensão de condenação da empresa Abril Comunicações S/A ao pagamento de indenização por danos morais. Aduzia-se que o periódico “Veja”, veiculado pela empresa, teria divulgado reportagem sensacionalista, caluniosa e ofensiva, ao narrar o envolvimento do deputado e de seu pai no notório esquema de corrupção do “mensalão”. Assim votou a ministra relatora Nancy Andrighi, seguida à unanimidade pelos demais membros da 3° Turma do tribunal:

A lide que se apresenta tem como pano de fundo um conflito de direitos constitucionalmente assegurados. Com efeito, enquanto a atividade dos recorridos está pautada pelo direito à liberdade de pensamento (art. 5º, IV, da CF/88), à livre manifestação deste pensamento (art. 5º, IX, da CF/88) e ao acesso à informação (art. 5º, XIV, da CF/88), os recorrentes invocam o direito à sua honra e reputação, visando à compensação por danos morais que alegam ter sofrido (art. 5º, X, da CF/88).

Conforme consignei no julgamento do REsp 984.803/ES que trata de hipótese semelhante, “a solução deste conflito não se dá pela negação de quaisquer desses direitos. Ao contrário, cabe ao legislador e ao aplicador da lei buscar o ponto de equilíbrio onde os dois princípios mencionados possam conviver, exercendo verdadeira função harmonizadora” (3ª Turma, DJe de 19.08.2009).

Além disso, “a liberdade de informação deve estar atenta ao dever de veracidade, pois a falsidade dos dados divulgados manipula, em vez de formar a opinião pública, bem como ao interesse público, pois nem toda informação verdadeira é relevante para o convívio em sociedade” (REsp 896.635/MT, 3ª Turma, de minha relatoria, DJe 10/03/2008).

Em outras palavras, pode-se dizer que a honra dos cidadãos não é atingida quando são divulgadas informações verdadeiras e fidedignas a seu respeito, as quais, outrossim, são de interesse público.

Há que se analisar, portanto, se na hipótese concreta, a informação veiculada, além de verídica, era relevante ao interesse público.

No que respeita à relevância da informação, ela é evidente. A sociedade tem o direito de ser informada acerca de investigações em andamento sobre supostas condutas ilícitas praticadas por deputado federal, eleito como seu representante, na Câmara Federal, bem como por seu pai, quando era prefeito da cidade de Mogi das Cruzes.

Investigações essas, destaque-se, relacionadas ao “escândalo do mensalão”, que decorreram, na hipótese, de depoimentos prestados pelo Sr. Lucio Bolonha Funaro à Procuradoria Geral da República, os quais, à época, culminaram com o recebimento da denúncia pelo STF, e, recentemente, com a condenação de diversos acusados, dentre os quais, o próprio recorrente VALDEMAR COSTA NETO, estando ainda pendente o julgamento de recursos contra a decisão.

(...)

Ocorre, todavia, que a reportagem não conclui que o deputado e seu pai são culpados ou que efetivamente tinham envolvimento com o esquema de corrupção para o desvio de recursos públicos, mas apenas informa a existência de investigações sobre as informações prestadas pelo corretor de câmbio à PGR.

(...)

Ainda que posteriormente nada tivesse ficado comprovado, o fato é que, conforme apontado nas instâncias ordinárias, quando a reportagem foi veiculada, as investigações mencionadas estavam em andamento e o depoimento do Sr. Funaro à PGR havia sido efetivamente realizado.

A responsabilidade da imprensa pelas informações veiculadas é de caráter subjetivo, não se cogitando da aplicação da teoria do risco ou responsabilidade objetiva.

Assim, conforme consignei no acórdão do REsp 984.803/ES, não basta a divulgação de informação falsa, exige-se prova de que o agente divulgador conhecia ou poderia conhecer a inveracidade da informação propalada.

O veículo de comunicação exime-se de culpa quando busca fontes fidedignas, quando exerce atividade investigativa, ouve as diversas partes interessadas e afasta quaisquer dúvidas sérias quanto à veracidade do que divulgará. Pode-se dizer que o jornalista tem um dever de investigar os fatos que deseja publicar.

Diante do exposto, conclui-se que o recorrido foi diligente na divulgação da informação, não atuando com abuso ou excessos. As suspeitas que recaiam sobre o deputado eram decorrentes das investigações realizadas pela PGR, haja vista a colaboração do corretor de câmbio, Sr. Lúcio Bolonha Funaro, em regime de delação premiada, que, em conjunto com outros elementos, culminaram com o oferecimento e recebimento da denúncia pelo STF e, posteriormente, com a condenação do deputado Valdemar Costa Neto pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro (acórdão do Plenário do STF, na AP 470, publicado no DJ em 22.04.2013, www.stf.jus.br).

Não houve, por conseguinte, ilicitude na conduta dos recorridos. E ausente um dos elementos da responsabilidade civil aquiliana, qual seja, a conduta ilícita, também está ausente o dever de indenizar, devendo ser mantido o acórdão do Tribunal de origem que julgou improcedente o pedido. (REsp nº 1.414.887 – DF. Relatora  Ministra Nancy Andrighi, julgamento em 19 de novembro de 2013) – destacamos.

O exercício, agora, ganha maior complexidade.

Mais uma vez, verifica-se que os elementos argumentativos que compõem a razão de decidir do precedente estão destacados em negrito. Nota-se no caso, a esse propósito, a existência de duas rationes decidendi: a) a honra não é atingida quando são divulgadas informações verdadeiras; b) a divulgação de informação falsa não macula a honra, dês que ausente a culpa do que divulga. Há, dessarte, duas razões de decidir independentes no precedente.

A tese jurídica segundo a qual fatos verdadeiros não ofendem a honra (a) levaria à averiguação da veracidade ou não do conteúdo veiculado, e, caso fosse verdadeiro, não se teria responsabilização e, contrariu sensu, sendo falso, responderia o divulgador. Dessa forma, não se condenaria a empresa em razão da veracidade do divulgado.

Se se utilizar a segunda razão de decidir (b), perscrutar-se-á não acerca da veracidade dos fatos – já que indiferentes para a responsabilização –, mas tão somente acerca da culpa (em sentido lato) daquele que divulga o conteúdo. Nessa linha, a empresa não seria responsabilizada ante a falta de culpa.

As razões possuem pontos de contato, e podem, a depender do quadro fático sob julgamento, conduzir o julgador a decisões de igual sentido, mas, como se vê, seus fundamentos são distintos.

Verifica-se, nesse caso, a mencionada falha na teoria de Wambaugh. Como as rationes decidendi são autônomas e, por si só, sustentam a decisão, caso se altere seus valores lógicos, não se terá necessariamente a modificação do modo de decidir, de sorte que, ao se seguir à risca o método, concluir-se-á de forma equivocada que ambas as rationes são obiter dicta. Utilizando-se a teoria Goodhart, por outro lado, tem-se como fatos centrais analisados no precedente a veracidade das alegações e a culpa do veiculador, de modo que as teses jurídicas que os orbitam são as rationes decidendi.

1.3) O PRECEDENTE JUDICIAL E OS PRINCÍPIOS DA SEGURANÇA JURÍDICA E DA ISONOMIA

Ao lado dos aspectos já abordados, avulta de importância para a exata compreensão da temática do precedente judicial sua relação com a segurança jurídica e a isonomia.

O sistema de precedentes, mormente com a concepção do stare decisis (diretriz que garante a eficácia vinculante do precedente, em linhas gerais), busca garantir acima de tudo a coerência da ordem jurídica, prestando-se ao aperfeiçoamento dos princípios mencionados.

Ao fazer com que a ratio decidendi de decisões prolatadas por uma corte superior seja necessariamente seguida pelos órgãos jurisdicionais inferiores, garante-se, de forma plena, a isonomia entre os jurisdicionados. Assegura-se, de igual forma, a previsibilidade e a estabilidade na aplicação do direito e, portanto, a segurança jurídica.

No entanto, a prática judicial brasileira atual, à míngua de um efetivo sistema de precedentes, convive diuturnamente com uma realidade que, a um só tempo, macula ambos os postulados em questão: a solução díspar de casos análogos[14].

Não é demais lembrar que um dos princípios mais caros a um Estado Democrático de Direito é o da a isonomia. A todos, independentemente de classe econômica, condição física, situação social, ascendência, sexo, idade, cor, credo ou quaisquer outros elementos distintivos, deve-se assegurar tratamento jurídico idêntico. O tratamento desigual só se justifica quando necessário à efetivação da própria igualdade.

Nesse tocante, reza o art. 5º, caput, da Constituição Federal que todos são iguais perante a lei, sem quaisquer distinções, bem assim o Código de Processo Civil de 1973 hospeda vários mecanismos destinados a assegurar a igualdade processual, notadamente a paridade de armas. Diante disso, poder-se-ia pensar que a dinâmica do Processo Civil brasileiro está guarnecida de ferramentas bastantes à garantia da efetiva isonomia.

Ocorre, porém, que nosso Processo Civil de hoje, em regra, preocupa-se tão somente com a isonomia na dimensão interna ao processo. Temos uma igualdade meramente processual e procedimental, e não material. É dizer, quando da outorga ou não do bem da vida objeto da demanda, não está o órgão jurisdicional a obedecer o postulado da isonomia, ou, nas palavras de Luiz Guilherme Marinoni, o magistrado “não se submete ao princípio da igualdade no momento de decidir”[15]. São lapidares, a esse propósito, as seguintes palavras desse doutrinador:

Embora deva ser no mínimo indesejável, para um Estado Democrático, dar decisões desiguais a casos iguais, estranhamente não há qualquer reação a esta situação na doutrina e na praxe brasileiras. É como se estas decisões não fossem vistas ou fossem admitidas por serem inevitáveis. A advertência de que a lei é igual para todos, que sempre se viu escrita sobre a cabeça dos juízes nas salas do civil law, além de não mais bastar, constitui piada de mau gosto àquele que, em uma das salas do Tribunal e sob tal inscrição, recebe decisão distinta a proferida – em caso idêntico – pela Turma cuja sala se localiza metros mais adiante, no mesmo longo e indiferente corredor do prédio que, antes de tudo, deveria abrigar a igualdade de tratamento perante a lei.[16]

A fim de se garantir o respeito material ao princípio da isonomia, é incontornável a necessidade de se garantir que a casos análogos seja dispensado tratamento jurídico idêntico (treat like cases alike). Nessa linha:

É imprescindível que se promova uma necessária redefinição dogmática do princípio da igualdade, que deve ser pensado como ideal isonomia frente ao Direito, e não apenas frente à lei. É preciso que, na leitura do caput do art. 5º da Constituição Federal, o termo “lei” seja interpretado como “norma jurídica”, entendendo-se que todos são iguais, ou que devem ser tratados como iguais, perante a “norma jurídica”, qualquer que seja ela, de quem quer que ela emane.[17]

A par disso, não se pode olvidar que o “Direito propõe-se a ensejar uma certa estabilidade, um mínimo de certeza na regência da vida social. Daí o chamado princípio da ‘segurança jurídica’, o qual, bem por isto, se não é o mais importante dentre todos os princípios gerais de Direito, é, indisputavelmente, um dos mais importantes entre eles”[18].

No entanto, na atualidade, o Judiciário brasileiro não garante de forma cabal ao jurisdicionado a estabilidade e a previsibilidade ínsitas ao postulado da segurança jurídica. À falta de certeza sobre como procederá o magistrado quando da apreciação de determinado caso, não tem o cidadão condições plenas de prever as consequências jurídicas de determinados atos e, por conseguinte, de reconhecer seu próprios direitos[19].

Sucede que não é apenas em relação ao passado que se mostra necessário garantir estabilidade. O indivíduo, muita vez, termina por pautar a sua conduta presente com base num comportamento adotado por outro indivíduo ou, o que mais nos interesse aqui, pelo Estado. Dentro dessa dimensão pública, é natural que as soluções dadas pelo Poder Judiciário às situações que lhe são postas para análise sejam levadas em consideração pelo indivíduo para moldar a sua conduta presente. Isso se verifica ainda mais quando se observa a importância que os precedentes judiciais vem ganhando em nosso ordenamento. Ao conferir-lhes o mais diversos efeitos jurídicos, o legislador brasileiro visa a garantir certa previsibilidade quando à atuação do Estado-juiz.[20]

É bem verdade que em nossa ordem constitucional são previstas as atribuições do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça de, respectivamente, uniformizar a interpretação da Constituição (art. 102, inciso III, da Lei Maior) e da legislação federal (art. 105, inciso III, do diploma constitucional). No entanto, à parte do papel do Pretório Excelso – cujas decisões em sede de controle de constitucionalidade têm possuído efeito vinculante e respeitado, pois, a segurança jurídica e a igualdade –, “as decisões do Superior Tribunal de Justiça não são respeitadas nem no âmbito interno da Corte. As turmas não guardam respeito pelas decisões das Seções e, o que é pior, entendem-se livres para decidir casos iguais de forma desigual”[21].

Não se pode, porém, ser suficientemente ingênuo ao ponto de pensar que a adoção de um sistema de precedente, de per se, excluirá de forma absoluta a possibilidade de haver soluções diferentes de casos parecidos. É que “o sistema de precedentes judiciais jamais eliminará a contradição e a divergência. Ele apenas reduz sua ocorrência, conferindo-lhe maior integridade sistêmica”[22].

1.4) ARGUMENTOS FAVORÁVEIS E CONTRÁRIOS A UM SISTEMA DE PRECEDENTES

A par da relação do precedente judicial com os princípios da segurança jurídica e da isonomia, que, a nosso sentir, afigura-se o argumento de maior peso a favor de uma dinâmica de precedentes – de importância tamanha a garantir-lhe estudo próprio neste trabalho (item 1.3 retro) –, avultam outros que também evidenciam os benefícios desse sistema. É possível, contudo, identificar pontos desfavoráveis a ele. Vejamos, nessa linha, ambos os lados da questão, iniciando com o favorável (1).

Com efeito, pode-se concluir que, em um sistema jurídico em que é possível ao julgador decidir o mesmo caso concreto de maneiras diferentes, a depender de sua interpretação das normas pertinentes, não se pode garantir a sua imparcialidade. Nada obsta que o magistrado decida determinado caso por razões outras que não a melhor aplicação do direito, e mascare sua verdadeira intenção por meio de fundamentação que se apresente escorreita[23]. Dessa forma, ao vincular a atuação do magistrado ao precedente, está-se a (1-a) garantir a imparcialidade do julgador.

Imaginemos a existência de um precedente, vinculante ou não, sumulado ou não que expressa o seguinte entendimento: é legítima frente à Constituição e à Convenção Interamericana de Direitos Humanos a prisão civil do devedor de alimentos. (...)

Caso o juiz, o mal juiz, diga-se de passagem, resolva ceder à pressão, tentado pela vantagem que lhe foi prometida ou já entregue, queira livrar o devedor da prisão, ele terá que contrariar os precedentes, sendo que a situação se agrava se o próprio juiz já tiver decidido casos semelhantes no mesmo sentido dos precedentes.[24]

Ademais, com a padronização da atuação do Judiciário, o que garante a previsibilidade das decisões e torna factível que o jurisdicionado tenha real expectativa na forma com que será julgado seu caso, ocorre o (1-b) desestímulo à ligitância judicial [25].

Isso porque, em um sistema jurídico em que nunca se tem certeza sobre o modo de solução da lide, tendo o indivíduo mínimas chances de êxito, por vezes, convir-lhe-á o manejo de ação judicial. Trata-se de raciocínio idêntico ao do apostador de loteria. Entretanto, se houvesse efetiva previsibilidade quanto ao posicionamento do julgador, saber-se-ia, de antemão, com significativo grau de certeza, o malfadado destino da pretensa demanda, dissuadindo-se, então, seu ajuizamento, mormente porque a litigância judicial possui profundas implicações pessoais e econômicas. Noutro falar, se o apostador soubesse desde logo que não se sagraria vencedor, a aposta não teria razão de ser.

Nesse mesma toada, pode-se afirmar que a previsibilidade das decisões, de modo a ser possível às partes prever com segurança o desfecho de suas pretensões, (1-c) favorece a realização de acordos.

Além disso, a vinculação das instâncias inferiores às superiores garante a (1-d) racionalização do duplo grau de jurisdição, tornando-o mais lógico e coerente.

Não havendo essa vinculação, e podendo o magistrado de grau inferior, portanto, decidir de maneira diversa do entendimento da corte superior, obrigar-se-á a parte a recorrer com o único fito de ver a decisão a quo se alinhar com a posição do órgão ad quem, que, desde o início, deveria definir o caso.

Nesse caso, como é óbvio, além de se agravar, desnecessariamente, a carga de trabalho do tribunal – em total descaso com a eficiência e a economia da administração da justiça –, prejudica-se irracionalmente não só a parte cujo direito já foi reconhecido pelo Judiciário, mas, o que é ainda pior, também a parte que se comportou de acordo com a orientação do tribunal superior e nela depositou sua expectativa.

Ora, se a decisão do tribunal superior previamente fixa o resultado da demanda, na medida em que o processo pode terminar em tal tribunal, dependendo exclusivamente da interposição de recurso, não há como admitir que o tribunal inferior possa decidir de forma diferente.[26]

Nesse mesmo sentido, se se impede que a parte tenha de recorrer apenas para fazer valer a posição do tribunal superior, vinculando a atuação do órgão jurisdicional inferior à do superior, obsta-se que o processo tramite desnecessariamente por mais tempo, perfazendo, por vezes, morosa via-crúcis com início no juízo singular e fim no Supremo Tribunal Federal. Dessa forma, o sistema de precedentes (1-e) contribui para a efetivação do princípio da duração razoável do processo, expressamente inserido em nossa ordem constitucional no inciso LXXVIII do art. 5° da Lei Maior[27], bem assim concorre para que haja (1-f) economia de despesas judiciais.

É deveras interessante o levantamento feito por Gustavo Santana Nogueira a esse respeito:

No STJ (...), há dados relevantes acerca do ano de 2008, como por exemplo:

Taxa de recorribilidade interna em acórdãos publicados: 37,07%

Taxa de recorribilidade interna em decisões unipessoais: 20,97%

Taxa de recorribilidade externa (recursos extraordinários – STF): 12,34%

Taxa de recorribilidade externa em decisões denegatórias de RE: 68,42%

Em 2008 o STJ julgou 354.042 processos, sendo 106.984 recursos especiais, 121.106 agravos de instrumentos, 51.195 agravos regimentais, entre outros. O tempo de duração de um processo no referido Tribunal, entre a distribuição e a baixa/arquivamento é de 470 dias para um recurso especial, 215 dias para um agravo de instrumento e 157 dias para um agravo regimental.

(...) Sabe-se que o Ministro relator, nos termos do arts. 38 da Lei n° 8.038/90 e 557 do Código de Processo Civil,pode julgar um recurso monocraticamente se a sua decisão for respaldada em precedentes, e os dados estatísticos revelam que a quantidade de decisões monocráticas é significativamente superior se comparada com a quantidade de decisões colegiadas. A 1ª Seção do STJ, por exemplo, julgou em 2008 5.012 processos monocraticamente através dos relatores, enquanto que as decisões colegiadas do órgão foram 1.939. A mesma proporção se repete nas demais Seções, nas Turmas e na Corte Especial. Isso nos mostra que o julgamento monocrático transformou-se de exceção em regra.

A taxa de recorribilidade das decisões monocráticas ficou em 20,97%, o que significa que o (bom) uso dos precedentes pode contribuir para uma maior celeridade, pelo menos no STJ, onde [SIC] existem dados estatísticos revelando o que se passa no Tribunal. Assim sendo, suponhamos que em um ano a 1ª Turma do STJ receba 30.000 processos. Desses 30.000, aproximadamente 20.000 serão julgados monocraticamente (...) e 10.000 serão remetidos ao colegiado.

Dessa forma podemos afirmar que os 20.000 processos julgados monocraticamente são causas que têm similitude com outras que já foram julgadas anteriormente e que produziram precedentes (...). Os outros 10.000 remetidos ao colegiado servirão para formar precedentes para o futuro, e certamente contribuirão para que mais na frente tenhamos uma quantidade maior de julgamentos monocráticos, sem a necessidade de provocar a reunião do colegiado. [28]

De outra parte, colhem-se argumentos contrários ao a um sistema jurídico que garanta força vinculante ao precedente (2).

Deveras, em uma análise superficial, pode-se imaginar que a rígida uniformização da atuação do Judiciário, inerente à força obrigatória do precedente, poderia acarretar um (2-a) óbice à evolução e à adaptação temporal do direito.

Esse raso raciocínio, à evidência, parte do pressuposto de que, uma vez fixado determinado precedente, seria ele imutável, devendo, portanto, ser seguido indefinidamente. No entanto, como detidamente se analisará no item “3.2” deste trabalho, a força vinculante dos precedentes não é – tampouco deveria ser – absoluta. Há em um sistema de precedentes mecanismos que visam à modificação daqueles que não se afiguram a melhor solução para o caso, seja porque houve vício em sua origem, seja porquanto não mais se coadunam com a lei, ou mesmo com a ordem social, política, econômica ou qualquer outro aspecto da vida humana com o condão de influir no direito. Não é outra a função do overruling, do overriding, do signaling e da transformation.

E, “no direito brasileiro, firmada uma cultura precedentalista, a revogação dos precedentes do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça caberá respectivamente a cada um destes tribunais. E isso será imprescindível ao se ter fortes e convincentes fundamentos da inviabilidade da perpetuação do precedentes em face da mutação da realidade ou dos valores sociais”[29].

Há quem diga, outrossim, que a rigidez da força vinculante do precedente mostra-se (2-b) empecilho à efetivação da igualdade substancial[30], uma vez que não possibilitaria o tratamento diferenciado de casos que, por sua dessemelhança com o quadro fático que pressupõe a aplicação do precedente, não poderiam ser tratados de maneira uniforme. Olvidam os que assim argumentam, contudo, que “respeitar precedentes não redunda – nem jamais redundou – numa obrigação de aplicá-los de forma irrefletida” [31], de sorte que, inclusive, a dinâmica de precedentes vinculantes traz consigo a técnica do distinguishing (item 3.2.1 deste estudo), que justamente impede que seja o precedente aplicado a casos que encerram plexo fático diverso.

Para a clássica tripartição das funções do Estado, concebida inicialmente por Montesquieu em seu “Do Espírito das Leis”, ou mesmo para sua moderna evolução, que considera a distribuição orgânica das funções estatais, realizadas em simbiose por todos os “poderes”, e à luz do sistema de freios e contrapesos (checks and balances), a possibilidade de o Judiciário veicular disposições com o condão de vincular de maneira geral todos os seus membros poderia configurar (2-c) violação à separação dos poderes.

Luiz Guilherme Marinoni, porém, vai ferrenhamente de encontro a esse raciocínio. Para o autor:

O questionamento da força obrigatória das decisões judiciais diante do princípio da separação dos poderes constitui gritante falta de consciência jurídica ou ingenuidade enfadonha e inescusável. Quem vê problemas na imposição obrigatória de determinada interpretação da lei parece não ter percebido que o Judiciário, muito mais do que fixar interpretação da lei, tem o poder de, a partir da Constituição, negar a lei, alterá-la ou mesmo criá-la diante de omissão ou insuficiência capaz de inviabilizar a tutela de direito fundamental. Ora, não é preciso muito esforço para entender que se o juiz, singularmente, pode controlar a constitucionalidade da lei, os tribunais superiores evidentemente podem decidir com força obrigatória sobre todos os membros do Poder Judiciário. Nesta dimensão, aliás, obviamente também não há como afirmar que a súmula vinculante, por ter eficácia que incide além do Poder Judiciário, viola a separação dos poderes.[32]

Entendemos, também nesse sentido, que a força vinculante do precedente não faz com que o Judiciário usurpe função precípua do Legislativo. Isso porque, sobretudo, o precedente não se sobrepõe à lei, mas, em regra, partindo da norma nela veiculada, constrói sua ratio decidendi, ou, na sua falta – e somente nessa hipótese –, cria situação reguladora do caso concreto. Há, pois, relação de harmonia, e não de sobreposição, entre precedente e lei.

Não se pode confundir, a esse propósito, o controle de constitucionalidade das leis com a aventada sobreposição. Os campos de competência da função judiciária e legislativa não se interferem, permanecendo incólumes nessa situação. O que ocorre em verdade é que, justamente por força do sistema de freios e contrapesos, ao Judiciário cabe aferir a compatibilidade vertical das leis com a Constituição, sem que isso signifique indevida ingerência.


CAPÍTULO 02 – A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO PRECEDENTE: DO SURGIMENTO DO COMMON LAW AO STARE DECISIS

A análise de qualquer fenômeno jurídico feita a contento não prescinde do exame de sua evolução histórica. E aqui não se poderia proceder de maneira diferente.

Com efeito, a tradição[33] jurídica do common law é marcada pela forte prevalência da jurisprudência e de direito comuns, anteriores às leis e às próprias decisões que os reconhecem.

A Common Law corresponde a um sistema de princípios e de costumes observados desde tempos imemoriais e aceitos, tacitamente, ou expressamente pelo poder legislativo, revestindo ora caráter geral, quando vigoram em todas as jurisdições, ora caráter especial, quando imperam em certas regiões, tão somente. Sua prova resulta da jurisprudência, pois ao julgarem os casos concretos, os juízes declaram o direito comum, que lhes é aplicável. Os julgados assim proferidos, registrados nos arquivos das cortes e publicados em coletâneas (reports), adquirem a força obrigatória de regras de precedentes (rules of precedents), para regerem os casos futuros; ademais juízes e juristas deles extraem princípios e regras, que subsequentemente, ampliam os limites da Common Law e, assim generalizados, propiciam a sua evolução.[34]

A tradição jurídica perfilhada em especial pela Inglaterra e pelos Estados Unidos segue a diretriz do judge make law (o juiz faz a lei). A nomenclatura do postulado, contudo, pode conduzir a equívoco. Com o brocardo judge make law ou law-making authority (autoridade de fazer a lei) não se quer dizer que as normas são veiculadas pelas decisões judiciais, mas que os atos estatais e as próprias leis são controlados pelo Judiciário. A bem da verdade, o papel do juiz no common law se assemelha muito ao do juiz submetido à Constituição e aos direitos fundamentais[35].

Com efeito, se alguém perguntar a qualquer teórico do common law a respeito da natureza da função do juiz que não aplica a lei por reputá-la inconstitucional, que se vale da técnica da interpretação conforme a Constituição ou que supre a omissão de uma regra processual que deveria ter sido estabelecida em virtude de um direito fundamental de natureza processual, certamente se surpreenderá. Tal atividade obviamente não significa declaração de direito, e assim, na perspectiva das doutrinas produzidas no common law, certamente revela uma atividade produtora, verdadeira criação judicial do direito.[36]

O uso da jurisprudência como fonte primeira do Direito surgiu de forma espontânea nessa tradição jurídica, sendo que “pouco se pode precisar sobre o seu nascimento, pois ‘cresceu, de forma assistemática, e é tão natural na cena inglesa como o carvalho, o freixo e o sabugueiro’”[37].

E enquanto a porção continental da Europa incorporava, no decorrer do século XI, a dinâmica jurídica advinda do Império Romano, cultivando o embrião do civil law, “a Inglaterra passou praticamente ilesa à influência do direito romano”[38].

Quando o direito romano atingiu o horizonte da Inglaterra, esta já tinha em formação uma classe de técnicos do direito capazes de desenvolver, à base autônoma dos usos anglo-normandos, uma jurisprudência criativa que, curiosamente, era metodicamente similar, sob o aspecto casuístico, àquela romana clássica e, portanto, tecnicamente auto-suficiente.[39]

O Estado inglês, assim, permaneceu regrado por um Direito germânico-feudal comum, sobretudo em razão da invasão do país pelos normandos, em 1066, o que significou o estabelecimento, na Inglaterra, de um poder forte, centralizado, carregado de uma grande experiência administrativa[40]. Guilherme I (1066-1087), Duque na Normandia, considerava-se herdeiro dos reis saxões e, portanto, acolheu os seus costumes e seu modo de conceber o direito[41].

Durante o reinado de um de seus sucessores, Henrique II (1154-1189), em que vigia um direito composto por normas consuetudinárias, anglo-saxônicas e normandas, houve a expansão dos limites da jurisdição inglesa, robustecendo-se, assim, essa tradição jurídica[42].

A esse propósito, os primeiro juízes da common law aplicavam regras de origem germânica, já que “princípios provenientes do direito germânico serviram de alicerce do sistema jurídico anglo-americano”[43]. A esses mesmos magistrados cabia, a fim de cumprir seu mister, a tarefa de identificar a ratio decidendi para adaptá-la ao caso concreto.   

Nesse passo, em 1187, foi publicada a obra intitulada “Glanvill”, considerada o marco do início científico do common law. No livro houve a elaboração de comentários acerca dos procedimentos a serem seguidos pela Corte Real.

Mais tarde, em 1220, Henry Bracton publicou pela primeira vez a obra “Treatise”, em linhas muito gerais, criticando os juízes de seu tempo, e elogiando seus antecessores, o que teria influenciado os juristas da época a pleitearam perante as cortes fazendo o uso de casos já decididos. Trata-se de outro significativo marco científico do common law.

Não é preciso salientar que essa concepção de organização judiciária centralizada, possibilitando a todos os homens livres o acesso à justiça, contribuiu sobremaneira para infundir nos súditos o conhecimento do direito em vigor.

O desenvolvimento e a aceitação dessa práxis foram tão amplos e inusitados, que Henrique de Bracton, escrevendo em meados do século XIII, foi capaz de desenhar um grande sistema de direito e de processo, arquitetado pelos próprios ingleses.[44]

Nesse andar, as decisões judiciais que continham o comando a seguir em um caso determinado iam sendo catalogadas, ao longo dos anos, nos statue books.

A guarda e seleção das atas de julgamento (court anrollments ou, simplesmente, plea rolls), a partir de um writ real, de 1292, passam a ser observadas com o escopo de auxiliar no aprendizado do ensino jurídico. Esse costume já estava consagrado sob a coroa de Henrique VI (1422-1461), tomando-se inclusive o cuidado de traçar, com maior clareza e precisão, a questão de direito debatida no caso concreto.

(...)

Em meados do século XVI, seguindo uma natural evolução, o estilo dessas compilações foi substituído pelos Law Reports, em formato muito próximo aos repertórios da época moderna, com a transcrição textual do caso e do respectivo julgamento. É evidente que esse novo método possibilitava maior precisão no estudo e manuseio das anteriores decisões à guisa de precedentes.[45]

Dessa forma, em pouco tempo havia se instituído o hábito das partes de realizar citações de casos análogos já solucionados, a fim de exemplificar seus direitos. Foram criadas, assim, publicações periódicas visando à divulgação das petições de advogados e decisões das cortes. Eis o surgimento de uma prática característica do Direito inglês: o case law.

Ademais, enquanto na França o ideário iluminista acarretou o engessamento da atividade judiciária, fazendo prevalecer o Legislativo, na Inglaterra, as revoluções do século XVII – Puritana e Gloriosa –, também incentivadas pelo novo modo de pensar o mundo, reforçaram os poderes e a liberdade interpretativa dos magistrados, garantindo maior legitimidade à tradição do common law. Isso porque, no Estado inglês, os juízes sempre estiveram a favor dos indivíduos e contra o absolutismo, comungando, portanto, com os ideais revolucionários. Confira-se, nesse sentido:

A Revolução inglesa, conduzida pelos nobres proprietários do Parlamento contra o absolutismo do rei, diversamente da Revolução Francesa, não considerava os juízes como uma ameaça, mas antes como um poder amigo do Parlamento na luta contra as arbitrariedades do soberano. Por essa razão que, no direito inglês, não houve a necessidade de se criar o dogma da prevalência da lei e da aplicação estrita da lei pelo magistrado (juiz boca da lei), garantindo-lhe espaço e poder para interpretar a lei.[46]

Tanto na Inglaterra quanto nos Estados Unidos, diferentemente do contexto francês, os juízes desempenhavam frequentemente um papel progressista em favor dos indivíduos contra os abusos de poder, assim como também desempenharam um importante papel no processo de centralização do poder e de desmantelamento do feudalismo, de modo que o medo quanto à possibilidade de o juiz criar o direito ou quanto à possibilidade de interferência deste na administração não existiu nesses países.[47]

A permanência do common law propiciou a manutenção do caráter jurisprudencial do direito inglês, razão pela qual se pode reconhecer, naquele país, a existência de um verdadeiro Poder Judiciário. Esse é um dos elementos diferenciadores do direito inglês em relação ao Francês, onde [sic] existe uma função jurisdicional, autoridades judiciárias, mas não, verdadeiramente, um Poder Judiciário. A Constituição Francesa de 1958, ao tratar simplesmente de “autoridade judiciária”, traduziu com essa terminologia o que era, desde há muito, realidade na vida política francesa.[48]

Em que pese a difusão e a importância dos precedentes judiciais na tradição jurídica do common law, estes, por muito tempo, não tiveram o condão de vincular decisões ulteriores de casos semelhantes[49]. A diretriz que garante a eficácia vinculante dos precedentes – stare decisis –, ao contrário do que se pode imaginar, só veio a se estabelecer no século XIX, como natural evolução da dinâmica jurídica praticada desde tempo imemoriáveis no espaço geográfico que hoje denominamos Inglaterra.

No particular, a nomenclatura “stare decisis” é a abreviação do brocardo latino stare decisis et non quieta movere (mantenha aquilo que já foi decidido e não altere aquilo que já foi estabelecido)[50]. Trata-se, noutros termos, do efeito vinculante dos precedentes (aspecto detidamente abordado no item “3.1.1”).

O fenômeno jurídico é assim definido em obra de coordenação de Luiz Guilherme Marinoni, a partir do magistério de Schauer:

O stare decisis, portanto, mostra-se como “uma forma distinta de restrição por precedente. Sob a doutrina do stare decisis, uma corte deve decidir as questões da mesma forma que ela decidiu no passado, mesmo que os membros da corte tenham mudado, ou ainda que os mesmos membros tenham mudado de ideia. Tanto quando o precedente vertical, o stare decisis – precedente horizontal – trata de seguir as decisões de outros”.[51]

Demais disso, explicita José Rogério Cruz e Tucci a base teórica que alicerçou a doutrina do stare decisis:

A moderna teoria do stare decisis (...) informada pelo princípio do precedente (vertical) com força obrigatória externa para todas as cortes inferiores, veio inicialmente cogitada em prestigiada doutrina de um dos maiores juristas ingleses de todos os tempos, Sir Baron Parke J., que (...) escreveu: “O nosso sistema de Common Law consiste na aplicação, a novos episódios, de regras legais derivadas de princípios jurídicos e de precedentes judiciais; e, com o escopo de conservar uniformidade, consistência e certeza, devemos aplicar tais regras, desde que não se afigurem ilógicas e inconvenientes, a todos os casos que surgirem; e não dispomos da liberdade de rejeitá-las e de desprezar a analogia nos casos em que ainda não foram judicialmente aplicadas, ainda que entendamos que as referidas regras não sejam tão razoáveis e oportunas quanto desejaríamos que fossem. Parece-me de grande importância ter presente esse princípio de julgamento, não meramente para a solução de um caso particular, mas para o interesse do direito como ciência”.[52]

A noção do stare decisis, ademais, está desde a sua concepção vinculada aos postulados da segurança jurídica e da isonomia, tal qual abordado no item “1.3”, retro, do presente estudo.

É interessante notar que na obra dos primeiros comentadores da common law já se manifesta preocupação com o problema de julgamentos contraditórios. Sobretudo “na obra de Bracton começa a delinear-se a importância de ater-se, na decisão de casos similares, àqueles que já tinham sido antes decididos”. Chega-se mesmo a suscitar a questão da certeza do direito, quando colocada em perigo pelos juízes que decidiam desprezando o direito elaborado nos vetera iudicia.[53]

A vinculação ao precedente por força do stare decisis, insta mencionar, ocorre em relação ao próprio órgão prolator da decisão paradigma e àqueles inferiores a ele.

Com o fito bem elucidar, convém demonstrar a estrutura hierárquica de vinculação das decisões no Judiciário inglês, que pode ser resumida nos seguintes pontos: 1) As decisões tomadas pelo Comitê de Apelação da Câmara dos Lordes (mais alta corte do Reino Unido, de competência apenas recursal) constituem precedentes obrigatórios para todos aqueles investidos de jurisdição, salvo, excepcionalmente, para ele próprio; 2) As decisões da Court of Appeal (corte de segundo grau dentro da Suprema Corte) afiguram-se obrigatórias para todos os julgadores inferiores e, à exceção de matéria criminal, para a própria corte; 3) Os julgamentos proferidos pela High Court of Justice (corte civil-administrativa também da Suprema Corte) vinculam os julgadores abaixo dela, mas não a própria High Court of Justice, tampouco a Crown Court (órgão da Suprema Corte que aprecia apenas matéria criminal), não obstante tenham um grande valor persuasivo[54].


CAPÍTULO 03 – O PRECEDENTE JUDICIAL NO DIREITO BRASILEIRO CONTEMPORÂNEO

Embora de forma ainda inconsciente para alguns, nosso direito tem incorporado cada vez mais características e elementos próprios de um sistema de precedentes, de modo que, hoje, é possível analisá-lo partindo-se desse ótica. Não há qualquer empecilho na identificação de institutos e efeitos próprios da tradição jurídica do common law no direito pátrio.

Examinemos, pois, os efeitos que o precedente judicial possui atualmente no país e, por consequência necessária, as técnica de superação e aplicação dos precedentes.

3.1) EFEITOS DO PRECEDENTE

3.1.1) DO EFEITO VINCULANTE

A ordem jurídica brasileira empresta a alguns pronunciamentos jurisdicionais a capacidade de ser vinculantes (binding authority). Os precedentes que ostentam essa aptidão devem ser seguidos quando os órgãos vinculados se deparam com quadros fáticos análogos aos da decisão paradigma, obrigando-os a utilizar a tese nela fixada.

No ordenamento pátrio, e de acordo o posicionamento adotado no presente estudo, os únicos órgãos jurisdicionais aptos a prolatar decisão com efeitos vinculantes são os tribunais superiores, notadamente o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal. É dizer, pois, que apenas acórdãos têm o condão de veicular um precedente de efeito vinculante.

Os órgãos vinculados à decisão paradigma, de outra parte, são na generalidade dos casos os jurisdicionais de hierarquia inferior à do prolator.

O que vincula, sob a ótica dos precedentes, sobreleva esclarecer, é a ratio decidendi, os fundamentos jurídicos da decisão.

3.1.1.1) A COISA JULGADA E O EFEITO VINCULANTE

Não se pode confundir o efeito vinculante do precedente – que tem por objeto a ratio decidendi – com o efeito vinculante decorrente da coisa julgada – cujo núcleo é o dispositivo da decisão.

A vinculação da ratio decidendi ocorre hoje em hipóteses restritas, que serão a seguir abordadas, exercendo influência sobre órgãos investidos de jurisdição.

A vinculação consectária da coisa julgada, por outro lado, é comum a todas as decisões judicias, a teor do art. 472 do Código de Processo Civil/1973, abrangendo, pelo menos, as partes, sem embargo de existirem casos em que abarcará pessoas não envolvidas de forma imediata da lide, como os dos arts. 16 da Lei nº 7.347/85, 103 da Lei nº 8.078/90 e 102, §2º, da Constituição Federal, em que a coisa julgada opera efeitos erga omnes. A vinculação da coisa julgada, ademais, pode ser oponível à administração pública, em todas as suas esferas, tal qual ocorre com a decisão do Supremo Tribunal Federal em sede de controle abstrato de constitucionalidade (art. 102, §2º, da Lei Maior, art. 28, parágrafo único, da Lei nº 9.868/99 e art. 10, §3º, da Lei nº 9.882/99), diferentemente da vinculação do precedente.

Quando o Tribunal Superior julga um recurso ou uma ação, estabelecendo um precedente, a regra de direito extraída deste precedente, conforme viemos defendendo, deveria ser vinculante para casos futuros. Tal vinculação aproxima o stare decisis da coisa julgada, mas são institutos que não se confundem. O stare decisis é uma teoria que afeta não apenas as partes mas qualquer pessoa, já que diz respeito ao impacto da decisão para o futuro na comunidade e em outros Tribunais. No que tange ao limite objetivo, o stare decisis não torna o dispositivo da decisão que forneça o precedente vinculante, posto [sic] que o dispositivo é algo que só interessa e só vale para as partes da causa, mas de certa forma imutabiliza – não de forma absoluta – a ratio decidendi.[55]

É possível que ambas as espécies de vinculação coexistam na mesma decisão, como bem elucida Fredie Didier Jr.:

Observa-se este exemplo: no julgamento de um ADI, o STF entende que uma lei estadual (n. 1000/2007, p. ex.) é inconstitucional por invadir matéria de competência da lei federal. A coisa julgada vincula todos à seguinte decisão: a lei estadual n. 1000/2007 é inconstitucional; a eficácia do precedente recai sobre a seguinte ratio decidendi: ‘lei estadual não pode versar sobre determinada matéria, que é da competência de lei federal’. Se for editada outra lei estadual, em outro Estado, haverá necessidade de propor nova ADI, sobre a nova lei, que certamente será baseada no precedente anterior.[56]                                   

Ainda nesse tocante, Luiz Guilherme Marinoni estabelece a distinção entre a vinculação da coisa julgada e da força do precedente a partir do princípio da segurança jurídica. Segundo o autor, a primeira possui caráter privatístico e tem como traço marcante a imutabilidade em relação ao que foi decidido no caso concreto; a segunda opera efeitos que transbordam os limites do processo de que se origina, assegurando a previsibilidade das decisões judiciais posteriores.

As funções da coisa julgada e do precedente vinculante à luz da segurança jurídica e da tutela da confiança são distintas. O respeito aos precedentes garante a previsibilidade em relação às decisões judiciais, assim como a continuidade da afirmação da ordem jurídica. A coisa julgada, por sua vez, garante que nenhuma decisão estatal interferirá de modo a inutilizar o resultado obtido pela parte com a decisão acobertada pela coisa julgada, assim como a estabilidade das decisões judiciais.[57]

A fim de tornar mais palatável as distinções traçadas pela doutrina, tomamos a liberdade de esquematizá-las da seguinte forma:

Coisa julgada

Efeito vinculante

 

Dispositivo

Ratio decidendi

Objeto

Imutável

(salvo as hipóteses de querela nulitatis e ação rescisória)

Superável

(Overruling, Overriding, v.g.)

Perenidade

Inter ou extra partes

(comum a todos os processos e quando previsto em lei, respectivamente)

Judiciário

         

Abrangência

Qualquer sentença/acórdão

Restritas

Hipóteses

Vejamos, nesse passo, os casos de precedentes obrigatórios no Direito brasileiro.

3.1.1.2) DECISÃO PROFERIDA NO CONTROLE CONCENTRADO DE CONSTITUCIONALIDADE

No Direito contemporâneo brasileiro, a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal em sede de controle abstrato de constitucionalidade é a que apresentar mais robusto espectro de vinculação: sua autoridade vinculante é prevista não só na Constituição da República (art. 102, §2º), mas também como em lei ordinária (art. 28, parágrafo único, da Lei nº 9.868/99).

Trata-se da única hipótese de precedente cujo efeito vinculante possui assento constitucional. E tal não poderia ser diferente.

A vinculação conferida à decisão oriunda do controle concentrado de constitucionalidade é imanente à efetividade do sistema de aferição de compatibilidade vertical das normas adotado no país, e, pois, em última análise, ao próprio Estado constitucional.

A efetiva tutela da Constituição pelo Supremo Tribunal Federal (art. 102, caput, da Lei Maior) não prescinde desse instrumento vinculativo. É que, não fosse assim, dos pronunciamentos do Pretório Excelso seria ceifado o efeito prático de tolher uma norma do sistema.

A adequada tutela jurisdicional da Constituição e a autoridade do Supremo Tribunal Federal dependem da eficácia vinculante dos motivos determinantes da decisão proferida no controle abstrato de normas. E é na medida em que se admite esta eficácia vinculante que a decisão, até então vista apenas como produtora de coisa julgada erga omnes – e, assim, como definidora de se a norma expressamente invocada na ação direta é ou não inconstitucional –, passa a também ter qualidade de precedente constitucional.[58]

3.1.1.3) DECISÃO PROFERIDA NO CONTROLE DIFUSO DE CONSTITUCIONALIDADE PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

Desde a promulgação da primeira Constituição da República, em 1891, o Brasil adota o sistema de controle difuso de constitucionalidade e, desde então, é largamente difundido pela doutrina pátria que, “declarada a inconstitucionalidade incidenter tantum a inconstitucionalidade da lei ou ato normativo pelo Supremo Tribunal Federal, desfaz-se, desde sua origem, o ato declarado inconstitucional (...). Porém, tais efeitos (...) somente tem aplicação para as partes e no processo em que houve a citada declaração”.[59]

Ocorre, todavia, que a ideia de que a decisão proferida no controle difuso de constitucionalidade vincula tão somente as partes tem sido temperada pela doutrina mais moderna, que inclusive é encabeçada, entre outros, pelo hoje ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes, para quem:

O recurso extraordinário deixa de ter caráter marcadamente subjetivo ou de defesa de interesses das partes, para assumir, de forma decisiva, a função de defesa da ordem constitucional objetiva. Trata-se de orientação que os modernos sistemas de Corte Constitucional vêm conferindo ao recurso amparo e ao recurso constitucional (Verfassungsbeschwerde). (...)

A função do Supremo nos recursos extraordinários – ao menos de modo imediato – não é a de resolver litígios de fulano ou beltrano, nem a de revisar todos os pronunciamentos das Cortes inferiores. O processo entre as partes, trazido à Corte via recurso extraordinário, deve ser visto apenas como pressuposto para uma atividade jurisdicional que transcende os interesses subjetivos.[60]

Eis o fenômeno jurídico denominado “objetivação do recurso extraordinário”[61].

Nesse diapasão, tem-se entendido, por razões científicas e de política judiciária, que a decisão proferida pelo Pretório Excelso no controle difuso de constitucionalidade tem o condão de vincular os demais órgãos jurisdicionais, ostentando, destarte, o status de precedente vinculante. Assim, afora o fato de a coisa julgada no controle difuso ser inter partes, tal qual ocorre com a generalidade dos processos, sua ratio decidendi tem aptidão de externar efeitos extra partes quando realizada em sede de recurso extraordinário.

A propósito das mencionadas razões de política judiciária, torna-se necessária a outorga de efeito vinculante às decisões proferidas em recurso extraordinário pelo Supremo na medida em que é imperiosa a “racionalização do modo de prestação jurisdiciona pela Corte”[62].

Isso porque “dados estatísticos disponibilizados no sítio do Supremo Tribunal Federal revelam que, entre 1991 e o ano de 2007, o total da soma de recursos extraordinários e agravos de instrumentos distribuídos anualmente na Suprema Corte sempre superou 90% do total de processos distribuídos”[63].  Evidente, destarte, o atual desvirtuamento das atribuições da Corte Constitucional brasileira, o que, porém, pode ser efetivamente mitigado ao se atribuir efeitos vinculantes ao recurso extraordinário.

Quanto ao aspecto científico da objetivação do recurso extraordinário, Luiz Guilherme Marinoni sustenta ferrenhamente que não há razão lógica para atribuir efeito vinculante às decisões decorrentes do controle concentrado e não o fazer em relação ao controle difuso. Segundo o autor, em ambos os casos o efeito vinculante decorre de idêntica razão: a “necessidade de se dar força aos fundamentos das decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal”[64].

Trata-se, assim, de alcançar um objetivo que é imprescindível à racionalidade de qualquer sistema que dá aos seus juízes o poder de realizar o controle da constitucionalidade diante dos casos concretos. Não há como atribuir este poder aos juízes sem vinculá-los às decisões da Suprema Corte. O controle difuso exige que os precedentes da Corte que dá a última palavra acerca da questão constitucional sejam obrigatórios. Não se trata de mera opção técnica, ainda que ótima à eficiência da distribuição da justiça, mas de algo que, quando ausente, impede o próprio funcionamento do controle difuso. De modo que admitir, no atual estágio do direito brasileiro, controle difuso sem vinculação dos órgãos judiciários aos precedentes constitucionais constitui equívoco imperdoável.[65]

Destaca-se, nessa senda, o fato de ser requisito do recurso extraordinário a repercussão geral. O requisito é hospedado no art. 102, §3º, da Constituição, conforme a redação dada pela Emenda à Constituição nº 45/04, e encontra regulamentação legal nos arts. 543-A e 543-B do Código de Processo Civil/1973.

Condicionar o conhecimento do recurso extraordinário à existência, no caso concreto, de questões relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico, que ultrapassem os interesses subjetivos da causa, é tornar evidente que sua solução não pode ficar adstrita ao círculo inter partes. A instituição do requisito da repercussão geral é inequívoco mecanismo de seleção de casos e, “onde há técnica de seleção de casos, deve haver necessariamente eficácia vinculante dos precedentes, sob pena de evidente impropriedade lógica"[66].

Não há como conciliar a técnica de seleção de casos com a ausência de feito vinculante, já que isso seria o mesmo que supor que a Suprema Corte se prestaria a selecionar questões constitucionais caracterizadas pela relevância e pela transcendência e, ainda assim, permitir que estas pudessem ser tratadas de formas diferentes pelos diversos tribunais e juízo inferiores. A ausência de efeito vinculante constituiria mais uma afronta à Constituição Federal, desta vez à norma do art. 102, §3º, que deu ao Supremo Tribunal Federal a incumbência de atribuir – à luz do instituto da repercussão geral – unidade ao direito mediante a afirmação da Constituição[67].

Fredie Didier Jr., valendo-se da técnica que lhe é peculiar, afirmar que se pode atribuir efeitos vinculantes à decisão de recurso extraordinário porque a forma difusa de controle de constitucionalidade não implica, necessariamente, apenas na análise em concreto da conformidade da norma com a Constituição; ao revés, o incidente de controle de constitucionalidade encerra, outrossim, o exame da norma em abstrato, o que leva ao recurso extraordinário as especificidades próprias do controle abstrato, o que inclui, à evidência, o efeito vinculante do precedente.

Nada impede, porém, que o controle de constitucionalidade seja difuso, mas abstrato: a análise da constitucionalidade é feita em tese, embora por qualquer órgão judicial[68].

Nesse contexto, sobreleva apontar que o que se busca conferir ao recurso extraordinário não é a coisa julgada erga omnes própria do controle abstrato (art. 102, §2º, da Constituição Federal, art. 28, parágrafo único, da Lei nº 9.868/99 e art. 10, §3º, da Lei nº 9.882/99), que, na hipótese, permanecerá restrita ao âmbito inter partes. Pretende-se, em verdade, atribuir-lhe a vinculação da ratio decidendi.

Demais disso, insta ressalvar que a objetivação do recurso extraordinário não encontra óbice no art. 52, inciso X, da Constituição Federal, segundo o qual compete ao Senado Federal “suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal”. Entendia-se, diante dessa disposição, que se o constituinte elegeu ente para dar efeitos gerais às decisões definitivas em Recurso Extraordinário, fê-lo por que, obviamente, elas não teriam por si só essa aptidão.

Entretanto, à vista do novo fenômeno ora exposto, foi alterada a interpretação anteriormente dada esse dispositivo, em autêntica mutação constitucional decorrente da reformulação do sistema jurídico. A nova maneira de entender o mencionado dispositivo é no sentido de que caberá ao Senado somente dar publicidade à decisão proferida pelo Pretório Excelso, não tendo o ente legislativo competência bastante para deliberar sobre os efeitos do decisum. Em abono:

Alega-se que o papel do Senado Federal, em face do era. 52, X, da CF, não é mais o de suspender os efeitos da lei declarada constitucional, mas o de dar publicidade à decisão do Supremo Tribunal Federal proferida em controle difuso. (...)

Se as decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, em sede de recurso extraordinário, têm eficácia vinculante, torna-se completamente impróprio e desnecessário reservar ao Senado Federal o poder para atribuir efeitos gerais às decisões de inconstitucionalidade[69].

Ainda nesse sentido, sobreleva colacionar o seguinte excerto de aresto do Superior Tribunal de Justiça deveras emblemático quanto à matéria ora examinada, de relatoria do então ministro da corte Teori Zavascki:

Embora tomada em controle difuso, a decisão do STF tem natural vocação expansiva, com eficácia imediatamente vinculante para os demais tribunais, inclusive para o STJ (CPC, art. 481, único), e com a força de inibir a execução de sentenças judiciais contrárias (CPC, art. 741, p. único; art. 475-L, 1º, redação da Lei 11.232/05) (REsp 911897/SP. STJ, Relator: Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, Data de Julgamento: 02/05/2006, T1 - PRIMEIRA TURMA).

Impende alertar, por derradeiro, que, não obstante sobejem razões para que se garanta efeito vinculante à decisões proferida em Recurso Extraordinário, tal qual aqui exposto, a temática é bastante intrincada, prevalecendo hoje – por enquanto – o entendimento clássico de que não se pode conferir o efeito vinculante em questão.

3.1.1.4) DECISÃO QUE FIXA A TESE PARA SOLUÇÃO DOS RECURSOS EXTRAORDINÁRIOS OU ESPECIAIS REPETITIVOS

A lei nº 11.418/06 introduziu no ordenamento jurídico brasileiro, especificamente no Código de Processo Civil/1973, mecanismos de contenção do vulto de processos que sobe às instâncias superiores. Trata-se dos arts. 543-B e 543-C do mencionado diploma.

Esses dispositivos hospedam as normas relativas aos denominados recursos repetitivos, que abrangem a decisão quanto à repercussão geral quando da análise da admissibilidade do recurso extraordinário, bem assim quanto à questão de direito veiculada em recursos especiais, respectivamente.

Consoante o regramento legal, a fim de se levar a efeito a apreciação dos recursos repetitivos, caberá ao tribunal de origem selecionar um ou mais recursos representativos da controvérsia e encaminhá-los ao Supremo Tribunal Federal ou ao Superior Tribunal de Justiça, conforme o caso, sobrestando os demais até o pronunciamento definitivo da respectiva Corte.

Nesse passo, ao julgar os casos selecionados o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça fixarão a tese a ser reproduzida no tribunal de origem para pôr termo aos feitos análogos. Tem-se, portanto, inequívoca hipótese em que a ratio decidendi, transpondo os limites do processo em que foi originada, ganha contornos vinculantes.

Assim, (...), há que se admitir que a técnica dos recursos repetitivos pretende – embora não da forma mais adequada – impor a obrigatoriedade dos precedentes fixados para as causas idênticas de caráter múltiplo[70].

3.1.1.5) SÚMULA VINCULANTE (?)

Para alguns autores, a súmula vinculante editada pelo Supremo Tribunal Federal na forma do art. 103-A da Constituição Federal e da Lei nº 11.417/06 é exemplo acabado de precedente judicial com efeito vinculante no Direito brasileiro.

No Brasil, há algumas hipóteses em que os precedentes têm força vinculante – é dizer, em que a ratio decidendi contida na fundamentação de um julgado tem força vinculante: (i) a ‘súmula vinculante’ em matéria constitucional editada pelo Supremo Tribunal Federal (...) tem eficácia vinculante em relação ao próprio STF, a todos os demais órgãos jurisdicionais do país e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal (...).[71]

Impossível ignorar as súmulas vinculantes, instituídas pela Emenda Constitucional 45, de 31 de dezembro de 2004, e regulamentada pela Lei 11.417/06, e que objetivam impor o entendimento consagrado pelo STF a todos os juízes e Tribunais do Brasil.[72]

Sucede, porém, que súmula não possui a natureza jurídica de precedente judicial.

O processo de formação das súmulas pressupõe, em seu início, a prolação de uma decisão, surgindo, assim, um precedente. Esse precedente, se seguido reiteradamente pelo tribunal, forma sua jurisprudência. Em um terceiro momento apenas é que essa jurisprudência, então consolidada, passará a compor o enunciado da súmula da corte. Essa dinâmica é assim esquematizada por Fredie Didier Jr:

Precedente                   Jurisprudência                    Súmula[73]

Quando a reiteração de precedentes ganha robustez tal a dar azo à criação de súmula, terá esta natureza normativa geral e abstrata. Eis o maior ponto de distinção entre súmula e precedente.

O precedente oriundo de decisão interlocutória, sentença ou acórdão, como decisão judicial que é, veiculará norma individual e concreta que, dando solução à questão incidente ou ao litígio em si, obrigará as partes[74]. A súmula, de outra parte, veicula norma geral e abstrata, possuindo características mais semelhantes às de lei em sentido material do que às de decisão judicial.

E não se diga que o precedente possuidor de efeito vinculante veiculará norma geral e abstrata, na medida em que sua ratio decidendi será replicada noutros casos. Nas hipóteses em que ao precedente é conferida essa eficácia, está-se em certa medida a transplantar a norma individual e concreta nele criada para caso semelhante, não havendo, portanto, a propagação de norma geral e abstrata pelo precedente.

Ainda a propósito da natureza jurídica da súmula vinculante, são lapidares os dizeres de Mônica Sifuentes:

Trata-se [a súmula vinculante] de ato típico e exclusivo da função jurisdicional, que se situa em uma zona cinzenta da distribuição funcional entre os poderes do Estado, dado o seu caráter de obrigatoriedade e generalidade, que o aproxima do conteúdo material da lei.[75]

Perfilhando essa minha linha de intelecção está Tiago Asfor Rocha Lima:

O enunciado sumular, vinculante ou não, não importa de qual tribunal, não é verdadeiramente um precedente judicial. Como afirmado anteriormente, o precedente judicial relaciona-se a uma decisão judicial que contém elementos suficientes e similares a de outras situações futuras e que, por isso, é capaz de exercer algum espécie de persuasão sobre o julgador.[76]

Não destoam desse entendimento Nelson Nery Jr. e Georges Abboud:

(...) súmula vinculante não pode ser confundida com o precedente do common law.[77]

De outra parte, súmula e precedente se assentam em fundamentos teóricos distintos. A teoria dos precedentes foi concebida com vistas à coerência da ordem jurídica e à garantia da segurança e da isonomia, ao passo em que as súmulas, notadamente as vinculantes, surgiram a partir do pragmático intuito de “desafogar” o Judiciário, impedindo que a atividade jurisdicional seja desperdiçada com a resolução de casos repetitivos em que é possível a aplicação de norma editada pelo próprio tribunal.

As súmulas, no direito brasileiro – se não foram idealizadas – foram compreendidas como mecanismos voltados a facilitar a resolução de casos fáceis que se repetem. Certamente não tiveram preocupação em garantir a coerência da ordem jurídica ou a igualdade e a previsibilidade.

(...) afora o grave e principal problema de o instituto da súmula não ter sido atrelado à afirmação da coerência da ordem jurídica e à garantia da segurança jurídica e da igualdade, as súmulas foram vistas como normas gerais e abstratas, tentando-se compreendê-las como se fossem autônomas em relação aos fatos e aos valores relacionados com os precedentes que as inspiraram.[78]                  

É bem verdade que os precedentes que deram origem ao enunciado da súmula permanecerão revestidos dessa natureza, de sorte que se lhes aplica o plexo jurídico aqui abordado. As súmulas, entretanto, refogem de nosso objeto de estudo em princípio.

Descendo-se ao campo prático, não é possível, v.g., aplicar a técnica do distinguishing (item 3.2.1) ao se ter súmula como paradigma. É que tal técnica pressupõe o cotejo de dois quadros fáticos – um do precedente paradigma e outro do caso em julgamento.

De todo modo, cumpre alertar que, para os que consideram súmula espécie do gênero precedente judicial, são dotados de efeito vinculante, v.g., além das súmulas vinculantes, o entendimento consolidado na súmula de cada um dos tribunais, em relação ao próprio tribunal e as súmulas de tribunal superior, na medida em que podem obstar a revisão de decisões (arts. 475, §3º, 518, §1º, 544, §4º e 557, todos do Código de Processo Civil/1973).

À parte da celeuma acerca da natureza jurídica da súmula, adiante se abordará a forma com que o Projeto do Novo Código de Processo Civil conceberá o tema, que, já se adianta, aproximará a súmula do precedente, dando tratamento uniforme a ambos.

3.1.1.6) PRECEDENTE QUE INFLUI NA DINÂMICA RECURSAL

Tal qual acima mencionado, para os que adotam o entendimento segundo a qual súmula e precedente possuem a mesma natureza jurídica, há casos em que a súmula, por impedir a subida ou o provimento de recurso, ou, ainda, impor seu provimento, terá efeito vinculante.

Essa hipótese, porém, não está adstrita às súmulas; pode ocorrer também em relação à reunião de precedentes – a jurisprudência.

No particular, impende apontar que se trata de hipótese de vinculação própria da jurisprudência e das súmulas, e não, a rigor, do precedente judicial, razão pela qual os mecanismos a seguir abordados não compartilham a mesma base teórica da sistemática do precedente, mas comungam com o propósito das súmulas de “desafogar” a atividade judiciária. Considerando, de toda sorte, que a jurisprudência nada mais é que um conjunto de precedentes cujas rationes decidendi são idênticas ou ao menos assemelhadas, impende que se examine, ainda que de forma breve, esse caso de vinculação do precedente – ou melhor, da jurisprudência.

Com efeito, nos moldes do art. 475, §3º[79], 544, §4º, inciso II, alíneas “b” e “c”[80] e 557[81], todos do Código de Processo Civil/1973, e na forma do enunciado nº 83 da súmula do Superior Tribunal de Justiça[82], a jurisprudência tem o condão de influir na sistemática recursal, impedido a remessa necessária e o seguimento de recurso, bem assim sendo causa determinante para o seu provimento.

Tem-se, dessarte, evidentes hipóteses em que a ratio decidendi de um precedente transcende o âmbito intraprocessual de que se originou, vinculando processos outros.

Para Fredie Didier Jr., nas hipóteses previstas:

Há (...) uma espécie de vinculação do órgão competente para apreciar a admissibilidade recursal às diretrizes já lançadas em precedentes anteriores, de modo que este órgão fica autorizado a negar seguimento a tais recursos ou dispensar a remessa necessária.[83]

3.1.2) DO EFEITO PERSUASIVO DOS PRECEDENTES

A par do efeito vinculante garantido a alguns precedentes judicias, há o efeito persuasivo, que se faz presente em qualquer precedente[84]. Como a própria nomenclatura denuncia, o efeito persuasivo do precedente garante-lhe o condão de persuadir, de convencer. E tão somente isso.

Não é por outra razão senão o efeito persuasivo dos precedentes que, ao peticionar, um advogado colaciona em sua peça um sem-número de acórdãos de tribunais superiores, assim como o magistrado, ao decidir, também o faz.

Isso ocorre porque o precedente, conquanto não dotado de efeito vinculante, constituirá, sempre, ao menos um “indício de uma solução racional e socialmente adequada”[85]. Dessa forma, nenhum órgão investido de jurisdição está obrigado a seguir um precedente cujo efeito é meramente persuasivo, “se o segue, é por estar convencido de sua correção”[86].

Assim, o efeito persuasivo do precedente está intimamente ligado à ciência da Psicologia do Direito, visto que afeto ao comportamento humano. Não cabe ao Direito positivo regrar a obediência a um precedente persuasivo. Fosse assim, teria o precedente regrado efeito além da mera persuasão.

De todo modo, é possível traçar algumas variáveis que repercutem na aceitação pelo órgão jurisdicional do precedente de efeito exclusivamente persuasivo.

Sabe-se que a autoridade dos precedentes judiciais é variável. Há, pois, uma força gravitacional ligada a uma série de fatores internos e externos ao Judiciário que afetam diretamente o poder e a eficácia do Direito jurisprudencial.[87]

Nesse pórtico, tendem a ser mais seguidos os precedentes prolatados por tribunais de hierarquia superior. No Brasil, um precedente do Superior Tribunal de Justiça, v.g., tende a ter mais aceitação do que um de Tribunal da Justiça, mas menos do que a de um do Supremo Tribunal Federal.

Outrossim, julgamentos realizados à unanimidade tendem a ser mais persuasivos em relação àqueles em que predominou o entendimento da maioria dos julgadores. Da mesma forma, o precedente decorrente de um julgamento colegiado tenderá a ser mais seguido do que um oriundo de julgamento monocrático. Em abono:

Em um Tribunal que conta com 11 membros, há diferenças substanciais entre um julgamento com votação unânime e um julgamento que conta com um placar mais apertado, como 6 a 5, 7 a 4, etc. O placar apertado pode demonstrar que ainda não há clareza no que diz respeito à regra de direito emanada no precedente, pode demonstrar, ainda, que os juízes não têm ainda uma visão muito clara acerca da ratio decidendi, e obviamente, sinaliza que uma mudança de composição pode reverter o precedente. Em países mais acostumados com a vinculação dos precedentes, é corrente a afirmação de que a mudança de composição não pode, por si só, significar no abandono do precedente somente porque os novos membros não concordam com ele, mas em uma votação muito apertada o precedente fica “pronto para cair”.[88]

Também têm o condão de majorar o nível de persuasão do precedente os magistrados que participaram da votação ou fizeram as vezes de relator, na medida em que “um precedente goza de um prestígio maior ou menor dependendo do juiz que participou da decisão do precedente”[89], bem assim a idade do precedente pode influenciar em sua aceitação pela comunidade jurídica.

A propósito da idade do precedente, convém fazer uma observação: conquanto no Brasil costumemos dar mais importância a precedentes mais recentes, entendo que representam o entendimento mais atualizado dos tribunais, nos países que seguem a common law, os precedentes de mais idade ostentam maior poder de persuasão[90].

3.2) TÉCNICAS DE APLICAÇÃO DO PRECEDENTE

O precedente, como já dito, tem como fim precípuo a regulação do futuro, é dizer, a solução dos casos que dia a dia eclodem, de modo que uma das principais questões acerca do tema é aplicação da ratio decidendi a casos ulteriores.

Esse desdobramento da ratio decidendi na dimensão pro futuro encerra um plexo de posturas a serem tomadas pelo órgão julgador. Pode ele, por exemplo, limitar-se a aplicar determinado precedente ao caso concreto, sem quaisquer alterações; ou, pode ocorrer que, em determinado julgamento, decida-se por revogar de plano, total ou parcialmente, o precedente até então seguido; é possível, de outro lado, a não revogação imediata do precedente, mas a sinalização do julgador no sentido de que daquele dia em diante ele não mais se aplicará.

Enfim, é evidente que a praxe dos tribunais contém um sem-número de possíveis situações quando da aplicação do precedente ao caso concreto. Veremos nas seguintes linhas aquelas arroladas pela doutrina especializada.

Consigna-se, antes, que, embora as situações doravante expostas possam parecer alheias ao direito brasileiro, sobretudo em razão das nomenclaturas de difícil absorção pelo nacional, a temática é deveras relevante para o nosso Processo Civil, encontrando efetivo eco no direito brasileiro contemporâneo. Pode o operador do direito não se dar contas, mas, em maior ou menor medida, tem levado a efeito ao menos algumas das técnicas que serão expostas.

3.2.1) DISTINGUISHING

É comum na prática forense que, ao se deparar com a solução do caso concreto a partir da aplicação do precedente, um ardoroso defensor, no afã de demonstrar ser a pretensão de seu cliente a melhor, vá de encontro à sua ratio decidendi, buscando desconstituí-la, isto é, visando a demonstrar ser o raciocínio empregado no precedente errôneo. Mas haveria, a depender do caso, a possibilidade de que, em vez de se chocar frontalmente com o entendimento, o causídico demonstrasse que este não se aplica àquele determinado caso concreto, à falta de similitude fática entre o caso analisado e aquele que deu origem ao precedente.

E nisso consiste a técnica do distinguishing. Por meio dela busca-se demonstrar que o caso em julgamento não possui base fática similar à do caso que fez surgir o precedente, elidindo, pois, a aplicação da respectiva ratio decidendi; ou, conquanto o caso concreto possua elementos fenomênicos análogos ao do paradigma, tem alguma peculiaridade que afasta a aplicação da ratio do julgamento. Nesse sentido:

O distinguishing expressa a distinção entre casos para o efeito de se subordinar, ou não, o caso sob julgamento a um precedente. A necessidade de distinguishing exige, como antecedente lógico, a identificação da ratio decidendi do precedente. Como a ratio espelha o precedente que deriva do caso, trata-se de opor o caso sob julgamento à ratio do precedente decorrente do primeiro caso.[91]

Não é essa, contudo, a única acepção do distinguishing. A não aplicação de determinado precedente na solução de caso concreto que lhe é posterior, aqui já exposta, afigura-se tão somente o que Fredie Didier Jr. denomina distinguishing-resultado. Há, de outra parte, o distinguishing-método, que seria a natural técnica de comparação entre caso concreto e precedente(s) paradigma(s), já que, evidentemente, “nas hipóteses em que o magistrado está vinculado a precedente judicias, a sua primeira atitude é verificar se o caso em julgamento guarda alguma semelhança com os precedentes”[92].

(...) pode-se utilizar o termo “distinguish” em duas acepções: (i) para designar o método de comparação entre o caso concreto e o paradigma (distinguish-método); (ii) e para designar o resultado desse confronto, nos casos em que se conclui haver entre eles alguma diferença (distinguish-resultado).[93]

O denominado distinguishing-método comporta relevante observação. Deveras, embora o direito brasileiro atual não conceba de forma própria um sistema jurídico baseado no case-law, o operador do direito – nacional ou estrangeiro – vale-se invariavelmente da técnica do distinguishing. Todo e qualquer cotejo entre casos demanda a utilização da técnica.

No Brasil, Tiago Asfor Rocha Lima enumera exemplificativamente hipóteses em que se positivou, ainda que de forma despropositada, o emprego do distinguishing: o Recurso Especial fundado no art. 105, inciso III, alínea “c”, da Constituição Federal, que exige o confronto entre casos julgados; os recursos repetitivos previstos nos arts. 543-B e 543-C, ambos do Código de Processo Civil/1973, na medida em que se deve identificar a similitude fática entre os casos para se levar a efeito o julgamento concentrado; as previsões dos arts. 518, §1º, e 557, §1º-A, também do Código de Processo Civil/1973.

E arremata o mencionado autor:

Ainda que de forma inconsciente, a técnica de confrontação jurisprudencial é realizada pela comunidade jurídica no Brasil. É, destarte, mais corriqueira do que se poderia imaginar.

A crescente valorização da autoridade do Direito judicado, indubitavelmente, contribuiu para que o estudo de casos e o confronto entre ele se tornassem, ainda que de maneira impensada, um hábito dos magistrados, dos advogados públicos e privados, dos membros ministeriais e até mesmo das partes.[94]

É consectária do distinguishing uma situação bastante relevante: aquela em que, após o emprego do método, nota-se que o caso sob julgamento não encontra paralelo em nenhum precedente. Esse seria, consoante escólio de José Rogério Cruz e Tucci, um caso de first impression (“primeira impressão”), aquele sobre o qual não tenha “existido a respeito prévia discussão pelos tribunais”[95]:

(...) quando o juiz inglês se depara com uma questão pela primeira vez (...), considera-se um hard case (em contraposição aos clears cases, ou seja, amparados por precedentes). Os juízes terão então de buscar o mérito de controvérsia, deixando, nessa situação, de buscar subsídios imediatos nos Law Reports.[96]

Não é demais destacar, por outro lado, que a “não adoção do precedente, em virtude do distinguishing, não quer dizer que o precedente está equivocado ou deve ser revogado. Não significa que o precedente constitui bad law, mas somente inapplicable law”[97].

De remate, a fim de demonstrar factualmente o emprego do ditinguishing, em sua modalidade “resultado”, convém analisar trecho de recente sentença prolatada pelo juízo da 4° Vara de Fazenda Pública e de Registros Públicos da Comarca de Campo Grande/MS. No caso decidido, a autora, servidora pública estadual aposentada, buscava a conversão em pecúnia de licenças-prêmios não gozadas quando da atividade. Nesse tocante, segundo precedentes do Superior Tribunal de Justiça, o cômputo do lustro prescricional tem início com a aposentadoria do servidor. Na espécie, porém, malgrado a servidora tenha levado a efeito sua pretensão antes de decorridos cinco anos do início da aposentadoria, ela havia se desligado do cargo que lhe conferia o direito à licença-prêmio onze anos antes do ajuizamento da ação, particularidade que distinguia o caso sob julgamento daqueles que fizeram nascer os precedentes mencionados, de forma que sobre ele incidiu a prescrição. Vejamos excerto da decisão singela:

(... ) o E. Superior Tribunal de Justiça sedimentou o entendimento de que o termo inicial da contagem do prazo para requerer o pagamento de licença-prêmio não gozada é a data da aposentadoria do servidor, pois é neste momento que o servidor deixar de ter o direito de gozar da licença para, então, poder postular pela sua conversão em pecúnia.

No caso em análise, entretanto, a autora não se aposentou no cargo público de Técnico Parlamentar sobre o qual adquiriu o direito de gozo das licenças-prêmio, já que em agosto de 2000 houve a sua dispensa, a pedido, deste cargo.

Vê-se, então, que a situação da autora é diversa, já que o seu direito de postular pela conversão em pecúnia das licenças não gozadas nasceu com a sua dispensa do cargo público, na medida em que neste momento já era possível a propositura de uma demanda judicial ou pedido administrativo para tanto.

Assim, o presente caso concreto apresenta particularidades que fazem com que se torne inaplicável a jurisprudência da Corte Superior sobre o assunto, cuja aplicabilidade deve se ater às situações fáticas idênticas ou semelhantes ao caso concreto que lhe deu origem, já que se trata de um precedente judicial e, como tal, derivou de um processo cognitivo indutivo.

Trata-se da aplicação da técnica do commom law denominada de distinguishing, ou seja, da distinção entre o caso em análise e o caso paradigma que dera origem ao precedente em tese aplicável (...). (Processo de autos n° 0053260-96.2011.8.12.0001, da 4° Vara de Fazenda Pública e de Registros Públicos da Comarca de Campo Grande/MS, julgado pelo MM. Juiz Alexandre Tsuyoshi Ito, em 20.09.2013) – (destacamos).

3.2.2) OVERRULING

 Ao contrário do que ocorre no distinguishing, podem ocorrer situações em que o precedente se torna inaplicável em razão de determinada eiva. O precedente precisa ser superado quando: a) está obsoleto e desfigurado; b) é absolutamente injusto e/ou incorreto; c) revelar-se inexequível na prática[98]. Ou, noutros termos, quando se afigura genericamente bad law.

A incoerência da aplicação de precedentes socialmente ultrapassados, juridicamente equivocados ou que estejam fadados ao esquecimento pela evolução doutrinária em determinado ramo da ciência do direito fez com que a doutrina e os próprios tribunais criassem técnicas jurídicas que os escusasse da aplicação de precedentes os quais, embora se enquadrassem perfeitamente no desenho fático do caso em julgamento, não apresentariam a melhor solução para este.[99]

E a superação do precedente ocorre na generalidade das vezes por meio da técnica do overruling[100]. Para Fredie Didier Jr., “Overruling é a técnica através da qual um precedente perde a sua força vinculante e é substituído (overruled) por um outro precedente”[101]. Trata-se, nada mais, da revogação do precedente por outro mais afinado ao direito.

Revogar um precedente significa dizer, na maioria das vezes, que a decisão proferida por determinado juiz ou determinada corte estava errada, e precisa ser corrigida. Não se trata do reexame da causa provocado pelas partes interessadas, mas sim no reexame da regra de direito elaborada pela corte quando do julgamento de determinada questão, cujo erro reside, geralmente, no excesso à discricionariedade praticado pela corte prolatora.[102]

Essa revogação pode ocorrer de forma explícita – quando há expressa menção sobre a revogação de entendimento anterior – ou implícita – quando o novo precedente se limita a instaurar novo posicionamento, em desacordo com o anterior, sem lhe mencionar. Ou, nas palavras de José Rogério Cruz e Tucci:

A decisão que acolhe nova orientação incumbe-se de revogar expressamente a ratio decidendi anterior (express overruling). Nesse caso, o antigo paradigma hermenêutico perde todo o seu valor vinculante.

É possível também que, sem qualquer alusão ao posicionamento jurisprudencial assentado, a nova decisão siga diferente vetor. Tem-se aí, embora mais raramente, uma revogação implícita do precedente (implied overruling), similar à ab-rogação indireta de uma lei.[103]

Não é estranha ao direito brasileiro a ocorrência do overruling; ao contrário, ele se afigura deveras comum. À guisa de exemplo, convém mencionar o entendimento do Supremo Tribunal Federal acerca de recursos “prematuros”, é dizer, interpostos antes da intimação do recorrente acerca da decisão recorrida.

Em emblemática manifestação do que a doutrina denomina “jurisprudência defensiva”, num primeiro momento, o Pretório Excelso não conhecia do recurso interposo na mencionada condição, ao argumento de que, em linhas gerais, ocorria na hipótese espécie de preclusão. Veja-se:

AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXTEMPORANEIDADE. INTERPOSIÇÃO DE RECURSO EXTRAORDINÁRIO ANTERIOR À PUBLICAÇÃO DO ACÓRDÃO RECORRIDO. AGRAVO DESPROVIDO. O Supremo Tribunal Federal firmou entendimento no sentido de que é extemporâneo o recurso interposto antes da publicação do acórdão recorrido. Precedentes (AI-AgR nº 482.796/MG, Primeira Turma, Relatora Ministra Carmem Lúcia, julgado em 14 de dezembro de 2006) – (destacamos).

Entretanto, após, reconheceu a corte o desacerto das decisões que daquela forma procediam, e o Supremo Tribunal Federal, em autêntico overrguling implícito, passou a julgar da forma exposta no seguinte aresto:

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. RECURSO INTERPOSTO ANTES DA PUBLICAÇÃO DO ACÓRDÃO. CONHECIMENTO. INSTRUMENTALISMO PROCESSUAL. PRECLUSÃO QUE NÃO PODE PREJUDICAR A PARTE QUE CONTRIBUI PARA A CELERIDADE DO PROCESSO. BOA-FÉ EXIGIDA DO ESTADO-JUIZ. DOUTRINA. RECENTE JURISPRUDÊNCIA DO PLENÁRIO. MÉRITO. ALEGAÇÃO DE OMISSÃO E CONTRADIÇÃO. INEXISTÊNCIA. RECURSO CONHECIDO E REJEITADO.

1. A doutrina moderna ressalta o advento da fase instrumentalista do Direito Processual, ante a necessidade de interpretar os seus institutos sempre do modo mais favorável ao acesso à justiça (artigo 5º, inciso XXXV, CRFB) e à efetividade dos direitos materiais (OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. O formalismo-valorativo no confronto com o formalismo excessivo. In: Revista de Processo, São Paulo: RT, 137, páginas 7-31, 2006; DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. 14ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009; BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Efetividade do Processo e Técnica Processual. 3ª ed. São Paulo: Malheiros, 2010).

2. “A forma, se imposta rigidamente, sem dúvidas conduz ao perigo do arbítrio das leis, nos moldes do velho brocardo dura lex, sed lex” (BODART, Bruno Vinícius Da Rós. Simplificação e adaptabilidade no anteprojeto do novo CPC brasileiro. In: O Novo Processo Civil Brasileiro —Direito em Expectativa. Org. Luiz Fux. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p. 76).

3. As preclusões se destinam a permitir o regular e célere desenvolvimento do feito, por isso que não é possível penalizar a parte que age de boa-fé e contribui para o progresso da marcha processual com o não conhecimento do recurso, arriscando conferir o direito à parte que não faz jus em razão de um purismo formal injustificado.

4. O formalismo desmesurado ignora a boa-fé processual que se exige de todos os sujeitos do processo, inclusive, e com maior razão, do Estado-Juiz, bem como se afasta da visão neoconstitucionalista do direito, cuja teoria proscreve o legicentrismo e o formalismo interpretativo na análise do sistema jurídico, desenvolvendo mecanismos para a efetividade dos princípios constitucionais que abarcam os valores mais caros à nossa sociedade (COMANDUCCI, Paolo. Formas de (neo)constitucionalismo: un análisis metateórico. Trad. Miguel Carbonell. In: “Isonomía. Revista de Teoría y Filosofía del Derecho”, 16, 2002). (...)

7. O recurso merece conhecimento, na medida em que a parte, diligente, opôs os embargos de declaração mesmo antes da publicação do acórdão, contribuindo para a celeridade processual (...). (HC 101132/MA. Relator Min. Luiz Fux. Julgamento em 24/04/2012. Primeira Turma) – (destacamos).

Evidente, nessa linha, que a decisão que acarretar o overruling “exige como pressuposto uma carga de motivação maior, que traga argumentos até então não suscitados e a justificação complementar da necessidade de superação do precedente” [104].

Nesse diapasão, exsurge uma questão: operará a revogação do precedente efeitos ex tunc ou ex nunc?

Em nosso sistema processual, em respeito à segurança jurídica, é unívoco que entendimento ulterior não poderá operar efeitos ex tunc, atingindo casos anteriores a ele. Ao nosso direito, trata-se de ideia elementar e comezinha.

O direito inglês e o estadunidense, entretanto, não só admitem a eficácia ex tunc quando da revogação do precedente, como a tem como regra:

É possível que à substituição se dê eficácia ex tunc (retrospective overruling), caso em que o precedente substituído não poderá ser invocado nem mesmo quanto a fatos anteriores à substituição, que ainda estejam pendentes de análise e julgamento pelos tribunais.[105]

Em regra, quando uma corte revoga um precedente, esta decisão tem efeitos retroativos, ou seja: a regra de direito estabelecida com a revogação de um precedente é aplicável a todas as relações jurídicas ocorridas antes da decisão revogadora, assim como aos acordos entabulados antes desta decisão, mas que ainda estão sujeitos ao crivo judicial.[106]

Porém, para Fredie Didier Jr., é necessário que se tenha aberta a possibilidade de se realizar ambos os efeitos temporais, a fim de que, a cada caso, a depender do interesse social e sempre em consonância com a segurança jurídica, possa-se levar a efeito o novo entendimento em dimensão ex nunc ou ex tunc.

Desse modo, se a alteração jurisprudencial – sobretudo se ocorrer no âmbito dos tribunais superiores, como é o caso do STF ou do STJ – puder afetar a estabilidade das relações jurídicas formadas e construídas sob a égide de um velho posicionamento (princípio da segurança jurídica), é perfeitamente possível que o tribunal adote para o caso concreto, bem assim para aqueles pendentes de julgamento que se relacionem a fatos pretéritos, o entendimento já consolidado, anunciado, porém, para as situações vindouras a mudança paradigmática. Tudo no intuito de respeitar as legítimas expectativas que o posicionamento reiterado do tribunal haja incutido no espírito dos jurisdicionados.[107]

De outra parte, sobreleva consignar que o só fato de a corte prolatora do precedente ter alterada sua composição não dá ensejo à revisão ou revogação deste. É que “os precedentes não são das pessoas que estão eventualmente ocupando aquele cargo, e sim da Instituição”[108]. Ao revés, induz necessariamente à revisão do precedente a modificação da lei em que este se alicerçava, haja vista que o precedente dá contorno à lei, interpretando-a, não sendo a ela superior[109].

Convém ressalvar, de saída, que para os que entendem que súmula é precedente, seria o procedimento de revisão de súmula vinculante, na forma do art. 103-A da Constituição Federal e da Lei nº 11.417/06, instrumento propiciador do overruling no direito brasileiro[110].

3.2.3) OVERRIDING

Se o overruling é a ab-rogação do precedente, será o overriding sua derrogação.

Ocorre o overriding quando o órgão jurisdicional apenas limita o âmbito de incidência de um precedente, em função da superveniência de uma regra ou princípio legal. Para Luiz Guilherme Marinoni:

O overriding apenas limita ou restringe a incidência do precedente aproximando-se, neste sentido, de uma revogação parcial. (...) Mediante este expediente, a Corte deixa de adotar precedente em princípio aplicável, liberando-se da sua incidência. (...). O overriding se baseia na necessidade de compatibilização do precedente com um entendimento posteriormente formado.

Bem entendida a dinâmica do overruling, dispensa o overriding maiores elucubrações, haja vista que esta se afigura técnica deveras semelhante àquela.

3.2.4) SIGNALING

Tal qual já delineado no presente estudo, sobretudo no item “1.3)”, há vultosa preocupação dos teóricos do precedente judicial quanto à segurança jurídica, um dos pilares centrais de um Estado Democrático de Direito. E nessa diretriz se funda a técnica do signaling.

Nela, ocorre caso em que haveria razão bastante ao uso do overruling, é dizer, está-se prestes a aplicar precedente que não está de acordo com o direito (bad law), e que, portanto, deveria ser revogado. Mas, em prestígio à segurança jurídica, não o é. Reconhece-se a pecha do precedente, porém, em vez de se proceder à sua revogação, sinaliza-se que, doravante, adotar-se-á entendimento diverso nos casos vindouros.

Isso sucede porque o indivíduo que procedeu de determinada forma o fez porquanto tinha convicção das consequências jurídicas de seu agir, ao lume do reiteradamente aplicado pelos órgãos jurisdicionais. Dessa forma, alterar o entendimento do Estado-juiz justamente quando da apreciação de sua conduta é ferir a previsibilidade e a estabilidade que deve reger a relação jurisdicionado-Judiciário.

Luiz Guilherme Marinoni assim aborda o tema:

Objetiva-se comunicar que o precedente, que até então orientava a atividade dos jurisdicionados e a estratégia dos advogados, será revogado, evitando-se, com isso, que alguém atue em conformidade com a ordem estatal e, ainda assim ou por isso mesmo, seja prejudicado em seus negócios ou afazeres ou, em suma, em sua esfera jurídica. Frise-se que os litigantes, no caso concreto em que se faz a sinalização, não são pegos de surpresa, já que a decisão é orientada pela ratio decidendi em vias de revogação, tudo em respeito à confiança na autoridade dos precedentes judiciais.[111]

O signaling é, em suma, um aviso, um sinal da iminência do overruling.

Embora se trate de técnica própria de um sistema de precedentes, em arrojado posicionamento, o Tribunal Superior do Trabalho a levou a efeito em julgado (detidamente analisado no capítulo 4 – item 4.1.2.2) cuja parte da ementa é a seguinte:

(...) Nesta linha, seria inválida a dispensa coletiva enquanto não negociada com o sindicato de trabalhadores, espontaneamente ou no plano do processo judicial coletivo. A d. Maioria, contudo, decidiu apenas fixar a premissa, para casos futuros, de que a negociação coletiva é imprescindível para a dispensa em massa de trabalhadores-, observados os fundamentos supra. (...) (TST. RODC 30900-12.2009.5.15.0000. Relator: Mauricio Godinho Delgado. Julgamento: 10/08/2009. Órgão Julgador: Seção Especializada em Dissídios Coletivos. Publicação: 04/09/2009) – destacamos.

3.2.5) TRANSFORMATION

A técnica do transformation consiste, ao lado da do overruling, na revogação de um precedente por não ser considerado a melhor solução para o caso concreto, e ocorre quando “a corte, sem anunciar, revoga uma doutrina pré-estabelecida em decorrência de uma doutrina anterior a ela, formulada em julgamento anterior”[112].

Nesse diapasão, a doutrina debruça-se (sem muita efetividade) sobre as eventuais diferenças que distanciariam a transformation do overruling, não se descurando que tais são mais formais do que materiais. Vejamos:

(...) se a distinção entre overruling e transformation é mais formal do que substancial, surge ao menos a curiosidade de indagar o motivo pelo qual a Corte pode preferir a transformation em relação ao overruling. Eisenberg alude à doutrina de Peter Western para demonstrar que tanto a transformation quanto o overruling admitem equívoco no raciocínio ou na fundamentação das decisões anteriores, mas apenas o overruling aceita ter havido erro de julgamento. A transformation admite equívoco na tese então sustentada, mas não aceita que a Corte tenha cometido impropriedade ao julgar o caso anterior. O overruling constitui confissão de que não apenas a tese está equivocada, mas também de que Corte errou ao decidir em favor de uma das partes e não da outra. A transformation, por sua vez, não aceita a ideia de que a decisão deveria ter sido favorável ao autor e não ao réu ou vice-versa.[113]

3.3) UMA CONCLUSÃO INARREDÁVEL: O “BRAZILIAN LAW” [114]

A evolução do Direito tem demonstrado que Estados historicamente adeptos da experiência jurídica romano-germânica têm se valido de técnicas próprias da anglo-saxônica. Essa miscigenação de culturas jurídicas encontra no Brasil um emblemático exemplo: o país que sempre fora considerado herdeiro da tradição do civil law[115] tem cada vez mais incorporado noções inerentes ao common law.

A nação tupiniquim, dessarte, guarda grandes semelhanças com ambas as tradições jurídicas em comento, de sorte que não pode ser classificada como adepta de uma ou outra. É, em verdade, e por essa razão, singular. 

O Brasil, por razões histórico-culturais, herdou do reino português a tradição do civil law, de modo que predominou no país a rígida submissão do magistrado à lei.

Hoje, porém, essa afirmação deve ser mitigada.

Uma análise mais cuidadosa do Direito brasileiro revela que incorporamos, a par da tradição jurídica de nossos colonizadores, uma série de diretrizes e institutos próprios do Direito anglo-saxão.

O sistema brasileiro tem uma característica muito peculiar, que não deixa de ser curiosa: temos um direito constitucional de inspiração estadunidense (daí a consagração de uma série de garantias processuais, inclusive, expressamente, do devido processo legal) e um direito infraconstitucional (principalmente o direito privado) inspirado na família romano-germânica (França, Alemanha e Itália, basicamente). Há controle de constitucionalidade difuso (inspirado no judicial review estadunidense) e concentrado (modelo austríaco). Há inúmeras codificações legislativas (civil law) e, ao mesmo tempo, constrói-se um sistema de valorização dos precedentes judiciais extremamente complexo (...), de óbvia inspiração no common law[116].

Nessa linha, no âmbito extra partes, temos desde precedentes que nada ostentam além do condão de persuadir outro julgador – efeito persuasivo do precedente –, à semelhança dos países da tradição do civil law, a precedentes rigorosamente vinculantes, o que nos aproxima da tradição do common law. Tudo conforme exposto neste estudo.

Conclui-se, diante disso, que o Brasil vem adotando em grande medida a teoria do stare decisis, a despeito de ainda estar arraigado à tradição jurídica do civil law. E nessa mesma medida são válidas no país as técnicas de exceção à aplicação do precedente, bem assim as de superação destes, também abordadas.

É ainda inafastável a conclusão de que o Brasil, tradicionalmente seguidor do direito romano-germânico, caminha ao encontro da sistemática de precedentes própria da tradição jurídica anglo-saxã, estando hoje, assim, entre os dois extremos. O país, dessa forma, enriquece sua experiência jurídica, tornando possível que aproveite o melhor das duas tradições jurídicas.

O Direito brasileiro, como seu povo, é miscigenado. E isso não é necessariamente ruim. Não há preconceitos jurídicos no Brasil: busca-se inspiração nos mais variados modelos estrangeiros, indistintamente. (...) A experiência jurídica brasileira parece ser única; é um paradigma que precisa ser observado e mais bem estudado[117].

Por tudo isso, o Brasil tem uma enorme vantagem decorrente de sua formação híbrida, a vantagem dos mestiços, uma tônica maior na justiça como valor, e maior resistência, em razão dessa tônica, a imperativos a priori, ao direito posto em abstrato pelo legislador, em descompasso com a vida. Pode-se utilizar essa vantagem para a institucionalização de uma prática jurídica mais democrática e conforme os objetivos da Constituição Federal de 1988[118].

Enfim, para bem compreender a aplicar o Direito processual civil brasileiro da atualidade não se prescinde do abandono do “dogma da ascendência genética”[119], não comprovado empiricamente, segundo o qual o Brasil segue estaticamente essa ou aquela tradição jurídica. Com vistas ao seu aperfeiçoamento, deve-se conceber o Direito brasileiro, notadamente o processual civil, de acordo com as matizes e especificidades aqui expostas.


CAPÍTULO 04 – ASPECTOS PROSPECTIVOS DO PRECEDENTE NO DIREITO BRASILEIRO

A só análise do precedente judicial no direito brasileiro contemporâneo de certo traz ao leitor uma série de conceitos novos quando comparados ao Processo Civil de uma década atrás, podendo o fazer imaginar que estamos bastante adiantados quanto à matéria, e que, quiçá, as inovações parariam por aí.

A dinâmica jurídico-processual pátria que se avizinha, porém, trará significativas mudanças no Processo Civil brasileiro a partir da adoção de um sistema inédito de precedentes no país.

Portanto, veremos nas linhas que seguem as constatações e contribuições teóricas quanto ao assunto e, ao depois, o modo com que está sendo tratado o precedente judicial no Projeto de Novo Código de Processo Civil.

4.1) O REDIMENCIONAMENTO DO PROCESSO CIVIL BRASILEIRO À LUZ DO SISTEMA DE PRECEDENTES

Para que iniciemos a análise pro futuro do precedente judicial no direito brasileiro, é necessário que antes nos atenhamos a um fato unívoco: a adoção de um sistema de precedentes vinculantes no país exige que repensemos dogmas e princípios.

4.1.1) FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO JUDICIAL

Tal qual já exposto, um sistema de precedentes possui como núcleo a ratio decidendi. Assim, para que bem funcione, é mister que a todos se mostre clara e inequívoca a razão que levou o julgador a decidir daquela forma, de modo que a regra segundo a qual toda decisão judicial deve ser fundamentada, sob pena de nulidade (art. 93, inciso IX, da Constituição Federal), deve não só ser observada com mais rigor, mas também ser redimensionada. Isso sem embargo de a fundamentação da decisão não guardar paralelo com a ratio decidendi, já que é de todo modo imprescindível para que se identifique esta.

Deve-se reconhecer à fundamentação da decisão, ao lume da teoria dos precedentes, uma função que transcenda as fronteiras do processo em que foi lançada. A fundamentação deve ser elaborada tendo-se em conta que formará determinada ratio decidendi e, portanto, poderá operar efeitos em processos outros, e até mesmo orientar a conduta do indivíduo em sociedade.

Dessarte, é necessário que saiamos de uma concepção privatística da fundamentação como sendo requisito da decisão que justifica às partes o porquê do dispositivo para que a concebamos como elemento da ratio decidendi, pronta a vincular a solução de casos futuros.

Nesse sentido:

Mais do que nunca, é necessário valorizar a função extraprocessual da fundamentação, percebendo que ela não serve apenas à justificação, para as partes envolvidas naquele processo específico, da solução alcançada pelo órgão jurisdicional. Num sistema em que se valorizam os precedentes judiciais, a fundamentação serve também como modelo de conduta para aqueles indivíduos que não participam, nem nunca participaram, daquele processo específico, haja vista que poderá ser por eles invocado para justificar e legitimar sua conduta presente.[120]

4.1.2) O CONTRADITÓRIO

Na mesma medida em que se precisa repensar a regra da fundamentação das decisões, necessita-se fazê-lo em relação ao contraditório, visto que o modo com que este é exercido influirá diretamente na forma com que a decisão será prolatada e, por extensão, na ratio decidendi

A partir do momento em que percebemos isso – que, mesmo em processos específicos, é possível construir-se uma norma geral, aplicável a situações futuras –, o princípio do contraditório, visto como direito de participação na construção da norma jurídica, precisa ser repensado. Isso porque ele não mais pode ser visto apenas como sendo um direito de participação na construção da norma jurídica individualizada (aquela estabelecida no dispositivo da decisão); há de ser visto também como um direito de participação na construção da norma jurídica geral (a ratio decidendi, a tese jurídica estabelecida na fundamentação do julgado).[121]

Nesse tocante, é necessário distinguir as dimensões formal e substancial do contraditório. A primeira consiste na mera possibilidade de manifestação do interessado no processo, ao passo que a segunda, que ora nos interessa, reside na efetiva possibilidade de influência na decisão[122]. Para Cassio Scarpinella Bueno:

É que o contraditório, no contexto dos “direitos fundamentais” (...), deve ser entendido como o direito de influir, de influenciar, na formação da convicção do magistrado ao longo de todo o processo. Não se deve entendê-lo somente do ponto de vista negativo, passivo, defensivo. O Estado-Juiz, justamente por força dos princípios constitucionais do processo, não pode decidir, sem que garanta previamente amplas e reais possibilidades de participação daqueles que sentirão, de alguma forma, os efeitos de sua decisão.[123]

Nesse contexto, tendo-se como premissas que o contraditório é a possibilidade de aqueles que serão atingidos em alguma medida pela decisão nela influir, e que em um sistema de precedentes vinculantes a sociedade como um todo pode ser abarcada pela decisão, a única conclusão possível é que, para que se respeite de fato o princípio em questão, todos devem compor o contraditório.

Entretanto, por óbvio, é procedimentalmente inexequível que todos os jurisdicionados componham a lide, a fim de que exerçam de forma substancial o contraditório. Nada obstante, é possível imaginar mecanismos factíveis para efetiva e ampla participação social no processo.

4.1.2.1) AMPLIAÇÃO DA HIPÓTESE DE INTERVENÇÃO DO AMICUS CURIAE E DE TERCEIRO

O amicus curiae – amici curiae no plural – é, em linhas gerais, um assistente técnico do órgão julgador, e lhe provê de informações a que ordinariamente não teria acesso. Na generalidade dos casos, auxilia os magistrados em seu mister, subsidiando-lhes com conhecimentos que refogem daqueles usualmente possuídos por operadores do direito.

É o amicus curiae verdadeiro auxiliar do juízo. Trata-se de uma intervenção provocado pelo magistrado ou requerida pelo próprio amicus curiae, cujo objetivo é o de aprimorar ainda mais as decisões proferidas pelo Poder Judiciário. A sua participação consubstancia-se em apoio técnico ao magistrado.[124]

Sendo o amicus curiae sujeito processual[125] que amplifica a discussão em torno do objeto litigioso, é de clareza solar que sua atuação em processo que possa dar origem a precedente com efeito vinculante, além de ser imperiosa, tende apenas a tornar mais afinada ao direito, mais justa, a decisão.

Consoante clássico escólio de Grinover, Cintra e Dinamarco, a atividade judicial é eminentemente dialética[126]. O juiz vale-se da tese do autor e da antítese do réu para que, cotejando-as à luz das regras de julgamento, estabeleça a síntese. Nesse quadro, sendo possível ao magistrado socorrer-se, a par das manifestações de autor e réu, de elementos fornecidos pelo amicus curiae, terá substrato mais sólido à formação da síntese, é dizer, da razão de decidir, da ratio decidendi.

Não é outra a conclusão a que chegou Cassio Scarpinella Bueno em sua monumental obra sobre esse ente jurídico:

Por várias vezes ao longo deste trabalho ressaltamos que o ingresso do amicus curiae – e assim se dá desde suas origens mais remotas – poderia se justificar não só pela crescente “abertura” e “complexidade” das normas jurídicas, mas também porque cada vez mais as decisões judiciais proferidas em determinados casos acabam, de forma mais ou menos intensa, afetando o que se vai decidir ou como se vai decidir em casos futuros. Referimo-nos, aqui, ao que a doutrina vem chamando de “efeitos persuasivos” e “efeitos vinculantes” das decisões jurisdicionais.[127]

Segue a mesma linha Gustavo Santana Nogueira:

O amicus deve ser valorizado, sobretudo em julgamentos que terão aptidão de produzir um precedente para o futuro. Para que o ingresso do amicus comece a ser assimilado pela comunidade jurídica, até virar um hábito, é preciso que os Tribunais façam uma divulgação maior da intimação que estão fazendo para permitir o seu ingresso. Ainda que inicialmente a procura seja pequena, com o tempo, com a maior valorização do precedente, a tendência é que haja uma maior participação da sociedade.

Defendemos ainda a ampliação para pessoas físicas, não podendo ser descartada a colaboração que valoroso doutrinadores brasileiros podem fornecer para o enriquecimento do debate.[128]

Demais disso, poder-se-ia conceber forma de intervenção de terceiro fundada no interesse deste na formação de um precedente. Repisa-se: havendo a possibilidade de se estender a razão de decidir de uma decisão a outras, afinando-se o contraditório, é necessário que se oportunize ao jurisdicionado condições de nela influir.

(...) é necessário também repensar as hipóteses e os critérios de permissão da intervenção de terceiro. Parece-nos possível e útil pensar a intervenção de terceiro como forma de ajudar na formação do precedente (interesse jurídico reflexo na criação de um precedente que afetará um grupo de pessoas, por exemplo).[129]

4.1.2.2) INTERESSE RECURSAL NA FORMAÇÃO DE PRECEDENTE

É elementar para a doutrina clássica que “não se pode recorrer apenas para discutir o fundamento da decisão; é preciso discordar da conclusão a que chegou o órgão jurisdicional. Não há utilidade na discussão sobre os fundamentos, sem alterar a conclusão, pois a motivação não fica imutável pela coisa julgada material”[130].

Essa noção, porém, também precisa ser repensada.

É fato que a fundamentação da decisão não é abarcada pela coisa julgada (art. 469 do Código de Processo Civil/1973), nada obstante isso, ela é determinante para a delimitação da ratio decidendi. Dessa forma, para que haja harmonia no sistema de precedentes e real respeito ao contraditório, é imperioso que se permita a interposição de recurso com vistas à exclusiva discussão da fundamentação do decisum.

Noutros termos, deve-se conceber “a existência de interesse recursal limitado à discussão do precedente, que se encontra na fundamentação, independentemente da impugnação da norma jurídica individualizada, que se encontra no dispositivo”[131].

E há caso paradigmático em que se possibilitou o manejo de recurso para o fim de exclusivamente alterar-se a fundamentação de decisão:

Logo após a crise econômica mundial, a Embraer promoveu uma demissão coletiva. Esse procedimento foi levado ao judiciário trabalhista, em razão da magnitude de suas consequências. O TST, ao julgar o recurso da Embraer, entendeu, por maioria, que a dispensa não fora abusiva, muito menos teria havido ofensa à boa-fé objetiva, exatamente porque a jurisprudência não criava restrições para esse tipo de conduta empresarial. Sucede que o mesmo TST decidiu fixar “a premissa, para casos futuros, de que a negociação coletiva é imprescindível para a dispensa em massa de trabalhadores”. (TST-RODC-30900-12.2009.5.15.0000, rel. Min. Maurício Godinho Delgado. J. em 10.08.2009). Percebe-se claramente que o TST, para não proceder a um overruling com eficácia retrospectiva, e assim ferir o princípio da confiança, procedeu ao signaling, alertando sobre a sua futura orientação jurisprudencial. Fez, em suma, um overruling prospectivo (...).

Observe-se que a Embraer venceu a causa, no particular, tendo em vista que o TST entendeu que a sua conduta não fora abusiva. Será, porém, que ela teria interesse recursal, para discutir a “premissa”, que se encontra na fundamentação da decisão, evitando a caracterização do overruling? Parece que sim. E, de fato, foi o que aconteceu: houve recurso extraordinário para o STF.[132]

Eis a ementa do mencionado acórdão:

RECURSO ORDINÁRIO EM DISSÍDIO COLETIVO. DISPENSAS TRABALHISTAS COLETIVAS. MATÉRIA DE DIREITO COLETIVO. IMPERATIVA INTERVENIÊNCIA SINDICAL. RESTRIÇÕES JURÍDICAS ÀS DISPENSAS COLETIVAS. ORDEM CONSTITUCIONAL E INFRACONSTITUCIONAL DEMOCRÁTICA EXISTENTE DESDE 1988.

A sociedade produzida pelo sistema capitalista é, essencialmente, uma sociedade de massas. A lógica de funcionamento do sistema econômico-social induz a concentração e centralização não apenas de riquezas, mas também de comunidades, dinâmicas socioeconômicas e de problemas destas resultantes. A massificação das dinâmicas e dos problemas das pessoas e grupos sociais nas comunidades humanas, hoje, impacta de modo frontal a estrutura e o funcionamento operacional do próprio Direito. Parte significativa dos danos mais relevantes na presente sociedade e das correspondentes pretensões jurídicas têm natureza massiva. O caráter massivo de tais danos e pretensões obriga o Direito a se adequar, deslocando-se da matriz individualista de enfoque, compreensão e enfrentamento dos problemas a que tradicionalmente perfilou-se. A construção de uma matriz jurídica adequada à massividade dos danos e pretensões característicos de uma sociedade contemporânea - sem prejuízo da preservação da matriz individualista, apta a tratar os danos e pretensões de natureza estritamente atomizada - é, talvez, o desafio mais moderno proposto ao universo jurídico, e é sob esse aspecto que a questão aqui proposta será analisada. As dispensas coletivas realizadas de maneira maciça e avassaladora, somente seriam juridicamente possíveis em um campo normativo hiperindividualista, sem qualquer regulamentação social, instigador da existência de mercado hobbesiano na vida econômica, inclusive entre empresas e trabalhadores, tal como, por exemplo, respaldado por Carta Constitucional como a de 1891, já há mais um século superada no país. Na vigência da Constituição de 1988, das convenções internacionais da OIT ratificadas pelo Brasil relativas a direitos humanos e, por conseqüência, direitos trabalhistas, e em face da leitura atualizada da legislação infraconstitucional do país, é inevitável concluir-se pela presença de um Estado Democrático de Direito no Brasil, de um regime de império da norma jurídica (e não do poder incontrastável privado), de uma sociedade civilizada, de uma cultura de bem-estar social e respeito à dignidade dos seres humanos, tudo repelindo, imperativamente, dispensas massivas de pessoas, abalando empresa, cidade e toda uma importante região. Em conseqüência, fica fixada, por interpretação da ordem jurídica, a premissa de que a negociação coletiva é imprescindível para a dispensa em massa de trabalhadores-. DISPENSAS COLETIVAS TRABALHISTAS. EFEITOS JURÍDICOS. A ordem constitucional e infraconstitucional democrática brasileira, desde a Constituição de 1988 e diplomas internacionais ratificados (Convenções OIT n. 11, 87, 98, 135, 141 e 151, ilustrativamente), não permite o manejo meramente unilateral e potestativista das dispensas trabalhistas coletivas, por de tratar de ato/fato coletivo, inerente ao Direito Coletivo do Trabalho, e não Direito Individual, exigindo, por conseqüência, a participação do (s) respectivo (s) sindicato (s) profissional (is) obreiro (s). Regras e princípios constitucionais que determinam o respeito à dignidade da pessoa humana (art. 1 o , III, CF), a valorização do trabalho e especialmente do emprego (arts. 1°, IV, 6° e 170, VIII, CF), a subordinação da propriedade à sua função socioambiental (arts. 5 o , XXIII e 170, III, CF) e a intervenção sindical nas questões coletivas trabalhistas (art. 8 o , III e VI, CF), tudo impõe que se reconheça distinção normativa entre as dispensas meramente tópicas e individuais e as dispensas massivas, coletivas, as quais são social, econômica, familiar e comunitariamente impactantes. Nesta linha, seria inválida a dispensa coletiva enquanto não negociada com o sindicato de trabalhadores, espontaneamente ou no plano do processo judicial coletivo. A d. Maioria, contudo, decidiu apenas fixar a premissa, para casos futuros, de que a negociação coletiva é imprescindível para a dispensa em massa de trabalhadores-, observados os fundamentos supra. Recurso ordinário a que se dá provimento parcial. (TST. RODC 30900-12.2009.5.15.0000. Relator: Mauricio Godinho Delgado. Julgamento: 10/08/2009. Órgão Julgador: Seção Especializada em Dissídios Coletivos. Publicação: 04/09/2009) – destacamos.

O Recurso Extraordinário em questão (ARE 647651), que visa à alteração da fundamentação da decisão do Tribunal Superior do Trabalho, de relatoria do Ministro Marco Aurélio, está em regular trâmite no Supremo Tribunal Federal, tendo sido reconhecida pela maioria a repercussão geral na espécie, e estando hoje no aguardo da manifestação do Procurador-Geral da República[133].                   

4.1.3) PREPARAÇÃO DO OPERADOR DO DIREITO

De nada adianta que se reconheça o embrião de um sistema de precedente no Processo Civil brasileiro atual e que se venha a estabelecer uma efetivo sistema de precedentes no país por meio do Novo Código de Processo Civil se o operador do direito não estiver preparado para levar a efeito novas técnicas e assimilar novos conceitos.

O sistema de precedentes exige que todos aqueles envolvidos no processo estejam atentos a ele e a suas especificidades.

Interpretar e aplicar corretamente precedentes judiciais num sistema judicial que cada vez mais confere prestígio e autoridade não se consegue apenas e tão somente com mudanças nos códigos e nas leis processuais. A adaptação normativa é necessária, mas não suficiente, para garantir a estabilidade, previsibilidade (segurança jurídica) e isonomia, tão almejadas com a adoção de uma política de precedentes judiciais.

A força e autoridade do Direito jurisprudencial vinculam-se estreitamente àqueles que serão responsáveis pela sua interpretação e aplicação. O incorreto emprego de precedentes fragiliza o sistema e faz o jurisdicionado desacreditar que o Judiciário seja seguro e igual.[134]

O advogado, público ou privado, deve zelar para que a sua petição inicial contenha todos os fatos e fundamentos pertinentes. Afinal, se o sistema de precedentes é baseado na decisão judicial, e se a peça vestibular é um esboço da decisão – tal qual largamente dito, haja vista que a primeira delimita a segunda por razões congruência –, é inegável o relevantíssimo papel do causídico nessa dinâmica. De igual forma, não fosse bastante o princípio da eventualidade, é indispensável a uma política de precedentes que o advogado levante todas as teses e fatos adversos possíveis ao contestar.

Os precedentes, como visto à exaustão, estão diretamente ligados aos fatos que dera origem ao caso concreto. A formulação da ratio decidendi de um caso concreto gera efeito vinculante para casos futuros se houver um mínima semelhança com os fatos da causa geradora do precedente, de modo que a comunidade jurídica precisa tomar conhecimento dos fatos da causa, tais como expostos pelas decisões anteriores.[135]

Isso para que, ao final do processo, o órgão jurisdicional, que sobretudo deve estar consciente de que sua atividade não se resume à solução daquele caso concreto em particular, mas também abrange a construção de uma ratio decidendi que poderá vincular outros julgadores, possa decidir a contento.

4.2) O PRECEDENTE JUDICIAL NO PROJETO DO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

Feitas as considerações teóricas necessárias, passemos um aspecto mais concreto acerca da adoção de um efetivo sistema de precedentes judiciais no Brasil. Veremos as disposições que o Projeto de Novo Código de Processo Civil[136] – PNCPC[137] veicula quanto ao assunto.

Com efeito, além de o PNCPC, hoje, dedicar exclusivamente o Capítulo XV do Título I do Livro I de sua Parte Especial ao regramento do precedente judicial, é possível notar a presença desse fenômeno jurídico em outros dispositivos esparsos (arts. 306, inciso II, 499, incisos V e VI, 1.000, 1.048, todos do PNCPC, v.g.). Analisemos, pois, os dispositivos que compõem o mencionado capítulo.

4.2.1) OS PRINCÍPIOS NORTEADORES DO PRECEDENTE BRASILEIRO

Art. 520. Os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente.

Veicula o caput do artigo que inaugura o capítulo verdadeiros princípios[138] a orientar a atividade do operador do direito, notadamente o investido de jurisdição.

A jurisprudência brasileira – o conjunto de precedentes de ratio decidendi análoga – deverá, nessa linha, ser revestida de caracteres que autorizem sua adjetivação como uniforme, estável, íntegra e coerente. É de se ver, no particular, que o legislador brasileiro preocupou-se em dar aos precedentes pátrios o escopo que possuem no direito alienígena: respeito à igualdade, à segurança e à coerência da ordem jurídica.

E é justamente a unidade interpretativa da jurisprudência que garantirá a consecução da mencionada finalidade, como bem elucida Bruno Dantas, em obra que compila estudos acerca do PNCPC:

O que estamos afirmando é que essa função zela pela prevalência da uniformidade interpretativa, que impede ofensas à igualdade e à legalidade, de modo que a lei, que é vocacionada a ter uma única interpretação correta, deve receber sempre, dadas as mesmas condições fáticas relevantes ao julgamento, a mesma interpretação.

Sem essa função, estaríamos diante da produção de efeitos jurídicos os mais diversos a partir do mesmo suporte fático relevante e da incidência da mesma norma jurídica, o que, se é tolerado hoje pelo sistema, evidentemente não pode ser considerado como a saída mais adequada.[139]

4.2.2) SÚMULA E PRECEDENTE

§ 1º Na forma e segundo as condições fixadas no regimento interno, os tribunais devem editar enunciados correspondentes à súmula da jurisprudência dominante.

§ 2º Ao redigir enunciado de súmula, é defeso ao tribunal estabelecer diretivas que não se atenham às circunstâncias fáticas dos precedentes que motivaram sua edição.

A possibilidade de edição de súmulas pelos tribunais não é novidade em nosso direito (§1°). A preocupação do legislador em determinar que as súmulas, conquanto desprendidas do precedente que as originou no mais das vezes, permaneçam minimanete arraigadas ao caso fático que lhes deu origem (§2°) é nova e feliz.

Tal qual abordado no item 3.1.1.5, retro, o fato que mais distancia o precedente judicial da súmula é o de o primeiro ser indissociável do caso fenomênico que lhe fez surgir, ao passo que a segunda não está adstrita a nenhum caso concreto, aproximando-se sobremaneira da lei em sentido material. O intento legislativo, a nosso ver, é diminuir esse hiato, tornando-se possível, assim, que às súmulas seja integralmente aplicado o regramento do precedente.

Logo, seguida a diretriz vazada no §2° do art. 520 no PNCPC, não se vê qualquer óbice prático ou teórico para que a súmula seja aplicada não só como uma manifestação do poder normativo dos tribunais[140] – ostentando, nessa condição, natureza diversa do precedente –, mas como, de fato, a evolução do precedente.

O que se repudiou noutro ponto, vale a ressalva, é que se empreste às súmulas, abstratas na  essência, a dinâmica própria dos precedentes, umbilicalmente ligados a um caso concreto. No entanto, estando ambos vinculados a um caso concreto, na forma proposta pelo PNCPC, torna-se claro, a nosso sentir, que possuirão a mesma natureza jurídica.

Sem embargo, convém mais uma vez ressalvar que, a despeito de nosso entendimento, alhures pormenorizadamente exposto, para alguns autores as súmulas sempre compartilharam a natureza jurídica dos precedentes, independentemente de serem abstratas ou estarem enlaçadas a um caso concreto.

4.2.3) O EFEITO VINCULANTE DO PRECEDENTE

Art. 521. Para dar efetividade ao disposto no art. 520 e aos princípios da legalidade, da segurança jurídica, da duração razoável do processo, da proteção da confiança e da isonomia, as disposições seguintes devem ser observadas:

I – os juízes e tribunais seguirão as decisões e os precedentes do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade;

II – os juízes e os tribunais seguirão os enunciados de súmula vinculante, os acórdãos e os precedentes em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos;

III – os juízes e tribunais seguirão os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional;

IV – não havendo enunciado de súmula da jurisprudência dominante, os juízes e tribunais seguirão os precedentes:

a) do plenário do Supremo Tribunal Federal, em controle difuso de constitucionalidade;

b) da Corte Especial ou das Seções do Superior Tribunal de Justiça, nesta ordem, em matéria infraconstitucional;

V – não havendo precedente do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça, os juízes e órgãos fracionários de tribunal de justiça ou de tribunal regional federal seguirão os enunciados de suas respectivas súmulas e, não havendo estes, os precedentes do plenário ou do órgão especial respectivo, nesta ordem;

VI – os juízes e os órgãos fracionários de tribunal de justiça seguirão, em matéria de direito local, os precedentes do plenário ou do órgão especial respectivo, nesta ordem. (...)

Art. 522. Para os fins deste Código, considera-se julgamento de casos repetitivos a decisão proferida em:

I – incidente de resolução de demandas repetitivas;

II – recursos especial e extraordinário repetitivos.

Parágrafo único. O julgamento de casos repetitivos tem por objeto questão de direito material ou processual.

O dispositivo supra, a toda evidência, representa a efetiva adoção da teoria do precedente judicial no Brasil. Por meio dele, estabelece-se no direito pátrio, mutatis mutandis, o instituto do stare decisis e, via de consequência, um escalonamento dos precedentes no país.

Nota-se, nesse pórtico, que se aumentará sobremaneira o rol dos precedentes que ostentarão o efeito vinculante em relação ao já exposto no item “3.1.1”. A esse propósito, é possível inclusive notar que o efeito vinculante terá gradações. Alguns precedentes possuirão o efeito de forma plena, sem qualquer condição, e outros terão tal caractere somente à falta de um precedente “superior” a ele.

Nesse tocante, terão efeito vinculante pleno os precedentes oriundos: a) do controle concentrado de constitucionalidade; b) do incidente de assunção de competência[141]; c) da resolução de demandas repetitivas; d) do Recurso Extraordinário e do Recurso Especial repetitivos; bem assim e) a súmula vinculante; f) a súmula do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional; e g) a súmula do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional.

Há, ainda, uma hipótese bastante específica do precedente com efeito vinculante pleno, a saber, os juízes e os órgãos fracionários de tribunal de justiça, em matéria de direito local, estarão vinculados aos precedentes do plenário ou do órgão especial respectivo, precedendo-se aquele a este.

De outra parte, possuirão efeito vinculante condicionado à falta de súmula da jurisprudência dominante os precedentes provenientes: a) do pleno do Supremo Tribunal Federal em sede de controle difuso de constitucionalidade; b) da Corte Especial ou das Seções do Superior Tribunal de Justiça, nessa ordem, em matéria infraconstitucional.

Acaso, porém, não haja súmula da jurisprudência dominante, tampouco precedentes do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça, os enunciados das súmulas dos tribunais de justiça e dos tribunais regionais federais terão efeito vinculante em relação aos juízes e órgãos fracionários respectivos. Nota-se, assim, que as súmulas dos tribunais de justiça e dos tribunais regionais federais têm efeito vinculante bicondicionado, isto é, seu efeito vinculante depende do implemento de duas condições.

É possível ainda, ao lume do inciso V, última parte, do art. 521 do PNCPC, que o efeito vinculante de um precedente esteja sujeito à ocorrência de três condições.

Deveras, terá efeito vinculante condicionado à falta de súmula da jurisprudência dominante, à falta de precedente do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça e à falta de enunciados das súmulas dos tribunais de justiça e dos tribunais regionais federais os precedentes do plenário ou do órgão especial dos dois últimos tribunais, nesta ordem. Noutros termos, o precedente do plenário ou do órgão especial do tribunal de justiça ou do tribunal regional federal só terá efeito vinculante quando não houver súmula da jurisprudência dominante, precedente do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, e à míngua de súmulas do próprio do tribunal de justiça ou do tribunal regional federal.

De fato, o escalonamento delineado pelo dispositivo em análise encerra sistema complexo. Tornemo-lo mais facilmente compreensível:

Efeito

Vinculante

Pleno

1. Controle concentrado de constitucionalidade;

2. Súmula vinculante;

3. Assunção de competência;

4. Demandas repetitivas;

5. RE e REsp repetitivos;

6. Pleno ou Órgão Especial TJs e TRFs sobre direito local;

7. Súmula do STF;

8. Súmula do STJ.

·         Não havendo súmula da jurisprudência dominante:

 

Efeito

Vinculante

Condicionado

(1° grau)

9. Pleno do Supremo Tribunal Federal em sede de controle difuso de constitucionalidade;

 

10. Corte Especial ou das Seções do Superior Tribunal de Justiça, nessa ordem, em matéria infraconstitucional.

 

·         Não havendo precedente do STF ou do STJ:

 

Efeito

Vinculante

Condicionado

(2° grau)

11. Súmulas dos TJs e dos TRFs terão efeito vinculante em relação aos juízes e órgãos fracionários respectivos.

 

·         Não havendo súmula do TJ ou do TRF:

 

Efeito

Vinculante

Condicionado

(3° grau)

12. Decisões do Plenário ou do Órgão Especial do TJ ou TRF respectivo.

           

À vista do já exposto, é inequívoca a importância que o legislador brasileiro outorgará ao precedente por intermédio do PNCPC, tornando assaz amplo o rol daqueles que possuirão efeitos vinculantes, hoje resumidos a minguadas hipóteses.

Demais disso, merece destaque o caput do dispositivo na medida em que torna claro que a garantia dos princípios da legalidade, da segurança jurídica, da duração razoável do processo, da proteção da confiança e da isonomia não prescinde da observância do efeito vinculante do precedente, de acordo com a estrutura traçada no artigo.

Entretanto, Nelson Nery Jr. e Georges Abboud apresentam ferrenha crítica ao fato de o PNCPC regrar o precedente no Brasil. Para os doutrinadores:

Esse ponto permite explicar o quão ingênuo ou desarrazoado seria imaginar a possibilidade de se instituir o sistema de stare decisis no Brasil, por meio das inovações legislativas tal qual prevê o NCPC. (...)

Ademais, ainda que fosse criada uma Emenda Constitucional que alterasse nosso texto constitucional a fim de determinar que, a partir de então, passaria a vigorar no Brasil o sistema do stare decisis, sequer assim ficaria possibilitada a funcionalização da doutrina do precedente porque tal sistema é fruto de tradição histórica, oriunda das particularidades históricas, sociais, filosóficas e jurídicas das comunidades do common law, cuja imposição e transposição não pode ser feito de um dia para o outro, em decorrência da vinculação determinada por via legislativa.[142]

José Miguel Garia Medida, Alexandre Freire a Alonso Rei Freire, por outro lado, contra argumentam:

Também não consideramos suficiente a alegação contrária a essa adoção baseada no argumento segundo o qual o respeito aos precedentes judiciais e o stare decisis teriam sido aquisições históricas. A ideia de que o stare decisis é peculiar ao sistema jurídico anglo-saxônico é questionável. Na verdade, o respeito a precedentes é inerente a todo e qualquer sistema, pelo menos em seus primórdios. Além disso, o fato de o sistema de respeito a precedentes judicias não ter sido adotado em um dos dois principais sistemas jurídicos ocidentais de forma explícita nos últimos séculos é algo que não impede sua adoção a qualquer tempo. Se o common law nos fornece, com seu próprio aprendizado histórico, alguma contribuição, não é razoável a recomendação para esperarmos a passagem do tempo até que, “naturalmente”, aprendamos sozinhos, com nosso “próprios” erros, nossas “próprias” regras.[143]

4.2.4) SUPERAÇÃO DO PRECEDENTE

Art. 521 (...)

§ 1º A modificação de entendimento sedimentado poderá realizar-se:

I – por meio do procedimento previsto na Lei nº 11.417, de 19 de dezembro de 2006, quando tratar-se de enunciado de súmula vinculante;

II – por meio do procedimento previsto no regimento interno do tribunal respectivo, quando tratar-se de enunciado de súmula da jurisprudência dominante;

III – incidentalmente, no julgamento de recurso, na remessa necessária ou na causa de competência originária do tribunal, nas demais hipóteses dos incisos II a VI do caput deste artigo.

§ 2º A modificação de entendimento sedimentado poderá fundar-se, entre outras alegações, na revogação ou modificação de norma em que se fundou a tese ou em alteração econômica, política ou social referente à matéria decidida. (...)

§ 6º A modificação de entendimento sedimentado, sumulado ou não, observará a necessidade de fundamentação adequada e específica, considerando os princípios da segurança jurídica, da proteção da confiança e da isonomia. (...)

Os parágrafos 1° e 2° do art. 521 do PNCPC preveem a causa que genericamente dará ensejo ao overruling no direito brasileiro: revogação ou modificação do fundamento da decisão que instituiu a ratio decidendi a ser seguida. Embora elementar a noção introduzida no dispositivo, ela não se afigura despicienda em uma comunidade jurídica ainda não afeita à dinâmica do precedente.

A par disso, são previstos os diplomas normativos que regularão o procedimento do overruling, a saber, a Lei nº 11.417/06, no caso da súmula vinculante, e o regimento interno dos respectivos tribunais, quando se tratar de súmula da jurisprudência dominante; além de se estabelecer diretamente que nos demais casos previstos nos incisos do caput do dispositivo a superação do precedente deverá ocorrer em sede de incidente[144] no julgamento de recurso, de remessa necessária ou de causa de competência originária do tribunal.

Ademais, fazendo eco ao já exposto neste estudo, é necessário que a decisão que promova a superação de precedente exponha de forma escorreita o porquê da alteração, esposando argumentos até então não suscitados e justificando a necessidade de superação do precedente, sempre atendo-se aos postulados da isonomia, da segurança jurídica, da proteção da confiança.

4.2.4.1) MODULAÇÃO DOS EFEITOS DA SUPERAÇÃO DO PRECEDENTE

Art. 521 (...)

§ 5º Na hipótese de alteração de jurisprudência dominante, sumulada ou não, ou de precedente, o tribunal poderá modular os efeitos da decisão que supera o entendimento anterior, limitando sua retroatividade ou lhe atribuindo efeitos prospectivos.

Consoante já exposto anteriormente (item “3.2.2”), a superação do precedente suscita questão acerca de seus efeitos temporais.

Nesse aspecto, o PNCPC adota solução idêntica à empregada no direito alienígena, é dizer, em regra, ter-se-á a retroatividade do novo entendimento (efeito ex tunc), uma vez que, não sendo o anterior afinado ao direito, não haveria por que continuar a aplicá-lo. Entretanto, o órgão jurisdicional estará livre para modular os efeitos da superação do precedente, fazendo assim com que só opere efeitos para o futuro (efeito ex nunc).

Deixar livre ao julgador a possibilidade de empregar o efeito temporal que melhor se adeque ao caso concreto, ponderando-se a segurança jurídica, é, à evidência, a melhor solução para a questão.

Não se trata, contudo, de hipótese inédita no direito brasileiro. O art. 27 da Lei nº 9.868/99 já estabelece a possibilidade de modulação dos efeitos temporais da declaração de inconstitucionalidade em controle concentrado. No entanto, esse dispositivo apresenta requisitos para essa modulação – existência de razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social e voto da maioria de dois terços dos membros do Supremo Tribunal Federal –, restringindo, pois, sua aplicação, ao contrário do art. 521, §5º, do PNCPC, de amplo emprego.

4.2.5) A AMPLIAÇÃO DA DISCUSSÃO ACERCA DO OJBETO LITIGIOSO

Art. 521 (...)

§ 3º A decisão sobre a modificação de entendimento sedimentado poderá ser precedida de audiências públicas e da participação de pessoas, órgãos ou entidades que possam contribuir para a rediscussão da tese.

§ 4º O órgão jurisdicional que tiver firmado a tese a ser rediscutida será preferencialmente competente para a revisão do precedente formado em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas, ou em julgamento de recursos extraordinários e especiais repetitivos.

Como já adiantado alhures, é necessário que ao se adotar um sistema de precedentes vinculantes no país se reflita acerca de dogmas e princípios, redimensionando-os. E não é outra a situação do contraditório, que, substancialmente considerando, leva à conclusão de que precisamos de maior participação da sociedade no processo (vide a respeito o item 4.1.2.1).

O stare decisis, pela importância que concede ao precedente, garante que a sua aplicação só pode ocorrer se o precedente foi fruto de um intenso contraditório e se estiver fundamentado.[145]

Nesse tocante, a nosso sentir, andou bem o legislador ao prever a possibilidade de realização de audiência pública prévia ao julgamento, a fim de se debater acerca de seu objeto, bem assim a participação de “pessoas, órgãos ou entidades que possam contribuir para a rediscussão da tese”, isto é, do amicus curiae.

É bem verdade, contudo, que o dispositivo de lei torna discricionária ao julgador a realização de audiência pública ou a participação do amicus curiae. Dessa forma, é necessário que o órgão jurisdicional não se descure de que:

O ingresso do amicus curiae só vai efetivamente surtir efeito a partir do momento em que os Tribunais começarem a debater as questões jurídicas envolvidas no litígio junto com os amici curiae, ou seja, dialogando com a sociedade. Se a sociedade pode, e deve, participar do julgamento dos casos que servirão para criar um precedente para o futuro, é primordial que seus argumentos sejam discutidos pelo órgão julgador.[146]

Nessa mesma linha:

O simples fato de estar legislada a possibilidade do amicus curiae não implica necessariamente na adoção pelo Poder Judiciário, dado ao subjetivismo implícito no comando legal, modelo que reflete a institucionalização de participação da sociedade civil e a ineficácia dos mecanismos em face das estruturas administrativas e legais (...). O remédio eficaz, ou possível antídoto, estaria na potencialização do princípio da publicidade (...).[147]

4.2.6) RATIO DECIDENDI E obiter DICTUM

Art. 521 (...)

§ 7º O efeito previsto nos incisos do caput deste artigo decorre dos fundamentos determinantes adotados pela maioria dos membros do colegiado, cujo entendimento tenha ou não sido sumulado.

§ 8º Não possuem o efeito previsto nos incisos do caput deste artigo os fundamentos:

I – prescindíveis para o alcance do resultado fixado em seu dispositivo, ainda que presentes no acórdão;

II – não adotados ou referendados pela maioria dos membros do órgão julgador, ainda que relevantes e contidos no acórdão.

É fundamental para a concretização de um sistema de precedentes no país que o operador do direito domine os conceitos de ratio decidendi e obiter dictum, haja vista ser a ratio decidendi o elemento nuclear desse sistema, estando o obiter dictum a secundá-la. E nesse mister o §7º do art. 521 do PNCPC traz um auxílio, ao veicular expressamente esses conceitos.

Possuirão efeito vinculante no país (caput do art. 521 do PNCPC) apenas os fundamentos determinantes adotados pelos julgadores, sumulados ou não. Eis a previsão legal de ratio decidendi. Ademais, não olvidando que o conceito de obiter dictum é negativo em relação ao de ratio decidendi – o que não compuser a ratio será necessariamente obiter dictum­ –, tem-se como obiter dictum, de acordo com o dispositivo, os fundamentos “prescindíveis para o alcance do resultado fixado em seu dispositivo, ainda que presentes no acórdão” e os “não adotados ou referendados pela maioria dos membros do órgão julgador, ainda que relevantes e contidos no acórdão”.

4.2.7) DISTINGUISHING

Art. 499. São elementos essenciais da sentença:

(...)

§ 1º Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que:

(...)

V – se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos;

VI – deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento. (...)

Art. 521 (...)

§ 9º O precedente ou jurisprudência dotado do efeito previsto nos incisos do caput deste artigo poderá não ser seguido, quando o órgão jurisdicional distinguir o caso sob julgamento, demonstrando fundamentadamente se tratar de situação particularizada por hipótese fática distinta ou questão jurídica não examinada, a impor solução jurídica diversa.

Como não poderia ser diferente, a adoção de uma política de precedentes exige que aquele que aplica a ratio decidendi de um precedente ao caso concreto consiga distinguir os elementos fáticos que distanciam ou aproximam a primeira do segundo. É necessário que se opere um cotejo analítico entre o quadro fático que originou o precedente e aquele do caso sob julgamento, é dizer, deve-se realizar o distinguishing. Havendo similitude fática, o precedente vinculante deverá, em regra, ser seguido; não havendo, nos termos do §9º do art. 521 do PNCPC, não deverá.

Demais disso, reza o art. 499, §1º, incisos V e VI, do PNCPC que a decisão que aplicar precedente está obrigada a demonstrar, de forma expressa, os elementos fáticos que autorizam tal aplicação. E, por outro lado, deve o julgador justificar fundamentadamente por que não se aplica ao caso concreto precedente invocado pela parte. Isso quer dizer que, aplicando ou não precedente, está o órgão jurisdicional jungido à realização do distinguishing.

4.2.8) PUBLICIDADE DOS PRECEDENTES

Art. 521 (...)

§ 10. Os tribunais darão publicidade a seus precedentes, organizando-os por questão jurídica decidida e divulgando-os, preferencialmente, na rede mundial de computadores.

É comezinha a ideia de que, se os precedentes terão efeito vinculante, não se pode prescindir que todos tenham conhecimento a seu respeito, além de amplo acesso a eles. Tanto é assim que a prática de se elaborar um repertório jurisprudencial para consulta surgiu quando ainda incipiente a tradição jurídica do common law.

Não se ignora que no Brasil de hoje, se não todos, a maioria dos tribunais divulga em sítio eletrônico próprio os julgados que realizaram, o que, aparentemente, satisfaria a norma programática do dispositivo em exame. Ocorre, todavia, que o atual modelo de disponibilização de julgados na internet pelas cortes precisa ser aprimorado, como bem expõe Tiago Asfor Rocha Lima:

(...) a computação e a rede mundial de computadores permitem que os interessados, ao acessarem os endereços eletrônicos dos tribunais, consultem um grande e quase infinito acerco de precedentes judiciais, com uma quantidade considerável de informações, dentre as quais, o resumo, a data e a íntegra do julgamento, os juízes que dele participaram e o respectivo órgão julgador, a data de publicação oficial do seu resultado etc.

Nada obstante esses inúmeros dados disponibilizados atualmente pelos tribunais àqueles que efetuam consultas jurisprudenciais no seu acervo, ainda existem informações tão ou mais importantes que os tribunais deveriam prestar e que são omitidas, mesmo que despropositadamente.

Veja-se que a consulta por palavra-chaves ao acerco jurisprudencial de uma corte não permite ao consulente saber, por exemplo: i) se o precedente consultado foi superado internamente ou por órgão superior, ii) se houve modificação legislativa capaz de afetá-lo; ou iii) o número de vezes que o precedente foi citado, pelos menos naquele mesmo tribunal.

Todas as necessárias informações são essenciais para a operação com precedentes.[148]


CONCLUSÃO

À vista do panorama aqui delineado acerca do precedente judicial, sua evolução, características e benefícios à solução de litígios e, por extensão, ao bem estar social, é incontornável a conclusão de que é ele fundamental à concretização de um Estado Democrático de Direito que zele pelos princípios que o alicerçam, entre os quais se situam, como aqui exaustivamente repisando, a isonomia e a segurança jurídica.

Nesse norte, conclui-se, por consequência que o sistema de precedentes vinculantes cuja adoção pelo Brasil é iminente virá a contribuir sobremaneira para o aprimoramento do Processo Civil pátrio, inclusive majorando a credibilidade do Judiciário perante a sociedade.

O Projeto do Novo Código de Processo Civil, na forma em que hoje está estruturado, afigura-se em perfeita consonância com a melhor doutrina acerca do precedente judicial. Esperemos por sua promulgação e seus reflexos jurídico-sociais.


REFERÊNCIAS

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Notas

[1] LARENZ, Karl, apud DIDIER JR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil: Teoria da Prova, Direito Probatório, Teoria do Precedente, Decisão Judicial, Coisa Julgada e Antecipação dos Efeitos da Tutela. V. 2. 6ª ed. Salvador: Juspodvm, 2011, p. 387.

[2] “É que (...) a palavra ‘julgamento’ quer denotar atividade intelectual do juiz sobre quem tem e quem não tem ‘o’ direito que fundamenta, desde seu início, a atuação jurisdicional. Esta atividade, assim compreendida a palavra, só existe em uma das hipóteses do art. 269, que é a do seu inciso I. Nas demais (...), a atividade do juiz é de outra qualidade. Ele, propriamente, não diz quem tem e quem não tem razão. Ele apenas reconhece a ocorrência de um fato suficientemente inibidor de sua própria apreciação sobre o pedido (ou os pedidos) de tutela jurisdicional. Mais ainda quando, como ocorre nos incisos II, III e V, este fato é autocompositivo do litígio, isto é, a resolução do processo depende, apenas e tão somente, da atitude de uma ou de ambas as partes que exteriorizam uma específica vontade perante o Estado-juiz. Os casos analisado com rigor, não – e nunca foram – de ‘julgamento’, e, por isso, é mais correto o emprego de outra, a ‘resolução’ que se lê na regra atual [redação dado ao caput do art. 269 do CPC pela Lei nº 11.232/05, que substituiu a palavra ‘julgamento’ por ‘resolução’.” (BUENO, Cássio Scarpinella. Curso Sistematizado de Direito Processual Civil: Procedimento comum ordinário e sumário. Vol. 2 Tomo 1 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 344-345.)

[3] MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes Obrigatórios. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 214.

[4] TUCCI, José Rogério Cruz e. Precedente Judicial como Fonte do Direito. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004, p. 175.

[5] DIDIER JR, Fredie. et al. Curso de Direito Processual Civil: Teoria da Prova, Direito Probatório, Teoria do Precedente, Decisão Judicial, Coisa Julgada e Antecipação dos Efeitos da Tutela. V. 2. 6ª ed. Salvador: Juspodvm, 2011, p. 385.

[6] MARINONI, Luiz Guilherme. Op. Cit., p. 220.

[7] ÁVILA, Humberto, Teoria dos Princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 14ª ed. São Paulo: Malheiros, 2013, p. 33.

[8] LIMA, Tiago Asfor Rocha. Precedentes judicias civis no Brasil. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 178.

[9] MARINONI, Luiz Guilherme. Op. Cit., p. 222.

[10] LIMA, Tiago Asfor Rocha, Op. Cit., p. 179.

[11] MARINONI, Luiz Guilherme. Op. Cit., p. 224.

[12] DIDIER JR, Fredie. Op. Cit., p. 388.

[13] DIDIER JR, Fredie. Op. Cit., p. 388.

[14] “O advogado de common law tem possibilidade de aconselhar o jurisdicionado porque pode se valer dos precedentes, ao contrário daquele que atua no civil law, que é obrigado a advertir o seu cliente que determinada lei pode – conforme o juiz sorteado para analisar o caso – ser interpretada em seu favor ou não” (MARINONI, Luiz Guilherme – Coordenador. BARBOSA, Adriano et al. A força dos Precedentes. 2ª ed., revisada, ampliada e atualizada. Salvador: Juspodvm, 2012, p. 562).

[15] MARINONI, Luiz Guilherme – Coordenador. BARBOSA, Adriano et al. A força dos Precedentes. 2ª ed., revisada, ampliada e atualizada. Salvador: Juspodvm, 2012, p. 577.

[16] Idem, Ibidem, p. 11.

[17] DIDIER JR, Fredie. et al. Curso de Direito Processual Civil: Teoria da Prova, Direito Probatório, Teoria do Precedente, Decisão Judicial, Coisa Julgada e Antecipação dos Efeitos da Tutela. V. 2. 6ª ed. Salvador: Juspodvm, 2011, p. 396.

[18] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 29ª ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 127.

[19] “Um sistema incapaz de garantir a previsibilidade, assim, não permite que o cidadão tome consciência dos seus direitos, impedindo a concretização da cidadania” (MARINONI, Luiz Guilherme – Coordenador. BARBOSA, Adriano et al. A força dos Precedentes. 2ª ed., revisada, ampliada e atualizada. Salvador: Juspodvm, 2012, p. 565).

[20] DIDIER JR, Fredie. Op. Cit., p. 397.

[21] MARINONI, Luiz Guilherme – Coordenador. BARBOSA, Adriano et al .Op. Cit., p. 564.

[22] DANTAS, Bruno et al – Coordenadores. ABBOUD, Georges et al. Novas Tendências do Processo Civil: estudos sobre o Projeto do Novo Código de Processo Civil, Salvador: Juspodvm, 2013, p. 683.

[23] “Na verdade, ao permitir decisões díspares a casos iguais, o sistema estimula o arbítrio e a parcialidade.” (MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes Obrigatórios. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 173).

[24] NOGUEIRA, Gustavo Santana. Precedentes vinculantes no direito comparado e brasileiro. 2ª ed. Salvador: Juspodvm, 2013, p. 83.

[25] “A previsibilidade das decisões judiciais certamente dissuade a propositura de demandas.” (MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes Obrigatórios. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 179).

[26] MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes Obrigatórios. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 183.

[27] E na ordem supralegal (RE 466343-SP), no art. 8° da Convenção Interamericana de Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), internalizado pelo Decreto n° 678/92.

[28] NOGUEIRA, Gustavo Santana. Op. Cit., p. 87-88.

[29] MARINONI, Luiz Guilherme. Op. Cit. p. 193.

[30] Conquanto seja consabido, não é demais lembrar que, conforme a igualdade substancial, ou aristotélica, todos devem ser tratados de forma igual, na medida de sua igualdade, e de modo desigual, na medida de sua desigualdade.

[31] MARINONI, Luiz Guilherme. Op. Cit. p. 194.

[32] MARINONI, Luiz Guilherme. Op. Cit., p. 202.

[33] “A utilização do termo ‘tradição’ em vez de ‘sistema’ não é impensado ou casual, isso porque (...) concebe-se tanto o Common Law quanto o Civil Law não como sistemas passíveis de uma análise objetiva, como sistemas expressos em instituições, normas e práticas concretas passíveis de uma didática descrição. Não que assim não se possa concebê-las, mas o ponto é que a perspectiva de análise que se inicia é um pouco distinta: o que se busca precipuamente (...) são os traços culturais dessas duas experiências jurídicas, os elementos que denotam um determinado modo de pensar o direito e de atribuir capital simbólico aos agentes participantes dessas tradições” (MARINONI, Luiz Guilherme – Coordenador. BARBOSA, Adriano et al. A força dos Precedentes. 2ª ed., revisada, ampliada e atualizada. Salvador: Juspodvm, 2012, p. 41-42).

[34] RÁO, Vicente. O Direito e a Vida dos Direitos. 5ª. Ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999, p.131.

[35] MARINONI, Luiz Guilherme. Op. Cit, p. 38.

[36] MARINONI, Luiz Guilherme. Op. Cit., p. 39

[37] SIFUENTES, Mônica. Súmula Vinculante: Um estudo sobre o poder normativo dos tribunais. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 9.

[38] MARINONI, Luiz Guilherme – Coordenador. BARBOSA, Adriano et al. A força dos Precedentes. 2ª ed., revisada, ampliada e atualizada. Salvador: Juspodvm, 2012, p. 49.

[39] Idem, Ibidem, p. 50.

[40] Idem, Ibidem, p. 51.

[41] TUCCI, José Rogério Cruz e. Op. Cit., p. 153.

[42] Idem, Ibidem, p. 152.

[43] TUCCI, José Rogério Cruz e. Op. Cit., p. 152.

[44] Idem, Ibidem, p. 153.

[45] Idem, Ibidem, p. 154-155.

[46] MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes Obrigatórios. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 51.

[47] MARINONI, Luiz Guilherme – Coordenador. BARBOSA, Adriano et al. A força dos Precedentes. 2ª ed., revisada, ampliada e atualizada. Salvador: Juspodvm, 2012, p. 59.

[48] SIFUENTES, Mônica. Op. Cit., p. 17.

[49] “Não havia regra jurídica que impusesse efeito vinculante ao precedente. Contudo, com frequência, ‘os juízes ressaltavam a relevância dos julgados, e, sobretudo de uma série de decisões conformes, como sendo melhores intérpretes da lei, e a exigência de que tais decisões deviam ser seguidas para conferir certeza e continuidade do direito’”. (TUCCI, José Rogério Cruz e. Precedente Judicial como Fonte do Direito. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004, p. 154).

[50] MARINONI, Luiz Guilherme – Op. Cit., p. 83.

[51] Idem, Ibidem, p. 87.

[52] TUCCI, José Rogério Cruz e. Op. Cit., p. 160.

[53] TUCCI, José Rogério Cruz e. Op. Cit., p. 153.

[54] MARINONI, Luiz Guilherme – Coordenador. BARBOSA, Adriano et al, Op. Cit., p. 21.

[55] NOGUEIRA, Gustavo Santana. Op. Cit., p. 224.

[56] DIDIER JR, Fredie, Op. Cit., p. 394.

[57] MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes Obrigatórios. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 468.

[58] MARINONI, Luiz Guilherme. Op. Cit., p. 468.

[59] MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 27ª ed., revista e atualizada. São Paulo: Atlas, 2011, p. 746.

[60] MENDES, Gilmar Ferreira apud DIDIER JR, Fredie. CUNHA, Leonardo Carneiro. Curso de Direito Processual Civil. Meios de impugnação às decisões judicias e processos nos tribunais. V. 3, 10ª ed., Salvador: Juspodvm, 2012, p. 361-362.

[61] DIDIER JR, Fredie. CUNHA, Leonardo Carneiro. Curso de Direito Processual Civil. Meios de impugnação às decisões judicias e processos nos tribunais. V. 3, 10ª ed., Salvador: Juspodvm, 2012, p. 360.

[62] MENDES, Gilmar Ferreira apud MARINONI, Luiz Guilherme – Coordenador. BARBOSA, Adriano et al. A força do Precedente. 2ª ed., revisada, ampliada e atualizada. Salvador: Juspodvm, 2012, p. 359.

[63] Idem, ibidem.

[64] MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes Obrigatórios. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 459.

[65] MARINONI, Luiz Guilherme, Op. Cit., p. 458.

[66] MARINONI, Luiz Guilherme – Coordenador. BARBOSA, Adriano et al. A força do Precedente. 2ª ed., revisada, ampliada e atualizada. Salvador: Juspodvm, 2012, p. 359.

[67] MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes Obrigatórios. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 472-473.

[68] DIDIER JR, Fredie. Op. Cit., p. 361

[69] MARINONI, Luiz Guilherme. Op. Cit., p. 461-469.

[70] MARINONI, Luiz Guilherme. Op. Cit., p. 461-469.

[71] DIDIER JR, Fredie et al. Op. Cit., p. 393.

[72] NOGUEIRA, Gustavo Santana. Op. Cit., p. 229.

[73] DIDIER JR, Fredie. et al. Op. Cit., p. 401

[74] “Daí se dizer que a sentença é um ato jurídico que contém um norma jurídica individualizada, ou simplesmente norma individual, definida pelo Poder Judiciário, que se diferencia das demais normas jurídicas (leis, por exemplo) em razão da possibilidade de tornar-se indiscutível pela coisa julgada material” (DIDIER JR, Fredie. et al. Curso de Direito Processual Civil: Teoria da Prova, Direito Probatório, Teoria do Precedente, Decisão Judicial, Coisa Julgada e Antecipação dos Efeitos da Tutela. V. 2. 6ª ed. Salvador: Juspodvm, 2011, p. 288).

[75] SIFUENTES, Mônica. Op. Cit., p. 275.

[76] LIMA, Tiago Asfor Rocha. Op. Cit., p. 197.

[77] DANTAS, Bruno et al – Coordenadores. ABBOUD, Georges et al. Op. Cit., p. 136

[78] MARINONI, Luiz Guilherme. Op. Cit., p. 480-482.

[79] “Art. 475. Está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal, a sentença:

§3º Também não se aplica o disposto neste artigo quando a sentença estiver fundada em jurisprudência do plenário do Supremo Tribunal Federal ou em súmula deste Tribunal ou do tribunal superior competente”.

[80] “Art. 544.  Não admitido o recurso extraordinário ou o recurso especial, caberá agravo nos próprios autos, no prazo de 10 (dez) dias. (...)

§4º. No Supremo Tribunal Federal e no Superior Tribunal de Justiça, o julgamento do agravo obedecerá ao disposto no respectivo regimento interno, podendo o relator: (...)

II - conhecer do agravo para:

(...)

b) negar seguimento ao recurso manifestamente inadmissível, prejudicado ou em confronto com súmula ou jurisprudência dominante no tribunal;

c) dar provimento ao recurso, se o acórdão recorrido estiver em confronto com súmula ou jurisprudência dominante no tribunal.”

[81] “Art. 557. O relator negará seguimento a recurso manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado ou em confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior.

§1º-A. Se a decisão recorrida estiver em manifesto confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior, o relator poderá dar provimento ao recurso (...)”.

[82] Súmula nº 83 do STJ: “Não se conhece do recurso especial pela divergência, quando a orientação do Tribunal se firmou no mesmo sentido da decisão recorrida.”

[83] DIDIER JR, Fredie. et al. Op. Cit., p. 395.

[84] “Parece-nos indiscutível que, em regra, no direito brasileiro, os precedentes têm autoridade persuasiva” (DANTAS, Bruno et al – Coordenadores. ABBOUD, Georges et al. Novas Tendências do Processo Civil: estudos sobre o Projeto do Novo Código de Processo Civil, Salvador: Juspodvm, 2013, p. 136).

[85] TUCCI, José Rogério Cruz e. Op. Cit., p. 13.

[86] SOUZA, Marcelo Alves Dias de apud DIDIER JR, Fredie et al. Curso de Direito Processual Civil: Teoria da Prova, Direito Probatório, Teoria do Precedente, Decisão Judicial, Coisa Julgada e Antecipação dos Efeitos da Tutela. V. 2. 6ª ed. Salvador: Juspodvm, 2011, p. 393.

[87] LIMA, Tiago Asfor Rocha. Op. Cit., p. 188.

[88] NOGUEIRA, Gustavo Santana. Op. Cit., p. 191.

[89] NOGUEIRA, Gustavo Santana. Op. Cit., p. 190.

[90] “Algumas vezes o precedente tem vida longa. Marbury v. Madison é o maior exemplo, porém ele só se mantém até hoje porque ele continua refletindo uma questão de direito (judicial review) plenamente aceita na sociedade moderna. Nem todos os precedentes entretanto gozam dessa invejável longevidade, e a técnica do overruling contribui exatamente para essa adaptação da regra de direito estatuída no precedente se alterar, mantendo vivo e atualizado o direito.” (NOGUEIRA, Gustavo Santana. Precedentes vinculantes no direito comparado e brasileiro. 2ª ed. Salvador: Juspodvm, 2013, p. 191).

[91] MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes Obrigatórios. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 326.

[92] DIDIER JR, Fredie. et al. Op. Cit., p. 402.

[93] Idem, Ibidem, p. 403.

[94] LIMA, Tiago Asfor Rocha, Op. Cit., p. 212.

[95] TUCCI, José Rogério Cruz e. Op. Cit., p. 175.

[96] Idem, Ibidem.

[97] MARINONI, Luiz Guilherme. Op. Cit., p. 162.

[98] DIDIER JR, Fredie. et al. Op. Cit., p. 406.

[99] MARINONI, Luiz Guilherme – Coordenador. BARBOSA, Adriano et al. A força dos Precedentes. 2ª ed., revisada, ampliada e atualizada. Salvador: Juspodvm, 2012, p. 190.

[100] “É importante distinguir ainda entre o overruling e o reversal. Enquanto aquele representa uma técnica de superação do precedente, este último representa tão-somente a reforma, por uma Corte Superior, de uma decisão proferida por órgão inferior. É o que ocorre nos casos em que, no julgamento de um recurso, o órgão ad quem altera o entendimento firmado pelo órgão a quo. O reversal não configura, pois, uma técnica de superação do precedente, mas apenas uma técnica de controle” (DIDIER JR, Fredie. et al. Curso de Direito Processual Civil: Teoria da Prova, Direito Probatório, Teoria do Precedente, Decisão Judicial, Coisa Julgada e Antecipação dos Efeitos da Tutela. V. 2. 6ª ed. Salvador: Juspodvm, 2011, p. 405-406).

[101] DIDIER JR, Fredie. et al. Op. Cit., p. 405.

[102] MARINONI, Luiz Guilherme – Coordenador. BARBOSA, Adriano et al. Op. Cit., p. 189.

[103] TUCCI, José Rogério Cruz e. Op. Cit., p. 179.

[104] DIDIER JR, Fredie. et al. Op. Cit., p. 406.

[105] Idem, Ibidem, p. 412.

[106] MARINONI, Luiz Guilherme – Coordenador. BARBOSA, Adriano et al. Op. Cit., p. 204.

[107] DIDIER JR, Fredie. et al. Op. Cit., p. 414.

[108] NOGUEIRA, Gustavo Santana. Op. Cit., p. 199.

[109] “Neste caso o precedente precisa passar por um processo de adequação (tese) à nova realidade normativa, podendo ceder diante de uma incompatibilidade, cabendo ao próprio Tribunal que elaborou o precedente fazer o referido teste” (NOGUEIRA, Gustavo Santana. Precedentes vinculantes no direito comparado e brasileiro. 2ª ed. Salvador: Juspodvm, 2013, p. 200).

[110] “O ordenamento brasileiro prevê técnicas de superação de precedentes judiciais, embora não utilize a denominação que lhes é atribuída pelo direito anglo-saxônico. É o que se dá, por exemplo, com o processo para revisão ou cancelamento de súmulas vinculantes, que tem previsão no art. 103-A, §2º, da Constituição, na Lei Federal nº. 11.417/2006 e no Regimento Interno do STF (...)” (DIDIER JR, Fredie. et al. Curso de Direito Processual Civil: Teoria da Prova, Direito Probatório, Teoria do Precedente, Decisão Judicial, Coisa Julgada e Antecipação dos Efeitos da Tutela. V. 2. 6ª ed. Salvador: Juspodvm, 2011, p. 407).

[111] MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes Obrigatórios. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 162.

[112] MARINONI, Luiz Guilherme – Coordenador. BARBOSA, Adriano et al. A força dos Precedentes. 2ª ed., revisada, ampliada e atualizada. Salvador: Juspodvm, 2012, p. 199.

[113] MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes Obrigatórios. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 343.

[114] “Temos uma tradição jurídica própria e bem peculiar, que, como disse um aluno em sala de aula, poderia ser designado, sem ironia ou chiste, como brazilian law” (DIDIER JR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil: Introdução ao Direito Processual Civil e Processo de Conhecimento. V. 1. 13ª ed. Salvador: Juspodvm, 2011, p. 43).

[115] A tradição jurídica do civil law “caracteriza-se pelo primado do processo legislativo, com atribuição de valor secundário às demais fontes do direito. A tradição latina ou continental (Civil Law) acentuou-se especialmente após a revolução francesa, quando a lei passou a ser considerada a única expressão autêntica da nação, da vontade geral, tal como verificamos na obra de Jean-Jacques Rousseau, Du Contrat Social”. (REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 27ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 141-142).

[116] DIDIER JR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil: Introdução ao Direito Processual Civil e Processo de Conhecimento. V. 1. 13ª ed. Salvador: Juspodvm, 2011, p. 42.

[117] Idem, Ibidem, p. 43.

[118] ZANETTI JR., Hermes, apud DIDIER JR, Fredie. Op. Cit., p. 43.

[119] DIDIER JR, Fredie. Op. Cit., p. 42

[120] DIDIER JR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil: Teoria da Prova, Direito Probatório, Teoria do Precedente, Decisão Judicial, Coisa Julgada e Antecipação dos Efeitos da Tutela. V. 2. 6ª ed. Salvador: Juspodvm, 2011, p. 398.

[121] Idem, Ibidem. 399.

[122] “A garantia da participação é a dimensão formal do princípio do contraditório. Trata-se da garantia de ser ouvido, de participar do processo, de ser comunicado, poder falar no processo. Esse é o conteúdo mínimo do princípio do contraditório e concretiza a visão tradicional a respeito do tema. De acordo com essa pensamento, o órgão jurisdicional efetiva a garantia do contraditório simplesmente ao dar ensejo à ouvida da parte.

Há, porém, ainda, a dimensão substancial do princípio do contraditório. Trata-se do “poder de influência”. Não adianta permitir                 que a parte simplesmente participe do processo. Apenas isso não é o suficiente para que se efetive o princípio do contraditório. É necessário que se permita que ela seja ouvida, é claro, mas em condições de poder influenciar a decisão do magistrado” (DIDIER JR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil: Introdução ao Direito Processual Civil e Processo de Conhecimento. V. 1. 13ª ed. Salvador: Juspodvm, 2011, p. 56).

[123] BUENO, Cassio Scarpinella. Curso Sistematizado de Direito Processual Civil: teoria geral do direito processual civil, v. 1. 7ª ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 129.

[124] DIDIER JR, Fredie. Op. Cit, p. 409.

[125] “Já que não ingressa como parte, não se pode equiparar, portanto, a intervenção do amicus curiae com a intervenção de terceiro: seria o mesmo que se comparar a intervenção de um perito com a de um assistente” (DIDIER JR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil: Introdução ao Direito Processual Civil e Processo de Conhecimento. V. 1. 13ª ed. Salvador: Juspodvm, 2011, p. 411).

[126] GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Teoria Geral do Processo. 25ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 61.

[127] BUENO, Cassio Scarpinella. Amicus Curiae no processo civil brasileiro: um terceiro enigmático. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 627.

[128] NOGUEIRA, Gustavo Santana. Op. Cit., p. 242.

[129] DIDIER JR, Fredie. et al. Curso de Direito Processual Civil: Teoria da Prova, Direito Probatório, Teoria do Precedente, Decisão Judicial, Coisa Julgada e Antecipação dos Efeitos da Tutela. V. 2. 6ª ed. Salvador: Juspodvm, 2011, p. 399.

[130] MOREIRA, José Carlos Barbosa apud DIDIER JR, Fredie. CUNHA, Leonardo Carneiro. Curso de Direito Processual Civil. Meios de impugnação às decisões judicias e processos nos tribunais. V. 3, 10ª ed., Salvador: Juspodvm, 2012, p. 53.

[131] DIDIER JR, Fredie. CUNHA, Leonardo Carneiro. Curso de Direito Processual Civil. Meios de impugnação às decisões judicias e processos nos tribunais. V. 3, 10ª ed., Salvador: Juspodvm, 2012, p. 54.

[132] DIDIER JR, Fredie. CUNHA, Leonardo Carneiro. Curso de Direito Processual Civil. Meios de impugnação às decisões judicias e processos nos tribunais. V. 3, 10ª ed., Salvador: Juspodvm, 2012, p. 54.

[133] Conforme consulta realizada no sítio eletrônico do Supremo Tribunal Federal (http://www.stf.jus.br) em 4.11.2013.

[134] LIMA, Tiago Asfor Rocha. Op. Cit, p. 443-444.

[135] NOGUEIRA, Gustavo Santana. Op. Cit., p. 242.

[136] O Projeto do Novo Código de Processo Civil, que hoje (28.11.2013) já foi aprovado pelo Senado Federal e pela Câmara dos Deputados, abarca os Projetos de Lei n°s 6.025, de 2005, 8.046, de 2010, e 1.489 e 1.824, de 1996; 491, de 1999; 6.507, 6.870-a e 7.499-a, de 2002; 1.522 e 1.608, de 2003; 4.386, de 2004; 5.983, de 2005; 7.088 e 7.462, de 2006; 212 e 887, de 2007; 3.015, 3.387, 3.743 e 3.919, de 2008; 5.475, 5.748, 6.178, 6.195, 6.208 e 6.407, de 2009; 7.360 e 7.506, de 2010; 202, 217, 241, 1.199, 1.626, 1.628, 1.650, 1.850, 1.956, 2.627, 2.963 e 3.006, de 2011; 3.743, 3.907, e 4.110, de 2012; e 5.562, de 2013.

[137] “será esta a nomenclatura a ser utilizada a fim de facilitar a referência à legislação que está por vir, já que pelo rigor técnico ainda não é adequado tratá-lo como Novo CPC, porquanto inexiste lei promulgada”. (Lima, Tiago Asfor Rocha. Primeiras impressões sobre os precedentes judiciais no Projeto de Novo Código de Processo Civil. Revista de informação legislativa, v. 48, n. 190 t.2, abr./jun. 2011, p. 279-291).

[138] “Os princípios são normas imediatamente finalísticas, primariamente prospectivas e com pretensão de complementariedade e de parcialidade, para cuja aplicação se demanda uma avaliação de correlação entre o estado de coisas a ser promovido e os efeitos decorrentes da conduta havida como necessária à sua promoção” (ÁVILA, Humberto, Teoria dos Princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 14ª ed. São Paulo: Malheiros, 2013, p. 85).

[139] DANTAS, Bruno et al – Coordenadores. ABBOUD, Georges et al. Op. Cit., p. 138.

[140] SIFUENTES, Mônica. Op. Cit., p. 275.

[141] “[PNCPC] Art. 959. É admissível a assunção de competência quando o julgamento de recurso, da remessa necessária ou de causa de competência originária envolver relevante questão de direito, com grande repercussão social, sem repetição em diversos processos.

§ 1º Ocorrendo a hipótese de assunção de competência, o relator proporá, de ofício ou a requerimento da parte, do Ministério Público ou da Defensoria Pública, seja o recurso julgado pelo órgão colegiado que o regimento indicar.

§ 2º O órgão colegiado julgará o recurso, a remessa necessária ou a causa originária se reconhecer interesse público na assunção de competência.

§ 3º O acórdão proferido em assunção de competência vinculará todos os juízes e órgãos colegiados, exceto se houver revisão de tese, na forma do art. 521, §§ 1º a 6º.

§ 4º O disposto neste artigo se aplica quando ocorrer relevante questão de direito a respeito da qual seja conveniente a prevenção ou a composição de divergência entre câmaras ou turmas do tribunal”.

[142] DANTAS, Bruno et al – Coordenadores. ABBOUD, Georges et al. Op. Cit., p. 500.

[143] Idem, Ibidem, p. 682.

[144] “Incidente do processo é ato ou série de atos realizados no curso de um processo. É um procedimento menor, inserido no procedimento deste processo, sem que surja nova relação jurídica processual” (DIDIER JR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil: Introdução ao Direito Processual Civil e Processo de Conhecimento. V. 1. 13ª ed. Salvador: Juspodvm, 2011, p. 352).

[145] DANTAS, Bruno et al – Coordenadores. ABBOUD, Georges et al. Op. Cit., p. 498.

[146] NOGUEIRA, Gustavo Santana. Op. Cit., p. 243.

[147] DANTAS, Bruno et al – Coordenadores. ABBOUD, Georges et al. Op. Cit., p. 169.

[148] LIMA, Tiago Asfor Rocha. Precedentes judicias civis no Brasil. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 448-449


Autor

  • Guilherme Mungo Brasil

    Aluno regular do Mestrado em Fronteiras e Direitos Humanos (interdisciplinar) da Universidade Federal da Grande Dourados - UFGD, pesquisando sobre a resolução consensual de conflitos coletivos. Especialista em Direito Processual pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais - PUC/Minas, graduado em Direito pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul - UFMS. Atualmente é Analista do Ministério Público da União: Especialidade Direito, com lotação no Ministério Público Federal.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BRASIL, Guilherme Mungo. A concepção do precedente judicial pelo direito brasileiro: aspectos históricos, atuais e prospectivos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4074, 27 ago. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/31291. Acesso em: 26 abr. 2024.