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Pessoas portadoras de deficiência e concurso público.

Amplitude constitucional do art. 37, VIII, da Constituição de 1988

Pessoas portadoras de deficiência e concurso público. Amplitude constitucional do art. 37, VIII, da Constituição de 1988

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Debate-se o alcance da expressão “pessoa portadora de deficiência” em nível conceitual, no contexto do art. 37, VIII, da Constituição, analisando-se tanto a doutrina quanto a jurisprudência do STF.

RESUMO: Esta pesquisa discute a amplitude constitucional da expressão “pessoa portadora de deficiência”, para efeito do disposto no art. 37, inciso VIII, CF/88. Para isso, debruça-se na abordagem doutrinária, na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, nas legislações infraconstitucionais, inclusive em editais recentes de concurso público. O enfrentamento da temática orbita na dimensão conceitual de deficiência, de modo a não afastar apriosticamente qualquer tipo de limitação funcional, incluindo doenças equiparáveis a tal situação. O estudo permite concluir que o “conceito em evolução” de deficiência inserto ao ordenamento jurídico com status constitucional, ainda não se fez materializar na definição e na classificação vigentes no Decreto nº 3.298/99.

Palavras-chave: Pessoa portadora de deficiência. Conceito. Definição. Classificação. Amplitude de deficiência.

SUMÁRIO:INTRODUÇÃO.1 DEFICIÊNCIA E CONCURSO PÚBLICO: CONTEXTO.2 ASPECTO TERMINOLÓGICO DE DEFICIÊNCIA.3 DEFINIÇÃO JURÍDICA E CONCEITO DE DEFICIÊNCIA.3.1 Modelos de classificação e definição de deficiência: abordagem Evolutiva.3.2 Pessoa portadora de deficiência: conceito jurídico.4 EPISTEMOLOGIA E HERMENÊUTICA:AMPLITUDE CONSTITUCIONAL DE DEFICIÊNCIA.4.1 Amplitude de deficiência nos termos do art. 37, inciso VIII.4.2 Jurisprudência do STF e editais de concurso público.CONCLUSÃO.REFERÊNCIAS.


INTRODUÇÃO

A destinação de cargos e empregos públicos mediante concurso, na forma estabelecida no art. 37, inciso VIII, da Constituição Federal, mostra-se sedimentada. Por outro lado, o que não parece ainda adequadamente elucidado é o entendimento da amplitude constitucional da expressão “pessoa portadora de deficiência” no âmbito deste dispositivo, tanto na doutrina quanto na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.

A proposta desta pesquisa, então, é de se debater o alcance da expressão “pessoa portadora de deficiência” em nível conceitual, no contexto do art. 37, inciso VIII, da Constituição Federal, sem a pretensão, contudo, de externá-lo em sua possível configuração, mesmo porque isso não decorre do pensar isolado do cientista. Assim, a incursão científica realizada neste trabalho orientou-se, em tom provocativo, na declaração de “conceito em evolução” de deficiência reconhecida pela Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, assinados em Nova York, em 30 de março de 2007, a qual se encontra incorporada ao ordenamento pátrio.

Não se pretende aqui traçar as possíveis definições, tampouco a classificação de deficiência. Também não se busca aqui questionar o enquadramento de determinadas limitações funcionais na definição ou na taxionomia estabelecidas na legislação infraconstitucional para deficiência.

Dessa forma, o propósito geral foi o de identificar o alcance conceitual de deficiência presente na doutrina e na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, inclusive com exemplificação de editais recentes de concurso público, de modo a realizar diagnóstico o mais concreto possível.

Em decorrência do objetivo geral apontado acima, buscou-se analisar até que medida o reconhecimento de “conceito em evolução” de deficiência declarado na Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência se encontra refletido na definição constante no Decreto nº 3.298/99, que regulamentou o disposto no art. 37, inciso VIII, da Constituição Federal. O pressuposto disso é de que o conceito que orientou a atual definição se encontra ancorado numa realidade diversa da atual. Outro objetivo específico é o de identificar as exigências e as possibilidades para melhor construção de conceito de deficiência à luz da declaração da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e da sociedade hodierna.

Para atingir esses objetivos, utilizou-se basicamente do modelo da Dogmática Instrumental (Bibliográfica), em que se recorreu à discussão doutrinária a respeito da temática. Também se buscou analisar a legislação pertinente ao tema, em nível constitucional e legislação infraconstitucional, assim como jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, até chegar ao nível de editais recentes de concurso público.

Espera-se demonstrar com este estudo a importância da necessidade de se rediscutir a dimensão conceitual da expressão “pessoa portadora de deficiência”, de modo a se refletir na possibilidade reflexos em sua definição e classificação.

Feito isso, estruturou-se a presente pesquisa em 4 capítulos:

No primeiro capítulo, é apresentado o contexto de aplicação do art. 37, inciso VIII, da Constituição Federal, o segundo capítulo aborda o aspecto terminológico de deficiência; no terceiro capítulo são apresentadas a definição e classificação vigente de deficiência, bem como o conceito jurídico deste termo; no quarto e último capítulo é realizada breve discussão teórica, sequenciada pelo debate do alcance do termo deficiência e da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, aí chegando-se aos editais recentes de concurso público.


1 DEFICIÊNCIA E CONCURSO PÚBLICO: CONTEXTO

O disposto no art. 37, inciso VIII, da Constituição Federal, objeto da presente pesquisa, apresenta teor constitucional de eficácia limitada, o que exigiu regulamentação posterior para melhor delineamento de sua aplicação no caso em concreto, cabendo aqui transcrever seu conteúdo:

Art. 37, VIII – a lei reservará percentual dos cargos e empregos públicos para as pessoas portadoras de deficiência e definirá os critérios de sua admissão. (grifos inseridos). [1]

Segundo José Afonso da Silva, o disposto no art. 37, inciso VIII, da Constituição Federal, evidencia uma maneira de discriminação positiva e justa, que estão estruturadas no princípio da igualdade, bem como seu aspecto de eficácia limitada. Registre-se que a questão principiológica será retomada em capítulo específico, cabendo mencionar a reflexão de José Afonso da Silva sobre o dispositivo em tela:

Esse é dispositivo que contém importante princípio de direito social, qual seja, o de que o Estado deve exercer ações positivas na busca da igualização dos socialmente desiguais. É uma forma de discriminação positiva e justa essa de que se deve reservar um percentual dos cargos e empregos públicos para as pessoas portadoras de deficiência, definindo forma especial de sua admissão – o que pressupõe estabelecimento de critérios menos rígidos para o cumprimento dos objetivos na norma constitucional, embora de eficácia limitada, por depender de lei integrativa. (grifos inseridos) [2]

Considerando que o dispositivo em análise apresenta enquadramento em eficácia limitada, entende-se oportuna breve explanação a respeito da aplicação da norma constitucional. Nesse sentido, segundo Alexandre de Moraes, que se orienta em José Afonso da Silva, as normas constitucionais se classificam quanto à aplicabilidade em eficácia plena, contida e limitada. Esta última se caracteriza pela necessidade de edição de lei posterior a fim de dar os contornos de sua aplicabilidade. [3]

A temática ora posta visa discutir a amplitude constitucional do termo deficiência para efeito de concorrência em concurso de cargos e empregos públicos, tendo por base o disposto no art. 37, VIII, CF/88, cabendo, então, debruçar-se na discussão a respeito do conceito e alcance jurídico de ‘deficiência’. Apesar do enfoque jurídico da proposta desta pesquisa, não se pode olvidar das interações necessárias com outras áreas do conhecimento, particularmente, da medicina, da psicologia e da sociologia, ainda que em abordagem superficial, a fim de se resgatar os conceitos e discursos adotados historicamente e suas implicações no direito.

Acompanha o entendimento da necessidade da interação da análise jurídica da questão ora posta com outros ramos do conhecimento Luiz Alberto David Araujo, segundo o qual a própria delineação da amplitude do termo ‘deficiência’ para efeito de proteção de certos segmentos exige diálogo com outras áreas do saber, consoante se verifica em sua assertiva abaixo:

Não seria possível, portanto, o perfeito entendimento da ideia de pessoa portadora de deficiência sem o concurso de conceitos estranhos ao nosso quotidiano jurídico. Na realidade, sem tais colocações seria muito difícil, por exemplo, entender a proteção de grupos de doentes do metabolismo ou mesmo compreender a necessidade de uma política de prevenção de certos males [...]. [4]

Outro aspecto a ser ponderado, que é consectário da própria natureza de aplicabilidade de eficácia limitada do dispositivo em análise, consiste na importância da integração das convenções internacionais de direitos humanos ao ordenamento jurídico, que foi viabilizada com a Emenda Constitucional nº 45 de 2004. Maria Aparecida Gugel contextualiza a relevância das convenções internacionais integradas ao sistema jurídico nacional, in verbis:

Os direitos e garantias expressos na Constituição não excluem os tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte (Art. 5º, § 2º). Portanto, os tratados e convenções internacionais, definitivamente analisados e resolvidos pelo Congresso Nacional na forma de decreto legislativo, com ratificação presidencial por meio de decreto, passam a integrar nosso sistema jurídico com eficácia plena [...] (grifos inseridos)

A alteração produzida pela Emenda Constitucional nº 45, de 08 de dezembro de 2004 ao acrescentar o § 3º, ao Art. 5º da Constituição, destaca o novo valor dos tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos equivalendo-os às emendas constitucionais desde que aprovados, seguindo o rito de proposta a emenda constitucional (Art. 60, § 2º), em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros. (grifos inseridos) [5]

Nesse sentido, verifica-se que os conceitos e definições adotados por órgãos vinculados à Organização das Nações Unidades –ONU – já em 1975, por meio da Declaração dos Direitos das Pessoas Deficientes, embora em tom legislativo, indicam nas suas subjacências aspectos da medicina e psicologia atrelados ao termo deficiência, conforme se depreende da análise feita por João B. Cintra Ribas:

O termo ‘pessoas deficientes’ refere-se a qualquer pessoa incapaz de assegurar por si mesma, total ou parcialmente, as necessidades de uma vida individual ou social normal, em decorrência de uma deficiência congênita ou não, em suas capacidades físicas ou mentais. [6]

A destinação de vagas de concurso público para pessoas portadoras de deficiência, na forma disposta no art. 37, inciso VIII, da Constituição Federal/1988, tem posto em evidência uma questão que ainda não se encontra devidamente clarificada. Assim, é de se notar, preliminarmente, qual a concepção jurídica de deficiência na esfera constitucional e a amplitude a ser considerada para efeito de concurso público.

Conforme afirmado anteriormente, o dispositivo constitucional em análise é de eficácia limitada, de modo que sua aplicabilidade só foi viabilizada com a edição da Lei 7.853/1989 que, por sua vez, foi regulamentada pelo Decreto 3.298/1999. Dessa forma, neste decreto foram conceituados os termos deficiência, deficiência permanente, incapacidade (Art. 3º), bem como foram definidas as categorias de deficiência, quais sejam: física, auditiva, visual, mental e múltipla com os correspondentes desdobramentos ou detalhamentos (Art. 4º). Quanto às concepções de deficiência, convém aqui reproduzi-las:

Art. 3o Para os efeitos deste Decreto, considera-se:

I - deficiência – toda perda ou anormalidade de uma estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatômica que gere incapacidade para o desempenho de atividade, dentro do padrão considerado normal para o ser humano;

II - deficiência permanente – aquela que ocorreu ou se estabilizou durante um período de tempo suficiente para não permitir recuperação ou ter probabilidade de que se altere, apesar de novos tratamentos; e

III - incapacidade – uma redução efetiva e acentuada da capacidade de integração social, com necessidade de equipamentos, adaptações, meios ou recursos especiais para que a pessoa portadora de deficiência possa receber ou transmitir informações necessárias ao seu bem-estar pessoal e ao desempenho de função ou atividade a ser exercida. [7]

Com a edição da Lei 8.112/1990, no seu art. 5º, § 2º, ficou estabelecido o direito de pessoas portadoras de deficiência se inscreverem em concurso público cujas atividades estejam em consonância com as respectivas deficiências. O enunciado prevê também a reserva de 20% das vagas para esse segmento social, cujo conteúdo transcreve-se abaixo:

Art. 5º, § 2º. Às pessoas portadoras de deficiência é assegurado o direito de se inscreverem em concurso público para provimento de cargo cujas atribuições sejam compatíveis com a deficiência de que são portadoras; para tais pessoas serão reservadas até 20% (vinte por cento) das vagas oferecidas no concurso. [8]

Com a promulgação da Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Pessoas Portadoras de Deficiência, foi editado o Decreto 3.956/2001, que incorporou a referida Convenção ao ordenamento pátrio. Neste decreto, passou-se a conceituar em seu art. I deficiência como “uma restrição física, mental ou sensorial, de natureza permanente ou transitória, que limita a capacidade de exercer uma ou mais atividades essenciais da vida diária, causada ou agravada pelo ambiente econômico e social”. [9]

Mais recentemente foi promulgada a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, assinados em Nova York, em 30 de março de 2007. Tal convenção foi incorporada ao ordenamento jurídico nacional por meio do Decreto 6.949/2009. É interessante registrar, desde logo, que esta convenção adotou uma abordagem aberta e dinâmica para o conceito de deficiência, num reconhecimento inequívoco de uma realidade complexa e em constante mutação da sociedade hodierna.

Dessa forma, a Convenção promulgada em 2007 entende que “a deficiência é um conceito em evolução e que a deficiência resulta da interação entre pessoas com deficiência e as barreiras devidas às atitudes e ao ambiente que impedem a plena e efetiva participação dessas pessoas na sociedade em igualdade de oportunidades com as demais pessoas” (Preâmbulo, alínea “e”). Neste ponto, identifica-se perspectiva de abordagem de deficiência que possibilita maior extensão conceitual, de modo a se vislumbrar extrapolação das categorias até então dispostas nos decretos referenciados, especificamente, para efeito de concurso público.

Diante do novo enfoque dado ao conceito de deficiência e suspeitando-se que atualmente se aplica com certo reducionismo tal conceito no que tange às vagas de concurso público direcionadas para pessoas portadoras de deficiência, a despeito do avanço das normas, é que se coloca o objeto da presente pesquisa, de maneira a se perquirir a amplitude constitucional a ser considerada para o disposto no art. 37, inciso VIII, com base na jurisprudência do STF e na doutrina correspondente.

Há de se observar que o disposto no art. 37, inciso VIII, da Carta Magna, trata da reserva legal de “pessoas portadoras de deficiência” em concurso para cargos e empregos públicos. Então, convém na sequência elucidar preliminarmente, ainda que de forma breve, a abrangência e o conceito destes últimos termos.

Assim, de acordo com Luiz Alberto David Araujo o inciso VIII do art. 37 da Constituição Federal alberga cargos e empregos de todas as esferas de governo, inclusive abrange o segmento militar:

Verifica-se, logo de início, que o constituinte quis vincular todos os níveis da administração pública, fixando regra a ser obedecida pela União Federal, pelos Estados, pelos Municípios e pelo Distrito Federal.

Não se trata, tampouco, de regra vinculada, apenas e tão-somente, da Administração Civil, mas também das Forças Armadas. A reserva constante do inciso VIII, do artigo 7º contempla, além dos cargos e empregos da Administração Civil, a Militar. Evidente que não se pretende quebrar a regra da habilitação, necessária para o desempenho do cargo ou da função. [10]

Pontuada a abrangência das expressões “cargos públicos” e “empregos públicos”, verifica-se em Uadi Lammêgo Bulos abordagem esclarecedora a respeito do conceito destes termos quando interpreta o disposto no art. 37, inciso I, da Constituição Federal, in verbis:

Cargos públicos são centros unitários de competência, que se exprimem por um agente, em número certo e designação particular. Ora são criados pelo legislador, ora através de resoluções da Câmara ou do Senado, a depender das necessidades de tais Casas. Já empregos públicos são núcleos de trabalho, preenchidos por agentes contratados em regime trabalhista.

Do ponto de vista da titularidade, fica fácil notar a diferença entre tais categorias.

No cargo público os servidores nele investidos nutrem uma relação de natureza estatutária ou institucional com o Poder Público, porque inexiste contrato.

No emprego público, ao invés, os servidores, titulares da relação empregatícia, são contratados, aplicando-se a eles as disposições contidas na Consolidação das Leis do Trabalho. Nesse caso, o regime é o celetista, existindo vínculo contratual. [11]

Celso Antônio Bandeira de Mello segue nessa mesma esteira de raciocínio para traçar a diferença conceitual entre cargos públicos e empregos públicos, mas dada riqueza de seus comentários, cabe aqui transcrevê-los:

Cargos são as mais simples e indivisíveis unidades de competência a serem expressadas por um agente, previstas em número certo, com denominação própria, retribuídos por pessoas jurídicas de Direito Público e criadas por lei, salvo quando concernentes aos serviços auxiliares do Legislativo, caso em que se criam por resolução, da Câmara ou do Senado, conforme se trate de serviços de uma ou de outra destas Casas.

Os servidores de cargos públicos submetem-se a um regime especificamente concebido para reger esta categoria de agentes. Tal regime é estatutário ou institucional. Logo, de índole não-contratual [...]

[...]

Empregos públicos são núcleos de encargos de trabalho permanentes a serem preenchidos por agentes contratados para desempenhá-los, sob relação trabalhista. Quando se trate de empregos permanentes na Administração direta ou em autarquia, só podem ser criados por lei, como resulta do art. 61, § 1º, ii, “a”.

Sujeitam-se a uma disciplina jurídica que, embora sofra inevitáveis influências advindas da natureza governamental da contratante, basicamente, é a que se aplica aos contratos trabalhistas em geral; portanto, a prevista na Consolidação das Leis do Trabalho. [12]

A reserva legal per se – do percentual e do tratamento diferenciado – de concurso de cargos e empregos públicos para as pessoas portadoras de deficiência, prima facie, não tem gerado controvérsias, ainda mais se tratando de reconhecimento constitucional – art. 37, inciso VIII – cuja regulamentação vem sedimentando o tema desde a edição da Lei 7.853/1989, na sequência com a Lei 8.112/90 – art. 5º, § 2º – e recentemente com a incorporação ao ordenamento pátrio da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, mediante o Decreto 6.949/2009.

Por outro lado, no que tange à amplitude constitucional do conceito e dos reflexos na definição de “pessoa portadora de deficiência” para efeito de concorrência em concurso aos cargos e empregos públicos sob o enfoque do art. 37, inciso VIII, da Constituição Federal, verifica-se que ainda não houve entendimento doutrinário pacífico e a jurisprudência parece ainda não ter aprofundado a respeito dos limites e dos atributos jurídicos delineadores da referida expressão em consonância com a realidade, conforme se aprofundará mais adiante.

Além disso, verifica-se que no próprio preâmbulo, na alínea “e”, da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, já integrada ao ordenamento jurídico brasileiro, conforme já foi mencionado, alerta-se e pugna-se por entendimento de deficiência ‘como um conceito em evolução’. Isto é, sem dúvida, sinalizador da complexidade da temática a ser abordada, porquanto envolve segmentos de pessoas que não estão circunscritas às deficiências tradicionalmente elencadas por certa parte da literatura jurídica e definidas no Decreto 3.298/99, a saber, física, auditiva, visual, mental e múltipla e os seus desdobramentos.

Feitas essas considerações, entende-se que a discussão do tema contemplará abordagem que transcende o próprio ramo jurídico, sem obviamente deixar de ser esta área o principal instrumento de contato com o objeto da presente pesquisa. Mesmo porque a delineação da amplitude de deficiência exigirá confrontação contínua entre o art. 37, inciso VIII, CF/88, e artigos constitucionais conexos ou principiológicos, havendo necessidade de discussão hermenêutica e suas técnicas, métodos e as respectivas bases teóricas.


2 ASPECTO TERMINOLÓGICO DE DEFICIÊNCIA

De acordo com Nair Lemos Gonçalves, citada por Luiz Alberto David Araujo, há diversos nomes em idiomas nacionais e estrangeiras que fazem menção à pessoa portadora de deficiente, tais como, ‘indivíduos de capacidade limitada’, ‘minorados’, ‘impedidos’, ‘descapacitados’, ‘excepcionais’, ‘minusválidos’, ‘disable person’, ‘hadicapped person’, ‘unusual person’, ‘special person’, ‘inválido’ e ‘deficiente’. [13]

Consoante Luiz Alberto David Araujo, a par dos constructos indicados por Nair L. Gonçalves, é possível chegar a interpretações variadas do conceito desse grupo de pessoas. Segundo o autor, alguns termos destacam a ideia de incapacidade, enquanto outros o sentido de ‘deficiência’. Há, ainda, segundo Luiz Alberto, expressões que sequer arranham a questão posta, minimizando os problemas relacionados ao tema. [14]

De acordo com Luiz Alberto, o termo ‘excepcional’ foi o utilizado na Emenda Constitucional de 1969, que ancora, basicamente, na deficiência mental. Em função disso, o autor rechaça a aplicação desta palavra, dada sua limitação e vinculação a somente uma espécie de deficiência, impedindo sua extensão às físicas ou mesmo as de cunho metabólico. Tal termo foi empregado até 1978, posteriormente, passou-se a utilizar o verbete ‘deficiência’. [15]

Quanto à expressão ‘deficiente’ tem a vantagem de recair diretamente sobre a deficiência do indivíduo, de forma abrangente, segundo Luiz Alberto. Por outro lado, entende o autor que a expressão ‘pessoas portadoras de deficiência’ seja a mais consentânea, haja vista que centraliza a pessoa per se, tendo a palavra ‘deficiência’ nesse arranjo terminológico o sentido de indicar questão situacional do ser humano, afastando qualquer tipo de discriminação. [16]

Após uma breve excursão histórica a respeito da situação e condição de pessoas portadoras de deficiência, Rosanne de Oliveira Maranhão identifica algumas denominações atribuídas às pessoas portadoras de deficiência, as quais a Autora considera inapropriadas e afirma:

Notamos no decorrer da história, que várias denominações foram utilizadas, quando nos reportávamos aos ‘portadores de deficiência’. Ainda hoje isso acontece, nacional e internacionalmente, quando se faz referência aos portadores de deficiência. Além dos termos mais comumente usados que são, deficiente e pessoa deficiente, encontramos na lei e na doutrina outros termos, tais como: excepcionais, incapacitados, impedidos, descapacitados, inválidos, portadores de necessidades especiais etc.

[...]

É necessário advertir, em virtude dessa diversidade terminológica, que o uso do termo ‘pessoa deficiente’ ou ‘deficiente’ ou qualquer outro dos acima citados, não deve ser adotado. A terminologia a ser usada é ‘portador de deficiência’ ou ‘pessoas portadoras de deficiência’, porque esta expressão abrange qualquer tipo de deficiência, não só a física, como também as sensoriais (auditiva e visual) e a mental. [17]

Em análise dos conceitos de ‘deficiência’ contidos nos dicionários (Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, Cândido de Oliveira, Houaiss etc.), Luiz Alberto identifica que os sentidos axiais remetem às ideias de falta, de carência e de falha. Segundo o Autor, é “importante frisar que a falha, a falta, não se situa no indivíduo, mas em seu relacionamento com a sociedade”. (grifos inseridos) [18]

Sandro Nahmias Melo diverge parcialmente do entendimento até aqui exposto a respeito da expressão caracterizadora de deficiência a ser utilizada juridicamente e que parece predominar entre os doutrinadores. Segundo o autor, a expressão mais adequada seria ‘pessoa portadora de necessidades especiais’, por entender que esta última reforça mais as ‘diferenças’ do que a própria deficiência, é o que se depreenda de sua afirmação abaixo:

[...]

Ante o exposto, apesar de estarmos cientes de que a expressão mais comumente empregada é a de ‘pessoas portadoras de deficiência’, inclusive em sede constitucional e infraconstitucional, entendemos como mais adequada a expressão ‘pessoas portadoras de necessidades especiais’. Frise-se, ainda, que a expressão proposta não tem a pretensão de se impor como prevalente, devendo ser acolhida de bom grado toda terminologia que não ressalte a dependência da pessoa com deficiência, mas evidenciando as mesmas como seres humanos, detentores de direitos, com o reconhecimento mais de suas ‘diferenças’ do que de suas ‘deficiências’. [19]

Seguindo esse raciocínio, Sandro Nahmias Melo defende que o importante é colocar em evidência a pessoa humana, que é o substantivo, o ser existencial, senão corre-se o risco de enfatizar um atributo em detrimento da essencialidade ontológica do ser, in verbis:

O adjetivo utilizado não pode se sobrepor jamais ao substantivo básico identificador da condição humana: pessoa! Em outras palavras, as deficiências jamais podem vir antes das pessoas, sob pena de, a partir daí, compor-se uma visão estereotipada das pessoas portadoras de deficiência, sendo este mais um motivo para que sejam totalmente abandonadas as qualificações pejorativas [...]. [20]

É interessante observar, ainda, que Ariolino Neres Sousa Júnior tem um entendimento diferenciado para a expressão a ser utilizada, considerando a relação deficiência e pessoa. Segundo este autor, as deficiências não são portadas, mas se apresentam nos indivíduos, daí a expressão inapropriada ‘pessoa portadora de deficiência’. Sendo assim, para Ariolino Neres Sousa Júnior a expressão mais adequada seria ‘pessoa com deficiência’, in verbis:

Dessa forma, observamos que se tem abandonado a expressão ‘pessoa portadora de deficiência’ com uma concordância em nível internacional, sendo que, conforme foi ressaltado pelo comentário exposto anteriormente, as deficiências não se portam, haja vista que as próprias pessoas as apresentam, em outras palavras, as deficiências estão com a pessoa, daí optarmos pela expressão ‘pessoa com deficiência’. [21]

Romeu Kazumi Sassaki também comunga do entendimento de Ariolino Neres Sousa Júnior, haja vista que, após efetuar uma breve análise histórica dos termos designadores de deficiência, defende a utilização da expressão “pessoas com deficiência” sob o fundamento de que esta última ganha maior número de adeptos, tanto de pessoas com deficiência ou não. Segundo Romeu Kazumi Sassaki, em ‘Encontrão’ das organizações de pessoas com deficiência, ocorrido em 2000 em Recife, o público presente clamou pelo uso do termo “pessoas com deficiência”, o que se coaduna com a Convenção Internacional para Proteção e Promoção dos Direitos e da Dignidade das Pessoas com Deficiência, destaca o autor. A ideia central é de que ninguém “porta” a deficiência, in verbis:

Os movimentos mundiais de pessoas com deficiência, incluindo os do Brasil, estão debatendo o nome pelo qual elas desejam ser chamadas. Mundialmente, já fecharam a questão: querem ser chamadas de “pessoas com deficiência” em todos os idiomas. E esse termo faz parte do texto da Convenção Internacional para Proteção e Promoção dos Direitos e Dignidade das Pessoas com Deficiência, a ser aprovada pela Assembleia Geral da ONU em 2005 ou 2006 e a ser promulgada posteriormente através de lei nacional de todos os Países- Membros.

Eis os princípios básicos para os movimentos terem chegado ao nome “pessoas com deficiência”:

1. Não esconder ou camuflar a deficiência;

2. Não aceitar o consolo da falsa ideia de que todo mundo tem deficiência;

3. Mostrar com dignidade a realidade da deficiência;

4. Valorizar as diferenças e necessidades decorrentes da deficiência;

5. Combater neologismos que tentam diluir as diferenças, tais como “pessoas com capacidades especiais”, “pessoas com eficiências diferentes”, “pessoas com habilidades diferenciadas”, “pessoas dEficientes”, “pessoas especiais”, “é desnecessário discutir a questão das deficiências porque todos nós somos imperfeitos”, “não se preocupem, agiremos como avestruzes com a cabeça dentro da areia” (i.é, “aceitaremos vocês sem olhar para as suas deficiências”);

6. Defender a igualdade entre as pessoas com deficiência e as demais pessoas em termos de direitos e dignidade, o que exige a equiparação de oportunidades para pessoas com deficiência atendendo às diferenças individuais e necessidades especiais, que não devem ser ignoradas;

7. Identificar nas diferenças todos os direitos que lhes são pertinentes e a partir daí encontrar medidas específicas para o Estado e a sociedade diminuírem ou eliminarem as “restrições de participação” (dificuldades ou incapacidades causadas pelos ambientes humano e físico contra as pessoas com deficiência). [22]

Cabe consignar que a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, assinados em Nova York, em 30 de março de 2007, já foram incorporados ao ordenamento pátrio por meio do Decreto nº 6.949/2009. Verifica-se que o próprio título da referida convenção estampa a expressão “pessoas com deficiência” e em diversas partes de seus dispositivos este termo é o único utilizado, a exemplo do art. 1, art. 4, art. 8, art. 9, art. 10, a fim de designar pessoas desse segmento.

Considerando que o debate a respeito do termo mais adequado para lidar com a deficiência foge ao propósito desta pesquisa e de que a Constituição Federal aplica a expressão “pessoas portadoras de deficiência”, em vários de seus dispositivos, tais como, art. 7º, inciso XXXI, art. 23, inciso II, art. 37, inciso VIII, art. 227, parágrafo 1º, inciso II, art. 227, parágrafo 2º, optou-se pela expressão constitucional.

Por outro lado, tendo por base na superficial análise ora realizada, entende-se que o termo “pessoas com deficiência” parece ser o mais consentâneo, tendo em vista que Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, sendo o normativo mais recente e já incorporado ao ordenamento jurídico, preferiu esse termo, o que pode sinalizar que este seja mais representativo linguisticamente da situação e da condição de tais pessoas.

De todo modo, não se pode perder de vista que o entendimento do significado, do sentido ou alcance, em síntese, do conceito é bem mais relevante do que a discussão da nomenclatura em si, pelo menos para efeito de se identificar a amplitude constitucional do art. 37, inciso VIII.


3 DEFINIÇÃO JURÍDICA E CONCEITO DE DEFICIÊNCIA

Pode-se crer, muitas vezes, que a questão da deficiência é muito óbvia, transparente, se for seguido pura e simplesmente o raciocínio classificatório de que a pessoa é isto ou aquilo. No entanto, adotando esse tipo de abordagem, acaba-se por desconhecer as articulações, as implicações e complexidades que giram em torno e no fundo de "um óbvio", o qual na verdade mostra apenas as superfícies das questões. Não é admissível mais essa postura científica de partir da certeza inabalável daquilo que se parece "tão evidente", de problemáticas que se parecem já superadas, transpostas ou explicadas.

Por trás de "um óbvio" certamente há entrelaçamento de relações e desdobramentos, uma série de valores, ideias e preconceitos não discutidos, mas simplesmente aceitos. Tendo em vista esse raciocínio, entende-se leviandade científica esquivar-se a discutir o que se supunha "óbvio", pois isto significaria pensar que se entende o objeto de pesquisa apenas pelas suas mais gritantes evidências, quando se sabe que a busca do conhecimento requer antes de tudo uma cautela sobre o próprio processo cognitivo, quanto mais das inferências dele emergidas.

Sendo assim, se realmente existe o "óbvio" não é na dimensão de sua fachada que se deve restringir, mas tentar entendê-lo e reconstruí-lo a partir do que lhe sustenta, descobrindo seu véu que muitas vezes é negado e tentando mostrar que nesse "óbvio" podem estar presentes camadas de preconceitos e discriminações que afrontam o princípio da igualdade, conforme se discutirá oportunamente.

Com essas ressalvas, na sequência serão apresentadas a definição e a taxonomia utilizadas juridicamente para reconhecimento de deficiência em concurso público, nos termos do art. 37, inciso VIII, Constituição. Todavia, ressalte-se que o importante é ter ideia não da nomenclatura auto-definidora, mas da multiplicidade e diferenças, as quais infelizmente não serão analisadas na profundidade necessária. Posteriormente, será discutida a concepção jurídica de deficiência, antecipando-se que conceito e definição são inter-relacionados e interdependentes, mas o primeiro sempre antecede o segundo em qualquer tipo de estruturação científica.

3.1 Modelos de classificação e definição de deficiência: abordagem evolutiva

O assunto abordado neste capítulo consiste na definição de deficiência, tanto sob o ponto de vista do legislador quanto da doutrina. Esse nível de debate, da definição de deficiência é atividade extremamente complexa e necessita, previamente, do entendimento minimamente equalizado da amplitude constitucional (conceito) do art. 37, inciso VIII, sendo este último o propósito do presente trabalho.

Numa breve análise histórica é fácil constatar que a deficiência sempre foi pautada de modo tacanho e segregador, impedindo compreensão do fenômeno a ponto de viabilizar maior interação de indivíduos portadores de alguma limitação no meio social. Nesse sentido, é oportuna a abordagem sociológica feita por Lívia Barbosa, Débora Diniz e Wederson Santos, in verbis:

A história da deficiência é também uma história de exclusão e estigma. O corpo da pessoa com deficiência foi submetido a diferentes formas de controle, sendo as narrativas religiosas e biomédicas as que mais fortemente dominaram os saberes sobre a deficiência nos últimos dois séculos. De um castigo divino a um corpo abjeto pelas mutações genéticas, a deficiência foi descrita como a alteridade sem possibilidade de identificação pela cultura da normalidade [...]. (grifos inseridos) [23]

De acordo com Lívia Barbosa, Débora Diniz e Wederson Santos, a perspectiva biomédica, ainda no século XIX, representou um avanço diante das explicações religiosas a respeito da deficiência até então predominantes. Apesar disso, tais autores alertam que a visão biomédica firmou-se na premissa de “normalizar” as pessoas portadoras de deficiência, o que, segundo eles, passou a desvirtuar o sentido da própria reabilitação, conforme explicam:

A emergência da narrativa biomédica foi a primeira guinada para a garantia dos direitos aos deficientes no século XIX. Antes uma expressão do azar ou do pecado, os impedimentos físicos, sensoriais ou cognitivos da pessoa com deficiência passaram a ser explicados com base na embriologia e na genética, e surgiram soluções nos campos da cirurgia ou da reabilitação. O corpo com impedimentos tornou-se alvo do poder biomédico, cujo principal objetivo era normalizá-lo. A cultura da normalidade ganhou fôlego com os saberes biomédicos, que, ao explicarem a deficiência em termos científicos, apresentavam alternativas para a sobrevivência em uma regra de exclusão pela diferença [...]. (grifos inseridos) [24]

Diante da limitação da abordagem biomédica para com a deficiência, Lívia Barbosa, Débora Diniz e Wederson Santos, entendem que o modelo social seja mais apropriado, na medida em que conduz o tema sob a perspectiva de direitos humanos. Em função disso, afirmam:

[...] Esse cenário começou a ser alterado com a emergência do modelo social da deficiência, cujo esforço argumentativo foi o de aproximar a deficiência de outras narrativas de opressão, como a desigualdade de classe e, mais recentemente, o sexismo e o racismo. O modelo social afirmou a insuficiência da biomedicina para enfrentar a questão da deficiência como um desafio de direitos humanos. (grifos inseridos) [25]

Seguindo essa mesma linha de raciocínio, Wederson Santos afirma que o modelo social de deficiência possibilitou demonstrar a fragilidade da abordagem biomédica a respeito desse fenômeno e também evidenciou a opressão a que as pessoas portadoras de deficiência eram submetidas, conforme se depreende abaixo:

[...] Por um lado, os estudos sobre deficiência serviram para fragilizar a perspectiva biomédica, que compreendia os impedimentos corporais como patológicos e anormais, portanto, com necessidades de reabilitação e de tratamento. Mas, por outro, serviram para denunciar a opressão a que os corpos com deficiência estão submetidos em razão de práticas, valores e estruturas sociais pressuporem corpos sem impedimentos [...]. [26] (grifos inseridos)

Por outro lado, Lívia Barbosa, Débora Diniz e Wederson Santos, alertam que a proposta do modelo social de estudar o fenômeno da deficiência não significa entender que todos os problemas de acessibilidade decorrem de aspectos sociais. In verbis:

A proposta do modelo social, no entanto, não é a de que todas as restrições de atividades vividas pelas pessoas com impedimentos corporais são causadas por barreiras sociais, mas a de que a deficiência passa a existir quando aspectos da prática e da estrutura social contemporânea geram desvantagens e excluem os corpos com impedimentos[...](grifos inseridos)[27]

Numa perspectiva marxista e firmando-se em I. Pessoti, particularmente, Samira Saad Pulchério Lancillotti consigna que desde a Idade Média o aspecto orgânico era preponderante na caracterização de pessoa portadora de deficiência. Segundo a autora, tal visão se modificou a partir do século XX em que os atributos intelectuais passaram a ser relevantes na nova sociedade em formação, de modo que as pessoas que não atingissem dado nível de intelecção foram incluídas na lista das deficiências, conforme se depreende da reflexão abaixo:

Se, a partir da Idade Média, a questão orgânica era definidora da condição da deficiência, isto se modificou no século XX. Aqueles sujeitos incapazes de aquisições acadêmicas foram, também, incorporados à categoria dos deficientes, por não atenderem às expectativas culturais emergentes. Assim, no século XX, a incompetência escolar passou a ser compreendida como deficiência mental leve, associada aos quadros anteriormente reconhecidos, como o cretinismo, a idiota, a imbecilidade e a debilidade mental, legados pelo sabor do século XX. (grifos inseridos) [28]

De todo modo, em 1980, a Organização Mundial de Saúde – OMS – editou uma taxonomia de abrangência internacional das situações de: 1) impedimento; 2) deficiência; 3) incapacidade. De acordo com Ribas, cada uma dessas situações contemplavam limitações diferenciadas, a saber:

O impedimento diz respeito a uma alteração (dano ou lesão) psicológica, fisiológica ou anatômica em um órgão ou estrutura do corpo humano. A deficiência está ligada a possíveis sequelas que restringiriam a execução de uma atividade. A incapacidade diz respeito aos obstáculos encontrados pelos deficientes em sua interação com a sociedade, levando-se em conta a idade, sexo, fatores sociais e culturais. (grifos inseridos) [29]

Em que pesem a Declaração e a nova terminologia propugnadas pela ONU e OMS, respectivamente, segundo João B. Cintra Ribas ainda persiste a necessidade de definir com maior precisão o que seria deficiência, afastando-se preconceitos e pré-noções que muitas vezes eclodem nesse tema, a fim de evitar deturpações e generalizações que alimentam a ideologia dominante – que impõe o ‘normal’ como o padrão, como valor construído culturalmente. A reflexão levantada por João B. Cintra Ribas parece bastante atual, conforme se verifica abaixo:

Se entrarmos por este caminho, surgirá ainda a seguinte pergunta: mesmo com a tentativa de ‘definição por parte da Organização Mundial de Saúde (que tenta responder a estas questões: limitações físicas ou mentais tornam uma pessoa deficiente? Na prática, existiria diferença entre pessoa ‘incapacitada’ e ‘deficiente’?), a rigor, grande parte de todos nós não é em maior ou menor grau deficiente? Afinal, muitos de nós são (sic) portadores de algum tipo de lesão, são míopes, diabéticos, hipertensos, têm altura ou peso não considerados adequados, possuem algum tipo de disfunção orgânica etc. [...] Neste sentido, quando falamos de pessoas deficientes, podemos relativizar a este ponto? [...] [30] (grifos inseridos)

No momento das reflexões feitas por João B. Cintra Ribas as deficiências eram classificadas em três categorias: 1) físicas; 2) sensoriais e 3) mentais. Nas primeiras estão as limitações de procedência motora: amputações, malformações ou sequelas de vários tipos. Nas segundas estão as deficiências auditivas, que incluem surdez total ou parcial, e visual, as quais se apresentam como cegueira total ou parcial. Já as deficiências mentais consistem em vários níveis, de origem pré, peri ou pós-natal. [31]

Não obstante se tenha se apegado a tal classificação, João B. Cintra Ribas reconheceu, naquele instante histórico, a complexidade do tema, quando levantou o seguinte questionamento em tom reflexivo:

[...] Certamente teremos deficientes com graves limitações incapacitadoras, mas também teremos indivíduos cuja deficiência não lhes traz nenhuma (ou quase nenhuma) incapacidade. Um portador de deficiência mental severa tem limitações. Um portador de paralisia cerebral leve não tem limitações. Mas, então, novamente, podemos chamar de ‘deficientes’ aqueles que não possuem nenhuma (ou quase nenhuma) limitação? [32]

Mais adiante fica mais evidenciada essa cautela de Ribas em classificar e definir a deficiência, dadas as dificuldades teórica e prática na abordagem da temática. Segundo o autor, as limitações dependem muito de como o indivíduo enfrenta tais obstáculos e das suas condições socioeconômicas, bem como do peso que sofre de preconceitos e dos estigmas. Suas ponderações são relevantes na medida em que chamam a atenção para os desdobramentos da deficiência na concretude e não a classificação em si, in verbis:

O que estou querendo mostrar, apenas, é que a deficiência é relativa. Relatividade esta que se apresenta tanto a nível sociocultural, como também exclusivamente a nível físico. Aliás, nem a OMS conseguiu uma definição matematicamente precisa de quem é ou quem não é deficiente neste nosso mundo [...] A coisa mais importante são as implicações que decorrem a partir de um processo que engloba a deficiência. [33] (grifos inseridos)

Na análise que fazem da classificação de deficiência nos termos do Decreto 3.298/99, ainda sem os ajustes operados pelo Decreto nº 5.296/04, Luciana Toledo Távora Niess e Pedro Henrique Távora Niess alertam para as diferenças das três categorias, o que continua sendo um aspecto fundamental a ser considerado até mesmo para a definição do modelo de prova a ser aplicado para cada grupamento de deficiência num concurso público, por exemplo. Nesse sentido, cabe aqui transcrever seus comentários:

As deficiências classificam-se em três grupos: físicas, sensoriais e mentais. O elemento que caracteriza um grupo não tem, em grande parte, identidade com o que caracteriza outro. A ausência de um sentido não equivale à falta de um membro ou ao desenvolvimento mental limitado ou mais demorado. (grifos inseridos)

Pensar de outra forma seria o mesmo que equiparar aquele que joga golfe com um nadador, porque ambos são esportistas; o cardíaco com o tuberculoso, porque os dois são doentes; o Governador de Estado com um Senador, porque são políticos. [34]

Com a regulamentação da Lei 7.853/1989, mediante o Decreto nº 3.298/99, que foi alterado pelo Decreto nº 5.296/04, foram definidas cinco categorias de deficiência e respectivos desdobramentos, que convém transcrever com os acréscimos ilustrativos feitos por Maria Aparecida Gugel, a saber:

I- Deficiência física, uma alteração completa ou parcial de um ou mais segmentos do corpo humano, acarretando o comprometimento da função física, apresentando-se sob a forma de paraplegia, triplegia, monoplegia, monoparesia, tetraplegia, tetraparesia, triplegia, triparesia, hemiplegia, hemiparesia, ostomia, amputação ou ausência de membros, paralisia cerebral (AVC), nanismo, membros com deformidade congênita ou adquirida, excepcionadas as deformidades estéticas e as que não produzam dificuldades para o desempenho de funções.

II – Deficiência auditiva, perda bilateral, parcial ou total de 41 dB (quarenta e um decibéis) ou mais, aferida por audiograma nas frequências de 500HZ, 1.000HZ, 2.000HZ e 3.000HZ.

III – Deficiência visual, é a cegueira, na qual a acuidade visual é igual ou menor que 0,05 no melhor olho, com a melhor correção óptica; a baixa visão, que significa acuidade visual entre 0,3 a 0,05 no melhor olho, com a melhor correção óptica; os casos nos quais a somatória da medida do campo visual em ambos os olhos for igual ou menor que 60º, ou a ocorrência simultânea de qualquer uma das condições anteriores.

IV – Deficiência Mental, funcionamento intelectual significativamente inferior à média, com manifestação antes dos dezoito anos e com limitações de duas ou mais áreas de habilidades adaptativas, tais como 1. Comunicação; 2) cuidado pessoal; 3) habilidades sociais; 4) utilização dos recursos da comunidade; 5) saúde e segurança; 6) habilidades acadêmicas; 7) lazer e 8) trabalho.

V - Deficiência Múltipla, a associação de duas ou mais deficiências. A deficiência múltipla pode ser exemplificada com as pessoas surdocegas, que têm uma perda substancial de audição e visão, de tal modo que a combinação dessas duas deficiências resultam em dificuldades de acesso à educação, profissionalização, trabalho e lazer. (inserções da autora) [35]

De acordo com Maria Aparecida Gugel, o Decreto nº 3.298/99, que regulamentou a Lei nº 7.853/89 – esta lei decorreu da Constituição Federal de 1988 – foi um avanço legislativo, muito embora na prática tenha ficado aquém de sua teleologia, mesmo porque a pessoa portadora de deficiência não foi considerada, naquele momento, um sujeito de direitos, de modo a ter igualdade de oportunidades na prática. Dessa forma, a Autora extrai as definições de deficiência estampadas no referido decreto:

O Decreto n. 3.298/99 considera deficiência toda perda ou anormalidade de uma estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatômica que gere incapacidade para o desempenho de atividade dentro do padrão considerado normal para o ser humano. Por deficiência permanente, entende-se como aquela que ocorreu ou se estabilizou durante um período de tempo suficiente para não permitir a recuperação ou a alteração, apesar de novos tratamentos. O termo ‘incapacidade’ também foi considerado pelo regulamento como sendo uma redução efetiva da capacidade de integração social, com necessidade de equipamentos, adaptações, meios ou recursos especiais para que a pessoa portadora de deficiência possa receber ou transmitir informações necessárias ao seu bem-estar pessoal e ao desempenho de função ou atividade a ser exercida.

[...]

Referida concepção, ainda que considerada um avanço, não reflete o reconhecimento de que a pessoa com deficiência é sujeito de direitos e, portanto, deve gozar das mesmas, e todas, oportunidades disponíveis na sociedade, independentemente do tipo ou grau de sua deficiência. É necessário construir um novo conceito que se afaste em definitivo do conceito de doença e de incapacidade para a vida independente. (grifos inseridos) [36]

Na hermenêutica do art. 227, inciso II, da Constituição Federal, Sandro Nahmias Melo entende que a expressão “pessoa portadora de deficiência” é bem mais ampla do que pode se supor, para efeito de classificação. A análise feita pelo autor naquele dispositivo certamente pode ser transportada também para o contido no art. 37, inciso VIII, da Carta Magna, dentro do propósito da presente pesquisa, conforme se depreende de seu comentário abaixo:

Não podemos deixar de anotar, todavia, que o espectro das deficiências é muito mais amplo que o apontado na classificação constitucional (art. 227, inciso II). Além das condições aparentes temos aquelas não aparentes que, igualmente, dificultam a integração social de seu portador. [37] (grifos inseridos)

Seguindo a classificação disposta na Constituição Federal, art. 227, inciso II, Sandro Nahmias Melo, busca um aprofundamento da interpretação para os três tipos clássicos de pessoas portadores de deficiência: físico, mental e sensorial. No caso da deficiência mental, o autor, firmando-se em Alexander e Selenisk, apresenta três métodos de abordagem para melhor compreensão dessa categoria: o método mágico; o método orgânico e o método psicológico. In verbis:

A adoção do método mágico, para explicar as doenças mentais, predominou em períodos históricos nos quais as causas das doenças não eram evidentes. O homem primitivo as atribuía a influências malignas, quer de outros seres humanos quer de seres sobre-humanos. E lidava com as primeiras pela magia ou feitiçaria e com as últimas pelas práticas mágico-religiosas. Tais métodos de tratamento eram tentativas de mudar psicologicamente as consequências das referidas influências malévolas. A abordagem orgânica, também denominada de médica, atribui a fatores organogênicos as causas da doença mental. Já o método psicológico está respaldado na teoria freudiana ou em outras decorrentes dela, como a psiquiatria dinâmica. [38]

De acordo com Sandro Nahmias Melo, a deficiência mental tem basicamente três causas: a) Pré-natais: aberrações cromossômicas, causas gênicas, malformação cerebral, ambientais: infecciosas (toxoplasmose, sífilis, rubéola, CMV, listeriose) etc.; b) Perinatais: anoxia ou hipoxia, prematuridade, baixo peso, infecções (HSV, estreptococos beta-hemolítico, listeria); c) Pós-natais: infecções (meningencefalites e encefalites), traumas cranianos, radiações, convulsões etc. [39]

Em relação à deficiência física, Sandro Nahmias Melo apresenta um conceito ao tempo em que alerta para não se generalizar uma situação que é bem particular, conforme se depreende abaixo:

A deficiência física refere-se ao comprometimento do aparelho locomotor que compreende o sistema ósteo-articular, o sistema muscular e o sistema nervoso. As doenças ou lesões que afetam quaisquer desses sistemas, isoladamente ou em conjunto, podem produzir quadros de limitações físicas de grau e gravidade variáveis, segundo os segmentos corporais afetados e o tipo de lesão ocorrida. Um procedimento comum é referir-se às pessoas portadoras de qualquer tipo de deficiência como ‘deficientes físicos’, o que é um equívoco, uma vez que não leva em consideração as especificidades das pessoas com deficiência sensorial ou mental. [40]

No que tange à deficiência sensorial, Sandro Nahmias Melo segmenta em auditiva e visual, com suas respectivas gradações. Assim, firmando-se em Clelma Cristina Silva, o Autor entende que “A deficiência auditiva consiste na ‘perda parcial ou total das possibilidades auditivas sonoras, variando de graus e níveis’. A deficiência auditiva inclui as diacusias leves, moderadas, severas e profundas”. De forma semelhante, firmando-se em Luiz Alberto David Araújo, o Autor entende que “A deficiência visual consiste na ‘perda ou redução da capacidade visual em ambos os olhos em caráter definitivo e que não possa ser melhorada ou corrigida com o uso de lentes e tratamento clínico ou cirúrgico’ ”. [41]

De forma semelhante, Rosanne de Oliveira Maranhão, na interpretação do art. 227, inciso II, da Constituição Federal, chama a atenção para o fato de que a utilização da expressão “pessoa portadora de deficiência”, que será mais adiante aprofundada ao se abordar o conceito, não significa o reconhecimento de um grupo homogêneo. Assim, afirma a Autora:

Já sabemos, também, que os portadores de deficiência não constituem um grupo homogêneo. A própria Constituição Federal em vigor, no inciso II do art. 227, diz que a deficiência pode ser física, sensorial ou mental.

Entendemos que dentro desta classificação existem ainda outros fatores a serem analisados, tais como: se a deficiência é de nascença, se surgiu na infância, na adolescência ou na fase adulta, se apareceu na fase escolar ou no emprego etc. [42]

Consoante Maria Aparecida Gugel, com a incorporação da Convenção de Guatemala no ordenamento pátrio por meio do Decreto nº 3.956/2001, o modelo da CIF – Classificação Internacional de Funcionalidade – estaria mais consentânea com o conceito de deficiência propugnado pela referida convenção, que inseriu as dimensões econômicas e sociais ao termo. Por outro lado, o modelo da CID – Classificação Internacional de Doença – coloca o problema na pessoa portadora de deficiência e não no meio ambiente, razão pela qual a autora afirma:

Explica-se melhor a nova ferramenta: a Classificação Internacional de Funcionalidade – CIF , apoia-se no modelo de funcionalidade, tendo por elementos as funções e estruturas do corpo; atividades e participação; fatores ambientais e pessoais que se relacionam de forma complexa, interferindo dinamicamente entre si. Determinado elemento têm o potencial de alterar os demais elementos [...] (grifos inseridos)

A compreensão dos elementos que compõem a CIF é importante, pois permite que se proceda a comparação com o atual modelo da CID, 1980, Classificação Internacional de Doença, cuja avaliação está baseada em doenças e distúrbios, deficiências, incapacidades e desvantagens. Esse modelo vem sendo contestado pois é linear, com definição de uma única categoria de deficiências (impairement), frente ao elemento de desvantagem (as limitações da própria deficiência). O elemento da desvantagem é negativo, recaindo somente sobre a pessoa, e não interage com o ambiente à sua volta. (grifos inseridos) [43]

Segundo Wederson Santos, a CIF passou a incorporar a dimensão sociológica da deficiência, em que a limitação, qualquer que seja ela, não é problema do indivíduo em si, mas também da própria sociedade que, muitas vezes, não dá a acessibilidade na diversidade existencial. Assim, segundo o Autor, “A CIF busca agregar a perspectiva sociológica sobre a deficiência, que passou a compreendê-la como desigualdade social e não mais apenas como questão biomédica”. [44]

Sendo assim, cabe registrar que os elementos constitutivos da CIF são: a) funções e estruturas do corpo; b) atividade e participação e c) atividades ambientais e pessoais. Segundo Maria Aparecida Gugel, tais elementos caracterizam-se da seguinte forma, in verbis:

Funções e estruturas do corpo:

As Funções do Corpo são as fisiológicas do sistema do corpo, incluídas as psicológicas, 1) mentais; 2) sensoriais e dor; 3) da voz e da fala; 4) do sistema cardiovascular, hematológico, imunológico e respiratório; 5) dos sistemas digestivo, metabólico e endócrino; 6) geniturinárias e reprodutivas; 7) neuromusculoesqueléticas e relacionadas ao movimento; 8) da pele e estruturas relacionadas.

As Estruturas do Corpo são as partes anatômicas do corpo, tais como órgãos, membros e seus componentes como, 1) estruturas do sistema nervoso; 2) olho, ouvido e estruturas relacionadas; 3) estruturas relacionadas à voz e à fala; 4) estruturas dos sistemas cardiovascular, imunológico e respiratório; 5) estruturas relacionadas aos sistemas digestivo, metabólico e endócrino; 6) estruturas relacionadas aos sistemas geniturinário e reprodutivo; 7) estruturas relacionadas ao movimento; 8) pele e estruturas relacionadas.

As deficiências no contexto da CIF são eventos da função ou estrutura do corpo como uma perda ou anormalidade importante.

Atividade e participação:

Atividade, é a execução de uma tarefa ou ação por um indivíduo. Participação, é o envolvimento em uma situação de vida e estão indicadas na CIF como: aprendizagem e aplicação do conhecimento; tarefas e demandas gerais; comunicação; mobilidade; cuidado pessoal; vida doméstica; relações e interações interpessoais; áreas principais da vida; vida comunitária, social e cívica.

Limitações na atividade, são as dificuldades que um indivíduo pode ter em executar referidas atividades.

Restrições na participação, são os problemas que um indivíduo pode experimentar no seu envolvimento em situações de vida.

Os fatores ambientais transformam o ambiente físico, social e de atitudes no qual as pessoas vivem e conduzem suas vidas. Os fatores ambientais interagem com as funções do corpo, sendo típicos os exemplos de interação a qualidade do ar e a respiração do indivíduo; a luz e os sons dos ambientes com a visão e a audição. Portanto, são determinantes para a definição do grau de incapacidade em cada indivíduo. Nesses fatores ambientais incluem-se os Fatores Pessoais e Sociais.

Fatores ambientais:

Os Fatores Sociais são as características particulares de um indivíduo e suas situações de vida. Compreendem dados que não são partes da condição de saúde, por exemplo gênero, idade, raça, preparo físico, estilo de vida, hábitos, origem social, outras condições de saúde.

Os Fatores Sociais, ou as estruturas sociais, contém as regras de conduta ou sistemas da sociedade que incidem diretamente sobre os indivíduos. São exemplos, as organizações e serviços relacionados ao ambiente de trabalho, as atividades comunitárias, os órgãos governamentais, os serviços de comunicação e de transporte; as leis, os regulamentações, as atitudes e as ideologias. [45]

O modelo da CIF passou a ser aplicado com maior regularidade desde então e tem se intensificado sua utilização, ainda mais depois da incorporação da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, assinados em assinados em Nova York, em 30 de março de 2007 por meio do Decreto nº 6.949/2007.

Em momento anterior à incorporação da Convenção indicada logo acima, Luiz Alberto David Araujo levantou a respeito da expressão “pessoa portadora de deficiência” questionamento que ainda se pode considerar atual, que é a de se buscar a ampliação do entendimento de deficiência no nível de definição. Frise-se, a discussão do autor se encontra em nível da “definição” e não do “conceito” de deficiência. Segue o comentário do autor:

O desenvolvimento do estudo mostra que essa ideia deve ser ampliada para englobar um rol maior e mais variado de pessoas portadoras de deficiência, desde as originadas por problemas crônicos em órgãos (os renais crônicos, por exemplo) como aqueles que têm uma deficiência imunológica (portadores de AIDS) ou, ainda, os que apresentam erros natos de metabolismo (os fenilcetonúricos, por exemplo). [46] (grifos inseridos)

Ainda sob o prisma de definição, Luiz Alberto David Araujo chama a atenção para algumas deficiências que o autor denomina de “não aparentes”. Certamente tal questão ainda se mostra atual e controvertida, o que pode contribuir para uma reflexão mais apurada do próprio conceito de deficiência, haja vista que a definição vigente decorreu de concepção plasmada em determinado contexto socioeconômico. Então, suspeita-se que a classificação (definição) vigente pode não estar em sintonia com a sociedade hodierna. Em função disso, os comentários de Luiz Alberto David Araujo se mostram oportunos:

[...] O deficiente de audição ou de locomoção é logo notado, enquanto, por exemplo, uma pessoa portadora de deficiência de metabolismo não pode, sequer, ser identificada. (grifos inseridos) [47]

Consoante Luiz Alberto David Araujo, sob a ideia de dificuldade de integração social, podem-se identificar algumas condições de saúde, muitas delas “não aparentes”, têm o mesmo efeito prático limitador das deficiências já reconhecidas, tais como portadores do HIV, insuficiência renal crônica, talassemia, etc. Firmando-se nessa perspectiva, seria de se perquirir na possibilidade de ampliar a definição de deficiência, senão vejamos:

A Síndrome da Imunodeficiência Adquirida, também conhecida como AIDS ou SIDA (nos países de origem espanhola, em Portugal e na França), consiste em uma queda na resistência do indivíduo, acarretando uma fragilidade muito grande do organismo, expondo-o às mais variadas doenças [...]

A queda de resistência, provocada pela doença, faz com que o indivíduo permaneça, em alguns casos, sob tratamento prolongado, passando, obrigatoriamente, todas as tardes em hospitais, recebendo potássio; tudo isso e de acordo como estágio da doença, dificulta e chega a impedir sua integração social.

A insuficiência renal crônica pode ser provocada por uma série de doenças, dentre elas, a nefrite, hipertensão arterial, diabetes, infecções urinárias etc. A doença consiste na atrofia total e irreversível dos rins.

Os sintomas da doença já visualizam a dificuldade de integração social de seus portadores: urina frequente e, em fase adiantada, redução e espaçamento maior entre as idas ao banheiro, pressão alta, palidez, inchaço nas pálpebras e pernas.

O tratamento do doente renal crônico passa pela hemodiálise e pela diálise peritoneal, cuidados que devem ser seguidos por toda a vida afora. Outra solução é o transplante.

A talassemia é uma doença hereditária, que se identifica pela redução da quantidade de hemoglobina no sangue, daí acarretando anemia.

[...]

O tratamento pode ser feito de duas formas: a tradicional, mediante transfusão periódica de sangue e ingestão de remédios em, em alguns casos, transplante do baço. A segunda forma de tratamento é através do transplante de medula óssea.

[...]

Esses doentes, por necessitarem de transfusão de sangue, a cada três ou quatro semanas, encontram problemas de adaptação, especialmente diante da possibilidade, infelizmente cada vez maior, de sangue contaminado. [48]

Comunga do entendimento de Luiz Alberto David Araujo a respeito de deficiências “não aparentes”, Maria Ortega, citada por Sandro Nahmias Melo, a qual apresenta situações concretas de certas limitações, mas que não impedem o desempenho de atividade laboral. A autora faz descrição detalhada e argumentos sólidos com intuito de expandir a definição de deficiência, in verbis:

Os indivíduos com insuficiência cardíaca em decorrência de revascularização miocárdica com implantação de pontes de safena, assim como os portadores de insuficiência pancreática endócrina (diabetes) estão incluídos na categoria de deficientes.

Isto porque, como bem salientado pelo ínclito professor doutor Marcos de Almeida, da Escola Paulista de Medicina – em resposta aos quesitos que lhe formulamos para instruir ação por nós patrocinada – no primeiro caso ocorreu, em caráter permanente, perda de tecido muscular cardíaco e de células beta das ilhotas de Langerhans do pâncreas, no segundo caso. E,  em sequência acrescenta: ‘Esses elementos não se refazem. Há portanto que se restringir ações que exijam mais do que é capaz o músculo cardíaco que sobrou e ministração de medicação de reforço para as células betas que sobraram.

Tais pessoas, portanto, são deficientes, mas, também, são plenamente capazes de desempenhar diversas atividades, embora não dentro do padrão considerado normal pelo ser humano, visto estarem sujeitas a constantes acompanhamentos médicos, muitas vezes com períodos de internação hospitalar, além de dependerem de medicações específicas e controladas, de exercícios físicos e dietas alimentares rígidas.

Tais sujeições, contudo, não lhes retira a capacidade laborativa, mas apenas, limita seu grau de produtividade, gerando discriminação social. [49]

Por outro lado, Sandro Nahmias Melo esclarece que o entendimento mais amplo da expressão “pessoa portadora de deficiência”, aí considerando no âmbito de definição, não significa abandonar a observância do nível de limitação e o tipo de função a ser exercida, de modo a se buscar uma equalização adequada, in verbis:

Com relação ao tema deste estudo, o trabalho da pessoa portadora de deficiência, cumpre advertir que, apesar dos robustos argumentos expendidos por Maria Ortega e Luiz David Araujo, há que existir uma compatibilidade entre as limitações do portador de deficiência e a função a ser exercida. Ou seja, nem toda pessoa portadora de deficiência no metabolismo está apta a exercer qualquer função ou, mesmo em casos graves, sequer de exercer atividade que envolva labor. [50]

Para Sandro Nahmias Melo sua concordância com Maria Ortega e Luiz David Araujo a respeito da necessidade de se ampliar o significado e o sentido da expressão “pessoa portadora de deficiência”, não implica acatar qualquer tipo de deficiência “não aparente”, havendo necessidade de análise criteriosa do caso concreto, arremata Sandro Nahmias Melo. Nesse sentido afirma:

De resto, apesar de concordarmos com a tese dos autores supracitados no que tange ao reconhecimento de limitações não visíveis como deficiências, entendemos que, para o fim de identificar a pessoa portadora de deficiência para as quais a Constituição fez reserva legal de vagas, deve-se proceder em análise criteriosa de cada caso concreto. Não é tampouco, qualquer enfermidade ou problema no metabolismo capaz de equiparar uma pessoa ao portador de deficiência. Entendemos para que seja reconhecida a deficiência, a limitação não pode ser superada sem a ajuda de medicamentos (como a pressão alta) ou através de outros meios corretivos. [51]

Com base nas reflexões suscitadas até aqui, suspeita-se que a extensão da definição e da classificação da deficiência para efeito do contido no art. 37, inciso VIII, da Constituição Federal, parece não estar em sintonia com a amplitude constitucional (conceitual) da expressão “pessoa portadora de deficiência”, na forma como será abordada na sequência.

Importa afirmar, mais uma vez, que transcende em muito ao propósito desta pesquisa aprofundar a definição e a classificação vigentes de deficiência para concorrência em concurso público, as quais estão contidas essencialmente no Decreto nº 3.298/99, dada a complexidade e a diversidade de situações de pessoas com deficiência ou até mesmo com doenças eventualmente passíveis de inclusão no rol classificatório, assim entendido, para efeito do teor do art. 37, inciso VIII, da Constituição Federal.

3.2 Pessoa portadora de deficiência: conceito jurídico

O conceito e definição do objeto de estudo são sempre fundamentais para delinear claramente a amplitude de discussão científica. No presente caso, o conceito em si se confunde com o próprio tema de pesquisa, que consiste na busca do alcance constitucional de “pessoa portadora de deficiência” no contexto do inciso VIII do art. 37 da Carta Magna. Portanto, no capítulo anterior, foi apresentada a classificação de deficiência em perspectiva evolutiva, sem a pretensão de discutir a definição, porquanto foge ao escopo desta pesquisa.

Dessa forma, a discussão da amplitude constitucional do termo “pessoa portadora de deficiência” contido no art. 37, inciso VIII, trafegará nesta pesquisa na órbita da extensão conceitual. Nesse sentido, a classificação posta de forma descritiva no capítulo anterior teve o propósito somente de indicar o entendimento concreto do legislador e da doutrina. Tratou-se ali, também, da definição adotada atualmente de deficiência, inclusive para efeito de concurso público, cuja aplicação em editais será objeto de análise em capítulo que aborda a hermenêutica constitucional.

A importância da noção ou delineação prévia do objeto de estudo científico é condição sine qua non para se chegar a uma conclusão razoável e plausível, ainda que provisória. A exemplo do que ocorre com a discussão do conceito da ciência do próprio Direito em si, resguardadas as devidas proporções, no caso em estudo da amplitude constitucional de “pessoa portadora de deficiência” para efeito de concurso público, verifica-se que a concepção equalizada a priori permite desdobramento lógico e racional do que se pretende interpretar cientificamente. Assim, tornam-se oportunos os ensinamentos de Paulo Nader, nos seguintes termos:

Ainda que o jurista não apresente uma definição formal do Direito, nem haja cogitado a respeito, necessariamente há de ter um conceito daquele objeto. Isto é forçoso, de vez que não é possível conhecer e utilizar bem um sistema jurídico sem a prévia representação intelectual do Direito. Como se posicionar diante de indagações relativas à efetividade, como as que envolvem os problemas de obrigatoriedade das leis injustas ou das leis em desuso, sem a prévia convicção do que seja Direito? Pode-se afirmar que esse conceito, um dos mais nobres versados na Filosofia do Direito, uma vez alcançado pelo espírito, será diretor do pensamento e das ideias quanto a numerosas questões. Sem que o analista identifique, previamente, aquela noção, não poderá desenvolver, por exemplo, a sua teoria da interpretação. (grifos inseridos) [52]

Cabe assinalar que há diferença entre conceito e definição, embora ambos os termos estejam inter-relacionados e sejam interdependentes. No caso de conceito, trata-se do próprio processo cognitivo em si, do intuir e direcionar o pensar científico para o objeto de análise, enquanto a definição é a delimitação desse juízo prévio estabelecido pelo conceito, mediante sinalização de atributos substanciais e caracterizadores. Paulo Nader lida com o tema da seguinte forma:

Enquanto a definição é juízo externo, que se forma pela indicação de caracteres essenciais, conceito ou noção é juízo interno que se revela apreensão mental. Com a posse ou saber, pelo que se distingue o gênero da espécie ou uma espécie de outra, o espírito exercita o pensamento, reflete. O Direito enquanto conceito é objeto em pensamento; enquanto definição, é divulgação de pensamento mediante palavras. O conceito pode ser expresso tanto pela definição como por formas desenvolvidas. Para a primeira, há regras técnicas ditadas pela Lógica. Para a segunda, o espírito voa livre [...]. (grifos inseridos)

[...]

Quem pretende elaborar a definição de Direito deve primeiramente conceituá-lo, compreendê-lo amplamente, pois só podemos indicar os caracteres de um objeto na medida em que o conhecemos. A arte de definir é a arte de derivação de conceito. Tão complexa quanto a tarefa de conceituar o Direito é defini-lo. Entre uma e outra deve haver perfeita simetria, pois quem expressa deve fazê-lo na forma de seu pensamento [...] (grifos inseridos) [53]

Constata-se por meio da análise acima feita por Paulo Nader que a articulação do conceito antecede a da definição, de modo que o primeiro condiciona o segundo. Em função disso, caso não haja aprofundamento suficiente para se delinear o “ser” de determinado objeto, seu conceito, certamente seus atributos e especificidades indicados na definição ficam comprometidos.

Naturalmente a questão particular ora posta – diferença entre conceito e definição – remete à discussão ontológica bem mais profunda, que se constitui por sua vez numa verdadeira epistemologia para desvelamento de fenômenos, do que é o “ser”, de sua essência e de sua configuração na concretude. Muito embora não haja pretensão nesta pesquisa de aprofundamento deste tema, pode-se afirmar, sob a perspectiva da epistemologia fenomenológica que o “conceituar” e o “definir” compõem atividades cognoscíveis da compreensão e interpretação do objeto de pesquisa, em que se discute a possibilidade do conhecimento, sua origem e limitações. Assim, convém evocar André Dartigues que afirma:

[...] Consciência e objeto não são, com efeito, duas entidades separadas na natureza que se trataria, em seguida de pôr em relação, mas consciência e objeto se definem respectivamente a partir desta correlação que lhes é, de alguma maneira, co-original [...] Se a consciência é sempre ‘consciência de alguma coisa’ e se o objeto é sempre ‘objeto para a consciência’, é inconcebível que possamos sair dessa correlação, já que, fora dela, não haveria nenhum dos dois pólos [...] [54] (grifos inseridos)

Em síntese apertada, na perspectiva fenomenológica, o reconhecimento de consciência intencional e objeto intencional remetem-nos ao cerne desta epistemologia: intencionalidade. Assim, a intenção significa que a “consciência está para um objeto", assim como "o objeto está para uma consciência”. As implicações mais imediatas deste raciocínio são: não existe o ser-em-si, o noúmeno kantiano e nem o sujeito em si, o cogito cartesiano, em outros termos, não é a partir do sujeito puro que se chega ou se conhece o objeto, e nem do contrário, isto é, não é o objeto (por si mesmo) que transmite o sentido ao sujeito (consciência).

Então, conceituar e definir determinado objeto de pesquisa, em última instância, consiste em conhecer o fenômeno, atingir seu significado, seu sentido e desvelá-lo, desde que admitidas certas premissas, regras e metodologia de dada teoria do conhecimento. Nesse particular a fenomenologia é bastante elucidativa, porquanto se propõe a “volta às coisas mesmas”, na medida em que nega a existência do ser em si e da consciência cognoscível solipsista, permitindo compreensão e interpretação do fenômeno despido de visões apriorísticas, conforme se depreende da afirmação de André Dartigues, segundo o qual “Voltar às coisas mesmas é voltar a esse mundo antes do conhecimento, do qual o conhecimento fala sempre e com relação ao qual toda determinação científica é abstrata, signitiva e dependente [...]. (grifos inseridos) [55]

Esse postulado da teoria fenomenológica “volta às coisas mesmas” é uma alternativa promissora para elucidação do tema ora posto, haja vista que o alcance do sentido de “pessoa portadora de deficiência” para efeito de concurso público requer abordagem que transcenda o entendimento normativo já sedimentado. Consoante discutido alhures o Decreto nº 3.298/99 – com respectivas alterações – é composto de classificações que tendem mais a “marcar” certas pessoas do que propriamente possibilitar a inserção de indivíduos que detêm atributos diferenciados e exigem tratamento também sob a perspectiva do princípio da igualdade. Então, ao invés de debater definição, é mais produtivo aprofundar o debate a respeito da amplitude a ser dada ao contido no art. 37, inciso VIII, da Constituição Federal. Neste ponto, cabe a afirmação teórica de W. Luijpen:

Todo o universo da ciência se constrói sobre o mundo, e se queremos pensar a própria ciência com rigor, apreciando-lhe exatamente o seu sentido e o seu alcance, cumpre despertar primeiro essa experiência do mundo da qual ela é a expressão segunda. (grifos inseridos) [56]

Nunca é demais registrar que o conceito sempre emerge em determinado contexto socioeconômico, ficando condicionado às possibilidades da sociedade na qual impõe valores, regras, visão de mundo, rituais etc. Conforme afirmado logo acima, se a definição ou classificação se sobrepõem ao conceito do qual depende, certamente cria-se um descompasso entre a lei e a realidade. Ora, o próprio conceito se transforma em função da mutação socioeconômica, o que se dirá da definição e classificação, conforme se depreende da afirmação de Samira Saad Pulchério Lancillotti, nos seguintes termos:

O princípio que norteia esta análise é o de que a noção de deficiência vai se modificando historicamente, à medida que as condições sociais são alteradas pela própria ação do homem, gerando novas necessidades na sua relação com o meio social. (grifos inseridos) [57]

Prosseguindo nessa linha de raciocínio Samira Saad Pulchério Lancillotti destaca que a deficiência é um constructo histórico e plasmada a partir das condições sociais, cuja identificação está condicionada ao próprio modelo de sociedade que se constrói. Com isso, a discriminação de indivíduos fora dos padrões estabelecidos como ideais, certamente os afasta de ter acesso às oportunidades para melhorar suas condições em nível de igualdade em relação àqueles que não possuem qualquer tipo de deficiência. Neste caso, cabe aqui transcrever os comentários da autora a respeito desta questão:

Ante a afirmação de que a deficiência é uma condição histórica, resta a assertiva de que, em todos os tempos, de uma forma ou de outra, algumas deficiências foram identificadas e esses homens foram discriminados em seu grupo social, o que aparentemente indicaria o caráter permanente da deficiência. (grifos inseridos)

Assim, o conceito de anormalidade social vai sendo historicamente construído, complexificando-se na mesma medida em que as condições sociais vão sendo transformadas pela relação do homem com o meio. Dessa maneira, com base na ciência, observam-se mudanças no perfil daqueles identificados como deficiente. [58] (grifos inseridos)

Para Marcelo Medeiros, Débora Diniz e Lívia Barbosa, numa perspectiva sociológica, mas aderente ao enfoque jurídico ora apresentado, a definição – entende-se este termo aqui na perspectiva de conceito, na forma tratada anteriormente – de deficiência não ocorre somente pela análise da limitação, mas no nível de interação com o meio ambiente, in verbis:

Não há dúvida de que definir deficiência é um passo crucial de uma política voltada aos deficientes. Tradicionalmente essa definição foi tratada como um ato técnico de natureza biomédica, e os reflexos estão na forma como a deficiência é identificada nos censos demográficos ou tratada como critério de elegibilidade para benefícios com o BPC – Benefício de Prestação Continuada. Porém, à medida que se reconheceu que a deficiência não é dada exclusivamente por uma limitação do corpo, mas pela interação desse corpo com um ambiente hostil, a definição de deficiência se deslocou do modelo biomédico em direção a um modelo social fundamentalmente preocupado com a relação entre indivíduo e sociedade. [59] (grifos inseridos)

Desde logo convém registrar que esta empreitada de se discutir o conceito de deficiência não é das mais simples e se não houver a devida cautela, corre-se o risco de perder de vista o essencial, que é o próprio ser humano, em sua existência multiforme, polissêmica e descambar para as limitações da deficiência per se. De todo modo, o que se pretende nesta pesquisa é projetar o olhar o mais expansivo possível, respeitando-se os princípios hermenêuticos, a fim de vislumbrar possibilidades do que poderiam ser ‘pessoas portadoras de deficiência’ para além do que se reconhece atualmente, atentando-se para a sociedade contemporânea. Esse posicionamento é adotado por Sandro Nahmias Melo quando afirma:

Como resta evidente, após a exposição do que convencionamos chamar ‘problema terminológico’, a tarefa de conceituar a pessoa portadora de deficiência é extremamente complexa, em função dos inúmeros elementos e fatores que podem gerar uma ‘condição de deficiência’. (grifos inseridos)

[...]

Com relação ao conceito da pessoa portadora de deficiência, preocupa-nos mostrar a amplitude do mesmo. São inúmeras as chamadas ‘condições marginalizantes’. Como distingue Hugo Nigro Mazzilli ‘o campo das deficiências tem natureza mais variada possível. Desde a subnutrição, o subdesenvolvimento, os acidentes ecológicos, os acidentes de trânsito, os acidentes de trabalho, o uso indevido de drogas, a falta de uma política pré-natal adequada – tudo isso tem contribuído para o surgimento de pessoas de acentuadas deficiências mentais, sensoriais, orgânicas, comportamentais e sociais’. (grifos inseridos) [60]

Para Sandro Nahmias Melo o aspecto social também é relevante para propiciar um conceito adequado para a expressão ‘pessoa portadora de deficiência’, a fim de delinear extensão com o maior alcance possível. Tal perspectiva de análise certamente deve reflete a preocupação do autor não somente com a classificação ou definição, mas com a abrangência a ser dada ao termo, conforme se depreende de sua assertiva abaixo:

[...] Por isso, entendemos que o conceito de pessoa portadora de deficiência deve ser, com base em critérios razoáveis e sensatos, o mais amplo possível. Centrado, não apenas nas eventuais limitações físicas, mentais ou sensoriais, mas, também, nas limitações sociais. [61] (grifos inseridos)

Na análise das legislações iniciais a respeito do tema no ordenamento jurídico pátrio, Sandro Nahmias Melo tece breves comentários da Lei n. 7.853/89, Decreto n. 914/1993 e Decreto n. 3.298/1999, mediante perspectiva evolutiva, registrando o autor a dificuldade que tem o legislador em delinear um conceito o mais representativo possível de deficiência, in verbis:

A própria Lei n. 7.853/89 que dispõe sobre o apoio às pessoas portadoras de deficiência, a integração social destas, bem como sobre a Coordenadoria Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, não teceu qualquer definição sobre o seu público-alvo. (grifos inseridos)

Apenas com o Decreto n. 914, de 6 de setembro de 1993 é que surgiu a primeira definição, ainda que genérica, de pessoa portadora de deficiência, dispondo, in verbis:

Art. 3º. Considera-se pessoa portadora de deficiência aquela que apresenta, em caráter permanente, perdas ou anormalidade de sua estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatômica, que gerem incapacidade para o desempenho de atividade, dentro do padrão considerado normal para o ser humano.

[...]

Apenas com o advento do Decreto n. 3.298, de 20 de dezembro de 1999, regulamentador da Lei n. 7.853/89 que dispõe sobre a Política Nacional para integração da pessoa portadora de deficiência, é que foram especificados os critérios para a caracterização de deficiência. Este Decreto, por seu turno, embasou seus preceitos na conceituação adotada pela Organização Mundial de Saúde – OMS, estabelecendo as definições de deficiência, deficiência permanente e incapacidade e enfocando as categorias de deficiência (física, sensorial, mental e múltipla) [...]. [62]

Antes de se prosseguir na discussão conceitual de deficiência, convém consignar que esta é totalmente diversa de doença. Assim, segundo Maria Aparecida Gugel, desde a edição do Decreto nº 3.956/2001, que promulgou a Convenção de Guatemala, foram agregados outros elementos ao conceito de deficiência que o distingue de doença ou incapacidade, bem como destaca o papel do impacto do ambiente externo (físico, social e de trabalho) sobre o portador de deficiência. Em função dessa nova abordagem conceitual, propuseram-se identificar as situações a respeito da funcionalidade da pessoa e suas restrições, decorrentes da estrutura corporal e na interação com o ambiente, in verbis:

Na definição de deficiência da Convenção da Guatemala, reforça-se a idéia de que a deficiência física, mental ou sensorial decorre das restrições geradas pelas limitações da deficiência que poderão, ou não, ser agravadas pelo ambiente externo. É certo que se o ambiente externo (pessoas reunidas em comunidades, a arquitetura urbana, o transporte coletivo, as ferramentas de apoio para o trabalho, entre outros elementos) for desfavorável, não estiver adaptado e pronto para receber e adequadamente interagindo com a pessoa com deficiência, as limitações ocasionadas pela deficiência não serão superadas. (grifos inseridos)

Sob qualquer ângulo de análise das definições até aqui expostas, o que não se pode permitir ao intérprete das normas em vigor é a associação da deficiência com doença ou incapacidade, principalmente para o trabalho e para a vida independente. (grifos inseridos)

A atual definição de deficiência da Convenção da Guatemala aproxima-se mais da definição assentada na Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde – CIF – da Organização Mundial da Saúde, que não se refere a pessoas doentes, mas ‘a todas as pessoas’. A saúde e os estados relacionados à saúde associados a todas as condições de saúde’ (CIF, 2003, p. 18), com o objetivo de descrever situações relacionadas à funcionalidade da pessoa e suas restrições, causadas pela estrutura do corpo (nos casos de deficiência) em relação ao ambiente físico, social e de trabalho. [63] (grifos inseridos)

Também comunga do entendimento de que o termo ‘deficiência’ não se confunde com ‘doença’ João B. Cintra Ribas, segundo o qual a relação existente entre ambas é de que algumas deficiências são oriundas de doença, conforme se verifica abaixo:

[...] As pessoas deficientes, salvo algumas poucas exceções, não são pessoas doentes. Ao contrário, como quaisquer outras pessoas, devem gozar de boa saúde. A relação existente entre doença e deficiência é que algumas deficiências se originam em doenças. A deficiência, neste caso, é a sequela trazida pela doença [...] (grifos inseridos)

Doença é um processo. Deficiência é um estado físico ou mental eventualmente limitador. Existem, é verdade, alguns casos – mais incomuns – de simultaneidade. Nestes as pessoas são portadoras de uma doença que se associa à deficiência. Três exemplos devem ser o bastante: a distrofia muscular progressiva (tipo de doença muscular), a hanseníase (mal-de-Hansen, indevidamente chamada de lepra) e os distúrbios cardiovasculares. Mesmo assim, a maioria destas doenças pode ser curada, restando somente a deficiência ou nem isso [...] [64] (grifos inseridos)

Nessa mesma linha de raciocínio encontra-se Sandro Nahmias Melo, o qual se firmando em Maria Ortega, entende que deficiência não se confunde com doença, mas é como se fosse uma ‘insuficiência’, uma falha, que acaba por limitar o indivíduo, in verbis:

Seguindo a divisão conceitual da Organização Mundial de Saúde, Maria Ortega defende que ‘deficiência não é ‘doença’. É uma ‘insuficiência’, uma falha, um defeito que cria limitações ao seu portador, sem contudo, torná-lo absolutamente incapaz para o desempenho de determinadas atividades laborativas’ [...]. [65]

Muito embora deficiência seja distinta de doença, consigne-se que o efeito prático de condição existencial nos dois casos pode apresentar, em muitas situações, limitações e dificuldades de integração ao meio social em graus semelhantes. Para efeito ilustrativo, conforme abordado alhures, tem-se a pessoa que se utiliza de cadeiras de rodas para locomoção, quer seja por razões congênitas ou acidente, o que se reconhece como deficiência, conforme art. 4º, do Decreto nº 3.298/99. De outro lado, o indivíduo que padece de alguma anomalia cardíaca, em que necessita de utilização de medicamentos ou outros recursos da medicina, e.g., marca-passo para manter convivência com a alteridade. Observe-se que em ambas as situações os indivíduos enfrentarão obstáculos que outras pessoas sem deficiência ou sem doença não terão.

Feito isso, e, retomando a questão conceitual de deficiência, verifica-se em Luiz Alberto David Araújo reflexão que leva muito em consideração o aspecto da “integração na sociedade” como determinante do conceito da expressão em estudo. Assim, segundo o autor o conceito de pessoa portadora de deficiência deve ter como parâmetro o grau de dificuldade para integração social e não somente a falta de um membro ou reduções auditivas ou visuais:

O que define a pessoa portadora de deficiência não é falta de um membro nem a visão ou audição reduzidas. O que caracteriza a pessoa portadora de deficiência é a dificuldade de se relacionar, de se integrar na sociedade. O grau de dificuldade de se relacionar, de se integrar na sociedade, o grau de dificuldade para a integração social é que definirá quem é ou não portador de deficiência. (grifos inseridos)

[...]

A deficiência, portanto, há de ser entendida levando-se em conta o grau de dificuldade para a integração social e não apenas a constatação de uma falha sensorial ou motora, por exemplo. (grifos inseridos) [66]

Em reforço à ideia de que a “integração na sociedade” é condição determinante de deficiência, Luiz Alberto David Araujo afirma à frente que não é a deficiência per se, mas o nível de dificuldade de integração social o fator a ser considerado para definir se a pessoa é portadora ou não de deficiência, in verbis:

A questão, assim, não se resolve sob o ângulo da deficiência, mas, sim sob o prisma da integração social. Há pessoas portadoras de deficiência que não encontram qualquer problema de adaptação social [...] [67] (grifos inseridos).

Verifica-se em Wederson Santos, Débora Diniz e Natália Pereira, abordagem no campo da sociologia que se torna bastante oportuna na presente temática, ainda que o enfoque desses autores seja o Benefício de Prestação Continuada – BPC – nos termos do art. 203, da Constituição Federal, na medida em que se reforça a dimensão socioeconômica, na qual a pessoa portadora de deficiência busca interagir. Nessa perspectiva de análise, a deficiência per se não é considerada uma ‘anormalidade’ ou um fenômeno existencial a se ‘ajustar’ ou ‘integrar’ com o ‘padrão’, ao contrário, busca-se indicar o seu caráter inerente do próprio ser-no-corpo, de forma que o desafio dado é a interação ou inclusão social das pessoas portadoras de deficiência, in verbis:

[...] Habitar um corpo deficiente é viver em um corpo marcado socialmente pelo estigma, pela desvantagem social ou pela rejeição estética. A desvantagem social imposta pela deficiência não é uma sentença da natureza, mas uma expressão da opressão pelo corpo considerado anormal. Esse giro argumentativo da deficiência como tragédia pessoal para a deficiência como matéria de justiça social foi o que permitiu o deslocamento do debate dos saberes biomédicos para os saberes sociais. (grifos inseridos)

[...]

A compreensão de que a deficiência é uma das muitas formas de se habitar os corpos, podendo inclusive constituir objeto de orgulho pela diferença, como ocorre com as comunidades surdas, é ainda desafiante para os saberes biomédicos. O surdo não é alguém que habita o corpo com restrições auditivas, mas alguém que vive em uma sociedade que discrimina outras formas de comunicação que não o oralismo. A afirmação do sujeito passa a se dar pela enunciação do corpo deficiente e não mais pela negação dos impedimentos corporais, em uma aproximação dos estudos sobre deficiência (disability studies) do campo dos estudos culturais, feministas e antirracistas. Isso não significa o abandono das estratégias de cuidado, cura ou reabilitação oferecidas pela biomedicina, mas anuncia seu caráter insuficiente para a promoção da igualdade em ambientes injustos [...] [68] (grifos inseridos)

Não obstante o posicionamento acima esteja no contexto do Benefício de Prestação Continuada – BPC – e atrelado a uma perspectiva sociológica, é inegável a aderência a respeito do conceito de deficiência no sentido jurídico e no âmbito do inciso VIII do art. 37 da Constituição Federal. Na referida perspectiva de análise a diversidade é reconhecida como premissa, de modo que o existir com deficiência é interpretado como extensão do próprio mundo, cabendo interação intersubjetiva para compreensão recíproca entre quem não tem deficiência e quem tem deficiência.

Dessa forma, há de se reconhecer como relevante a variável “interação” para melhor compreensão e definição jurídica adequada da expressão “pessoas portadoras de deficiência” no contexto inciso VIII do art. 37 da Constituição Federal, motivo pelo qual se torna oportuno evocar a afirmação de Marcelo Medeiros, Débora Diniz e Lívia Barbosa:

No caso do BPC, que seleciona pessoas incapazes para o trabalho e a vida independente, a identificação da incapacidade foi tradicionalmente feita por médicos peritos treinados para ver incapacidade para o trabalho como um fenômeno exclusivamente biológico, cuja intensidade poderia ser determinada em exames clínicos e comparada a um padrão de referência. A nova maneira de entender a deficiência impõe aos peritos ou a quem for responsável pelas avaliações uma preocupação quanto à interação dos atributos corporais com outros atributos individuais, como sexo, idade e educação, e com o mercado de trabalho local. (grifos inseridos)

[...] Em um exemplo paradigmático para outras políticas, os próprios médicos peritos estão assumindo o papel de protagonistas na mudança do modo de operar do BPC em direção a um modelo de compreensão da deficiência que leva em conta a interação com o meio e os demais atributos individuais. [69] (grifos inseridos)

Também partilha de perspectiva sociológica a respeito da discussão conceitual de deficiência Sandro Nahmias Melo, segundo o qual não se pode afastar a leitura sociológica desta temática, ou até mesmo outros ramos científicos, sem que isso implique abandono da compreensão jurídica, in verbis:

[...]

Assim, a referência a termos, bem como a adoção de critérios de outras ciências que não a jurídica, tais como a Medicina, a Psicologia, ou mesmo a Sociologia, se justifica pela necessidade de se fazer uma abordagem didática e clara do tema estudado [...] (grifos inseridos)

Entendemos, para fins deste trabalho, que a deficiência deve ser abordada como uma questão social. A cegueira, por exemplo, não pode ser simplificada a um problema de restrições do campo visual. Ela é resultado das restrições e barreiras sociais. O mesmo ocorre com a surdez, mudez [...]. (grifos inseridos) [70]

Mais adiante Sandro Nahmias Melo clarifica seu conceito a respeito da expressão ‘pessoa portadora de deficiência’, ressaltando que o movimento de integração deve partir do próprio indivíduo que apresenta a limitação, in verbis:

Diante de todo o exposto, sempre considerando o componente social como defendido alhures, parece-nos autorizado concluir que: Os portadores de deficiência: são pessoas com certos níveis de limitação, física, mental ou sensorial, associados ou não, que demandam ações compensatórias por parte dos próprios portadores, do Estado e da sociedade, capazes de reduzir ou eliminar tais limitações, viabilizando a integração social dos mesmos. (grifos inseridos)

Note-se que, no conceito proposto, colocamos em primeiro plano a necessidade de medidas compensatórias por parte dos próprios portadores de deficiência, o que, em síntese estreita, significa que deve partir destes o empenho para superar as suas próprias limitações. O portador de deficiência deve querer, deve decidir, superar as suas limitações. [71] (grifos inseridos)

Segundo Sandro Nahmias Melo, firmando-se em Maria Ortega, é preciso atentar para as ‘insuficiências’ oriundas de estados de saúde ou deficiências “não aparentes”, mas que não obstaculizem o desempenho de atividade laboral, a fim de considerá-las também como deficiência para efeito do contido no art. 37, inciso VIII, da Constituição Federal. , in verbis:

A Autora (Maria Ortega) conclui que as insuficiências derivadas de condições não aparentes, desde que causem ao portador uma redução da capacidade laborativa, devem ser consideradas como deficiências para efeitos do inciso VIII, do art. 37, da CF/88. [72]

Com a promulgação Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo – aprovada pelo Decreto Legislativo nº 186/2008, ganhou status constitucional, visto que cumpriu o disposto no art. 5º, § 3º, da Constituição Federal – por meio do Decreto nº 6.949/2009 entende-se que esta se tornou um marco para solucionar com maior grau de justiça as necessidades e problemas enfrentados pelas “pessoas portadoras de deficiência”.

Particularmente no que se refere a concurso público, constata-se o teor da alínea “e” do Preâmbulo da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, reconhece que a deficiência é um conceito em aberto de deficiência e que sua caracterização decorre da interação entre pessoas portadoras de deficiência e as barreiras relacionadas aos comportamentos e ao ambiente, in verbis:

Reconhecendo que a deficiência é um conceito em evolução e que a deficiência resulta da interação entre pessoas com deficiência e as barreiras devidas às atitudes e ao ambiente que impedem a plena e efetiva participação dessas pessoas na sociedade em igualdade de oportunidades com as demais pessoas (grifos inseridos) [73]

Ainda no contexto do preâmbulo da referida convenção, são dispostas outras alíneas que convergem para melhor delineação e clarificação do conceito de “pessoa portadora de deficiência”. Dessa forma, é dada relevância para a questão da acessibilidade em todos os seus desdobramentos, não apenas na questão física de locomoção, o que pode se estender para a questão de concurso público, conforme se depreende abaixo, do disposto na alínea “v” e “y”:

V) Reconhecendo a importância da acessibilidade aos meios físico, social, econômico e cultural, à saúde, à educação e à informação e comunicação, para possibilitar às pessoas com deficiência o pleno gozo de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais (grifos inseridos).

Y) Convencidos de que uma convenção internacional geral e integral para promover e proteger os direitos e a dignidade das pessoas com deficiência prestará significativa contribuição para corrigir as profundas desvantagens sociais das pessoas com deficiência e para promover sua participação na vida econômica, social e cultural, em igualdade de oportunidades, tanto nos países em desenvolvimento como nos desenvolvidos (grifos inseridos). [74]

Por outro lado, constata-se na aludida convenção, em seu art. 1, parte 1, que trata do propósito, enunciado que acaba por dar um contorno do entendimento da expressão “pessoa portadora de deficiência”, em nível de definição, que não parece tão aderente à proposta do conceito da alínea “e”, contido no preâmbulo. Prima facie, o teor normativo do art. 1, parte 1, não possibilita hermenêutica com maior amplitude, a fim de considerar, por exemplo, as deficiências “não aparentes” discutidas no capítulo anterior, conforme se verifica abaixo:

Pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas (grifos inseridos). [75]

De todo modo, em linhas gerais, a partir do que se extraiu da referida convenção, é possível identificar uma busca, por parte do legislador, em se ampliar o conceito de deficiência, permitindo que pessoas com certas limitações possam também compor o grupamento destinado a vagas de “pessoas portadoras de deficiência” em concurso público, nos termos do art. 37, inciso VIII, da Constituição Federal, e não somente aquelas situações já definidas e classificadas no Decreto nº 3.298/99 e respectivas alterações. É o caso de limitações orgânicas ou metabólicas, “não aparentes”, que exigem tratamento diferenciando comparativamente a quem não possui nenhum tipo de limitação, de modo a se garantir igualdade de oportunidades.

Por ora, cabe registrar que a proposta de conceito “em evolução” da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, o que subtende dar maior amplitude e buscar maior alinhamento com o contexto socioeconômico vigente, parece ainda não refletir na legislação que trata da definição e classificação de “pessoa portadora de deficiência” para efeito de concurso público. Conforme se verificará no capítulo seguinte, a aplicação do art. 37, inciso VIII, da Constituição Federal, mostra-se restritiva, o que afronta o princípio da dignidade da pessoa humana e o princípio da igualdade.


4 EPISTEMOLOGIA E HERMENÊUTICA: AMPLITUDE CONSTITUCIONAL DE DEFICIÊNCIA

A utilização de métodos e de técnicas de interpretação constitucional deve contemplar previamente a discussão dos pressupostos e das perspectivas epistemológicas que lhe dão sustentação. Nesse sentido, os métodos e as técnicas decorrem da base teórica a que se filia o operador de direito, destacando-se que o atual momento reflete a convivência das mais diversas epistemes, cujo contexto foi denominado de pós-modernidade, de maneira não se poder afastar quaisquer delas aprioristicamente. [76]

Nesse contexto da pós-modernidade eclodem questões até então pouco debatidas ou até mesmo não aventadas em épocas passadas, e.g., a crise paradigmática em que a própria ciência tem seus pilares sacudidos, rediscutidos, reconstruídos ou transformados. Assim, as últimas epistemologias generalizantes e abarcadoras de explicação do mundo real (dimensão do ser), quais sejam, Positivismo propagado por Augusto Comte e Marxismo formulado por Karl Marx e seus respectivos desdobramentos teóricos não mais persistem, uma vez que não são suficientes para solucionar os problemas que emergem num mundo cada vez mais complexo e em contínuas mudanças. Certamente tal transformação reflete igualmente na ciência jurídica, que lida com a dimensão do dever ser. [77]

Verifica-se, então, o surgimento e desdobramento de várias epistemes, muitas vezes contraditórias e irreconciliáveis entre si, na medida em que adotam premissas, métodos e objetos específicos de interpretação dos fenômenos. Na verdade, em algumas situações, os ramos epistêmicos que se propagaram desde o final do século XIX e expandiram no século XX, tais como o estruturalismo, a fenomenologia, o existencialismo, a semiótica, a teoria crítica de ascendência marxista, a semiologia, entre outros, têm encontrado certos pontos de convergência. Todavia, isso não é tão comum, haja vista que no meio acadêmico hodierno, particularmente, entre as ciências sociais aplicadas, que é o caso do Direito, a divergência e a contradição predominam no embate científico. Assim, a polissemia dos discursos a respeito dos objetos científicos na pós-modernidade são vistos por Jean-François Lyotard, em clara inspiração em Wittgenstein, nos seguintes termos:

Simplificando ao extremo, considera-se ‘pós-moderana’ a incredulidade em relação aos metarrelatos [...].

[...]

Assim, nasce uma sociedade que se baseia menos numa antropologia newtoniana (como o estruturalismo ou a teoria dos sistemas) e mais numa pragmática das partículas da linguagem. Existem muitos jogos de linguagem diferentes; trata-se da heterogeneidade dos elementos [...].

Na sociedade hodierna não se tem mais uma “ciência normal” ou paradigma compartilhado, em que os problemas se adéquam ao modelo teórico vigente, senão ficariam descartados a priori para qualquer tipo de análise científica. Tal postura científica já não é mais admissível, cujo diagnóstico Thomas S. Kuhn fez nos seguintes termos:

A ciência normal não tem como objetivo trazer à tona novas espécies de fenômeno; na verdade, aqueles que não se ajustam aos limites do paradigma frequentemente nem são vistos. Os cientistas também não estão constantemente procurando inventar novas teorias; frequentemente mostram-se intolerantes com aquelas inventadas por outros. Em vez disso, a pesquisa científica normal está dirigida para a articulação daqueles fenômenos e teorias já fornecidos pelo paradigma. (grifos inseridos) [78]

Nesse sentido, a atividade de interpretação do objeto de conhecimento exige posicionamento crítico do operador do direito, em função do momento ora vivenciado – da pós-modernidade, de mudança paradigmática. Thomas S. Kuhn entende que, embora o mundo em si não mude com essa transformação da ciência, a aplicação de epistemes emergentes acabam por conduzir o intérprete a um novo mundo, cuja visão passa a identificar outras facetas do fenômeno até então não percebidas, in verbis:

[...] embora o mundo não mude com uma mudança de paradigma, depois dela o cientista trabalha em um mundo diferente [...] Em vez de ser um intérprete, o cientista que abraça um novo paradigma é como o homem que usa lentes inversoras. Defrontado com a mesma constelação de objetos que antes e tendo consciência disso, ele os encontra, não obstante, totalmente transformados em muitos de seus detalhes. (grifos inseridos) [79]

Para Michel Foucault, o processo hermenêutico tem concepção ainda mais radical, na medida em que Foucault trata a ciência em geral como ambiente de interpretação contínua, numa construção e reconstrução de discursos que não conseguem retornar à suposta origem ou ao sentido primeiro do conhecimento. Segundo o autor, tudo é interpretação de interpretação, ou seja, a construção discursiva da ciência revela mais do tempo-espaço a que se vincula do que propriamente do momento em que o texto sob análise foi elaborado, in verbis:

[...] As próprias palavras não passam de interpretações; ao longo de sua história, elas interpretam antes de serem signos, e só significam finalmente porque são apenas interpretações essências [...] não é porque há signos primeiros e enigmáticos que estamos agora dedicados à tarefa de interpretar, mas sim, porque há interpretações, porque não cessa de haver, debaixo de tudo o que se fala, a grande trama das interpretações violentas. (grifos inseridos)

[...]

[...] A interpretação se confronta com a obrigação de interpretar a si mesma infinitamente, de sempre se retomar [...] A morte da interpretação é acreditar que há signos, signos que existem primeiramente, originalmente, realmente, como marcas coerentes, pertinentes e sistemáticas. (grifos inseridos) [80]

Diante do que foi abordado até aqui, pode-se constatar que uma discussão da hermenêutica constitucional e dos métodos/técnicas correspondentes de aplicação deve ter como pano de fundo a questão da própria linguagem – na dimensão epistemológica – senão corre-se o risco de reduzir a interpretação de determinado direito fundamental ou garantia tão somente tendo por base os aspectos metodológico e instrumental. Nesse sentido, a opção por este ou aquele método ou técnica de interpretação deve ser evidenciada no plano epistemológico, ou seja, colocando-se a própria teoria de sustentação de dada interpretação na sua nudez estrutural.

Inspirando-se nas perspectivas teóricas de Heidegger e Wittgnstein, Lênio Luiz Streck, sintetiza que a linguagem não é um ente externo ao homem, mas um atributo essencial que lhe é peculiar para gestação do próprio conhecimento do ser geral no sentido ontológico, da alteridade e de si mesmo. Segundo Lênio Luiz Streck, o denominado “jogo de linguagem” não decorre do homem em seu isolamento existencial e nem de uma decisão particular com caráter autônomo, mas de uma construção ou convenção intersubjetiva, in verbis:

A partir das Investigações Filosóficas, Wittgenstein passa a ser, ao lado de Heidegger, um dos mais ardorosos críticos da filosofia da subjetividade (filosofia da consciência). Parte da ideia de que não existe um mundo em si, que independa da linguagem; somente temos o mundo na linguagem. As coisas e as entidades se manifestam em seu ser precisamente na linguagem, posição que também o aproxima muito de Heidegger. (grifos inseridos)

A linguagem deixa de ser um instrumento de comunicação do conhecimento e passa a ser condição de possibilidade para a própria constituição do conhecimento [...] (grifos inseridos)

[...]

No jogo de linguagem, o homem age, mas não simplesmente como indivíduo isolado de acordo com seu próprio arbítrio, e sim de acordo com regras e normas que ele, juntamente com outros indivíduos, estabeleceu (intersubjetividade). (grifos inseridos) [81]

Feitas essas considerações teóricas, entende-se que a atividade hermenêutica consiste na busca do sentido, do significado ou do conceito o mais representativo possível do objeto de investigação. Em se tratando de matéria jurídica em sede constitucional – na presente pesquisa a expressão “pessoa portadora de deficiência” no contexto do art. 37, inciso VIII, da Constituição Federal – esse comprometimento é ainda mais rigoroso e relevante a ser exigido do intérprete, dado os reflexos que a interpretação predominante em certo momento gera nas normas infraconstitucionais e direciona a aplicação normativa na concretude. Esse alerta é muito bem efetuado por Alexandre de Morais nos seguintes termos:

A interpretação jurídica, portanto, constitui a atividade prática de descobrimento do conteúdo, do significado e do alcance de determinada norma, dentro do contexto para decidir um caso concreto. Como salientado por Luís Roberto Barroso ‘a aplicação de uma norma jurídica é o momento final do processo interpretativo, sua concretização, pela efetiva incidência do preceito sobre a realidade de fato.

O intérprete, para realização de sua tarefa, deve analisar os diferentes significados possíveis da norma e indagar-se qual deles é o mais exato. Para isso, indaga sobre os diversos sentidos do texto, bem como sobre seu próprio conhecimento da matéria tratada pela norma. [82]

Mais adiante Alexandre de Morais, inspirando-se em Antônio Francisco Rodrigues dos Santos, esclarece que a interpretação jurídica da norma é uma atividade que se impõe, haja vista que o enunciado per se, ainda que claro, depende de utilização de técnica e metodologia inerentes à ciência jurídica, de modo que se aplique adequadamente ou de forma justa determinado dispositivo, in verbis:

A necessidade de interpretação surge no momento em que a norma deve ser, na prática, aplicada a determinado contexto, independentemente de sua maior ou menor clareza, pois, embora a lei se utilize de linguagem comum, por ter como destinatário o homem do povo, o Direito apresenta os rigores técnicos e gramaticais de uma ciência que, não obstante acessível e perceptível, segue uma linguagem técnica e tradicionalmente peculiar [...] [83]

Para Paulo Nader, o desafio maior da interpretação é identificar o alcance da norma em toda a sua extensão, haja vista que a dinâmica da realidade possui um ritmo bem mais veloz do que o que fora previsto pelo legislador no instante da elaboração da norma. Segundo o autor, esse descompasso, no entanto, não impede o intérprete de buscar o sentido e significado normativo, uma vez que essa atividade se configura de várias formas, daí poder se dizer que a interpretação é sempre provisória. Cabe aqui transcrever os comentários do autor:

Interpretar cientificamente a norma jurídica é desenvolver um ato intelectual de revelação de seu sentido e alcance. Consiste em desentranhar o significado subjacente ao texto ou à fórmula oral verbalizada. Norma é condensação de pensamento que se manifesta por signos; é objeto cultural que encerra significados e carece de interpretação. O sentido da norma corresponde à determinação contida, que pode ser uma conduta social ou um modelo de organização. O alcance diz respeito às situações atingidas pela norma. Ao planejar o padrão de conduta, o legislador, com frequência, não antevê o alcance em toda sua extensão. É que as normas são modelos abstratos e se prestam a enquadrar toda uma classe de fatos. (grifos do Autor)

Como a interpretação jurídica é processo de conhecimento de normas por seu significado, desde que o operador revele intelectualmente o conteúdo de uma norma terá efetuado a sua interpretação. Não é preciso que o processo de cognição seja complexo para que se tenha atividade hermenêutica [...] Há interpretações captadas pelo espírito intuitivamente e há as que exigem operação lógica mediante raciocínio complexo e até mesmo sociológica ou histórica. Em todo caso se terá interpretação [...] (grifo do autor) [84]

Consoante Eros Roberto Grau, citado por Gilmar Ferreira Mendes e Paulo Gustavo Gonet Branco, a norma é plasmada não somente com a utilização do texto normativo (dimensão do dever ser), mas em sintonia com a concretude (dimensão do ser), in verbis:

[...] A norma é produzida, pelo intérprete, não apenas a partir de elementos colhidos no texto normativo (mundo do dever ser), mas também a partir de elementos do caso ao qual ela será aplicada, isto é, a partir de dados da realidade (mundo do ser). [85]

Nesse sentido, o processo hermenêutico tem a finalidade de identificar a norma, ou melhor, delineá-la e construí-la. Para isso, há necessidade de transcender o próprio texto em si, o qual não consegue atingir as hipóteses ou situações emergidas a partir da dinâmica da realidade social. Considerando a complexidade da relação entre o dever ser e o ser, Paulo Gustavo Gonet Branco faz os seguintes comentários:

A norma, portanto, não se confunde com o texto, isto é, com o seu enunciado, com o conjunto de símbolos linguísticos que forma o preceito. Para encontrarmos a norma, para que possamos afirmar o que o direito permite, impõe ou proíbe, é preciso descobrir o significado dos termos que compõem o texto e decifrar, assim, o seu sentido linguístico [...] (grifos inseridos)

A interpretação orientada à aplicação não se torna completa se o intérprete se bastar com a análise sintática do texto. Como as normas têm por vocação própria ordenar a vida social, os fatos que compõem a realidade e lhe desenham feição não podem ser relegados no trabalho do jurista. Para se definir o âmbito normativo do preceito constitucional, para se delinear a extensão e intensidade dos bens, circunstâncias e interesses atingidos pela norma, não se prescinde da consideração de elementos da realidade mesma a ser regida. (grifos inseridos)

A norma constitucional, assim, para que possa atuar na solução de problemas concretos, para que possa ser aplicada, deve ter o seu conteúdo semântico averiguado, em coordenação com o exame das singularidades da situação real que a norma pretende reger [...]. (grifos inseridos) [86]

Feita essa breve abordagem na dimensão epistemológica na qual são estruturados os métodos e as técnicas de hermenêutica, de compreensão do fenômeno que se coloca ao cientista, na sequência será discutido o alcance da expressão “pessoa portadora de deficiência”, contida no art. 37, inciso VIII, da Constituição Federal, num diálogo simultâneo com os princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade, bem como da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e editais de concurso público recente.

4.1 Amplitude de deficiência nos termos do art. 37, inciso VIII

Com base na discussão teórica anterior, fica patente a incerteza e o caráter provisório do processo cognitivo. Por outro lado, o reconhecimento desse diagnóstico não implica assumir uma espécie de “niilismo” teórico que se recusa a delinear o ser fenomênico sob o argumento da impossibilidade de se atingir a sua essência, seu significado primeiro e sentido original. Nesse contexto da crise paradigmática, a observação feita por Clifford Geertz sob perspectiva epistemológica da semiótica no âmbito da Antropologia Cultural, parece oportuna na presente discussão:

[...]

[...] A análise cultural é intrinsecamente incompleta e, o que é pior, quanto mais profunda, menos completa. É uma ciência estranha, cujas afirmativas mais marcantes são as que têm a base mais trêmula, na qual chegar a qualquer lugar com um assunto enfocado é intensificar a suspeita, a sua própria e a dos outros, de que você não o está encarando de maneira correta [...].

[...]

[...] Nunca me impressionei com o argumento de que, como é impossível uma objetividade completa nesses assuntos (o que de fato ocorre), é melhor permitir que os sentimentos levem a melhor. Conforme observou Robert Solow, isso é o mesmo que dizer que, como é impossível um ambiente perfeitamente asséptico, é válido fazer uma cirurgia num esgoto [...]. [87]

Estando o presente trabalho circunscrito ao debate do alcance em nível conceitual da expressão “pessoa portadora de deficiência”, nos termos do art. 37, inciso VIII, da Constituição Federal, não é demais consignar que a configuração deste termo se apresenta numa dimensão fenomênica “complexa” ou “divisível”, não se podendo afastar aprioristicamente qualquer tipo de limitação funcional virtualmente manifestada nas pessoas. Esta premissa permeia a hipótese desta pesquisa, ora mais vidente, ora subjacente. Nesse sentido, permita-se evocar Mário Ferreira dos Santos em sua profícua discussão a respeito de conceito, a fim de deixar sempre claro a natureza deste debate, in verbis:

Propriamente, o exame que fizemos da ideia corresponde, por sua vez, ao conceito, pois tais termos são tomados, na Lógica, como sinónimos. Desse modo, tudo quanto propusemos à ideia corresponde ao que se pode dizer quanto ao conceito. As classificações que oferecemos não são as únicas que propõem os lógicos. Há outras, sobre as quais passaremos a tratar. (grifos inseridos)

[...]

Há ideias simples e indivisíveis em si mesmas, como a de homem, vermelho, animal racional, que formam uma essência, da qual nada podemos extrair, sob pena de lhes tirarmos a essência, transformando-as em outras coisas. Tais ideias ou conceitos chamam-se incomplexos, ou indivisíveis.

Outros, porém, chamados complexos ou divisíveis, são os possuidores de várias essências ou conteúdos noético-eidé-ticos, tais como "a casa amarela da serra". [88]

Assim, desde já, que a expressão “pessoa portadora de deficiência” no âmbito do art. 37, inciso VIII, da Constituição Federal, necessita de reflexão mais aprofundada e crítica, de modo a possibilitar interpretação a mais próxima possível da realidade social vigente, acompanhando suas mudanças. Dessa forma, entende-se, que o enunciado da Carta Magna deste inciso dota a expressão “pessoa portadora de deficiência” de caráter mais expansivo do que a princípio poderia se supor.

Tal enunciado constitucional é de eficácia limitada, conforme se abordou alhures, mais uma razão para se admitir a possibilidade de que a regulamentação efetuada mediante lei esteja em descompasso com a sociedade para a qual é direcionado. Torna-se forçoso trazer à baila reflexão de Paulo Gustavo Gonet Branco sobre esse particular:

De fato, a Constituição, além de normas de índole análoga à dos ramos infraconstitucionais do Direito, está marcada, no atual momento do constitucionalismo, pela presença de normas que apenas iniciam e orientam a regulação de certos institutos, deixando em aberto, tantas vezes, o modo e a intensidade de como se dará a sua concretização por parte dos órgãos políticos. Não há coincidência, nesse aspecto, com a estrutura normativa típica das leis. A Constituição, em tantos dos seus dispositivos, assume o feitio de um ordenamento-marco, estipulando parâmetros e procedimentos para a ação política. Percebe-se que o método clássico não foi concebido para esses casos e se sente a necessidade de alternativas para lidar com preceitos desse cariz. (grifos inseridos) [89]

Segundo Alexandre de Moraes afirma que, acatando-se o pressuposto da supremacia das normas constitucionais, a hermenêutica de seus dispositivos devem observar determinados princípios e regras. Alexandre de Moraes, em evidente inspiração em doutrinadores clássicos do constitucionalismo contemporâneo, particularmente, José Joaquim Gomes Canotilho, in verbis:

Partindo-se da premissa fundamental da supremacia das normas constitucionais, são os seguintes os princípios e regras interpretativas das normas constitucionais:

a)   Da unidade da constituição: a interpretação constitucional deve ser realizada de maneira a evitar contradições entre suas normas. Assim, a análise sistêmica do texto magno é impositiva e primordial, pois, como salienta Canotilho, o intérprete deve ‘considerar a constituição na sua globalidade e procurar harmonizar os espaços de tensão existentes entre as normas constitucionais a concretizar’ [...];

b)   Do efeito integrador: na resolução dos problemas jurídico-constitucionais, deverá ser dada maior primazia aos critérios favorecedores da integração política e social, bem como ao reforço da unidade política;

c)   Da máxima efetividade ou da eficiência: a uma norma constitucional deve ser atribuído o sentido que maior eficácia conceda-lhe. Consequentemente, todas as normas constitucionais têm validade, não cabendo ao intérprete optar por umas em detrimento total do valor de outras;

d)   Da justeza ou da conformidade funcional: os órgãos encarregados da interpretação da norma constitucional não poderão chegar a uma posição que subverta, altere ou perturbe o esquema organizatório-funcional constitucionalmente estabelecido pelo legislador constituinte originário;

e)   Da concordância prática ou da harmonização: exige-se a coordenação e combinação dos bens jurídicos em conflito, de forma a evitar o sacrifício total de uns em relação aos outros;

f)    Da força normativa da constituição: entre as interpretações possíveis, deve ser adotada aquela que garanta maior eficácia, aplicabilidade e permanência das normas constitucionais [...] [90]

A interpretação adequada do inciso VIII do artigo 37 da Constituição Federal só será consentânea à luz de princípios e valores que dão sentido ao modelo de sociedade que se está construindo, tais como da dignidade da pessoa humana, da igualdade, que norteiam a própria Lei Maior. No presente caso, trata-se de “pessoa portadora de deficiência”, que exige tratamento diferenciado, a fim de poder interagir no meio ambiente e ter acesso às oportunidades de trabalho público em iguais condições às pessoas que não possuem nenhum tipo de obstáculo. Nesse sentido, cabe evocar Nagib Slaibi Filho:

Os princípios fundamentais, também chamados princípios estruturantes, têm relevante função na indicação dos valores que devem predominar no processo hermenêutico, isto é, o de descoberta do sentido da norma constitucional. Os princípios fundamentais estão muito além de indicadores da atuação do Estado, pois consubstanciam os valores de suprema importância na organização da sociedade brasileira. [91] (grifos inseridos)

No caso do princípio da dignidade da pessoa humana, Nagib Slaibi Filho enaltece o humanismo que é o sentido profundo e o significado do ser ontológico nas suas dimensões existenciais, in verbis:

Como fundamento da atividade estatal, a Constituição coloca a dignidade da pessoa humana, o que significa, mais uma vez, que o homem é o centro, sujeito, objeto, fundamento e fim de toda a atividade pública. (grifos inseridos)

O princípio democrático do poder exige que à pessoa humana, na inteireza de sua dignidade e cidadania, se volte toda a atividade estatal.

Nesse aspecto, na interpretação axiológica, que leva em conta os valores protegidos pela norma jurídica, pode-se dizer que o valor supremo da Constituição é o referente à dignidade da pessoa humana. [92] (grifos inseridos)

Consoante Alexandre de Moraes, o princípio da dignidade da pessoa humana se apresenta em duas perspectivas: uma com conotação protetiva do indivíduo na sua relação com o Estado e as demais pessoas, enquanto outra se reveste de dever axial de tratamento igual entre os cidadãos. Segundo o Autor, este último aspecto de “dever fundamental”, remonta a três princípios romanos, sendo oportuno transcrever seu raciocínio:

O princípio fundamental consagrado pela Constituição Federal da dignidade da pessoa humana apresenta-se em uma dupla concepção. Primeiramente, prevê um direito individual protetivo, seja em relação ao próprio Estado, seja em relação aos demais indivíduos. Em segundo lugar, estabelece verdadeiro dever fundamental de tratamento igualitário dos próprios semelhantes. (grifos inseridos)

Esse dever configura-se pela exigência de o indivíduo respeitar a dignidade de seu semelhantes tal qual a Constituição Federal exige que lhe respeitem a própria. A concepção dessa noção de dever fundamental resume-se a três princípios do Direito Romano: honestere vivere (viver honestamente), alterum non laedere (não prejudique ninguém) e suum cuique tribuere (dê a cada um o que lhe é devido). [93]

Uadi Lammêgo Bulos comunga da transversalidade do princípio da dignidade da pessoa humana, segundo o qual ocupa uma posição de vértice entre os demais princípios constitucionais, conforme se depreende de sua assertiva abaixo:

A dignidade da pessoa humana, enquanto vetor determinante da atividade exegética da Constituição de 1988, consigna um sobreprincípio, ombreando os demais pórticos constitucionais, como o da legalidade (art. 5º, III), o da liberdade de profissão (art. 5º, XIII), o da moralidade administrativa (art. 37) etc. Sua observância é, pois, obrigatória para a interpretação de qualquer norma constitucional, devido à força centrípeta que possui, atraindo em torno de si o conteúdo de todos os direitos básicos e inalienáveis do homem. [94]

No que tange ao princípio da igualdade, Nagib Slaibi Filho afirma que este princípio encontra-se inserto no contexto dos direitos e garantias fundamentais, o que, segundo o autor, indica a sua relevância do ser existencial, que busca interagir na sociedade, assumindo e desempenhando papéis para o seu desenvolvimento e o da própria sociedade, in verbis:

Para realçar o princípio de isonomia, também chamado de princípio de igualdade perante a lei ou o princípio de igualdade formal, o mesmo veio inscrito no caput do artigo introdutório dos direitos e garantias fundamentais, juntamente com os direitos fundamentais de vida (o da existência do ser), de liberdade (que propicia o desenvolvimento do ser, facultando-lhe os espaços sociais e materiais necessários para a integração de sua personalidade), de segurança (que é o de manter os espaços sociais e materiais já alcançados) e o direito de propriedade (espécie do direito de segurança, que é usufruir as utilidades materiais dos bens incorporados em seu patrimônio. [95] (grifos inseridos)

Ao tangenciar especificamente sobre o princípio da igualdade para os portadores de deficiência no âmbito do direito do trabalho, no contexto do art. 7º, inciso XXXI, da Constituição Federal, Nagib Slaibi Filho afirma:

A regra de igualdade formal, esculpida na Constituição, não significa que os desiguais sejam tratados com igualdade.

[...]

Vê-se, assim, que não se trata, na realidade, de igualdade de direitos, mas de dação de oportunidades iguais a todos – poder-se-ia dizer que o princípio tem o nome de igualdade de oportunidades: a regra do artigo 7º, inciso XXXI, que defere prerrogativas aos portadores de deficiência física, na verdade, ao lhes propiciar maiores condições, não os coloca em posição de supremacia, mas, sim, de igualdade de condições. (grifos inseridos) [96] (grifos inseridos)

Essa interpretação dada por Nagib Slaibi Filho ao disposto art. 7º, inciso XXXI, da Constituição Federal, é perfeitamente aplicável também à expressão “pessoa portadora de deficiência” contida no art. 37, inciso VIII, da Carta Magna. Nas duas situações o propósito é de garantir igualdade concreta de oportunidade. A analogia entre os dois dispositivos é possível em função da similaridade de situações que enfrenta. Nesse, cabe mais uma vez transcrever assertiva de Nagib Slaibi Filho a respeito do princípio da igualdade:

Ao afirmar que todos são iguais perante a lei, pretende a Constituição que somente ela pode criar tratamento desigual para pessoas em igualdade de condições e, realmente, ela o faz, por exemplo, ao conferir prerrogativas funcionais que, aliás, não protegem o servidor, mas o exercício de sua atividade, pelo que o mesmo dela não pode renunciar. [97] (grifos inseridos)

Na mesma linha de raciocínio a respeito do princípio da igualdade segue Uadi Lammêgo Bulos, o qual propugna uma perspectiva ponderada e esclarecedora, que busca maior ancoragem com a concretude, portanto, numa perspectiva realística, in verbis:

Os homens nunca foram iguais e jamais o serão no plano terreno. A desigualdade é própria da condição humana. (grifos inseridos). Por possuírem origem diversa, posição social peculiar, é impossível afirmar-se que o homem é totalmente idêntico ao seu semelhante em direitos, obrigações, faculdades e ônus. Daí se buscar uma igualdade proporcional, porque não se pode tratar igualmente situações provenientes de fatos desiguais. O raciocínio que orienta a compreensão do princípio da isonomia tem sentido objetivo: aquinhoar igualmente os iguais e desigualmente as situações desiguais. Dessa maneira, atribui-se ao princípio sentido real e não nominal, igualdade integral e não incidental ou particular, porquanto a igualdade consiste em assegurar aos homens que estão equiparados os mesmos direitos, benefícios e vantagens, ao lado dos deveres correspondentes. O mesmo ocorre em relação àqueles que estiverem desequiparados, os quais deverão receber o tratamento que lhes é devido à medida de suas desigualdades. [98] (grifos do Autor)

Por outro lado, Uadi Lammêgo Bulos reconhece a dificuldade na interpretação e aplicação adequadas do princípio da igualdade, in verbis:

A noção de situação idêntica leva-nos, inexoravelmente, à interrogativa: no caso sub judice, o que podemos entender por igual ou desigual, identifico ou diferente, equiparado ou desequiparado? Quando utilizamos a locução situação idêntica, queremos expressar a sua dimensão no seguinte sentido: os iguais devem ser tratados igualmente e os desiguais desigualmente. Entretanto, o critério para se auferir, no caso sub judice, o que seja igual ou desigual, idêntico ou diferente, equiparado ou desequiparado está em aberto. Inexiste qualquer exatidão a respeito desses vocábulos [...] [99]

Antes de se avançar na interpretação e aplicação de princípios constitucionais, entende-se oportuno trazer à tona os ensinamentos de Luís Roberto Barroso, segundo o qual há necessidade de utilização de critérios ao lidar com o princípio da igualdade, por exemplo. Assim, Luís Roberto Barroso considera a razoabilidade e a proporcionalidade como mecanismos essenciais na busca de hermenêutica equilibrada da isonomia, in verbis:

Estabelecida a premissa de que é possível distinguir pessoas e situações para o fim de lhes dar tratamento jurídico diferenciado, cabe determinar os critérios que permitirão identificar as hipóteses em que as desequiparações são juridicamente toleráveis [...]

Parece-me, contudo, que a compatibilização entre a regra isonômica (na vertente do tratamento desigual) e outros interesses prestigiados constitucionalmente exige que se recorra à ideia de proporcionalidade. Somente assim se poderá obter um equilíbrio entre diferentes valores a serem preservados.

[...]

Vê-se, assim, que é possível discriminar em prol dos desfavorecidos economicamente, em detrimento dos mais abonados. Mas o tratamento desigual há de encontrar limites de razoabilidade para que seja legítimo. Este limite poderá vir expresso ou implícito no texto constitucional, e a conciliação que se faz necessária exige a utilização de um conceito flexível, fluido, como o de proporcionalidade. (grifos inseridos) [100]

Os sentidos de razoabilidade e proporcionalidade dados por Luís Roberto Barroso contêm ideias, tais como, meio empregado, a teleologia pleiteada, bem como sopesamento de custo e benefício, de modo a se verificar o grau de legitimidade da medida, in verbis:

Além da adequação entre o meio empregado e o fim perseguido, a ideia de razoabilidade compõe-se ainda de mais dois elementos. De um lado, a necessidade ou exigibilidade da medida, que impõe verificar a inexistência de meio menos gravoso para a consecução dos fins visados [...].

Por fim, a razoabilidade deve embutir, ainda, a ideia de proporcionalidade em sentido estrito, que é a ponderação entre o ônus imposto e o benefício trazido, para constatar se a medida é legítima [...].

[...]

O princípio da razoabilidade necessariamente interage com o da isonomia. Em face da constatação de que o legislar, em última análise, consiste em discriminar situações e pessoas por variados critérios, a razoabilidade é o parâmetro pelo qual se vai aferir se o fundamento da diferenciação é aceitável e se o fim por ela visado é legítimo. [101]

Particularmente no que tange ao princípio da igualdade, Luciana Toledo Távora Niess e Pedro Henrique Távora Niess são críticos quanto ao teor do inciso VIII do art. 37 da Constituição Federal, in verbis:

Ou seja, nada se deu ao portador de deficiência que extravase o seu direito de disputar vagas no serviço público em pé de igualdade com os outros concorrentes – aqueles também portadores de deficiência – a fim de tornar reais suas chances de classificação, diminuídas, em relação aos que não portam deficiência, não só em função da deficiência em si, mas dos transtornos que ela acarreta no próprio aprendizado recebido nas escolas, na formação profissional, no dia-a-dia, sempre mais difícil até nas coisas aparentemente simples. [102]

Segundo Luciana Toledo Távora Niess e Pedro Henrique Távora Niess, há de se aplicar de forma distinta o princípio da igualdade até mesmo no próprio segmento de pessoas portadoras de deficiência, particularmente em concurso público, haja vista as diferenças de limitações identificadas entre tais pessoas, o que já foi referenciado alhures. In verbis:

[...]

Não é correto, pois, submeter os portadores de deficiências sensoriais e mentais que disputam vagas, nos concursos públicos e vestibulares, a provas com questões a que se submetem os que são livres de deficiências e os portadores de deficiência física, as quais, por seu conteúdo, sejam discriminatórias daquelas primeiras deficiências, porque ao portador de deficiência sensorial ou mental será provavelmente mais difícil alcançar a nota mínima.

[...]

Igualmente a surdez tem suas peculiaridades, o que a distingue da cegueira, façam parte, embora, a deficiência visual e a auditiva, das deficiências sensoriais. [103]

As críticas suscitadas pelos autores ainda se mostram atuais, na medida em que o próprio conceito de deficiência, particularmente sob o enfoque dado pelo Decreto nº 6.949/2009 – que incorporou a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo – ainda não gerou os reflexos suficientes no Decreto nº 3.298/99, quer dizer, na definição e na classificação. Também não se verifica tratamento distinto de “pessoas portadoras de deficiência”, com base em seus graus de obstáculos e condições distintas vivenciadas, bem como a natureza peculiar da deficiência.

Entende-se que, sendo o trabalho um aspecto estrutural na existência humana, o seu acesso deve ser amplo e despido de preconceito, discriminação ou de barreiras de cunho ideológico ou socioeconômico. Nesse sentido, cabe aqui evocar as reflexões de Sandro Nahmias Melo a respeito da matéria:

[...] O direito à igualdade, por considerar positivamente as diferenças humanas, é o verdadeiro alicerce de todos os direitos constitucionalmente conferidos às pessoas portadoras de deficiência.

Assim, o princípio constitucional da igualdade, no decorrer deste estudo, é considerado como instrumento hábil para remoção dos obstáculos de acesso ao emprego impostos às pessoas portadoras de deficiência, bem como fundamento dos instrumentos destinados a ultrapassar a real desigualdade entre os cidadãos. [104].

Aprofundando a interpretação do princípio da igualdade sob o enfoque da “pessoa portadora de deficiência” no contexto do trabalho, o que certamente pode ser aplicado ao disposto no art. 37, inciso VIII, da Constituição Federal, Sandro Nahmias Melo defende a necessidade de ‘discriminação’ para possibilitar o mínimo de igualdade, conforme se depreende de sua assertiva abaixo:

Assim, é dentro deste binômio discriminação-razoabilidade que se busca, com o presente trabalho, evidenciar que, para que o princípio da igualdade seja efetivado, seja eficaz, há que existir discriminação, positivamente considerada, em proveito de determinadas pessoas ou grupos sociais.

Como será analisado de maneira minuciosa adiante, é virtualmente impossível cogitar-se em igualdade, no que tange às oportunidades de trabalho, para as pessoas portadoras de deficiência, sem admitir a existência de práticas discriminatórias (legítimas).

No mais, a razoabilidade deve pautar todas as ações discriminatórias, pois, como se apontou, o excesso conduz a práticas discriminatórias odiosas. Mesmo porque, não se pode olvidar que nem todo tipo de atividade pode ser exercida pela pessoa portadora de deficiência, se não adequada às suas respectivas limitações. [105]

De acordo com Sandro Nahmias Melo, no caso específico do segmento de pessoas portadoras de deficiência, a Constituição Federal busca dar maior concretude ao princípio da igualdade, de modo a transcender a igualdade diante da lei, a fim de propiciar a igualdade na lei, senão vejamos:

Ao lado da igualdade formal, ou igualdade perante a lei, devemos destacar a igualdade material ou igualdade na lei. Neste caso verificamos que Constituição ao mesmo tempo que proíbe a discriminação desarrazoada, cuida de realçar direitos de pessoas ou grupos, os quais necessitam de proteção especial, especificando ou diferenciando tais situações. Grupos estes como o das pessoas portadoras de deficiência que só têm a igualdade efetivada, garantida, com a adoção de ações positivas por parte do Estado.

O princípio da igualdade, em sua vertente formal (igualdade perante a lei), refere-se tão-somente à aplicação do direito com relação à coletividade sem qualquer tipo de distinção. [106]

José Afonso da Silva em hermenêutica do art. 5º, caput, da Constituição Federal, tem a concepção de que a desigualdade compõe a realidade social, razão pela qual entende o Autor da necessidade de se buscar ‘igualização’ entre ‘desiguais’, o que certamente deve ser considerado para melhor delineação da amplitude do disposto no art. 37, inciso VIII, da Carta Magna. Nesse sentido, cabe aqui transcrever os comentários a respeito do princípio da igualdade feitos por José Afonso da Silva:

[...] Porque existem desigualdades, é que se aspira à igualdade real ou material que busque realizar a igualização das condições desiguais, do que se extrai que a lei geral, abstrata e impessoal que incide em todos igualmente, levando em conta apenas a igualdade dos indivíduos e não a igualdade dos grupos, acaba por gerar mais desigualdades e propiciar a injustiça, daí por que o legislador, sob ‘o impulso das forças criadoras do direito [como nota Gerges Sarotte], teve progressivamente de publicar lei setoriais para poder levar em conta diferenças nas formações e nos grupos sociais: o direito do trabalho é um exemplo típico’. (grifos inseridos) [107]

Com base em José Afonso da Silva, verifica-se a importância de interpretação sistemática do art. 37, inciso VIII, combinado com o art. 227, inciso II e art. 5º, caput, todos da Constituição Federal. No caso em análise, que é a identificação da amplitude da expressão “pessoa portadora de deficiência” para fins de concorrência a cargos e empregos públicos, o princípio da igualdade há de ser interpretado na concretude e em associação aos demais dispositivos constitucionais correlatos (art. 37, inciso VIII; art. 227, inciso II), senão corre-se o risco de não observar as diferenças de segmentos e de indivíduos. Nesta última hipótese, tem-se o que os doutrinadores denominam de igualdade formal, quer dizer, sem efeito prático, conforme se depreende da afirmativa abaixo de José Afonso da Silva:

Nossas constituições, desde o Império, inscreveram o princípio da igualdade, como igualdade perante a lei, enunciado que, na sua literalidade, se confunde com a mera isonomia formal, no sentido de que a lei e sua aplicação tratam a todos igualmente, sem levar em conta as distinções de grupos. A compreensão do dispositivo vigente, nos termos do art. 5º, caput, não deve ser assim tão estreita. O intérprete há que aferi-lo com outras normas constitucionais [...] especialmente, com as exigências da justiça social, objetivo da ordem econômica e da ordem social. [108]

Nessa mesma linha de raciocínio segue Ariolino Neres Sousa Júnior em análise direcionada sistema de cotas no mercado de trabalho para pessoas portadoras de deficiência, in verbis:

[...] observamos que a igualdade material tem a preocupação de estabelecer um tratamento equânime e uniformizado para todos os cidadãos, na busca pela fruição dos seus direitos, a fim de que suas individualidades possam ser respeitadas. Quanto à igualdade formal, ela visa aplicar tão somente a legislação pura, sem levar em consideração as diferenças e os atributos inerentes de cada ser humano [...] [109]

Ainda segundo Ariolino Neres Sousa Júnior, a doutrinadora Lutiana Lorentz tem o seguinte entendimento a respeito da igualdade no que tange às pessoas com deficiência, cujos comentários pontuam aspectos concretos desses indivíduos que passam a exigir um tratamento diferenciado, senão vejamos:

Faz-se ‘referência à igualdade como norma constitucional, tendo em vista que ela deve ser lida como a obrigatoriedade de tratamento isonômico a todos os cidadãos, ao mesmo tempo em que possibilita tratamentos diferenciados a pessoas ou grupos que, por sua qualidade diferencial ou desequilíbrio fático em relação ao resto da sociedade, necessitam de um tratamento diferenciado, justamente porque igualdade pressupõe o respeito e a preservação das diferenças individuais e grupais ou da diversidade que é inerente à natureza humana’. [110] (grifos inseridos)

Conforme preleciona Luís Roberto Barroso, o enunciado normativo per se não é clarificador o suficiente para solucionar todas as questões postas, uma vez que a própria atividade de interpretação é uma construção da norma. A hermenêutica mais moderna rechaça a ideia de se buscar um sentido originário, o conteúdo primeiro, a ser revelado pela norma, porquanto o intérprete tornou-se ativo nesse processo. In verbis:

Com o avanço do direito constitucional, as premissas ideológicas sobre as quais se erigiu o sistema de interpretação tradicional deixaram de ser integralmente satisfatórias. Assim: (i) quanto ao papel da norma, verificou-se que a solução dos problemas jurídicos nem sempre se encontra no relato abstrato do texto normativo. Muitas vezes só é possível produzir a resposta constitucionalmente adequada à luz do problema, dos fatos relevantes, analisados topicamente; (ii) quanto ao papel do juiz, já não lhe caberá apenas uma função de conhecimento técnico, voltado para revelar a solução contida no enunciado normativo. O intérprete torna-se co-participante do processo de criação do Direito, completando o trabalho do legislador, ao fazer valorações de sentido para as cláusulas abertas e ao realizar escolhas entre soluções possíveis. [111]

Seguindo esse raciocínio é forçoso reconhecer que o disposto no art. 37, inciso VIII, da Constituição Federal, particularmente a expressão “pessoa portadora de deficiência” não pode ser representada de forma estanque por uma taxonomia, ainda que supostamente exaustiva, senão corre-se o risco de não incluir outras pessoas portadoras de deficiências não aparentes. Nesta última hipótese, haverá certamente uma ofensa direta ao princípio da igualdade.

O conceito da expressão “pessoa portadora de deficiência” que serviu de parâmetro para elaboração da definição e da classificação, as quais estão contidas no Decreto nº 3.298/99, certamente se encontra em descompasso com a realidade atual, ainda mais se considerar a perspectiva de “conceito em evolução” dada pela Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo.

Dessa forma, com base na análise feita até aqui, pode-se constatar, ainda que com viés parcial do problema posto, a amplitude do disposto no art. 37, inciso VIII, da Constituição Federal, não se pode excluir aprioristicamente determinadas doenças e certas deficiências não claramente identificáveis na Lei 7.853/89, Decreto 3.298/99 ou Lei 8.112/90, para efeito de participação em concurso público nas vagas definidas para o segmento de “pessoas portadoras de deficiência”.

4.2 Jurisprudência do STF e editais de concurso público

Observa-se que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal – STF – parece não se debruçar mais a respeito do conceito e muito menos da definição ou enquadramento de deficiência para efeito de concurso público, nos termos estabelecidos no art. 37, inciso VIII, regulamentado por meio da Lei 7.853/89 e Decreto nº 3.298/99.

Dessa forma, foi realizada no repositório jurisprudencial no sítio daquela Corte, período de 21.08.2014 a 22.08.2014, utilizando-se os verbetes “Deficiência e Conceito” (9 acórdãos), “Deficiência e Definição” (30 acórdãos) e “Deficiência e Concurso” (98 acórdãos), com recorte temporal de 2007 a 2014, excluindo-se as demandas não relacionadas à presente temática, de modo que foram analisadas as ementas por amostragem e na sequência de disponibilização nas páginas de consulta. Considerou-se como marco jurídico a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, assinados em Nova York, em 30 de março de 2007, em que o Brasil figurou como Estado-parte.

O acórdão ARE 685606 AgR /RJ, julgado em 24.06.2014, de relatoria do Ministro Luís Roberto Barroso, é representativo do no sentido de que o STF afasta apreciar o mérito no que tange à definição ou enquadramento de pessoa em concurso público na condição de deficiente, remetendo a questão para a legislação infraconstitucional, particularmente a Lei 7.853/89, Decreto nº 3.298/99 e Lei 8.112/90. Note-se que o conceito sequer é tangenciado, nesse sentido, cabe transcrever trecho da fundamentação do referido aresto:

3. Por fim, verifica-se que, tal como assentou a decisão agravada, para dissentir do entendimento do Tribunal de origem, seria necessário nova apreciação dos fatos e do material probatório constantes dos autos, bem como a análise das cláusulas editalícias que regem o concurso ora em debate, o que não tem lugar neste momento processual. A hipótese atrai a incidência das Súmulas 279 e 454/STF [...] [112] (grifos inseridos)

Com base na consulta realizada no repositório jurisprudencial do STF, verifica-se que o posicionamento desta corte se mostra sedimentado quanto à questão ora posta. Nos acórdãos mais recentes remete-se ao entendimento que já vem se adotando, que afasta qualquer tipo de discussão a respeito da definição ou enquadramento de deficiente para efeito de concurso público, na forma enunciada no art. 37, inciso VIII, da Constituição Federal. A título de ilustração, no aresto analisado anteriormente, faz-se remissão a vários julgados de semelhante decisão, sendo representativo o indicado abaixo, que evidencia a fundamentação jurídica:

Conforme consignado na decisão impugnada, o acórdão recorrido decidiu a questão dos autos – ilegalidade da exclusão da parte recorrida na condição de concorrente a uma vaga de deficiente físico –, com base no conjunto fático-probatório e no edital que rege o certame.

Assim, saliento que a resolução da lide implica obrigatoriamente a revisão dos fatos e provas analisados, bem como das regras do edital do concurso, providência vedada em sede de recurso extraordinário. Incidem, no caso, os Enunciados 279 e 454 da Súmula do STF. (grifos inseridos) [113]

Ainda é oportuno transcrever o aresto ARE 768402 AgR / RJ, de relatoria do Ministro Dias Toffoli, julgado em 17.12.2013, em que fica ainda mais clarificada essa argumentação recorrente utilizada no Supremo Tribunal Federal ao se debruçar na definição ou enquadramento de “pessoa portadora de deficiência”, na forma descrita no art. 37, inciso VIII, da Constituição Federal. Frise-se que o conceito da referida expressão não chegar a ser aventada, ainda, que para afastar o enfrentamento do tema, in verbis:

[...]

Conquanto a Constituição Federal haja assegurado a reserva de vagas para os participantes de concurso público que possuam algum tipo de deficiência física, a definição dos casos que se caracterizam como deficiência para o citado fim compete à legislação infraconstitucional, sendo certo que a verificação do enquadramento do candidato nas hipóteses previstas em lei não prescinde da análise do contexto fático. (grifos inseridos)

No presente feito, a Corte de origem limitou-se a analisar a situação do candidato à luz dos entendimentos jurisprudenciais sobre a matéria firmados a partir da análise das normas infraconstitucionais que regulam a participação de candidatos portadores de deficiência física em concursos públicos. (grifos inseridos)

Desse modo, para acolher a tese do agravante de que o agravado não seria deficiente físico, de acordo com as previsões legais aplicáveis, seria necessário interpretar a legislação infraconstitucional pertinente e reexaminar o conjunto fático-probatório da causa, o que é inviável em recurso extraordinário.Incidência da Súmula nº 279/STF.(grifos inseridos) [114]

É interessante notar que em consulta por amostragem aleatória de editais recentes de concurso público, verifica-se que a definição de deficiência remete à Lei 7.853/89, ao Decreto nº 3.298/99 e à Lei 8.112/90, conforme abaixo o Edital nº 01/2014 do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª. Região, cargo de Analista Judiciário (Tecnologia da Informação):

[...]

1. Às pessoas com deficiência que pretendam fazer uso das prerrogativas que lhes são facultadas no inciso VIII do artigo 37 da Constituição Federal e na Lei nº 7.853/89 é assegurado o direito de inscrição para os cargos em Concurso Público, cujas atribuições sejam compatíveis com a deficiência que possuem.

2. Em cumprimento ao disposto no § 2º do artigo 5º da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990, bem como na forma do Decreto nº 3.298, de 20 de dezembro de 1999, ser-lhes-á reservado o percentual de 5% (cinco por cento) das vagas existentes, que vierem a surgir ou forem criadas no prazo de validade do Concurso, para os Cargos/Áreas/Especialidades.

3. Consideram-se pessoas com deficiência aquelas que se enquadram nas categorias discriminadas no artigo 4º do Decreto Federal nº 3.298/99 e suas alterações, e na Súmula 377 do Superior Tribunal de Justiça - STJ. [115]

[...]

De forma semelhante, o Edital nº 01 – AGU-SEP/PR, de 29 de abril de 2014, da Advocacia-Geral da União e Secretaria de Portos da Presidência da República, concurso público para provimento de vagas em cargos de nível superior e nível intermediário, deixa claro a definição de concorrência para concorrência aos cargos direcionados do segmento de “pessoas portadores de deficiência”, nos termos do art. 37, inciso VIII, da Constituição Federal. Remete-se ao art. 4º do Decreto nº 3.298/99 para fins de definição e enquadramento, in verbis:

[...]

4.1 As pessoas com deficiência, assim entendido aquelas que se enquadram nas categorias discriminadas no art. 4º do Decreto Federal nº 3.298/99 e suas alterações, bem como os candidatos com visão monocular, conforme Súmula 377 do Superior Tribunal de Justiça e Enunciado AGU 45, de 14 de setembro de 2009, têm assegurado o direito de inscrição no presente Concurso Público, desde que a deficiência seja compatível com as atribuições do cargo para o qual concorram. (grifos inseridos) [116]

[...]

Verifica-se, então, que a amplitude do conceito de “pessoa portadora de deficiência” contida no Decreto Legislativo nº 186/2008, que incorporou a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e de seu Protocolo Facultativo, assinados em Nova Iorque, em 30 de março de 2007, parece ainda não refletir nos editais de concurso de cargos e empregos públicos. Em tal convenção admitiu-se que “deficiência é um conceito em evolução”, na forma de sua alínea “e” do Preâmbulo.

No âmbito da discussão realizada nesta pesquisa, pode-se afirmar que a amplitude constitucional a ser atribuída à expressão “pessoas portadoras de deficiência” deve observar os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da igualdade, o que implica admitir a priori o problema não reside, de modo nenhum, na deficiência em si que recai sobre o ser existente. Em segundo lugar, não se pode afastar aprioristicamente do conceito de deficiência qualquer condição e situação que exija tratamento diferenciado, sob pena de prejudicar a concorrência no concurso público em igualdade. Nesse sentido, muito embora deficiência e doença sejam situações distintas, ambas apresentam efeito prático muito semelhante em diversos casos concretos. Seria, então, de se equiparar doença à condição de deficiência, a fim de atender o disposto no art. 37, inciso VIII, da Constituição Federal.

Em terceiro lugar, devem-se considerar concretamente os mecanismos e alternativas para dotar as “pessoas portadoras de deficiência” com condições e em situações que as coloquem em níveis equivalentes às pessoas que não apresentam nenhuma deficiência, de modo a possibilitar concorrência em igualdade em concurso público, na forma do art. 37, inciso VIII, da Constituição Federal.

Por último, sendo o conceito de deficiência em “evolução”, não se pode descrever de antemão todas as barreiras e obstáculos que impedem as “pessoas portadoras de deficiência” de disputarem em nível de igualdade as oportunidades de concurso público, conforme define o art. 37, inciso VIII, da Constituição Federal. Por outro lado, não se pode olvidar daquelas barreiras já identificadas no próprio meio em si nos seus matizes e as comportamentais oriundas da alteridade.

Sabe-se da existência de leis esparsas relacionadas a determinadas doenças com propósitos específicos, tais como, previdenciário, tributário etc., que poderiam servir de fundamento para inserção de pessoas acometidas com tais moléstias num certame, nos termos do art. 37, inciso VIII, da Constituição Federal. Para isso, no entanto, há necessidade de ingressar com ação administrativa ou mesmo judicial, já que os concursos públicos são regidos por editais, os quais estão vinculados às definições e classificações definidas na Lei 7.853/89, Decreto 3.298/99 e Lei 8.112/90, conforme visto anteriormente.

Não se arrisca aqui a atribuir um conceito específico, já que a “apreensão intelectual” da questão ora posta exige atuação interdisciplinar que contemple, por exemplo, médicos, psicólogos, fisioterapeutas, sociólogos, juristas, peritos, filósofos, associações de categorias etc. Pode-se, no entanto, afirmar que a definição presente na legislação de concurso público encontra-se em descompasso com a realidade, exigindo-se um retorno ao debate conceitual para plasmar nova definição.


CONCLUSÃO

A presente pesquisa permitiu compreender que o enfrentamento da amplitude constitucional da expressão “pessoa portadora de deficiência” para efeito de participação em concurso de cargos e empregos públicos, na forma do contido no art. 37, inciso VIII, exige o reconhecimento da precedência lógico-racional do conceito em relação à sua definição e à sua classificação. Nesse exercício de apreensão intelectual do ser – da essencialidade de deficiência – no máximo de sua extensão e possibilidade, há de se atentar para os princípios constitucionais estruturantes do Estado Democrático de Direito, quais sejam, da dignidade da pessoa humana e da igualdade. Não se pode olvidar que esse exercício de busca do alcance do termo em debate tem por finalidade a sua definição, por meio de atributos, qualificativos e características, que seja a mais representativa possível da abstração conceitual.

Dessa forma, pôde-se depreender no transcorrer deste trabalho que o tema a ser aprofundado não reside na utilização da definição ou da taxionomia para se enquadrar determinada deficiência ou doença equiparável àquela na legislação infraconstitucional que regulamentou o art. 37, inciso VIII, da Constituição Federal, a fim de que a pessoa em tais condições obtenha o direito de concorrer em concurso a cargos e empregos públicos de forma diferenciada. Nesse sentido, a indicação de doença com efeito funcional limitador semelhante à deficiência no contexto do dispositivo em análise, ocorreu somente como conjectura científica com viés provocativo.

Constatou-se que o reconhecimento de que a deficiência “é um conceito em evolução”, na forma declarada na Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, a qual foi incorporada ao ordenamento com status de Emenda Constitucional por meio do Decreto Legislativo 186/2008, ainda não se fez refletir na legislação infraconstitucional que regulamentou o art. 37, inciso VIII, da Constituição Federal, conforme análise feita a partir da doutrina, jurisprudência do STF e de editais recentes de concurso público.

A existência de leis esparsas sobre deficiência ou doenças crônicas que potencialmente poderiam ser aplicadas para efeito de enquadramento no Decreto 3.298/99 ou da Lei 8.112/90 quer seja pela via administrativa ou judicial, não elide a necessidade de se retornar ao nível da discussão conceitual de deficiência, no nível do seu ser ontológico.

Por fim, cabe registrar que se  permitir à discussão da amplitude constitucional da expressão “pessoa portadora de deficiência” para os efeitos previstos no art. 37, inciso VIII, da Constituição Federal, requer um fórum abrangente de debate que transcende o ramo jurídico. Entende-se, ainda, que o desafio a ser enfrentado por esse empreendimento não afronta, de modo nenhum, a segurança jurídica, mas possibilita a aplicação do princípio da igualdade na sua perspectiva material.


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Notas

[1] BRASIL. Constituição (1988). Constituição federal. 14. ed. São Paulo: Rideel, 2012, p. 36.

[2] SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à constituição. 8. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2005, p. 339.

[3] MORAES, Alexandre. Direito constitucional. 19. ed. São Paulo: Atlas, 2006, p. 7.

[4] ARAUJO, Luiz Alberto David. A proteção constitucional das pessoas portadoras de deficiência. 3. ed. Brasília: CORDE, 2003, p. 18.

[5] GUGEL, Maria Aparecida. Pessoas com deficiência e o direito do trabalho. Florianópolis: Obra Jurídica, 2007, p. 29 e 30.

[6] RIBAS, João B. Cintra. O que são pessoas deficientes. 6. ed. São Paulo: Brasiliense, 1994, p. 10

[7] BRASIL. Decreto nº 3.298, de 20 de dezembro de 1999. Regulamenta a Lei no 7.853, de 24 de outubro de 1989, dispõe sobre a Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, consolida as normas de proteção, e dá outras providências. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D3298.htm>. Acesso em: 16 Ago. 2014.

[8] BRASIL. Lei nº 8.112 , de 11 de dezembro de 1990. Dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais. 14. ed. São Paulo: Rideel, 2012, p. 1.525-1526.

[9] BRASIL. Decreto nº 3.956, de 08 de outubro de 2001. Promulga a Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Pessoas Portadoras de Deficiência. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2001/D3956.htm>. Acesso em: 16 Ago. 2014.

[10] ARAUJO, Luiz Alberto David. A proteção constitucional das pessoas portadoras de deficiência. 3. ed. Brasília: CORDE, 2003, p. 81.

[11] BULOS, Uadi Lammêgo. Constituição Federal anotada. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 647-648.

[12] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 17. ed. São Paulo: Malheiros Editores Ltda., 2004, p. 233-235.

[13] ARAUJO, Luiz Alberto David. A proteção constitucional das pessoas portadoras de deficiência. 3. ed. Brasília: CORDE, 2003, p. 20.

[14] ARAUJO, Luiz Alberto David. A proteção constitucional das pessoas portadoras de deficiência. 3. ed. Brasília: CORDE, 2003, p. 20.

[15] ARAUJO, Luiz Alberto David. A proteção constitucional das pessoas portadoras de deficiência. 3. ed. Brasília: CORDE, 2003, p. 20-21; 25.

[16] ARAUJO, Luiz Alberto David. A proteção constitucional das pessoas portadoras de deficiência. 3. ed. Brasília: CORDE, 2003, p.21.

[17] MARANHÃO, Rosanne de Oliveira. O portador de deficiência e o direito do trabalho. São Paulo: LTR, 2006, p. 28-29.

[18] ARAUJO, Luiz Alberto David. A proteção constitucional das pessoas portadoras de deficiência. 3. ed. Brasília: CORDE, 2003, p.23.

[19] MELO, Sandro Nahmias. O direito ao trabalho da pessoa portadora de deficiência. Ação afirmativa – o princípio constitucional da igualdade. São Paulo: LTr, 2004, p. 42-43.

[20] MELO, Sandro Nahmias. O direito ao trabalho da pessoa portadora de deficiência. Ação afirmativa – o princípio constitucional da igualdade. São Paulo: LTr, 2004, p. 43.

[21] SOUSA JÚNIOR, Ariolino Neres. O sistema de cotas de acesso ao mercado de trabalho para pessoa com deficiência. Brasília: Consulex, 2011, p. 35.

[22] SASSAKI, Romeu Kazumi. Como chamar as pessoas que têm deficiência? Disponível em: < http://www.educacao.salvador.ba.gov.br/Site/documentos/espaco-virtual/espaco-educar/educacao-especial-sala-maria-tereza-mantoan/ARTIGOS/Como-chamar-a-pessoa-que-tem-deficiencia.pdf>. Acesso em: 16 Ago. 2014.

[23] SANTOS, Wederson; DINIZ, Débora; BARBOSA, Lívia. Deficiência e perícia médica no benefício de prestação continuada. In: MEDEIROS, Marcelo; DINIZ, Débora e BARBOSA, Lívia (Org.). Deficiência e igualdade. Brasília: Letras Livres – UNB, 2010, p. 43.

[24] SANTOS, Wederson; DINIZ, Débora; BARBOSA, Lívia. Deficiência e perícia médica no benefício de prestação continuada. In: MEDEIROS, Marcelo; DINIZ, Débora e BARBOSA, Lívia (Org.). Deficiência e igualdade. Brasília: Letras Livres – UNB, 2010, p. 44.

[25] SANTOS, Wederson; DINIZ, Débora; BARBOSA, Lívia. Deficiência e perícia médica no benefício de prestação continuada. In: SANTOS, Wederson; DINIZ, Débora e BARBOSA, Lívia (Org.). Deficiência e igualdade. Brasília: Letras Livres – UNB, 2010, p. 44.

[26] SANTOS, Wederson. O que é a incapacidade para a proteção social brasileira? In: SANTOS, Wederson (Org.). Deficiência e igualdade. Brasília: Letras Livres – UNB, 2010, p. 176.

[27] SANTOS, Wederson; DINIZ, Débora; BARBOSA, Lívia. Diversidade corporal e perícia médica no benefício de prestação continuada. In: MEDEIROS, Marcelo; DINIZ, Débora e BARBOSA, Lívia (Org.). Deficiência e igualdade. Brasília: Letras Livres – UNB, 2010, p. 50.

[28] LANCILLOTTI, Samira Saad Pulchério. Deficiência e trabalho – polêmicas do nosso tempo. Campinas: Autores Associados, 2003, p. 50.

[29] RIBAS, João B. Cintra. O que são pessoas deficientes. 6. ed. São Paulo: Brasiliense, 1994, p. 10.

[30] RIBAS, João B. Cintra. O que são pessoas deficientes. 6. ed. São Paulo: Brasiliense, 1994, p. 11-12.

[31] RIBAS, João B. Cintra. O que são pessoas deficientes. 6. ed. São Paulo: Brasiliense, 1994, p. 26.

[32]RIBAS, João B. Cintra. O que são pessoas deficientes. 6. ed. São Paulo: Brasiliense, 1994, p. 29.

[33]RIBAS, João B. Cintra. O que são pessoas deficientes. 6. ed. São Paulo: Brasiliense, 1994, p. 30-31.

[34] NIESS, Luciana Toledo Távora e NIESS, Pedro Henrique Távora. Pessoas portadoras de deficiência no direito brasileiro – doutrina e legislação. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2003, p. 52.

[35] GUGEL, Maria Aparecida. Pessoas com deficiência e o direito do trabalho. Florianópolis: Obra Jurídica, 2007, p. 75-83.

[36] GUGEL, Maria Aparecida. Pessoas com deficiência e o direito do trabalho. Florianópolis: Obra Jurídica, 2007, p. 69.

[37] MELO, Sandro Nahmias. O direito ao trabalho da pessoa portadora de deficiência. Ação afirmativa – o princípio constitucional da igualdade. São Paulo: LTr, 2004, p. 54.

[38] MELO, Sandro Nahmias. O direito ao trabalho da pessoa portadora de deficiência. Ação afirmativa – o princípio constitucional da igualdade. São Paulo: LTr, 2004, p. 54-55.

[39] MELO, Sandro Nahmias. O direito ao trabalho da pessoa portadora de deficiência. Ação afirmativa – o princípio constitucional da igualdade. São Paulo: LTr, 2004, p. 57-58.

[40] MELO, Sandro Nahmias. O direito ao trabalho da pessoa portadora de deficiência. Ação afirmativa – o princípio constitucional da igualdade. São Paulo: LTr, 2004, p. 60.

[41] MELO, Sandro Nahmias. O direito ao trabalho da pessoa portadora de deficiência. Ação afirmativa – o princípio constitucional da igualdade. São Paulo: LTr, 2004, p. 62-63.

[42] MARANHÃO, Rosanne de Oliveira. O portador de deficiência e o direito do trabalho. São Paulo: LTR, 2006, p. 41.

[43] GUGEL, Maria Aparecida. Pessoas com deficiência e o direito do trabalho. Florianópolis: Obra Jurídica, 2007, p. 71-72.

[44] SANTOS, Wederson. O que é a incapacidade para a proteção social brasileira? In: MEDEIROS, Marcelo; DINIZ, Débora e BARBOSA, Lívia (Org.). Deficiência e igualdade. Brasília: Letras Livres – UNB, 2010 (Org.). Deficiência e igualdade. Brasília: Letras Livres – UNB, 2010, p. 177.

[45] GUGEL, Maria Aparecida. Pessoas com deficiência e o direito do trabalho. Florianópolis: Obra Jurídica, 2007, p. 72-73.

[46] ARAUJO, Luiz Alberto David. A proteção constitucional das pessoas portadoras de deficiência. 3. ed. Brasília: CORDE, 2003, p. 19.

[47] ARAUJO, Luiz Alberto David. A proteção constitucional das pessoas portadoras de deficiência. 3. ed. Brasília: CORDE, 2003, p. 40.

[48] ARAUJO, Luiz Alberto David. A proteção constitucional das pessoas portadoras de deficiência. 3. ed. Brasília: CORDE, 2003, p. 39-43.

[49] Apud MELO, Sandro Nahmias. O direito ao trabalho da pessoa portadora de deficiência. Ação afirmativa – o princípio constitucional da igualdade. São Paulo: LTr, 2004, p. 26; p. 65-66.

[50] MELO, Sandro Nahmias. O direito ao trabalho da pessoa portadora de deficiência. Ação afirmativa – o princípio constitucional da igualdade. São Paulo: LTr, 2004, p. 26; p. 67.

[51] MELO, Sandro Nahmias. O direito ao trabalho da pessoa portadora de deficiência. Ação afirmativa – o princípio constitucional da igualdade. São Paulo: LTr, 2004, p. 26; p. 67.

[52] NADER, Paulo. Filosofia do direito. 19. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 41.

[53] NADER, Paulo. Filosofia do direito. 19. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 46-47.

[54] DARTIGUES, André. O que é Fenomenologia. 3. ed. São Paulo, Editora Moraes, 1992, p. 19.

[55] DARTIGUES, André. O que é Fenomenologia. 3. ed. São Paulo, Editora Moraes, 1992, p. 27.

[56] LUIJPEN, W. Introdução à Fenomenologia Existencial. São Paulo: EDUSP, 1973, p. 132.

[57] LANCILLOTTI, Samira Saad Pulchério. Deficiência e trabalho – polêmicas do nosso tempo. Campinas: Autores Associados, 2003, p. 47.

[58] LANCILLOTTI, Samira Saad Pulchério. Deficiência e trabalho – polêmicas do nosso tempo. Campinas: Autores Associados, 2003, p. 50-51.

[59] DINIZ, Débora; MEDEIROS, Marcelo; BARBOSA, Lívia. Deficiência e igualdade: o desafio da proteção social. In: MEDEIROS, Marcelo; DINIZ, Débora e BARBOSA, Lívia (Org.). Deficiência e igualdade. Brasília: Letras Livres – UNB, 2010, p. 15.

[60] MELO, Sandro Nahmias. O direito ao trabalho da pessoa portadora de deficiência. Ação afirmativa – o princípio constitucional da igualdade. São Paulo: LTr, 2004, p. 43-44.

[61] MELO, Sandro Nahmias. O direito ao trabalho da pessoa portadora de deficiência. Ação afirmativa – o princípio constitucional da igualdade. São Paulo: LTr, 2004, p. 46.

[62] MELO, Sandro Nahmias. O direito ao trabalho da pessoa portadora de deficiência. Ação afirmativa – o princípio constitucional da igualdade. São Paulo: LTr, 2004, p. 50-51.

[63] GUGEL, Maria Aparecida. Pessoas com deficiência e o direito do trabalho. Florianópolis: Obra Jurídica, 2007, p. 70-71.

[64] RIBAS, João B. Cintra. O que são pessoas deficientes. 6. ed. São Paulo: Brasiliense, 1994, p. 31-33.

[65] MELO, Sandro Nahmias. O direito ao trabalho da pessoa portadora de deficiência. Ação afirmativa – o princípio constitucional da igualdade. São Paulo: LTr, 2004, p. 64.

[66] ARAUJO, Luiz Alberto David. A proteção constitucional das pessoas portadoras de deficiência. 3. ed. Brasília: CORDE, 2003, p. 23-24.

[67] ARAUJO, Luiz Alberto David. A proteção constitucional das pessoas portadoras de deficiência. 3. ed. Brasília: CORDE, 2003, p. 44.

[68] SANTOS, Wederson; DINIZ, Débora; PEREIRA, Natália. Deficiência e perícia médica: os contornos do corpo. In: MEDEIROS, Marcelo; DINIZ, Débora e BARBOSA, Lívia (Org.). Deficiência e igualdade. Brasília: Letras Livres – UNB, 2010, p. 153-154.

[69] DINIZ, Débora; MEDEIROS, Marcelo; BARBOSA, Lívia. Deficiência e igualdade: o desafio da proteção social. In: MEDEIROS, Marcelo; DINIZ, Débora e BARBOSA, Lívia (Org.). Deficiência e igualdade. Brasília: Letras Livres – UNB, 2010, 15-16.

[70] MELO, Sandro Nahmias. O direito ao trabalho da pessoa portadora de deficiência. Ação afirmativa – o princípio constitucional da igualdade. São Paulo: LTr, 2004, p. 26; p. 42.

[71] MELO, Sandro Nahmias. O direito ao trabalho da pessoa portadora de deficiência. Ação afirmativa – o princípio constitucional da igualdade. São Paulo: LTr, 2004, p. 52-53.

[72] MELO, Sandro Nahmias. O direito ao trabalho da pessoa portadora de deficiência. Ação afirmativa – o princípio constitucional da igualdade. São Paulo: LTr, 2004, p. 26; p. 64.

[73] BRASIL. Decreto nº 6.949, de 25 de agosto de 2009. Promulga a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, assinados em Nova York, em 30 de março de 2007. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2009/Decreto/D6949.htm>. Acesso em: 20 Ago. 2014.

[74] BRASIL. Decreto nº 6.949, de 25 de agosto de 2009. Promulga a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, assinados em Nova York, em 30 de março de 2007. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2009/Decreto/D6949.htm>. Acesso em: 20 Ago. 2014.

[75] BRASIL. Decreto nº 6.949, de 25 de agosto de 2009. Promulga a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, assinados em Nova York, em 30 de março de 2007. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2009/Decreto/D6949.htm>. Acesso em: 20 Ago. 2014.

[76] LYOTARD, Jean-François. A condição pós-moderna. 8. Ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2004, p. VII-XVIII; p. 3-10.

[77] LYOTARD, Jean-François. A condição pós-moderna. 8. Ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2004, p.20-25.

[78] KUHN, Thomas S. A estrutura das revoluções científicas. 5. ed. São Paulo: Perspectiva, 2000, p. 45.

[79] KUHN, Thomas S. A estrutura das revoluções científicas. 5. ed. São Paulo: Perspectiva, 2000, p. 157.

[80] FOUCAULT, Michel. Arqueologia das ciências e história dos sistemas de pensamento. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2000, p. 48; 50.

[81] STRECK, Lênio Luiz. Hermenêutica jurídica e (m) crise. Uma exploração hermenêutica da construção do Direito. 8. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p. 170-172.

[82] MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2004, p. 100.

[83] MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2004, p. 101.

[84] NADER, Paulo. Curso de direito civil, parte geral. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p. 103-104.

[85] Apud MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 94.

[86] MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 94-95.

[87] GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC, 1989, p. 39-40.

[88] SANTOS, Mário Ferreira dos. Métodos lógicos e dialéticos. 3. ed. São Paulo: Logos, 1962, p. 40-42.

[89] MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 104.

[90] MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2004, p. 109.

[91] SLAIBI FILHO, Nagib. Direito constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 141.

[92] SLAIBI FILHO, Nagib. Direito constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 154-155.

[93] MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2004, p. 129.

[94] BULOS, Uadi Lammêgo. Constituição Federal anotada. 7. Ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 84.

[95] SLAIBI FILHO, Nagib. Direito constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 386.

[96] SLAIBI FILHO, Nagib. Direito constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 386.

[97] SLAIBI FILHO, Nagib. Direito constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 386-387.

[98] BULOS, Uadi Lammêgo. Constituição Federal anotada. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 120.

[99] BULOS, Uadi Lammêgo. Constituição Federal anotada. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 120.

[100] BARROSO, Luís Roberto. Temas de direito constitucional. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, tomo I, 2002, p. 160.

[101] BARROSO, Luís Roberto. Temas de direito constitucional. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, tomo I, 2002, p. 157; 164.

[102] NIESS, Luciana Toledo Távora e NIESS, Pedro Henrique Távora. Pessoas portadoras de deficiência no direito brasileiro – doutrina e legislação. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2003, p. 44.

[103] NIESS, Luciana Toledo Távora e NIESS, Pedro Henrique Távora. Pessoas portadoras de deficiência no direito brasileiro – doutrina e legislação. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2003, p. 53.

[104] MELO, Sandro Nahmias. O direito ao trabalho da pessoa portadora de deficiência. Ação afirmativa – o princípio constitucional da igualdade. São Paulo: LTr, 2004, p. 26.

[105] MELO, Sandro Nahmias. O direito ao trabalho da pessoa portadora de deficiência. Ação afirmativa – o princípio constitucional da igualdade. São Paulo: LTr, 2004, p. 106-107.

[106] MELO, Sandro Nahmias. O direito ao trabalho da pessoa portadora de deficiência. Ação afirmativa – o princípio constitucional da igualdade. São Paulo: LTr, 2004, p. 107-108.

[107] DA SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo. 34. ed. São Paulo: Malheiros Editores Ltda., 2010, p. 213-214.

[108] DA SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo. 34. ed. São Paulo: Malheiros Editores Ltda., 2010, p. 214-215.

[109] SOUSA JÚNIOR, Ariolino Neres. O sistema de cotas de acesso ao mercado de trabalho para pessoa com deficiência. Brasília: Consulex, 2011, p. 74.

[110] SOUSA JÚNIOR, Ariolino Neres. O sistema de cotas de acesso ao mercado de trabalho para pessoa com deficiência. Brasília: Consulex, 2011, p. 74.

[111] BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do direito – o triunfo tardio do direito constitucional no Brasil. RERE – Revista Eletrônica sobre a Reforma do Estado. n. 9, março/abril/maio 2007, Salvador, p. 9.

[112] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ag. Reg. no Recurso Extraordinário com Agravo nº 685.606/RJ. Primeira Turma. Rel. Min. Luís Roberto Barroso, julgado em 24.06.2014, publicado no DJe em 13.08.2014.

[113] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ag. Reg. no Recurso Extraordinário com Agravo nº 805.255/ES. Segunda Turma. Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 24.04.2014, publicado no DJe em 13.05.2014.

[114] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ag. Reg. no Recurso Extraordinário com Agravo nº 768.402 AgR / RJ. Primeira Turma. Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 17.12.2013, publicado no DJe em 20.02.2014.

[115] BRASIL.Tribunal Regional do Trabalho–1ª. Região.Concurso Público. Edital nº 01/2014 de Abertura de Inscrições.Disponível em:< http://www.trt1.jus.br/c/document_library/get_file?uuid=f8376aa0-83d5-4d2a-b6b8-c19aae290ff9&groupId=10157 >. Acesso em: 22 Ago. 2014.

[116] BRASIL. Advocacia Geral da União. Concurso Público. Edital nº 01 – AGU-SEP/PR, de 29 de abril de 2014. Disponível em: < http://www.agu.gov.br/page/content/detail/id_conteudo/272954>. Acesso em: 22 Ago. 2014.


Autor

  • Robson Gonçalves Dourado

    Mestrando em Direito pela Universidade Católica de Brasília; Pós-Graduado em Direito e Jurisdição pela Escola da Magistratura do Distrito Federal; Pós-Graduado em Direito e Prática Processual nos Tribunais pelo Uniceub; Bacharel em Direito pelo Uniceub-DF; MBA em Marketing pela FGV-DF; Licenciado em História pelo Uniceub-DF; Advogado; Colaborador na Defensoria Pública do DF.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DOURADO, Robson Gonçalves. Pessoas portadoras de deficiência e concurso público. Amplitude constitucional do art. 37, VIII, da Constituição de 1988. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4157, 18 nov. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/34019. Acesso em: 25 abr. 2024.