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Os crimes no escândalo da Petrobras

Os crimes no escândalo da Petrobras

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O presente artigo procura estudar, diante de caso concreto, cada um dos crimes que teriam sido praticados no chamado escândalo da Petrobras.

O Procurador-geral da República afirmou ao jornal Folha de São Paulo, com relação ao envolvimento das empreiteiras no chamado escândalo da Petrobras: “Em princípio, é fraude em licitação, lavagem de dinheiro, crime contra o mercado e corrupção ativa”.

Segundo o Procurador-geral da República, não faria sentido supor que os empresários estivessem sendo obrigados a fazer acordos para burlar concorrências da estatal e distribuir entre si os lotes em disputa. Como, questiona o Procurador-geral, alguém pode sofrer extorsão para ganhar dinheiro?

Noticia-se que, no caso do escândalo da Petrobras, os recursos foram desviados dos cofres da estatal por meio de um conhecido mecanismo de espoliação, que foi objeto de descrição por Paulo Roberto Costa, ex-diretor de Abastecimento da estatal e pelo doleiro Alberto Youssef.

Segundo se disse, os contratos da Petrobras eram superfaturados e repartidos entre diversas empresas, que assim ampliavam sua margem de lucro. Por suas vez, servidores e políticos, além dos intermediários, recebiam propinas milionárias – pagas com dinheiro da estatal. Parte do butim alimentaria ainda as contas de três partidos: PP, PMDB e PP.

Penso ainda que além dos delitos  citados devem ser investigados crimes de peculato (artigo 312 do Código Penal), seja nas modalidades de apropriação, desvio.

Necessário traçar as diferenças entre os crimes de corrupção ativa, corrupção passiva e extorsão.

Aparece o crime de corrupção passiva, nos seguintes termos, no artigo 317 do Código Penal: ¨solicitar ou receber para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem.¨

Como bem disse Heleno Claudio Fragoso (Lições de Direito Penal, Parte Especial, volume II, pág. 416) a venalidade de funcionários é crime torpe, que atinge a administração pública de várias formas, comprometendo a eficiência do serviço público e pondo em perigo o prestigio de toda a administração.

A corrupção do agente público, na forma de corrupção passiva, corresponde a ação do particular que a promove ou dela participa e que se denomina corrupção ativa. Na forma de receber, o crime é bilateral, sendo inconcebível a condenação do agente a do corresponde autor da corrupção ativa.

O crime é tipicamente formal e se consuma com a solicitação ou recebimento da vantagem indevida ou aceitação da promessa de tal vantagem, sem que se exija outro  resultado.

Por sua vez, o delito de corrupção ativa se materializa no fato de o particular oferecer (exibir ou propor para que seja aceita) ou prometer (obrigar-se a dar) vantagem indevida a funcionário  público para levá-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício, que, por óbvio, deve se enquadrar nas atribuições do funcionário. O crime é formal que se consuma com o simples oferecimento, ainda que não aceito, ou com a promessa. Pode praticar o crime qualquer pessoa, inclusive o funcionário, que não aja como tal.

Na redação anterior à Lei 10.763, de 12 de novembro de 2003, previa-se uma pena de reclusão de 1 (um) a oito (oito) anos e multa. Era essa pena a mesma imposta à corrupção ativa (artigo 333 do Código Penal). Com a Lei 10.763 a punição para o crime de corrupção passiva  passou a ser de 2 (dois) a 12 (doze) anos e multa, a mesma pena a seguir para o crime de corrupção ativa.

Mas  a lei não retroage para prejudicar, não atingindo os delitos de corrupção passiva e ativa cometidos anteriormente à vigência da Lei posterior. É o respeito à segurança jurídica.

Ocorre que se há continuidade delitiva, aplica-se a Súmula 711 do Supremo Tribunal Federal, que reza que a lei penal mais grave aplica-se ao crime continuado ou crime permanente, se a sua vigência é anterior à cessação da continuidade ou permanência. Essa a linha a seguir em matéria de direito penal intertemporal.

Discute-se a prática de extorsão praticada pelo funcionário público.

Necessário diferenciar o crime de extorsão do crime de concussão, que é  forma de extorsão praticada pelo funcionário público.

A par de séria discussão sobre a natureza do crime de extorsão, dir-se-á que ele é crime formal consumando-se com a efetivação da violência ou da grave ameaça que constrange a vítima, sendo irrelevante a lesão patrimonial ou a obtenção da vantagem. A esse respeito, o Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula 96 no sentido de que crime de extorsão consuma-se independentemente de obtenção de vantagem indevida.

Para Guilherme de Souza Nucci (Código Penal Comentado, São Paulo, RT, 2008) que considera o crime formal, há, fundamentalmente, três estágios: o agente constrange a vítima, valendo-se de violência ou grave ameaça; a vítima age, por conta disso, fazendo, tolerando que se faça ou deixando de fazer alguma coisa; o agente obtém a vantagem econômica almejada.

Entende-se cabível a tentativa no crime de extorsão, uma vez que o crime não se perfaz num único ato (JTACrSP 48/57, 35/147; RT 447/394, 462/393, dentre outros). Ocorre a tentativa quando a ameaça não chega a conhecimento da vítima (RT 338/103), quando esta não se intimida (RT 525/432).

Na extorsão a vítima é constrangida mediante o emprego de violência ou grave ameaça a entregar a indevida vantagem econômica a agente. Na concussão, o servidor deve exigir a vantagem econômica sem o uso de violência ou grave ameaça, que são elementares do crime previsto no artigo 158 do Código Penal.

Lembre-se que exigir, núcleo previsto no crime de concussão , tem-se intimar, mandar, reclamar.

Em decisão no julgamento do HC 149.132/MG, Relator Ministro Sebastião Reis Júnior, DJe de 22 de agosto de 2011, o Superior Tribunal de Justiça entendeu que  o emprego de violência ou grave ameaça é elementar no crime previsto no artigo 158 do Código Penal. Assim se o funcionário público se utiliza desse meio para obter vantagem indevida, comete o crime de extorsão e não de concussão.

Para Júlio F. Mirabette e Renato Fabbrini (Manual de Direito Penal,ed. Atlas, 25ª edição, volume III, pág.281), a ameaça diz respeito à função pública e as represálias prometidas, expressa ou implicitamente, a ela se referem. Havendo violência ou grave ameaça de mal estranho à qualidade ou função do agente, ocorre extorsão. Seria o caso de policiais civis ou militares constrangerem a vítima sob ameaça de revólveres.

O Supremo Tribunal Federal tem decisões nesse sentido, no julgamento do HC 102.730/MG, Cármen Lúcia, DJe de 14 de abril de 2011 e ainda no HC 72.936/MG, Relator Ministro Octávio Gallotti, DJ de 6 de outubro de 1995.

Aqui o funcionário público exige, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, uma vantagem ilícita.

Tal exigência poderá ser direta ou indireta. É direta a exigência quando manifestada perante a vítima, de forma explícita. É indireta a exigência quando o sujeito ativo se servir de pessoa interposta ou quando insinuar, de forma velada, o mal que poderá acontecer se a vítima  não vier a ceder. É a prática do temor generalizado.

Admitindo o artigo 316 do Código Penal que a exigência da vantagem possa ser direta ou indireta, autoriza o entendimento de que alguém, mesmo não sendo funcionário público, possa ser coautor do delito de concussão (RT 476/433). Se o funcionário público pratica a concussão juntamente com um estranho ao serviço público, este se considera, para efeito de se enquadrar a sua ação no mesmo preceito repressivo, funcionário público, havendo circunstância elementar que se comunica entre  os participantes (TJSP, RT 487/286).

O crime de concussão  é unilateral, sendo o funcionário público o ofensor, pois exige, não apenas solicita ou aceita.

Trata-se de crime próprio, pois o agente a exige em razão da função que exerce ou que poderá exercer.

É crime formal que se consuma com a mera exigência.

O delito de concussão se perfaz com a simples atividade ou mera conduta independentemente do resultado (RT 519/335).

Basta o dolo genérico.

No caso específico, o diretor de Óleo e Gás da Construtora Galvão Engenharia afirmou à Polícia Federal que aceitou pagar propina ao esquema do ex-diretor de Abastecimento da Petrobras, Paulo Roberto Costa e do doleiro Alberto Youssef após ser extorquido pelos dois. Pelo que disse, o pagamento foi realizado sob ameaças feitas por Costa e Youssef. Eles teriam afirmado que se não fossem atendidos, a empresa seria prejudicada pela Petrobras nos contratos em andamento.

Trata-se de uma inteligente estratégia apresentada pela defesa. Se quem pagou foi forçado a pagar, ele não corrompeu, ele foi coagido, e assim foi vítima.

Ora, podemos ter corrupção ativa sem corrupção passiva. Pode haver a corrupção ativa sem a corrupção passiva (o servidor público pede a propina, mas a vítima, por razões morais, recusa-se a pagar). Pode haver corrupção ativa e corrupção passiva (a pessoa oferece a propina e o servidor pública a aceita).

Na concussão há uma situação de opressão. Fala-se que não há possibilidade de negociação ou acomodação. O outro lado paga ou se prepara para sofrer as consequências.

Aponta-se ainda o delito do artigo 90 da Lei 8.666/93, que envolve ´frustrar ou fraudar, mediante ajuste, combinação ou qualquer outro expediente, o caráter competitivo do procedimento licitatório com o intuito de obter, para si ou para outrem, vantagem decorrente da adjudicação do objeto da licitação’. 

O tipo envolve concurso de agentes. Ora, a lei fala em ajuste ou combinação, isto pode ocorrer quando os sujeitos envolvidos arranjam um acordo para assegurar a vitória de um deles ainda que por condições paralelas.

Afronta-se nessa conduta o caráter competitivo da competição.

O dolo é específico, uma vez que é indispensável a intenção de obter (para si ou para outrem) vantagem consistente na adjudicação.

Na modalidade de frustrar, aperfeiçoa-se o tipo através da conduta que impede a disputa do procedimento licitatório. Isso ocorre se o agente público objetiva assegurar a vitória de um determinado licitante.

Poderá ainda a conduta envolver um ardil para o qual o sujeito impede a eficácia da licitação.

O crime estará consumado com a realização do procedimento licitatório frustrado ou fraudado o seu caráter competitivo.

Trata-se de crime de consumação diferida, de natureza material, aguardando-se a conclusão do certame para que se tenha como consumado.  

Fala-se ainda em crime de lavagem de dinheiro.

Com a edição da Lei 12.683, de 9 de julho de 2012,  temos um novo regime jurídico para os crimes de ¨lavagem¨ ou ocultação de bens, direitos e valores no Brasil.

É crime, do que se lê do artigo 1º do diploma legal,  ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal. Para tanto, disciplina-se uma pena in abstrato de reclusão, que vai de 3 (três) anos a 10 (dez) anos e multa. Tal pena é  bem mais razoável do que a prevista no substitutivo ao PLS 209/2003, de 3 (três) a 18 (dezoito) anos, o que se revelava um absurdo, fugindo de qualquer razoabilidade. Mas é maior do que a de certos modelos jurídicos, como, por exemplo, o alemão, onde se prevê no § 261, inciso I, daquele modelo penal, pena privativa de liberdade de 3 (três) meses a 5 (cinco) anos e diversa da encontrada, na Itália, para o crime de riciclaggio, pena de 4 (quatro) anos a 12 (doze) anos e multa, contendo causa especial de diminuição da pena em um terço quando os delitos antecedentes forem punidos com pena de prisão inferior a cinco anos (artigo 648). Na Argentina, o artigo 278 do Código Penal (alterado pela Lei 25.246, de 2000) prevê pena de 2 (dois) anos a 10 (dez) anos de prisão e multa para o crime de lavado de dinheiro.

O crime de lavagem de dinheiro guarda uma nota de acessoriedade: ¨Consequentemente, não há como justificar-se uma apenação completamente desproporcional àquela que é cominada para determinados crimes antecedentes.¨

É certo que para penas que não superem 4 (quatro) anos, aplica-se, se não houver violência ou grave ameaça e o réu não for reincidente,  a substituição da pena privativa de liberdade por pena restritiva de direito, a teor do artigo 44 do Código Penal.

Por sua vez, incorre, na mesma pena, a teor do artigo 1º, § 1º, quem, para ocultar ou dissimular a utilização de bens, direitos ou valores provenientes de infração penal, os converte em ativos lícitos; os adquire, recebe,  troca, negocia, dá ou recebe em garantia, guarda, tem em depósito, movimenta ou transfere; importa ou exporta bens com valores não correspondentes aos verdadeiros.

Há muitos capítulos ainda a acompanhar nesse que é o maior escândalo envolvendo dinheiro público no Brasil.


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Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROMANO, Rogério Tadeu. Os crimes no escândalo da Petrobras. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4170, 1 dez. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/34107. Acesso em: 28 mar. 2024.