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Cédula rural pignoratícia e o registro do penhor na matrícula do imóvel: novas perspectivas a respeito do registro de imóveis

Cédula rural pignoratícia e o registro do penhor na matrícula do imóvel: novas perspectivas a respeito do registro de imóveis

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Pensar no registro de imóveis como meio de pacificação social é pensar num registro que não seja engessado por formalismos desnecessários ou entendimentos que não abarquem a real intenção do legislador.

1.Introdução

O presente artigo tem como escopo fazer uma análise acerca das Cédulas Rurais Pignoratícias com o consequente registro do penhor na matrícula do imóvel vinculado à cédula. Em primeiro lugar iremos tratar do financiamento rural e dos tipos de cédulas rurais, espécies de títulos de crédito regulados pelo Decreto Lei nº 167/67.

Após uma breve análise acerca desses temas, passa-se a esmiuçar a Cédula Rural Pignoratícia, seus requisitos essenciais e sua inscrição no Registro de Imóveis.

Faz-se uma breve comparação da maneira como o instituto é tratado hodiernamente pelos registradores imobiliários e como deveria ser, bem como sobre os “inconvenientes jurídicos” que a forma errada de inscrição desse tipo de garantia pode trazer para as partes e para terceiros de boa-fé.

Por fim, procuramos fundamentar o que consideramos como adequado juridicamente (registro do penhor na matrícula do imóvel), com os princípios modernos do direito registral imobiliário, e, também, com normativos legais vigentes.


2.Do financiamento Rural

As cédulas de crédito rurais são títulos de crédito que estão disciplinadas pelo Decreto Lei nº 167/67, possuindo como destinação o financiamento da atividade rural.

O financiamento rural, nesse tipo de instrumento, dá-se quando o emitente promete o pagamento em dinheiro, com ou sem garantia real cedularmente instituída, em contrapartida a um crédito obtido e que deverá ser destinado ao fomento da atividade rural.

Nesses termos, o artigo 2º do diploma legal em epígrafe é claro ao dispor que “o emitente da cédula fica obrigado a aplicar o financiamento nos fins ajustados, devendo comprovar essa aplicação no prazo e na forma exigidos pela instituição financiadora”.

E o artigo 7º arremata que o credor poderá, sempre que julgar conveniente, não só percorrer todas as dependências dos imóveis referidos no título, como também, verificar o andamento dos serviços neles existentes.

A compreensão correta desses dois artigos é de suma importância para o entendimento do objeto do presente estudo, que é o registro do penhor na matrícula do imóvel e suas implicações jurídicas.

Assim, o cerne desse texto é demonstrar os fundamentos jurídicos para a inscrição do penhor no livro 2 (Registro Geral) e não no Livro 3 (Auxiliar) como é a praxe atualmente.


3. Das Cédulas de Crédito Rural

A Cédula de Crédito Rural é gênero do qual são espécies: I – Cédula Rural Pignoratícia; II – Cédula Rural Hipotecária; III – Cédula Rural Pignoratícia e Hipotecária e IV – Nota de Crédito Rural.

A diferença básica entre elas é o tipo de garantia dado quando da emissão da Cédula, que pode ser penhor, hipoteca, penhor e hipoteca e no caso da Nota de Crédito Rural não há garantia de direito real, podendo, entretanto, haver uma garantia de direito pessoal, como o aval.

Como dito acima, as Cédulas são títulos de crédito. São, então, títulos civis, líquidos e certos, exigíveis pela soma que constam dele ou do endosso, além dos juros, da comissão de fiscalização (quando houver) e demais despesas que o credor fizer para a segurança, regularidade e realização do seu direito creditório.

3.1 Cédula Rural Pignoratícia

A Cédula Rural Pignoratícia indica um título de crédito garantido pelo direito real “penhor” e está disciplinado entre os artigos 14 à 19 do Decreto Lei 167/67.

Para a caracterização desta espécie de cédula, necessário se faz a apresentação dos seguintes requisitos, elencados no artigo 14:

I – Denominação;

II - data e condições de pagamento;

III - nome do credor e a cláusula à ordem;

IV - valor do crédito deferido (indicação da finalidade ruralista a que se destina o financiamento concedido e a forma de sua utilização);

V - descrição dos bens vinculados em penhor, além do local ou depósito em que os mesmos bens se encontram;

VI - taxa de juros e da comissão de fiscalização, bem como o tempo de seu pagamento;

VII - praça de pagamento;

VIII - data e lugar da emissão;

IX - assinatura de próprio punho do emitente ou de representante com poderes especiais.

Fizemos um destaque no item V, tendo em vista que em razão da localização dos bens apenhados é que se faz a inscrição desse título de crédito no Registro de Imóveis competente, conforme interpretação do artigo 30, já transcrito.

Após a apresentação básica das características da Cédula Rural Pignoratícia, passemos ao ato de inscrição desse tipo de cédula.


4. Da inscrição da Cédula Rural Pignoratícia

A prática registral e até mesmo a maioria da doutrina indica que o local correto do registro da Cédula Rural Pignoratícia e o consequente registro do penhor é no livro 3 (Auxiliar de Imóveis), isso com fundamento no artigo 176 c/c 178, II, ambos da Lei nº 6.015/73, que rezam: Art. 176 - “O livro nº 2 – Registro Geral – será destinado, à matrícula dos imóveis e ao registro ou averbação dos atos relacionados no art. 167 e não atribuídos ao Livro nº 3...” e Art. 178 – “Registrar-se-ão no Livro nº 3 – Registro Auxiliar: ... II – as cédulas de crédito rural e de crédito industrial, sem prejuízo do registro da hipoteca cedular...”.

Pela leitura dos artigos acima, pode-se concluir que as inscrições no Livro 2 são subsidiárias, vez que primeiro se verifica se o ato é inscritível no Livro 3, não o sendo, deverá haver, então, o registro do título no Livro Principal.

À primeira vista, tem-se que de fato a inscrição da Cédula Rural Pignoratícia se faz no Livro no 3, por expressa disposição legal, contudo, a falha que apresentamos é em relação ao registro do penhor, ou seja, da garantia dada ao credor pelo pagamento da cédula.

Explica-se. A maioria dos registradores de imóveis pátrios, para não dizer todos, procedem ao registro do penhor no Livro 3, contudo este livro não é hábil para a constituição de direitos reais e o penhor como sendo direito real não pode ser inscrito em Livro Auxiliar.

A garantia desses títulos de crédito não pode ser considerada apenas e tão somente como cláusula acessória, tendo em vista que esse tipo de cédula só existe em razão desse direito real. 

Afrânio de Carvalho muito bem leciona que cada livro no Registro de Imóveis tem uma função específica e a inscrição de atos no livro errado pode gerar sérias consequências para as partes[i].

O Livro 2, que é o principal livro do Registro de Imóveis, via de regra é repositório de direitos reais, seja para constituí-los, declará-los, transferi-los, ou extingui-los e o Livro 3, como o próprio nome indica é auxiliar, servindo para o registro dos atos que são atribuídos ao Registro de Imóveis por disposição legal e não digam respeito diretamente ao imóvel matriculado.

O eminente autor elucida bem esse tema quando diz que:

Na relação dos livros sobressai, por sua importância, o Registro Geral, que, como recipiente dos direitos reais, aos quais transmite os efeitos de publicidade e de constitutividade, aparece como verdadeiro sensório do registro, de onde emanamos reflexos que movimentam o tráfico jurídico imobiliário. Se qualquer livro há de ter um conteúdo adequado ao fim que lhe é imputado, com mais forte razão isso deve acontecer naquele a que tocou a função precípua de centro de convergência dos atos jurídicos de aquisição, transmissão, oneração ou extinção de direitos reais. A especificidade deste, ditada pela coerência da classificação, se impõe também para a segurança dos direitos, suscetível de prejudicar-se se a estes se misturassem, numa miscelânea, atos de natureza diversa” (Revista dos Tribunais. Direito Registral. Registros Públicos. Doutrinas Essenciais. 2ª Ed. Vol. VI, p. 47, 2014).

A dúvida que pode aparecer nesse ponto é: Se o penhor é direito real de garantia em que se dá um bem móvel para cumprimento de uma obrigação creditória, por que o seu registro, quando da emissão de Cédulas Rurais Pignoratícias, se dá no Registro de Imóveis? E outra indagação é: se o bem dado em garantia é bem móvel, o correto não seria mesmo o registro no Livro 3?

Passemos à análise dessas duas questões. A primeira resposta é bastante simples, o registro desse tipo de cédula se dá no Registro de Imóveis por expressa disposição legal.

O artigo 30 do Decreto Lei nº 167/67reza que “As cédulas de crédito rural, para terem eficácia contra terceiros, inscrevem-se no Cartório do Registro de Imóveis: a) a cédula rural pignoratícia, no da circunscrição em que esteja situado o imóvel de localização dos bens apenhados...”.

Não existe emissão de cédula rural sem a vinculação de um imóvel, motivo pelo qual a lei expressamente diz que o seu registro será feito no Registro de Imóveis competente.

Cumpre fazer o seguinte destaque, até mesmo as notas de crédito rural, que como vimos não possuem garantia de direito real, vinculam um imóvel ao financiamento rural, motivo pelo qual esse tipo de cédula também se inscreve no Registro Imobiliário, e esta inscrição sim, deve ser feita apenas no Livro 3.

Essa mesma vinculação (cédula X Imóvel) serve de substrato para o entendimento a seguir.

1 –      A constituição do penhor rural se dá por meio de registro, tendo em vista que diferentemente do penhor comum que é constituído pela “transferência efetiva da posse, de uma coisa móvel, suscetível de alienação”, naquele “as coisas empenhadas continuam em poder do devedor, que as deve guardar e conservar” (caso das cédulas rurais pignoratícias)[ii].

Ora, se não há a transferência da posse do devedor para o credor, só podemos chegar à conclusão de que nesse tipo de transação, a instituição da garantia se dá pelo registro.

Após a compreensão da forma de constituição do penhor nas cédulas rurais pignoratícias, cumpre observar o procedimento de inscrição delas no Registro de Imóveis.

A prática é inscrever todos os requisitos essenciais da cédula no Livro 3 para se ter uma impressão equivocada de que o penhor está garantido pelo registro.

Ledo engano, tendo em vista que o artigo 32 do Decreto Lei nº 167/67 quando trata da inscrição das cédulas traz expressamente o que deve ser registrado, nesses termos tem-se que: Art. 32: “A inscrição consistirá na anotação dos seguintes requisitos cedulares:

  1. Data do pagamento havendo prestações periódicas ou ajuste de prorrogação, consignar, conforme o caso, a data de cada uma delas ou as condições a que está sujeita sua efetivação;
  2. O nome do emitente, do financiador e do endossatário, se houver;
  3. O valor do crédito deferido e o de cada um dos pagamentos parcelados, se for o caso;
  4. Praça do Pagamento;
  5. Data e lugar da emissão;

Note-se que deliberadamente o legislador não coloca entre os requisitos a serem inscritos no Livro 3 “a descrição dos bens vinculados em penhor, os quais se indicarão pela espécie, qualidade, quantidade, marca ou período de produção se for o caso, além do local ou depósito dos mesmos bens”[iii].

Nesse sentido, temos um aparente conflito de normas. O Novo Código Civil indica que a constituição do penhor rural se aperfeiçoa quando do registro do instrumento, mas o normativo legal que disciplina a matéria não coloca a garantia, ou seja, não se refere ao penhor rural, como um dos requisitos que devem ser inscritos.

 E nem o poderia fazê-lo, tendo em vista que o Código Civil anterior (1916) não indicava o registro do penhor como requisito para a sua constituição.

Então, por esse aparente conflito, o penhor não pode ser registrado no Livro 3, mas se não for registrado não se constituirá.

Ora, se o penhor não pode ser registrado no livro auxiliar, onde deverá ser feito? A resposta lógica é, no livro 2, abaixo daremos mais fundamentos para esse tipo de registro na matrícula.

Antes, cumpre verificar o seguinte questionamento: Por que o legislador não consignou a garantia (penhor rural), quando da inscrição da cédula no registro de imóveis? Porque neste caso, a inscrição da cédula é feita para se garantir a eficácia perante terceiros. Registra-se no Livro Auxiliar, dados que normalmente não vão para a matrícula.

Pelo Decreto Lei nº 167/67 a inscrição da cédula no registro imobiliário teria a função de dar eficácia perante terceiros. Assim sendo, se a cédula for emitida e não for registrada, sua validade só se firmaria perante as partes contratantes.

Contudo por disposição do novo Código Civil, o penhor rural, se constitui pelo registro, e como a constituição de direitos reais, via de regra, se faz no livro principal, como consequente lógico temos que compreender que o nascimento do desse tipo de penhor se dá quando do seu registro no Livro 2.

Alguns oficiais de registro, a fim de dar “mais publicidade” à cédula rural pignoratícia, “averbam” na matrícula o título que fora anteriormente registrado no Livro 3.

Ressalta-se que a averbação, via de regra, é ato modificativo ou de mera publicidade, ou seja, não seria meio idôneo de constituição de direitos reais e por via de consequência não poderia ser utilizada para esse fim[iv].

2 – Os bens móveis dados em garantia se tornam em “imóveis” por ficção jurídica. Como afirmado anteriormente, não existem cédulas rurais desvinculadas de imóveis e o artigo 18 do Decreto Lei nº 167/67 dispõe que: “Antes da liquidação da cédula, não poderão os bens apenhados ser removidos das propriedades nela mencionadas, sob qualquer pretexto e para onde quer que seja, sem prévio consentimento escrito do credor”.

A inamovibilidade dos bens móveis, por ficção jurídica, tem razão de ser: primeiro, pela vinculação necessária ao imóvel onde esses bens estão; segundo, porque, também por comando legal, o credor pode percorrer todas e quaisquer dependências dos imóveis referidos no título, como verificar o andamento dos serviços nele existentes[v].

Ora, se assim não o fosse, o credor poderia ser surpreendido ao ir verificar in loco o estado dos bens apenhados e constatar que eles não estão mais lá.

Temos que compreender, portanto, que o consentimento do credor se dá por meio de aditivo à cédula, conforme preleciona o artigo 12 do Decreto Lei: “A cédula de crédito rural poderá ser aditada, ratificada e retificada por meio de menções adicionais e de aditivos, datados e assinados pelo emitente e pelo credor”.

A dificuldade que os registradores encontram para o registro do penhor rural, na matrícula do imóvel, se dá em razão de considerarem que estes bens móveis dados em garantia são independentes dos imóveis, razão pela qual o registro no livro auxiliar bastaria para a sua constituição e devida publicidade.


5. Dos inconvenientes da falta do registro do penhor na matrícula do imóvel

O primeiro e mais importante inconveniente da falta de registro do penhor na matrícula do imóvel se apresenta quando da compra e venda de imóvel pela modalidade “ad corpus” ou pelo dito popular “de porteira fechada”.

Suponhamos que “A” queira comprar uma “fazenda de vastos pastos e um pomar, bem tudo o que estiver dentro” situada no Povoado Nova Olinda, no Município de Alto Alegre do Pindaré, Estado do Maranhão e que na negociação ficou acertado que o preço pago seria o equivalente para o pagamento do imóvel, acréscimos e de todos os bens móveis existentes lá.

Contudo, “A” não sabia que os animais existentes nessa fazenda são objeto de cédula rural pignoratícia já registrada apenas e tão somente no Livro 3 do Registro de Imóveis competente, e que “B”, por descuido ou má-fé, simplesmente deixou de indicar na escritura.

Imagine, ainda, que o credor da cédula pignoratícia, sem saber que o imóvel fora vendido, resolva ir ao local verificar como estão os bens apenhados e se o crédito rural que fora financiado realmente está sendo utilizado como deveria.

O comprador “A” é obrigado a deixar o credor adentrar no seu imóvel? Assume a dívida que não sabia existir?

Acontece que a Lei nº 7.433/85 reza em seu artigo 1º, § 2º que “O tabelião consignará no ato notarial a apresentação do documento comprobatório do pagamento do Imposto de Transmissão inter vivos, as certidões fiscais e as certidões de propriedade e de ônus reais, ficando dispensada a sua transcrição”.

Nesses termos, nem o tabelião, nem o comprador poderiam ter ciência do penhor dos animais vinculados ao imóvel objeto da compra e venda, tendo em vista que a certidão de ônus necessariamente sairia negativa, já que é expedida em razão apenas do livro 2, ou seja, em razão da matrícula do imóvel.

Outro inconveniente que pode acontecer é quando o credor de cédula rural pignoratícia, defere o crédito rural (financiamento) e solicita à parte o registro da cédula para que o dinheiro possa ser liberado.

Contudo, quando da qualificação do título percebe-se que o imóvel não possui matrícula, ou seja, trata-se apenas e tão somente de posse[vi].

Esta cédula não pode adentrar o registro de imóveis porque este não se presta a registros que não estejam vinculados a direitos reais, principalmente ao direito de propriedade.

Até mesmo direitos pessoais que ingressam no Registro de Imóveis por expressa determinação legal, guardam relação ao menos com o direito de propriedade exercido ou que um dia o será (como no caso dos pactos antenupciais, em que os nubentes não têm bem imóveis ainda, mas que, por força de lei, o registram no Livro 3 - Auxiliar)[vii].

A prática do registro do penhor apenas no Livro 3 faz com registrador não possa fazer uma qualificação negativa das cédulas rurais pignoratícias que vinculem imóveis sem matrícula, vez que não teria fundamento jurídico para tanto.

Deferir-se-ia um crédito, garantido por um penhor irregularmente constituído (apenas no livro 3) e vinculado a um imóvel que sequer poderíamos dizer que existe, pois para a emissão dessa cédula, bastaria a declaração do emitente de que os animais estariam nesse imóvel.

A prática recorrente de registro desse tipo de cédula apenas no livro 3, faz com que credores solicitem o registro da cédula, vinculadas aos imóveis que não possuem matrícula, e alguns registradores o fazem por ser apenas no livro auxiliar e por imaginarem que esses bens não guardam relação com os imóveis aos quais estão vinculados.

Este não é o espírito do registro imobiliário. Os professores Décio Antônio Erpen e João Pedro Lamana Paiva sabiamente descrevem a função do sistema registral imobiliário:

A verdadeira função do sistema registral imobiliário está em tutelar a propriedade privada, bem assim combater a clandestinidade, irmã gêmea da fraude. (IRIB. Introdução ao Direito Notarial e Registral, p. 171, 2004).

Como o credor poderá ver o seu crédito satisfeito se a garantia pela cédula emitida não chegou a ser de fato constituída?

5. Dos Princípios do Registro de Imóveis

Três princípios registrais podem ser invocados como norteadores do entendimento do que fora explanado: 1 – Segurança Jurídica; 2 – Concentração dos atos na matrícula e 3 – Publicidade.

A segurança jurídica é a razão de ser dos registros públicos, e, por isso mesmo, esse ramo do direito deixou de ser apenas um apêndice do direito civil para se tornar um ramo autônomo do direito.

Os juristas Décio Antônio Erpen e João Pedro Lamana Paiva aclaram esse princípio ao declararem que:

Se o Registro Imobiliário constitui-se no único mecanismo confiável para noticiar-se à comunidade o que lhe pode ser oponível, mister que o mesmo seja completo, ágil, seguro e universal, similar a uma Encíclica Papal: urbi et orbi. (IRIB. Introdução ao Direito Notarial e Registral, p. 182, 2004).           

Pelo princípio da concentração dos atos na matrícula do imóvel temos que entender que as inscrições no fólio real sejam tão completas que dispensem diligências outras. Somente dessa forma podermos garantir a própria segurança jurídica. E os autores acima citados continuam:

O art. 167, da Lei 6.015/73, pode ser considerado exaustivo por alguns. Todavia, o apego a essa conclusão não enriquece o sistema, também porque o art. 246, da mesma Lei, permite ilações no sentido de se dar elasticidade ao comando legal.

Assim, a nosso ver, nenhum fato jurígeno ou ato jurídico que diga respeito à situação jurídica do imóvel ou às mutações subjetivas pode ficar indiferente à inscrição na matrícula. Além dos atos translativos de propriedade, das instituições de direitos reais, a ela devem acorrer os atos judiciais, os atos que restringem a propriedade, os atos constritivos (penhoras, arrestos, sequestros, embargos), mesmo de caráter acautelatório, as declarações de indisponibilidade, as ações pessoais reipersecutórias e as reais, os decretos de utilidade pública, as imissões nas expropriações, os decretos de quebra, os tombamentos, comodatos, as servidões administrativas, os protestos contra a alienação de bem, os arrendamentos, as parcerias, enfim, todos os atos e fatos que possam implicar a alteração jurídica da coisa, mesmo em caráter secundário, mas que possa ser oponível, sem a necessidade de se buscar alhures informações outras, o que conspiraria contra a dinâmica da vida. (IRIB. Introdução ao Direito Notarial e Registral, p. 181, 2004).

A publicidade gera a ficção do conhecimento, assim, a realização de um ato de registro, seja a abertura de matrícula, um registro ou averbação dá a ideia de conhecimento por todos.

Essa publicidade garante a oponibilidade erga omnes aos direitos originados através do ingresso do título no fólio real.

Contudo, deve bastar para o registrador gerar essa ficção de conhecimento, quando ele tem em mãos meios para fazer com que esse conhecimento se torne mais palpável.


6. Conclusão           

O registro do penhor na matrícula do imóvel deve se tornar prática entre os registradores de imóveis. A própria constituição desse direito real de garantia depende de sua correta inscrição nos livros imobiliários.

O registro do penhor rural apenas no livro 3 não é suficiente para constituí-lo, por falta expressa de norma nesse sentido.

Ademais, os princípios registrais imobiliários, por si só, já dariam embasamento suficiente para essa nova prática.

Precisamos fazer com que o Registro de Imóveis avance e abarque cada vez mais atos, vez que a sua função primordial é dar segurança jurídica às relações no corpo social.

Pensar no registro de imóveis como meio de pacificação social é pensar num registro que não seja engessado por formalismos desnecessários ou entendimentos que não abarquem a real intenção do legislador.


7. REFERÊNCIAS

CARVALHO, Afrânio de. A matrícula no registro de imóveis (publicado na Revista de Direito Imobiliário, RDI, 5/31, jan-jun. 1980). Revista dos Tribunais. Direito Registral. Registros Públicos. Doutrinas Essenciais. 2ª Ed. Vol. VI, São Paulo, 2014.

ERPEN, Antônio Décio. PAIVA, João Pedro Lamana. Princípios do Registro Imobiliário Formal. IRIB. Introdução ao Direito Notarial e Registral. Porto Alegre, 2004.

LOUREIRO, Luiz Guilherme. Registros Públicos: teoria e prática. Editora Método. 5ª ed. rev. atual e ampl. Rio de Janeiro, 2014.

PASSARELLI, Luciano Lopes. Teoria Geral da Certidão Registral Imobiliária: O princípio da publicidade na era do registro de imóveis eletrônico. Ed. Quinta Editorial. São Paulo, 2010.

RODRIGUES, Marcelo. Tratado de registros públicos e direito notarial. Ed. Atlas. São Paulo, 2014.


Notas

[i] Afrânio de Carvalho ensina que os livros de imóveis possuem atribuições específicas, não podendo o registrador misturar a função de cada um deles. O professor alerta que o nascedouro de direitos reais se dá sempre no Livro Principal (Livro 2), vez que todos os direitos reais que a lei contempla como registráveis se relacionam com o direito real maior que é a propriedade.

[ii] Art. 1.431 (caput) e parágrafo único do CC/2002.

[iii] Art. 14, V do Dec. Lei nº 167/67.

[iv] Uma exceção a essa regra é o disposto no § 4º do artigo 35 da Lei nº 4.591/64, que por meio de averbação confere um direito real oponível a terceiros. Entendemos que esse dispositivo é uma falha técnica do legislador que confunde ato de averbação com ato de registro.

[v] Art. 7º do Dec. Lei nº 167/67.

[vi] Este inconveniente tem acontecido com certa regularidade na Serventia Extrajudicial de Alto Alegre do Pindaré/MA. O credor de Cédula Rural (geralmente bancos) solicitam o registro do título apenas no livro 3 e não se preocupam se o imóvel está devidamente matriculado. Este equívoco faz com que os posseiros de terras não se preocupem na regularização imobiliária.

[vii] Art. 167, item 12 c/c Art. 178, III da Lei nº 6.015/73.


Autor


Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

, Thiago Aires Estrela. Cédula rural pignoratícia e o registro do penhor na matrícula do imóvel: novas perspectivas a respeito do registro de imóveis. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4684, 28 abr. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/34901. Acesso em: 24 abr. 2024.