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Jurisdição constitucional estadual

notas para compreender sua problemática no âmbito da federação brasileira

Jurisdição constitucional estadual: notas para compreender sua problemática no âmbito da federação brasileira

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Somente após a Constituição de 1988 é que a jurisdição constitucional estadual ganhou maior significação prática, teórica e normativa, especialmente diante do artigo 125, § 2°, que atribuiu aos Estados-membros a competência para instituírem representação de inconstitucionalidade.

Sumário:1. A problemática da Jurisdição Constitucional Estadual no Brasil 1.1. Produção Federativa do Direito Constitucional: Direito Constitucional Federal e Direito Constitucional Estadual 2. Jurisdição Constitucional no âmbito do Federalismo 3. Jurisdição Constitucional e Estado Democrático de Direito 4. Controle de Constitucionalidade Estadual no Brasil: 4.1. Definição e Evolução 4.2. Instrumentos Processuais Judiciais 5. Poder Constituinte do Estado-Membro e Constituição Estadual: 5.1. Poderes de Elaboração e de Proteção da Constituição Estadual 6. Poder Judiciário Estadual e Competências Próprias à Jurisdição Constitucional


01. A problemática da jurisdição constitucional estadual no Brasil

No Brasil, somente após a Constituição de 1988 é que a jurisdição constitucional estadual ganhou maior significação prática, teórica e normativa, especialmente diante do artigo 125, § 2°, da Constituição da República, que atribuiu aos Estados-membros a competência para instituírem “representação de inconstitucionalidade de leis ou atos normativos estaduais ou municipais em face da Constituição Estadual...”.

Antes de 1988 a doutrina pátria já entendia[1], que mesmo sem autorização expressa no texto central, os Estados, através do exercício do Poder Constituinte Decorrente, poderiam elaborar suas constituições e instituir sistema de defesa próprio (“controle de constitucionalidade estadual”, “processo constitucional estadual”, “jurisdição constitucional estadual”, “instrumentos processuais constitucionais estaduais”, “direito processual constitucional estadual”[2]). Agora, com prescrição expressa no texto central, com uma grande tradição doutrinária e jurisprudencial catalizadora e caudatária dos avanços constitucionais registrados na Lei Fundamental de 1988, se entreabrem novos problemas, novas questões, que exigem respostas da doutrina e da jurisprudência constitucionais pátria.

Apenas a título de exemplo, sem pretensão de enfrentá-las neste delimitado trabalho, apresentamos algumas questões pertinentes à problemática da jurisdição constitucional estadual no Brasil:

a) quais as dimensões e o papel reservados à jurisdição estadual no controle de constitucionalidade, segundo a ordem jurídica brasileira?

b) o Supremo Tribunal Federal, os Tribunais de Justiça, os legisladores estaduais, a doutrina constitucional nacional têm explorado, adequadamente, os limites e as possibilidades que o controle estadual de constitucionalidade suscita diante do Federalismo e do Estado Democrático de Direito?

c) o controle de constitucionalidade estadual pode constituir-se em elemento de otimização da tutela dos direitos fundamentais e do princípio da separação de poderes, nos quadrantes do Direito Processo Constitucional brasileiro[3]?

d) qual seria a contribuição do Direito Constitucional Comparado à problemática do controle de constitucionalidade no Brasil, tendo em conta a diversidade das constituições e atos normativos estaduais que regulam a jurisdição constitucional estadual em cada unidade da federação brasileira?

e) o controle de constitucionalidade estadual é mais um elemento a sublinhar a complexidade do controle de constitucionalidade das leis e dos atos normativos no Brasil, destacando nossa experiência diante das experiências estrangeiras?

f) é possível a adoção ampla, no plano estadual, das ações de controle estatuídas na Constituição da República?

g) é possível ao sistema constitucional estadual adotar outros instrumentos de controle de constitucionalidade (tanto políticos quanto jurisdicionais), diversos dos estatuídos na Constituição Federal?

h) é possível a edição de lei estadual para regular o rito das ações constitucionais estaduais ou seria legítimo a regulação desses ritos por atos regimentais dos tribunais de justiça?

i) quais os limites da argüição incidental de inconstitucionalidade (tendo por parâmetro norma da Constitucional federal, e por objeto norma da  Constituição estadual) e do uso do recurso extraordinário no âmbito das ações de controle de constitucionalidade estadual?

j) prestigia o sistema constitucional nacional o fato de as constituições estaduais preverem legitimados que só poderão desencadear ações que tenham como objeto lei municipal contestada em face da Constituição Estadual?

l) as chamadas normas de reprodução facultativa e normas de reprodução obrigatória (liberdade de conformação do poder constituinte decorrente local), suscitam problemas e soluções peculiares à jurisdição constitucional estadual?

m) frente à necessidade de se proteger a supremacia das Leis Orgânicas Municipais diante de leis municipais ordinárias (jurisdição constitucional municipal), quais os limites auto-normativos e auto-organizatórios dos Estados-Membros ao estatuírem suas jurisdições constitucionais?

n) é legítimo às Constituições estaduais preverem normas similares a adotada no artigo 52, X, da CF, e, além disso, estenderem a sua vinculação ao controle de constitucionalidade concentrado?

o) o mandado de injunção pode ser intentado com fundamento em normas da Lei Orgânica Municipal e da Constituição estadual?

p) até que ponto a jurisprudência dos Tribunais de Justiça brasileiros tem reproduzido ou tem contribuído para inovar a jurisprudência do STF, em matéria de jurisdição constitucional estadual (jurisprudência constitucional comparada estadual) e até onde se legitima o caráter conformador da jurisprudência do STF à jurisprudência dos TJ´s estaduais (princípio da simetria jurisprudencial e jurisprudência constitucional estabelecida)?

q) na jurisdição constitucional estadual é possível a cognição de inconstitucionalidades que não poderão ser apreciadas pelo STF em competência originária ou recursal?

r) quem são os guardas precípuos da Constituição Estadual e da Lei Orgânica Municipal?

s) o artigo 97 da CF constitui princípio constitucional estabelecido? quando a norma parâmetro for regra ou princípio da Constituição estadual devem os TJ´s cumpri-lo, tanto nos juízos concentrados ou difusos de constitucionalidade? E quando a norma parâmetro for norma da Lei Orgânica Municipal, no incidente de argüição de inconstitucionalidade no TJ?

t) é possível uma ação popular constitucional no plano estadual?

u) qual a relação entre a disciplina dos efeitos das decisões proferidas em jurisdição constitucional estadual e a liberdade de conformação do legislador constituinte decorrente ou ordinário estadual?

v) quais os instrumentos processuais de impugnação para combater liminar concedida em adin estadual? A instância revisora é ou deve ser o STF?

x) qualquer norma de uma constituição estadual pode servir como parâmetro no controle de constitucionalidade de leis municipais?

z) o princípio da interpretação conforme à Constituição, no âmbito do controle concentrado estadual, pode ter a mesma aplicação que lhe é dada no âmbito do controle concentrado federal?

Essa problemática, delineada não exaustivamente, merece atenção da doutrina e da jurisprudência nacionais.

01.1. Produção Federativa do Direito Constitucional:

 Direito Constitucional Federal e Direito Constitucional Estadual

Na Federação o Direito Constitucional é produzido em diferentes dimensões: o federal e o estadual. Numa Federação como a brasileira, em que se reconheceu a capacidade de auto-organização aos Municípios, além das demais capacidade autonômicas de uma entidade federativa, pode-se dizer que ele é produzido em três dimensões: a federal, a estadual e a municipal.

O Direito Constitucional Federal, enquanto o conjunto de regras e princípios fundamentais que regem o Estado brasileiro em sua totalidade (territorial, pessoal e temporal), é produzido, inicialmente, pelo chamado Poder Constituinte Originário, e, ao depois, pelo Poder Constituinte Derivado (Poder de Reforma da Constituição).

O Direito Constitucional Estadual, enquanto conjunto de regras e princípios que regem determinado povo e unidade territorial estadual, é elaborado, em parte, pelo Poder Constituinte Decorrente, com assento na Constituição Federal. Grande número de suas normas já vem pré-definidas pela obra do Poder Constituinte Originário, a Constituição Federal, através de normas centrais[4].

Assim, esses Direitos Constitucionais, enquanto Direitos Constitucionais Positivos, exigem não só um poder de elaboração, também exigem poderes de proteção da efetividade de suas regras e princípios[5], tanto no plano federal quanto no estadual, exigem o exercício da jurisdição constitucional federal e da jurisdição constitucional estadual.

A tutela da Constituição estadual reclama a jurisdição constitucional estadual, ou melhor, a tutela da separação de poderes e dos direitos fundamentais[6] no âmbito territorial dos estados-membros, enquanto a defesa da Constituição federal exige a jurisdição constitucional federal.


02.  Jurisdição Constitucional no âmbito do Federalismo

A idéia de uma jurisdição constitucional, de um órgão ou vários e respectivos procedimentos para defesa do pacto constitucional é inerente a idéia de Constituições escritas no âmbito do constitucionalismo[7].

A jurisdição constitucional é associada, preponderantemente, ao controle de constitucionalidade concentrado e difuso. Todavia seu conceito é mais amplo[8], abrangendo outras formas e procedimentos de controles não só de normas, mais de comportamentos concretos de pessoas físicas (agentes políticos) e pessoas jurídico-públicas. Lembremos o procedimento de impeachment do Presidente da República por violação de normas constitucionais e a intervenção federal nos Estados-Membros[9], e destes nos Municípios.

Nessa parte do trabalho, interessa-nos, preponderantemente, sua associação ao controle de constitucionalidade judicial concentrado e difuso.

Assim, assumimos uma significação mais restrita para a idéia de jurisdição constitucional, aquela que a associa aos instrumentos, poderes e processos de controle de constitucionalidade, especialmente os judiciais.

É no âmbito do federalismo[10], da doutrina, das idéias e do movimento para constituição de formas federadas de estado que nasce, cresce e se fortalece as exigências de um controle de constitucionalidade, preponderantemente para se tutelar a autoridade da Constituição federal frente as ordens jurídicas parciais dos estados-membros. Pode-se dizer que o controle de constitucionalidade é consentâneo ao federalismo[11], à nascença da Federação[12], principalmente a da norte-americana.

O federalismo adotou em cada nação que o acolheu modelos de federação distintos, com peculiaridades específicas em determinados países e pontos comuns a muitos outros[13]. Entre os pontos comuns encontramos o controle de constitucionalidade judicial, com variações para preponderância do modelo concentrado ou do modelo difuso, ou mesmo formas mistas ou convergentes dos dois modelos.

Em alguns países, como o nosso, vigoram concomitante o modelo judicial difuso e o concentrado[14]. O concentrado tanto no plano federal quanto no estadual, podendo a tutela das Constituições federal, estaduais e municipais também ocorrer pela via difusa.

Em nações[15] onde o federalismo foi mais exigente com a idéia de descentralização do poder, onde resolveu dotar de poderes mais largos e democráticos as comunidades parciais, surge a jurisdição constitucional estadual em concorrência complexa e integradora com à jurisdição constitucional federal.

O federalismo contemporâneo, nesta parte, deverá ser pródigo com a jurisdição constitucional, potencializando, inovando, e extendendo o rol dos instrumentos de controle de constitucionalidade federais aos Estados-membros, dando maior atenção e importância à jurisdição constitucional estadual.

A Jurisdição Constitucional Estadual, ao que parece, constitui um reclamo do constitucionalismo contemporâneo, como demonstra uma das conclusões do VII Congresso Iberoamericano de Direito Constitucional, ocorrido em fevereiro de 2002 na cidade do México, ao tratar dos instrumentos de justiça constitucional: “Propiciar em los sistemas federales uma mayor participación de los estados o provincias en la justicia constitucional.”[16]

A compreensão do federalismo contemporâneo passa pela compreensão da jurisdição constitucional estadual, do controle de constitucionalidade estadual, seus novos rumos e perspectivas colocam sob o olhar do jurista os institutos, os processos e as matérias que podem ser deduzidas e tuteladas neste tipo de jurisdição.


03.   Jurisdição Constitucional e Estado Democrático de Direito

A Jurisdição Constitucional, como dissemos, vem associada, preponderantemente, à noção de Controle de Constitucionalidade das Leis e demais atos normativos gerais e abstratos emanados do poder público.

O Controle de Constitucionalidade, associado ao controle de legalidade[17], e mais, ao controle do poder político em geral, aparece no seio dos Estados Democráticos de Direito da atualidade como o principal instrumento de combate ao arbítrio, à ação desmedida e abusiva do Estado violador de direitos fundamentais e transgressor da separação de poderes. O controle judicial de constitucionalidade “... complementa o conceito de Estado de Direito.”[18]

A doutrina, nesta senda, tem distinguido o que procurou chamar de Jurisdição Constitucional das Liberdades e de Jurisdição Constitucional da Constitucionalidade ou da Constituição[19].

A jurisdição constitucional das liberdades ocupa-se com as ações constitucionais típica de tutela dos direitos fundamentais da pessoa numa perspectiva individual e coletiva, como o mandado de segurança, mandado de segurança coletivo, habeas corpus, habeas data, mandado de injunção, ação popular, ação civil pública, etc; preocupa-se com a tutela de direitos subjetivos atribuíveis a uma pessoa ou a muitos indivíduos integrantes da comunidade ou entes coletivos[20].

Por sua vez, a jurisdição constitucional da Constituição, ou como garantia da Constituição[21], ocupa-se com a tutela da ordem constitucional objetiva, com o Direito Objetivo Constitucional, com a tutela da supremacia e efetividade das normas constitucionais, especialmente diante da ação desviante do Legislador ou de outro órgão jurídico-público com competência normante geral e abstrata, constituam essas autoridades entes federais, estaduais ou municipais[22].

Nessas duas perspectivas, a jurisdição constitucional apresenta-se fundamental à configuração, à legitimação e ao asseguramento do que hoje chamamos de Estado Democrático de Direito[23]. Essa noção de Estado, no seu atual quadro histórico, pressupõe a existência da jurisdição constitucional das liberdades e da jurisdição constitucional da constitucionalidade[24].

O Estado Democrático de Direito pressupõe uma série de tarefas políticas, sociais, econômicas, culturais, traduzidas por normas tarefas e normas fins, por missões constitucionais plasmadas no texto fundamental, que se expressam através do que tradicionalmente chamamos de normas programáticas[25]; também o amplo leque de direitos fundamentais individuais, econômicos, políticos e culturais que encontramos no sistema de direitos e garantias fundamentais, expressam os principais valores a serem perseguidos e realizados em um Estado Democrático de Direito[26].

Para dar efetividade a essas pautas normativas constitucionais, que expressam competências, tarefas e direitos fundamentais, faz-se necessário, além da força política de representação popular, um sistema judicial e político que procure garantir a eficácia das normas constitucionais fixadas no pacto constituinte de uma comunidade organizada em Estado. Sem a jurisdição constitucional, nos tempos atuais, apoucada estaria a idéia de Estado de Direito, a idéia de Estado Democrático. Quem garantirá no plano da pràxis comunitária o que no plano normativo as Constituições asseguraram aos indivíduos?[27] Quem fiscalizará o respeito à linha constitucional que divide horizontal e verticalmente as atribuições dos poderes públicos?

O Estado Democrático de Direito é instituição voltada à realização de promessas, tarefas e missões constitucionais, e a fiança para realizá-las funda-se na garantia de uma Jurisdição Constitucional que não procure somente efetivar o teor dos textos fundamentais federais e estaduais, mas que os reconstrua de acordo com as possibilidades de câmbio que requer a atividade de interpretação e concretização das Constituições Federal e Estadual, especialmente em suas dimensões ligadas aos Direitos Fundamentais e à instrumentalidade da Separação de Poderes.


04.  Controle de Constitucionalidade Estadual no Brasil

A Jurisdição Constitucional, no Brasil, revela-se, destacadamente, pelo controle judicial de constitucionalidade das leis e atos normativos emanados do Poder Público.

O controle concentrado (arts. 102, I, a, §§ 1° e 2°, 125, § 2, da Constituição da República) e o controle difuso (arts. 102, I, q, III, b, c, da CR e 480 a 482 do Código de Processo Civil) integram o sistema judicial de controle de constitucionalidade, entre nós. Também existem os chamados controles políticos de constitucionalidade, aqueles exercitados pela Chefia do Executivo  e pelo Legislativo.

O Executivo, de forma preventiva, quando apõe vetos por razões de inconstitucionalidade às proposições legislativas aprovadas pelo Parlamento, em verdade realiza controle político prévio de constitucionalidade (arts. 66, § 1°, primeira parte, da CF)[28]. Prévio por que anterior ao momento da proposição parlamentar tornar-se regra jurídico-positiva, antes de adentrar ao sistema de direito positivo. No modo a posteriori poderíamos dizer, não sem algum cuidado, que o ato do Executivo de negar aplicação à lei considerada inconstitucional no âmbito da administração que preside, via decreto, pode ser considerado controle político repressivo de constitucionalidade[29] (arts. 2°, 23, I, 76, XXVII, da CR), controle posterior de constitucionalidade.

O Legislativo, preventivamente, de duas formas, no âmbito do processo legislativo, pode encerrar a tramitação de projetos de leis que tragam em seu bojo proposições inconstitucionais. A primeira, pelo parecer contrário das Comissões de Constituição e Justiça, por razões de inconstitucionalidade da proposição, ocasionando sua rejeição interna corporis. Este parecer, dependendo do regimento da casa parlamentar, poderá[30] ou não ser vinculante no processo legislativo, o que ampliará ou reduzirá seu poder de eficácia. Pela segunda, o Presidente do Parlamento pode indeferir, liminarmente, a tramitação de proposição que entenda manifestamente inconstitucional, com recurso do parlamentar interessado, se sobre tal procedimento dispuser o Regimento da Casa parlamentar[31].

O Legislativo também pode se manifestar posteriormente a publicação de ato já incluso na ordem jurídica, ao sustar atos normativos do poder executivo que exorbitem do poder regulamentar[32] ou excedam a competência da delegação legislativa, segundo o modelo inaugurado em 1988 (artigo 49, V, CF). Aqui a doutrina caracteriza esse procedimento como controle político repressivo de constitucionalidade[33].

O Controle de Constitucionalidade estadual no Brasil ocupa-se dessas funções políticas e judiciais de controle. Há um sistema de controle de constitucionalidade complexo, também no plano dos Estados-Membros, que conjuga formas políticas com formas judiciais, seguindo, em regra, os parâmetros institucionalizados na ordem jurídica federal. Esse sistema conjuga processos políticos e processos jurisdicionais de controle de constitucionalidade, ou seja, autoriza que autoridades judiciais, legislativas e executivas exercitem determinadas formas de controle de compatibilidade das normas ou proposições normativas com à Constituição Estadual.

E é desse controle, especialmente com suas formas judiciais, preponderantemente a concentrada, que estamos a tratar neste trabalho.

Nunca é demais salientar que cada Estado-membro da federação brasileira pode trazer algumas peculiaridades quanto aos controles expostos[34], que destoam ou vão muito além dos modelos utilizados pela União Federal.

5.1.            Definição e Evolução

O Controle de Constitucionalidade estadual pode ser definido como o sistema integrado por ações, procedimentos e órgãos judiciais e políticos destinados a garantir a supremacia e a eficácia da Constituição Estadual[35] em seus âmbitos pessoal, temporal e territorial de validade, diante de leis estaduais ou atos normativos estaduais que contrastem o texto fundamental estadual. No Brasil, o sistema de controle de constitucionalidade estadual possibilita a fiscalização concentrada ou difusa tanto da lei estadual quanto da lei municipal contestadas em face da Constituição Estadual.

Logo após a Constituição Republicana e Federativa de 1891 o Controle de Constitucionalidade começa a se manifestar nas ordens jurídicas estaduais[36], positivado na forma de controle político[37] prévio ou posterior, deferindo aos Legislativos ou aos Executivos estaduais poderes para controlar a constitucionalidade de atos legislativos estaduais ou municipais contrários às constituições estaduais. Também o “... controle jurisdicional por via de exceção (concentrado ou não)” se positivava, ainda que em menor grau, coexistindo com o controle político.[38]

Exemplo histórico de controle político de constitucionalidade posterior ou repressivo, tanto exercido pelo Legislativo quanto pelo Executivo estaduais, é o da Constituição Paulista de 14.07.1891, que no artigo 20, caput, estabelecia que ao Congresso Estadual[39], competia fazer leis, suspendê-las, interpretá-las (dizer da constitucionalidade das leis) e revogá-las, e no item 12 (c/c art. 54, § 1°) do mesmo artigo previa atribuição ao Parlamento estadual para “anular as resoluções e atos das municipalidades” quando contrários à Constituição Estadual paulista e à Constituição Federal[40].

O artigo 54 da mesma Constituição dispunha que o Presidente do Estado[41], no intervalo das sessões legislativas, poderia suspender a execução das deliberações e atos municipais, nos mesmo casos que coubesse tal competência ao Congresso estadual. E o parágrafo único deste artigo consagrava que, pelo Congresso estadual, esta anulação seria decretada se por ela votassem dois terços dos membros congressuais presentes.[42]

Esse sistema foi adotado “...em quase todas as primeiras Constituições Estaduais republicanas de 1891”. Ele não encontrava símile no modelo federal de 1891, ao contrário, os constituintes estaduais talvez tenham sido influenciados pela Constituição Imperial de 1824 que consagrava apenas o controle político e não o jurisdicional de constitucionalidade, atribuindo ao congresso nacional função idêntica a atribuída ao congresso estadual paulista em 1891[43].

Segundo Anna Cândida da Cunha Ferraz só houve duas exceções a esse modelo de controle político de constitucionalidade estadual: uma, a do Rio Grande do Sul, que deferiu ao Presidente do Estado, e não ao Congresso Estadual, a faculdade de impugnar as resoluções dos conselhos municipais, e, a outra, foi na Constituição da Bahia, que teria admitido apenas o controle jurisdicional de constitucionalidade. Esse sistema político posterior de controle de constitucionalidade, divergia, em cada Constituição Estadual, “...quanto à natureza dos órgãos controladores, efeitos do controle, prazos para efetuá-los etc.”[44]

Por sua vez, o controle político prévio, através da rejeição “interna corporis” de projetos de leis inconstitucionais pelas Comissões de Constituição e Justiça das Assembléias estaduais, e o veto do Executivo estadual a esses projetos, foram aceitos, em todas as épocas da história constitucional brasileira, pelas ordens jurídicas dos Estado-Membros, aquela nos regimentos das assembléias locais, este no texto das constituições estaduais[45], mas, ambos, sempre integrando o Direito Constitucional dos Estado-Membros, independentemene de terem sede normativo-regimental ou normativo-constitucional.

Os controles políticos de constitucionalidade estadual, prévios e posteriores, em nossa história constitucional, vingaram prevalentemente até 1934[46], quando então os Estados passaram a admitir em suas constituições o controle judicial difuso de constitucionalidade, incumbindo as Assembléias estaduais de mero poder suspensivo das leis estaduais e municipais já declaradas inconstitucionais pelo Judiciário do ente federado.[47]

Para Anna Ferraz até está fase do constitucionalismo brasileiro os Estado-Membros organizaram os sistemas de defesa das respectivas constituições estaduais com verdadeira autonomia, criatividade e respeito a autênticos princípios federativos[48]. Todavia, devido as sucessivas reconstitucionalizações que fizeram imergir novas constituições federais com significativas evoluções no controle judicial de constitucionalidade, as ordens jurídicas estaduais foram cada vez mais se apegando, reproduzindo, copiando os modelos centrais da União Federal, deixando, aos poucos, de atentarem para a natureza e função dos próprios poderes para criar mecanismos peculiares de defesa da Constituição estadual.[49]

Assim, a partir da Constituição Federal de 16.07.1934 o controle de constitucionalidade estadual passa a ser “... predominantemente jurisdicional e indireto”, passando os órgãos políticos, Assembléia ou Executivo estaduais, apenas a complementarem a ação do Judiciário suspendendo os atos já declarados inconstitucionais por este poder.[50]

Interessante exemplo desta tendência foi a Constituição do Rio Grande do Sul, de 27.06.1935, que em seu artigo 89, em três incisos distintos, tratou da coordenação dos três poderes estaduais na realização do controle de constitucionalidade, dizendo no inciso III deste dispositivo, que aos Juízes e Tribunais competiria declarar inconstitucionais ou ilegais qualquer lei ou ato, deliberação ou regulamento que infringissem disposições da Constituição do Estado, da Constituição Federal ou das respectivas leis, e, no inciso I, ao Legislativo estadual suspender a execução no todo ou em parte, de qualquer ato, deliberação ou regulamento, que haja sido declarado ilegal ou inconstitucional pelo Poder Judiciário, e, no inciso II, ao Governador, suspender a execução, no todo ou em parte, de qualquer lei ou resolução da Assembléia Legislativa, quando hajam sido declaradas inconstitucionais pelo Poder Judiciário.[51]

De 1934 a 1946, as ordens constitucionais dos Estados-Membros continuaram a criar seus próprios sistemas de controle de constitucionalidade, porém “... discriminando claramente a natureza do controle, conforme incidisse ele sobre leis e atos estaduais (caso em que o controle jurisdicional, via de exceção predominava) e sobre leis e atos municipais (quando predominava o controle político direto).”[52] 

Nesse período o controle jurisdicional por via direta, através da ação direta interventiva (o pressuposto para intervenção federal nos estados), criada na Constituição federal de 1934, não influenciou as Constituições estaduais, que não o reproduziram e nem nele se inspiraram para talharem seus sistemas próprios de defesa da Lei fundamental estadual.[53]

De 1946 a 1965, as Constituições federadas mantiveram o mesmo sistema posterior a 1934, onde vigorava, ao lado dos controles políticos, o controle judicial difuso perante a Constituição estadual tanto dos atos legislativos estaduais quanto dos municipais. Em 1959 houve duas decisões tomadas pelo Supremo Tribunal Federal que entenderam que o poder atribuído pelas Constituições estaduais às suas Assembléias para anular resoluções, atos e leis municipais seria inconstitucional diante do regime vigorante a partir da Constituição de 1946, já que, segundo os fundamentos dos arestos, a autonomia municipal, a presunção de constitucionalidade das leis - que só poderia ser afastada pelo Judiciário -, e a separação de poderes, desautorizariam tais atribuições aos legislativos estaduais em face de atos normativos municipais.[54]

A Emenda Constitucional n° 16 de 26.11.1965, que instituiu no plano federal a representação de inconstitucionalidade – hoje chamada ação direta de inconstitucionalidade - aforável no STF para proteção da Constituição, e que tinha como objeto de impugnação leis federais e estaduais, também possibilitou a criação, por lei[55], de ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato de município em conflito com a Constituição estadual. Atente-se que não houve expressa menção na Constituição federal para que a lei estadual pudesse ser contestada em face da Constituição federada.[56]

A Constituições de 1967 e de 1969 nada referiram quanto a possibilidade da jurisdição constitucional estadual na forma de controle direto genérico de leis e atos estaduais e municipais contrastados diante da Constituição estadual, o que parecia indicar o reconhecimento que essas questões seriam de plena autonomia auto-organizatória de cada estado-membro.[57] Todavia, a CF de 69, “... criou, ao nível do Estado-Membro, a modalidade de ação interventiva e, como prius para a intervenção, a representação e inconstitucionalidade de lei ou ato municipal, com a finalidade de assegurar a observância, pelos municípios, dos princípios da Constituição Estadual.”[58]

No item seguinte abordaremos aspectos atuais do controle judicial de constitucionalidade estadual no Brasil, especialmente após a Constituição da República de 1988. Insta dizer que a nova Constituição federal provocou a doutrina nacional a ocupar-se, com mais atenção, do controle de constitucionalidade estadual, sem, todavia, satisfazer a integralidade das questões apontadas no item 01 deste trabalho, que, aqui, também, como dissemos, não serão enfrentadas. Ao que alcançaram nossas pesquisas, Ana Ferraz[59], Regina Ferrari[60], Zeno Veloso[61], Rodrigo Lopes Lourenço[62], Clémerson Cléve[63], Lênio Sctreck[64], Moreira Alves[65], Gilmar Mendes[66], Vasco Della Giustina[67], Sérgio Ferrari[68], Dircêo Torrecillas Ramos[69], Patricia Teixeira de Rezende Flores[70], Fernando Luiz Ximenes Rocha[71], Guilherme PEÑA[72], Noel TAVARES[73] e Eduardo Sens dos Santos[74] se ocuparam do tema na Ciência constitucional brasileira.

5.2.            Instrumentos Processuais Judiciais

Os Estados-Membros, no Brasil, para realização das tarefas inerentes ao controle de constitucionalidade estadual, dispõe de muitos instrumentos processuais, chamáveis de políticos - os desencadeáveis no âmbito do Executivo e Legislativo  - e judiciais – os manejáveis e solvíveis no âmbito do Judiciário. Neste tópico nos ocuparemos apenas dos instrumentos judiciais.

Os instrumentos processuais judiciais dividem-se em questionamentos direitos e autônomos, via ação própria e de competência originária dos Tribunais de Justiça, as ações diretas de inconstitucionalidade de lei ou atos normativos estaduais ou municipais contestados em face da Constituição estadual (art. 125, § 2 , da CR) e as ações diretas interventivas estaduais para preservação dos princípios sensíveis indicados na Constituição Estadual, ou para prover a execução de lei, de ordem ou de decisão judicial (arts. 35, IV, 36, §§ 2  a 4 , da CR).

Preponderantemente, essas são as ações que, comumente, se acham previstas nos âmbitos estaduais brasileiros. Todavia, existem estados, como o de Santa Catarina, que previram a possibilidade de aforamento no TJ, para tutela da Constituição estadual, de ações diretas de inconstitucionalidade por omissão[75] (art. 85, § 3°[76], da CESC).

A doutrina nacional[77] entende possível, no plano do Estado-Membro, a adoção de todos os instrumentos processuais adotados na Constituição da República para proteção do texto fundamental federal (ação declaratória de constitucionalidade[78], argüição de descumprimento de preceito fundamental[79]). Concordamos com tal entendimento, e, ousamos um pouco mais. Entendemos que é possível a adoção, inclusive, de instrumentos não adotados no plano federal, ou seja, os instrumentos processuais federais, para os estados-membros, não são numerus clausulus, e sim exemplificativos, podendo o Estado-membro adotar outros instrumentos ou configurar, de forma diferente e peculiar, os instrumentos sugeridos no plano federal. Por exemplo, no primeiro caso, poderiam os Estados-membros adotarem ação direta de ilegalidade para tutelar a conformidade das leis estaduais e municipais em face do princípio da legalidade, a exemplo do que existe no Direito Constitucional Português[80]. No segundo caso, poderia dotar a ação direta de inconstitucionalidade com legitimição universal, a conferida a qualquer cidadão, ou seja,  criar verdadeira ação popular constitucional para tutela da Constituição estadual em face de leis e atos normativos estaduais e municipais.

A única restrição expressa que existe quanto a configuração local destes instrumentos judiciais de controle, é não poder o constituinte decorrente conferir legitimação para agir a um único órgão ou pessoa, denotando, com isso, a necessidade de respeito ao princípio democrático no âmbito do processo constitucional, que impõe legitimacio ad causam para pessoas no espírito encetado pelo constituinte originário no artigo 103 da CR e demais disposições concretizadoras do princípio fundamental democrático em nível de constituição.

Além desses questionamentos diretos no Tribunal de Justiça para tutela da Constituição estadual, existe, por óbvio, a possibilidade do controle difuso, onde qualquer órgão judiciário monocrático ou colegiado estadual poderá realizá-lo.

Quando se tratar de órgão colegiado, o controle difuso, por força da regra constitucional retirada do texto do artigo 97 da Constituição da República, se impõe a todos os Tribunais da República, já que a decisão de inconstitucionalidade pode ter como parâmetro tanto norma extraída do texto constitucional federal como do texto constitucional estadual (e até do texto constitucional municipal). Também se impõe ao processamento dessas questões no âmbito dos Tribunais de Justiça, as regras processuais comuns dos artigos 480 a 482 do Código de Processo Civil. Embora esses regras nacionais tenham sido promulgadas em 1973, e alteradas recentemente por força das leis nacionais 9.576, de 17.12.98 e 9.868, de 10.11.99, elas se aplicam ao controle de constitucionalidade estadual em proteção de normas da Constituição estadual.

No plano do controle de constitucionalidade judicial difuso, realizado no estado-membro, podemos distinguir quatro situações:

i) controle de constitucionalidade difuso realizado por órgão judiciário estadual em proteção da Constituição Federal;

ii) controle de constitucionalidade difuso realizado por órgão judiciário estadual em proteção da Constituição Estadual;

iii) controle de constitucionalidade difuso realizado por órgão judiciário estadual em proteção da Constituição Municipal;

iv) controle de constitucionalidade difuso realizado pelo pleno ou órgão especial do Tribunal de Justiça no processamento de ações deduzidas no âmbito do controle de constitucionalidade concentrado estadual.

O terceiro tipo de controle, o protetivo da Lei Orgânica Municipal, tem sua percepção obnubilada, e quando percebido, de aceitação dificultada, por não cultivarmos uma adequada concepcão a respeito da natureza, função e estrutura normativas das Leis fundamentais municipais. Existem posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais que lhe conferem posição de direito ordinário, o que lhe tornaria impossível a alternativa de ser encarada como parâmetro de constitucionalidade em face das leis infra-orgânicas municipais[81]. Além disso, para essa posição, seu nome, “Lei Orgânica”, não lhe autorizaria a essência de “Constituição”, já que o Constituinte originário preferiu assim chamá-la, à exceção do que fizera com as leis fundamentais dos Estados-Membros, chamando-as de “Constituições estaduais”.

Não concordamos com tais posicionamentos indevidamente restritivos. Entendemos, entre outras razões, que a Lei Orgânica Municipal é Constituição:

i) porque que seu nomen juris não é o que define sua natureza, mas sim a sua estrutura e função na ordem jurídica nacional e municipal;

ii) por ser produto do exercício do poder constituinte decorrente municipal, veículo da capacidade federativa auto-organizatória conferida aos municípios;

iii) por ser norma de normas, norma normarum, por regular o processo de produção normativo no âmbito municipal, pré-definindo a forma e a matéria das leis infra-orgânicas, numa relativa relação de infra e supra-ordenação normativa, ao modo da explicitação kelsiana[82];

iv) também constitui fundamento de validade das leis e demais atos normativos ou não normativos municipais, tendo supremacia no âmbito local municipal, não podendo ser violada em suas regras ou princípios;

v) organiza, limita e autoriza a ação dos poderes e dos agentes públicos municipais, estabelecendo, igualmente, mesmo em face de sua limitada capacidade de conformação constituinte decorrente, novos núcleos de direitos fundamentais individuais e/ou coletivos.

vi) o modo de sua produção inicial e o processo de sua reforma se assemelham, em tudo, com o modo de produção e reforma da Constituição Estadual, tendo, inclusive, um quorum muito elevado para sua aprovação originária – 2/3 - (art. 29, caput, da CR).[83]

Quanto ao controle difuso de proteção da Constituição estadual, do mesmo modo que seu igual na proteção da Constituição da República, devemos dizer que ele se operará em qualquer processo judicial, seja de jurisdição voluntária ou de jurisdição contenciosa, criminal, cível, trabalhista, fiscal, etc. Será suscitável em qualquer fase processual, por qualquer das partes ou pessoas e órgãos intervenientes. No procedimento ordinário, sumaríssimo, especial, cautelar e de execução, nas ações de rito especial, como mandado de segurança, habeas-data, habeas-corpus, ação popular, ação civil pública ele pode e deve ser operado, quando for o caso.

Ao controle difuso[84] podem e devem ser aplicadas todas as técnicas de decisão já desenvolvidas no plano da jurisdição constitucional federal, como, a exemplo, são a “interpretação conforme à Constituição”[85], “declaração de inconstitucionalidade sem redução de texto”[86] e/ou “declaração de inconstitucionalidade sem a pronúncia de nulidade”[87].

O mandado de injunção[88] (artigo 5°, LXXI, da CR), como instrumento de combate à inconstitucionalidade por omissão, é enquadrado como controle difuso de constitucionalidade[89]. Ele tem relevância para proteger, nos planos estadual e municipal, a efetividade de normas das constituições estaduais e municipais que estejam carentes de efetividade por inexistência de medidas legislativas e administrativa aptas a lhes conferir operatividade, desde que, é claro, essas normas digam respeito a direitos e liberdades constitucionais previstas nesses textos (ou mesmo em textos ordinários estaduais e municipais[90]).

Ao mandado de injunção se aplica o rito do mandado de segurança por força do artigo 24, parágrafo único, da Lei federal 8.038/90. Assim, ao ser interposto para salvaguarda de direitos e liberdades previstas nas cartas estaduais e municipais, o impetrante, e o órgão judiciário encarregado de processá-lo, deverão respeitar seu rito e as normas que tratam de sua competência, que se dividem em normas constitucionais federais, constitucionais estaduais[91], legais federais e legais estaduais.

As ações judiciais de controle referidas podem ser objeto de ampla ou restrita regulação no plano do Estado-Membro, mormente pela Constituição Estadual, produto do exercício vinculado do Poder Constituinte Decorrente. E disto que trataremos, em dada medida, no tópico seguinte.


6.   Poder Constituinte do Estado-Membro e Constituição Estadual

Em uma federação, como a brasileira, existe um poder específico para elaborar a Constituição Estadual: poder constituinte do Estado-Membro[92]. Este poder é expressão da capacidade autonômica dos Estados integrantes de uma Federação, ou seja, é fruto do exercício de competência decorrente da autonomia estadual assegurada na Constituição Federal.

Segundo Anna Ferraz, “elemento caracterizador do Estado-membro de um Estado federal é a sua autonomia. É, verdadeiramente, a autonomia o traço distintivo dos Estados-Federados.”[93] Para esta autora ela consistiria na “... capacidade ‘que tem as partes de um mesmo povo de organizar a sua vida própria, política e administratriva, dentro dos princípios constitucionais da União’.”[94]

A autonomia estadual caracteriza-se por quatro aspectos essenciais: capacidade de autogoverno, capacidade de auto-administração, capacidade de auto-legislação e capacidade de auto-organização.[95]

Para Cunha Ferraz, o mais importante aspecto desta autonomia seria o de auto-organização “... ou seja, a capacidade de que é dotada a unidade federada de dar-se uma organização de que descanse sobre suas próprias leis, isto é, sobre leis que não extraiam seu valor jurídico de nenhuma outra autoridade. Vale dizer, o primeiro elemento da autonomia estadual é a capacidade atribuída à unidade federada para dar-se uma Constituição particular.”[96]

A capacidade de auto-organização estadual implica a idéia de Constituição estadual, ou seja, o exercício desta capacidade faz resultar a lei orgânica fundamental do Estado-Membro.[97]

O poder constituinte do estado-membro consiste “...numa regra de estrutura que estabelece como dever ser produzida a Constituição do Estado-Membro.”[98]

Essa regra de estrutura implica que se encontre os limites traçados na Constituição Federal, através de amplo bloco de princípios e regras constitucionais, sobre a atuação deste poder, que é de atuação limitada, condicionada e subordinada às normas constitucionais federais que adstringem sua ação constituinte estadual.

No âmbito do federalismo brasileiro, três elementos informam a natureza do poder constituinte estadual: “... a origem jurídica, a delimitação da competência e a atividade sucessiva à do constituinte federal.” Em outras palavras: “É na Constituição Federal que se localiza a fonte jurídica do Poder Constituinte do Estado-Membro. A Constituição Federal configura a competência desse poder constituinte e prevê a época de seu aparecimento, em período sucessivo, para organizar o Estado-Membro na estrutura federal definida na Constituição da Federação.”[99]

Segundo o quadro de competências legislativas remanescentes deixadas pela Constituição Federal aos Estados-Membros no Brasil, parece restar muito pouca inovação jurídica a ser realizada pelo Constituinte estadual ao perfazer a Constituição do Estado-Membro.[100] Há países, como a Alemanha e a Suíça, onde existe grande liberdade conformadora por parte do constituinte estadual em algumas matérias (democracia semi-direta, direitos fundamentais, direitos de oposição, tarefas estatais, direitos sociais, etc)[101].

O constituinte estadual além de ter que observar os princípios constitucionais estabelecidos, os princípios constitucionais sensíveis, as regras que tratam de competências legislativas entre as entidades federadas, as regras de pré-ordenação, ainda teria que observar a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que seria pauta necessária a ser seguida pelos Estados, pelo papel que esta corte ocupa na federação brasileira, segundo opinião de José Adércio Leite Sampaio.[102]

Em virtude da pouca margem de liberdade conformadora conferida aos Estados-Membros pela Constituição federal[103], as constituições estaduais têm sofrido, historicamente, o fenômeno da padronização[104], ou seja, as Constituições estaduais são textos que não diferem muito entre si em suas linhas gerais, havendo cá e acolá alguma peculiaridade, todavia de restrita configuração.

O conteúdo de uma Constituição estadual também não difere muito do conteúdo da Constituição Federal, seja por remissão expressa daquela a esta, ou porque existem matérias que ainda que não tenham sido tratadas no texto estadual são de observância obrigatória por imposição de regras e princípios impostos na Constituição Federal, ou melhor, ainda que o constituinte estadual silencie, o constituinte federal é eloqüente.

A Constituição estadual “... deveria ter, no seu âmbito de atuação, a mesma função básica da Constituição Federal, o que, na doutrina tradicional, significa dizer que lhe cabe organizar e disciplinar a forma de governo, o modo de aquisição e exercício do poder, o estabelecimento de seus órgãos e os limites de sua ação. Assim, a Constituição do Estado deveria ser vista como o ‘o conjunto de normas que organizam os seus elementos constitutivos.”[105]

Nesta visão tradicional da Constituição estadual seu conteúdo está vinculado a organização do Estado-Membro e ao exercício e limites da atuação de seu governo. Preocupa-se mais com as coisas do Estado do que com as da cidadania, dos cidadãos, seus direitos fundamentais, garantias e prerrogativas. A mudança de conceito, função e estrutura da Constituição dos Estados nacionais[106] não pode deixar de influir no conceito, função e estrutura das constituições estaduais em um Estado Democrático de Direito.

Por isso o conteúdo das Constituições estaduais não deve apenas organizar administrativamente o exercício dos poderes estaduais, mas, sem dúvida, deve comportar pautas de atuação, instrumentos de controle dos poderes estaduais, para que esses se operem em prol dos direitos, garantias e prerrogativas inerentes a pessoa humana (direitos assentados na Constituição Federal, tratados internacionais, leis infra-constitucionais, e na própria Constituição estadual). Isso através de normas estaduais que densifiquem, por um lado, a vontade constituinte federal, respeitando-a, e, de outro, atendendo as peculiaridades estaduais, desenvolvendo e inovando os conteúdos constitucionais federais de forma a melhor respeitar as expectativas e nível de consciência jurídica do povo e da cidadania estadual.

Deste modo, quanto mais tarefas e missões constitucionais tiver a Constituição Federal, após feito o cálculo de competências do Estado-Membro, a Constituição estadual deverá revelar um conteúdo que evidencie a importância e o desenvolvimento dessas missões no plano local: assim teremos um texto com eventualmente novos direitos, ou direitos com dimensões mais densas do que as conferidas no plano federal; ou teremos instrumentos de garantia desses direitos mais eficazes e precisos do que os estabelecidos no plano fundamental federal, respeitadas, é claro, a competência legislativa da União Federal em inúmeras matérias.

Alguns chegam a questionar se a natureza da Constituição estadual seria de uma verdadeira constituição, dizendo que ela, por não ser fruto do poder constituinte originário, por não ser fruto do exercício de um poder soberano, apenas de um poder autônomo, por não constituir o fundamento de validade de todas as leis estaduais, não poderia compartir com a Constituição Federal a mesma natureza jurídica de texto ordenante do estado e da sociedade, de texto fundamentalizador da vida comunitária[107].

Pensamos de ser possível a rejeição destas conclusões pelas mesmas razões que já aduzimos quanto a natureza de constituição das leis orgânicas municipais (item 4.2.). Todavia, uma razão mais se assoma: a de que a Constituição estadual, por disposição expressa do constituinte federal (arts. 25 e 125, § 2°, da CR), é texto paramétrico em controle de constitucionalidade estadual desenvolvido especialmente para protegê-la. Ou seja, uma constituição é constituição mais pela sua estrutura e função na ordem jurídica do que pela natureza jurídica ou política do poder que a perfaz, da sua soberania ou autonomia, do seu caráter originário ou derivado. Uma Constituição tem o valor de constituição mais por uma decisão concreta do direito positivo do que pelo enquadramento teórico que eventualmente uma doutrina lhe confira; uma constituição é constituição mais pelo uso, práxis e costume que lhe envolva a atuação no plano da vida, do que por uma idealização teórica ou ideológica que lhe empreste certa corrente de pensamento.

Não só o Direito Constitucional positivo brasileiro confere caráter de constituição a Constituição Estadual, nossa práxis institucional, nosso olhar histórico lhe confere tal dignidade. O que nos falta, para atentarmos devidamente para isso, é a solidez de uma cultura de Direito Constitucional verdadeiramente federalista, uma maior atenção para as questões do Direito Constitucional Estadual, para a sua natureza e importância no plano do Direito Constitucional como um todo. Todavia esta falta não pode nos levar a conclusões irrefletidas, desconsentâneas à ordem jurídica e a nossa tradição federalista[108].

Não obstante as considerações precedentes, parece haver uma razoável margem de conformação para o Poder Constituinte do Estado-Membro ao estabelecer o sistema de controle de constitucionalidade estadual destinado a tutelar o Direito Constitucional estadual, a proteger as normas da Constituição estadual, o sistema de direitos fundamentais e separação de poderes operáveis no plano estadual.

E isso se revela não só pela capacidade de auto-organização dos Estados-Membros, mas também pela exercício da sua capacidade de auto-legislação. Disso nos ocuparemos com mais atenção no tópico seguinte.

06.1. Poderes de Elaboração e de Proteção da Constituição Estadual

Em nosso sistema federativo, podemos dizer que a competência normativa constituinte estadual se expressa através de poderes de elaboração da Constituição estadual, de emissão de normas constitucionais estaduais que serão paramétricas para os demais poderes estaduais e mesmo para os particulares. Neste poder de elaboração da constituição está ínsito, implícito, o poder de criar o sistema de proteção da Constituição elaborada pelo Estado-membro. E as regras, o rito e os instrumentos de proteção da Constituição elaborada pelo Estado-Membro pode vir nela traçada, por normas constitucionais estaduais, ou por normas legislativas ou regimentais produzidas pelos poderes constituídos estaduais.

Os institutos basilares do controle estadual de constitucionalidade e seus legitimados devem estar positivados no texto constitucional estadual, podendo o legislador ordinário estadual - o judiciário através de sua competência normante regimental -, criar normas ordinárias que especifiquem, modulem os efeitos das decisões liminares e de mérito, definam o rito e o processo constitucional respeitante ao sistema de controle de constitucionalidade estadual[109].

Podemos dizer que há uma reserva de constituição estadual quanto a previsão dos institutos, todavia quanto as regras do processo constitucional e suas características procedimentais secundárias podem ser delineadas ou aprofundadas pela atividade legislativa infra-constitucional, como demonstram, no plano federal, as leis federais 9.868/99 e 9.882/99, que definiram, respectivamente, o rito das ação direta de inconstitucionalidade federal e da ação declaratória de constitucionalidade, e o rito da argüição de descumprimento de preceito fundamental, assim como as disposições regimentais do Supremo Tribunal Federal e do Congresso Nacional que dispõem sobre ritos judiciais e parlamentares no que tocam a decisões e seus efeitos proferidas no controle de constitucionalidade. Nesse caso o princípio da simetria deve funcionar como estimulante, como norte, como luz da liberdade de conformação do Estado-membro.

O poder de proteção da Constituição estadual realiza-se em três momentos distintos:

i) elaboração constituinte das linhas mestras do sistema, com a definição dos institutos basilares, com a opção pelos instrumentos processuais constitucionais que figuraram no rol de normas da Constituição estadual, tanto no ato inicial constituinte estadual, quanto pela ação de reforma constitucional do texto local;

ii) os poderes constituídos estaduais, em atividade de normação infra-constitucional, através de leis ou atos regimentais, definirão com minúcia as características ordinárias do processo constitucional de controle da compatibilidade de atos e normas com a constituição estadual;

iii) o Judiciário estadual, através da cúpula do Tribunal de Justiça, em via de controle direto, ou os demais juízes estaduais, no âmbito do controle difuso, farão valer esses instrumentos diante das normas constitucionais estaduais paramétricas ao controle de constitucionalidade.

O processo constitucional estadual de controle é instituto que está na esfera constituinte e de legislação ordinária do Estado-Membro. Não se verá obstado pela regra de competência legislativa processual da União, 22, inciso I, da Constituição da República, por três razões básicas:

i) o processo judicial que se cuida naquele texto é o processo civil e o processo penal, não o processo constitucional;

ii) é inerente as capacidade de auto-legislação e auto-organização dos Estados-Membros definirem o seu sistema processual de defesa da constituição estadual, podendo fazê-lo por normas constitucionais estaduais, normas legais e normas regimentais;

iii) seria incoerente que se imaginasse poder o constituinte decorrente elaborar uma constituição estadual, todavia o sistema de defesa dessa constituição fosse regulado por norma processual federal, sem que para isso houvesse disposição expressa posta pelo constituinte originário federal: aqui também a matéria além de ser de competência implícita, também é remanescente.

A doutrina registra que “... é da essência da autonomia do constituinte estadual criar o sistema de defesa da Constituição que dele emanar.” Cabe a ele e só a ele criar mecanismos de controle que assegurem a supremacia da Constituição Estadual no plano territorial dos Estados[110]. Seria ilógico e inaceitável que o sistema de controle de constitucionalidade estadual fosse ou devesse estar previsto e exaurido na Constituição Federal - isso, para Cunha Ferraz, anularia o significado da autonomia federativa[111].

Para o Estado-Membro, em nossa federação, a criação de seu sistema de defesa seria “direito autônomo”, “... não estando adstrito a acompanhar os eventuais modelos de defesa da Constituição Federal, por esta criados e estruturados.”[112]

Assim, não haveria uma correspondência estrutural necessária entre controle federal e controle estadual de constitucionalidade. Óbvio que o sistema de defesa estadual está limitado pelas regras e princípios de observância obrigatória pelo poder constituinte decorrente, como são, a exemplo, a separação de poderes, o sistema de direitos e garantias fundamentais, a organização mínima do poder judiciário e sua articulação com os demais poderes.[113]

Para Anna Ferraz:

“...o controle de constitucionalidade frente à Constituição Estadual há de ser exercido por poderes constituídos pelo Constituinte Decorrente e, em regra, deve ser previsto na própria Constituição Estadual para que possa atuar eficazmente.

O Constituinte Estadual ao criar o sistema de controle de defesa da Constituição há de indicar-lhe a natureza, estruturar-lhe os meios de funcionamento, inclusive os de natureza processual.

Esse controle alcança, necessariamente, todos os atos jurídicos que tenham fundamento na Constituição Estadual, de modo direto ou indireto. Vale dizer que alcança a ação dos poderes locais, legislativo e executivo. Assim, à Constituição Estadual hão de ajustar-se, no plano legislativo, as leis estaduais e as leis municipais; no plano executivo, os atos do governador e das autoridades estaduais, dos prefeitos e autoridades municipais, e, no plano judiciário, os atos do Poder Judiciário Estadual, quer enquanto aplica normas (função jurisdicional), quer quando atua competências decorrentes da Constituição Estadual e das leis estaduais (função administrativa).”[114]

Aderimos a este pensamento, acresentando-lhe apenas a seguinte ressalva: o controle poderá ser exercido não somente sobre aqueles atos normativos que encontram fundamento de validade mediato ou imediato na Constituição estadual, pois muitos atos estaduais e municipais podem encontrar fundamento de validade imediato na Constituição federal. Assim, no que toca ao controle de constitucionalidade, muitos atos podem não estar fundamentados na Constituição estadual mas encontrarão nela o fundamento paramétrico para eventual juízo de inconstitucionalidade, ou seja, podem não encontrar nela o seu fundamento de validade, mas nela encontrarão o fundamento para sua invalidação por inconstitucionalidade. Haveria assim, em muitos casos, uma cisão técnica e prática entre fundamento de validade e fundamento de invalidade.

Para Sérgio Ferrari, a Constituição estadual teria ampla liberdade de configuração do controle de constitucionalidade, devendo obedecer a três requisitos mínimos[115], defluentes da ordem constitucional federal:

i) regular o controle apenas sobre atos de conteúdo normativos abstratos, excluindo-se atos administrativos singulares ou equivalentes;

ii) o parâmetro de controle de constitucionalidade deverá ser sempre norma constitucional da Constituição estadual, nunca as da Constituição Federal ou de Lei Orgânica Municipal;

iii) a legitimação para mover as ações de controle de constitucionalidade nunca poderá ser atribuída a um único órgão ou entidade.

Apenas discordamos em um aspecto desta opinião abalizada: é possível o controle de constitucionalidade de atos concretos, de políticas públicas, caso o constituinte estadual institua um instrumento similar ou idêntico ao da argüição de descumprimento de preceito fundamental no plano estadual[116]. Isso será através de decisão constituinte local e legislativa ordinária, pois que, a exemplo do modelo federal, terá de haver previsão na Constituição estadual e lei ordinária regulando-lhe as hipóteses de cabimento, rito e efeitos.

Em tudo e por tudo o sistema de controle de constitucionalidade estadual é de matéria constitucional dos Estados-Membros.[117] O controle de constitucionalidade estadual deve ser regulado no plano estadual como manifestação da autonomia estadual.[118]

O controle de constitucionalidade estadual deve ser operado pelo Poder Judiciário do Estado-Membro. Vejamos, em nosso sistema, alguns aspectos da jurisdição constitucional estadual enquanto jurisdição operável por órgãos e membros do judiciário estadual.


7.   Poder Judiciário Estadual e Competências Próprias à Jurisdição Constitucional

Em uma federação há uma divisão de competências horizontais e verticais entre os órgãos que a compõem. Assim entre o legislativo, o executivo e o judiciário, há uma divisão horizontal de missões, de tarefas, de atribuições, de competências no sistema constitucional. Numa federação essa divisão se dá em seus respectivos níveis, no caso da brasileira, dá-se em três níveis verticais: federal, estadual e municipal. É basilar a idéia de federação a repartição de competências, o asseguramento de um círculo de atuação aos órgãos constitucionais integrantes do pacto federativo.

Nossa doutrina constitucional destaca, preponderantemente, as competências legislativas e administrativas[119], sem, no entanto, dar a devida atenção a divisão de competências entre os órgãos judiciários da federação (ao federalismo judicial[120]). Ao nível municipal não é assegurado atribuições judiciais, ou seja, não há que se falar, entre nós, de um poder judiciário municipal[121], como podemos falar de um poder judiciário da união e um poder judiciário dos estados-membros[122].

No Brasil, desde 1891, vige o sistema dual de justiça[123], ou seja, há uma justiça federal e vinte e sete justiças estaduais, cada qual com seu rol de competências jurisdicionais, delineadas, basicamente, nos enunciados constitucionais (arts. 92, 96, I, “a”, III, 102, 105, 108, 109, 111, § 3°, 113, 114, 121, caput, 124, parágrafo único, 125, § 1°, da CR).

Não há outro capítulo em nossa atual Constituição que tenha recebido o maior número de artigos: o Judiciário[124] é preordenado através de 35 dispositivos. Neles a justiça dos estados é pré-ordenada largamente, seguindo tradição inaugurada com a Constituição de 1934[125]. Em dez artigos a atual Constituição refere expressamente a competência própria aos órgãos da justiça nacional: Supremo Tribunal Federal, Superior Tribunal de Justiça, Tribunal Superior do Trabalho, Tribunal Superior Eleitoral, Tribunal Superior Militar, Tribunais Regionais Eleitorais, Tribunais Regionais Federais, Tribunais Regionais do Trabalho, Tribunais de Justiça Militar, Tribunais de Justiça estaduais, juízes federais, eleitorais, trabalhistas, militares, estaduais. Em vários trechos de sua narrativa a Constituição define  a competência de órgãos do poder judiciário, fazendo-o de forma taxativa, é o caso das competências do STF, STJ, TRF’s e juízes federais. Em outras deixa à compleição da lei esta tarefa, hipótese relativa aos demais órgãos judiciários (arts. 111, § 3°, 113, 114, 121, caput, 124, parágrafo único da CR).

Interessa-nos, para os efeitos deste trabalho e respectivo item de abordagem, a competência da Justiça estadual para conhecer questões constitucionais, especialmente aquelas ligadas a proteção da Constituição estadual – especificamente as competências vigentes. Ou melhor, interessa-nos sua competência de cognição judicial em matéria constitucional estadual.

Para tanto precisamos trabalhar conceitos acima expendidos: controle jurisdicional difuso e concentrado; jurisdição constitucional das liberdades e jurisdição como garantia da constituição. Ainda precisaremos tratar da interessante conexão entre jurisdição ordinária e jurisdição constitucional. Também impede sejam descritos os dispositivos constitucionais (e legais) centrais que se ocupam da matéria com reflexo no plano estadual. Para bem tratarmos alguns desses assuntos, tomaremos como exemplo normas da ordem jurídica do Estado de Santa Catarina.

Aos órgãos judiciários estaduais se impõe o dever-poder de tutelar a Constituição estadual, por força da rega do artigo 23, inciso I, da Constituição da República, que atribui competência comum a União, Estados-Membros e Municípios para tutelar a Constituição e as leis da República; do princípio do artigo 25, que especifica que o Estado-Membro deverá organizar-se e reger-se pelas Constituições que adotar; das regras do artigo 125, §§ 1° e 2°, insertas na SeçãoVIII  “Dos Tribunais e Juízes dos Estados”, que atribuem competência normante aos entes federados estaduais para organizarem suas justiças estatuindo competência aos Tribunais de Justiças por meio da Constituição estadual e instituindo representação de inconstitucionalidade de leis e atos normativos estaduais e municipais em face da Constituição Estadual.

Dois princípios constitucionais estruturantes sobrepairam esta competência de cognição constitucional e de proteção da Constituição Estadual pelos órgãos judiciários estaduais: o princípio do Estado Democrático de Direito e o princípio do Federalismo (ambos com assento no artigo 1°, da CR).

Além desses fundamentos na ordem jurídico-positiva, existem outros que decorrem de nossa tradição constitucional e da tradição própria ao federalismo, que não podem ser sonegados nos processos de compreensão e concretização[126] das normas que operaram a jurisdição constitucional estadual no Brasil: desde a estatuição da República Federativa os órgãos judiciários estaduais tiveram a possibilidade de tutelar a Constituição estadual em face de leis estaduais ou municipais que lhe fossem contrárias, e é ínsito as federações esse controle em prol das Constituições estaduais[127].

Em nosso sistema, os Tribunais de Justiça operam, com exclusividade, o controle concentrado de constitucionalidade em face da Constituição estadual. Nele conhecem ações diretas  genéricas de inconstitucionalidade (art. 125, § 2°), ações interventivas nos municípios (35, IV), ou outras ações que os estados estatuírem, como exemplifica a processualística constitucional federal (102, § 1°, 103, § 4°).

Os Juízes estaduais, órgãos de judicação monocrática, nas varas de comarca onde servirem ou nos juizados especiais que atuarem, seja em processos cíveis ou criminais, contenciosos ou de jurisdição voluntária, da petição inicial à prolação da sentença, poderão, por iniciativa própria ou atendendo argüição das partes, terceiros interessados ou Ministério Público, poderão exercer, como prejudicial de mérito, o controle difuso de constitucionalidade em tutela da constituição estadual (ou mesmo da constituição municipal, quando se tenha em foco lei municipal contrastante com a Lei Orgânica Municipal).

Da mesma forma, os órgãos judiciários colegiados integrantes do Tribunal de Justiça (Câmaras, Câmaras Reunidas, Pleno, Turmas, etc), para realizarem higidamente o controle difuso em prol da lei fundamental estadual, deverão respeitar as regras processuais dos artigos 480 a 482, do Código de Processo Civil, com as alterações dadas pelas Leis 9.756/98 e 9.868/99. Mais: deverão respeitar o artigo 97, da Constituição Federal, seja o parâmetro a Constituição estadual diante de leis estaduais ou municipais, ou a Lei Orgânica municipal diante de lei infra-orgânica municipal contrastante (segundo entendemos, neste último caso). Essas normas definem a cisão do julgamento de constitucionalidade entre o órgão fracionário do Tribunal e seu órgão pleno ou especial. A decisão sobre a inconstitucionalidade de ato normativo, em Tribunal, só poderá ser tomada pelo maioria absoluta dos membros integrantes do pleno ou do órgão especial. É a regra do full bench.[128]

Ainda sobre controle difuso e órgão judiciários colegiados, é preciso dizer que aos juizados especiais civis e criminais operáveis no plano estadual, por força da Lei 9.099, de 26 de setembro de 1995[129], quando apreciarem recursos cíveis ou criminais através de suas turmas de juízes de primeiro grau (compostas de três magistrados), conforme artigos 41, § 1° e 82, caput, para conhecerem argüições incidentais de inconstitucionalidade, não precisam obedecer ao quorum do artigo 97, nem a processualística dos artigos 480 a 482 do CPC, pelo simples fato de não constituírem Tribunal[130]. O controle de constitucionalidade difuso nos juizados especiais estaduais tende a ser raro, pois o artigo 3°, § 2°, da Lei 9.099, excluiu da competência dos juizados cíveis as causas de natureza fiscal e de interesse da fazenda pública, causas onde, na maioria das vezes, surgem aduções de inconstitucionalidade in concreto.

A jurisdição constitucional como garantia da Constituição estadual é aquela operada pelo controle concentrado de constitucionalidade junto ao Tribunal de Justiça. O processo constitucional que veicula essa jurisdição deve ser regulado pelo próprio estado-membro, através de seus órgãos com competência normante constituinte, reformadora, ordinária e regimental (como vimos no item 5.1). Mais: as próprias ações, os instrumentos processuais devem ser definidos pela ação normante estadual.

A jurisdição constitucional da liberdade no plano estadual, ou seja, aquela operada pelo mandado de segurança, habeas data, habeas corpus, mandado de injunção perante os órgãos judiciários estaduais, tem seu processo definidos por leis federais (ou melhor, nacionais[131]). Essas ações constitucionais típicas encontram-se positivadas no texto constitucional central, o constituinte originário as elegeu. A Constituição da República apenas defere aos Estados-Membros, por meio da Constituição estadual e de lei estadual de organização judiciária, a definição das competências do Tribunal de Justiça e dos órgãos de jurisdição monocrática estaduais, e, assim, no exercício dessa faculdade normante, os Estados-Membros apenas decidem quais de seus órgãos conhecerão as matérias veiculadas por meio das ações insertas na jurisdição constitucional das liberdades.

Vejamos, a título de ilustração, o que definiu a ordem jurídica catarinense quanto ao ora tratado:

a) o artigo 83, inciso XI, letras “c” e “d”, da Constituição do Estado de Santa Catarina, respectivamente, diz que “compete privativamente ao Tribunal de Justiça”, “processar e julgar, originariamente”, “os mandados de segurança e de injunção e os ‘habeas-data’contra atos e omissões do Governador do Estado, da Mesa e da Presidência da Assembléia, do próprio Tribunal ou de algum de seus órgãos, dos Secretários de Estado, do Presidente do Tribunal de Contas, do Procurador-Geral de Justiça e dos juízes de primeiro grau”, “os ‘habeas-corpus’ quando o coator ou paciente for autoridade diretamente sujeita a sua jurisdição”. O referido diploma, em seu artigo 4°, caput) e inciso V, prescreve que “O Estado, por suas leis e pelos atos de seus agentes, assegurará, em seu território e nos limites de sua competência, os direitos e garantias individuais (...) previstos na Constituição Federal (...)” e “o Poder Judiciário assegurará preferência no julgamento do ‘habeas-corpus’, do mandado de segurança e de injunção, do ‘habeas-data’ (...).”

b) A Lei estadual n° 5.624, de 09 de novembro de 1979, que institui o Código de Divisão e Organização Judiciária do Estado de Santa Catarina, estabelece, nos seus artigos 93, III e 99, letra “e”, que “compete ao juiz de direito no crime processar e julgar ‘habeas corpus”, e que “compete-lhe como juiz dos feitos da fazenda (...) processar e julgar (...) os mandados de segurança contra (...) ato de autoridade estadual ou municipal, ou como tais consideradas, ressalvados os casos de competência originária do Tribunal.” Mesmo após a entra em vigor da Constituição estadual (05.10.89), até hoje a Lei n° 5.624/79 carece de atualizações que fixem a competência para os órgãos judiciários monocráticos de primeiro grau conhecerem mandado de injunção e “habeas-data”.

c) o Regimento Interno do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina, que entrou em vigor em 01 de julho de 1982, e sofreu alterações pelos Atos Regimentais n° 01, de 14 de outubro de 1982 ao n° 59, de 18 de junho de 2003, tratou dos procedimentos tribunalícios do (i) mandado de segurança, nos seus artigos 176 a 177, e (ii) do habeas corpus, artigos 174 a 175.

c) (i) no artigo 29, I, letra “c”, estabeleceu que compete a uma das Câmaras Civis processar e julgar mandado de segurança impetrado contra juiz de primeiro grau, quando a matéria for civil; no 30, I, letra “h”, estabelece que compete a uma das Câmaras Criminais processar e julgar mandado de segurança impetrado contra juiz criminal e auditor da justiça militar; o Ato Regimental n° 41, de 09 de agosto de 2000, em seu artigo 3°, com a alteração conferida pelo Ato Regimental n° 50, de 26 de fevereiro de 2002, estabeleceu a competência das Câmaras de Direito Público (que absorveram as competências das Câmaras Cíveis no que toca a mandado de segurança) “... para o julgamento dos recursos ou ações originárias de Direito Público em geral, em que figurem como partes, ativa ou passivamente, o Estado, Municípios, autarquias, empresas públicas, fundações instituídas pelo Poder Público ou autoridades do Estado e de Municípios, bem como os feitos relacionados com atos que tenham origem em delegação de função pública, cobrança de tributos, preços públicos, tarifas e contribuições compulsórias do Poder Público e, ainda, questões de natureza processual relacionadas com as aludidas causas (...)”, assim, resta claro que quanto a competência para mandado de segurança, em matéria não-criminal, será de uma entre as três Câmaras de Direito Público existentes, instituídas pelo Ato Regimental n° 57, de 04 de dezembro de 2002, artigo 1°, inciso III; além dessas normativas regimentais, o Ato Regimental n° 39, de 22 de novembro de 1999, artigo 2°, II, estabeleceu que compete a Câmara de Férias processar mandados de segurança, incumbido o relator provisório de julgar o pedido de liminar (note-se que a decisão de mérito do mandamus não será proferida pela Câmara de Férias, que atuará, através do relator, apenas para efeito de apreciação do pedido liminar).

c) (ii) o Regimento Interno em seu artigo 28, inciso III, institui competência das Câmaras Criminais reunidas para darem habeas corpus de ofício, nos feitos submetidos a apreciação desse órgão fracionário; o 29, I, letra “h”, estabeleceu que quando a prisão for civil, caberá a Câmara Civil conhecer de habeas corpus; no 30, I, letra “a”, estabeleceu que compete a uma das Câmaras Criminais conhecer de habeas corpus quando o coator ou paciente for deputado estadual, secretário de estado, juiz de primeiro grau, auditor da justiça militar e seus substituto, e membros do Ministério Público; além desses dispositivos regimentais, o Ato Regimental n° 39, de 22 de novembro de 1999, no seu artigo 2°, I, estabeleceu que compete a Câmara de Férias processar e julgar habeas corpus e recursos de decisões denegatórias de habeas corpus.

Cumpre dizer que os direitos subjetivos postulados no âmbito da jurisdição constitucional das liberdades pode ter assento em leis estaduais ou municipais, assim como na Constituição estadual ou em Lei Orgânica Municipal. Assim, embora o processo seja posto por lei nacional, para seus desenvolvimentos a competência é fixada por normas estaduais, e os direitos tuteláveis, nesses instrumentos, podem ter assento na ordem objetiva estadual ou municipal, o que caberia falar, nestes termos, de jurisdição constitucional estadual das liberdades.

Outra questão relevante neste item diz respeito as conexões de sentido entre jurisdição constitucional estadual e jurisdição ordinária estadual.

A primeira conexão a referir, toca ao fato da matéria própria a cada uma destas jurisdições. A constitucional, nas palavras de Oliveira Baracho, é “...  compreendida como a parte da administração da justiça que tem como objeto específico matéria jurídico-constitucional de um determinado Estado.”[132] Ela “... é tomada (...) no sentido de atividade jurisdicional que tem por objetivo verificar a concordância das normas de hierarquia inferior, leis e atos administrativos, com a Constituição, desde que violaram as formas impostas pelo texto constitucional ou estão em contradição com o preceito da Constituição, pelo que os órgãos competentes devem declarar sua inconstitucionalidade e conseqüente inaplicabilidade.”[133]

Por sua vez, a jurisdição ordinária não julga normas inferiores em face de normas superiores, aplica a lei aos casos concretos, subsumindo as normas legais inferiores ao casos fáticos submetidos à jurisdição civil, penal, eleitoral, trabalhista, militar. Nessas hipóteses, a princípio, o terreno de cognição seria entre fato e norma, de mera subsunção entre hipótese legal e situação fática específica. Por exemplo, verificar-se-ia, se diante do artigo 121 do Código Penal, a acusação de homicídio encontra fundo suficiente para levar a condenação daquele que fora acusado de assassínio, tendo em conta todas as circunstâncias fáticas que envolveram o caso, diante das normas materiais e processuais regentes da espécie.

Assim, haveria, em princípio, na jurisdição constitucional, o juízo de valor, de sindicância de compatibilidade, entre duas normas de diferente hierarquia, uma a constitucional, outra a infra-constitucional ou ordinária, haveria uma questão antes de direito, de aferição de validade, de fiscalização sobre o processo de produção da norma inferior tendo em conta uma norma ou várias normas superiores, cujo resultado, caso houvesse contraste com a superior pela inferior, levaria ao invalidamento da última – teríamos uma discussão no plano da validade das normas; por sua vez, na jurisdição ordinária, o contraste ou a subsunção axiológica, seria entre norma e fato, um mero juízo de compatibilidade entre conduta prescrita na norma e comportamento concreto (dare, facere, non facere) efetivamente realizado no plano dos fatos, extraindo-se daí a conseqüência que a norma legal pré-determinasse: sanção penal, contratual, nulidade ou anulabilidade, condenação reparatória, multa pecuniária, etc.[134]

Esse separação serva apenas para fins didáticos, pois no plano da práxis jurídica, da aplicação efetiva dos direitos aos casos submetidas à jurisdição, ela apenas distingue os casos onde não se cogita de questões de controle de constitucionalidade por ação ou omissão, na via concentrada ou difusa. A separação entre jurisdição constitucional e jurisdição ordinária torna-se tênue, e de pouco efeito, se compreendermos que a Constituição e o Direito Constitucional não são relevantes apenas para o controle de constitucionalidade, mas também para a tutela de todo e qualquer direito que se funde diretamente na Constituição ou que para sua aplicação se faça necessário o olhar hermenêutico por sobre os princípios e regras constitucionais que traçam conexões de sentido com as normas ordinárias que, em primeiro plano, fundarão a causa de pedir ou a motivação da sentença que houver de solver uma lide ordinária.[135]

Ou seja, os aspectos constitucionais da jurisdição não são apenas aqueles voltados para juízos de validade das normas inferiores em face das superiores normas fundamentais, mas também os atentos ao papel hermenêutico que as normas constitucionais desempenham diante de todo e qualquer caso submetido à jurisdição. Deste modo: mesmo que o juiz tenha em primeira mão apenas normas legais a aplicar, ele sempre ou quase sempre terá regras, princípios e valores constitucionais a considerar no ato de aplicação do direito aos casos que lhe são submetidos. A Constituição acabará concretizada direta ou indiretamente no ato-sentença. Deste modo, em nosso sistema, os juízes ordinários também são juízes constitucionais, exercem jurisdição constitucional, mesmo a pretexto de apenas exercerem suas jurisdições ordinárias.

Em verdade, em nosso sistema todos os órgãos judiciários exercem jurisdição constitucional, ou melhor, estão competenciados e autorizados para exercê-la[136]. Ou ainda: todos os órgãos do poder judiciário exercem, cumulativamente, a jurisdição constitucional e a jurisdição ordinária. Essa distinção tem maior valor nos sistemas em que apenas um único órgão exerce jurisdição constitucional, como no histórico modelo austríaco.

Poderíamos dizer, com Castro Nunes, para sublinhar nota distintiva entre a jurisdição constitucional e a jurisdição ordinária, que a primeira  se governaria por exigências e método que lhe são próprios[137], havendo naquela maior liberdade de interpretação em face da abertura e densidade das normas constitucionais, comparadas às normas ordinárias[138]. Ambas tem natureza jurídica, sendo que a polêmica sobre a natureza política da jurisdição constitucional já se encontra superada.[139]

No plano do Estado-Membro essa distinção ganha maior significado. A jurisdição constitucional estadual, ou seja, a jurisdição em matéria constitucional exercida pelos órgãos judiciários estaduais (juízes de direito, juizados especiais, tribunal de justiça), não se ocupam somente da Constituição Federal, como já vimos. A Constituição estadual e as Leis Orgânicas dos municípios situados no território estadual são objeto da guarda da jurisdição constitucional estadual. Desta forma, o objeto da jurisdição constitucional estadual alcança três níveis de leis fundamentais: a federal, a estadual e as municipais respectivas.

Por outro lado, a jurisdição ordinária estadual lida com um número imenso de leis e atos normativos ordinários municipais, estaduais e nacionais para aplicação aos casos que lhe são submetidos, devendo compatibilizar suas aplicações com os níveis de leis fundamentais aludidos. Além de atos normativos, também atos concretos, como sentenças e atos administrativos, são objeto de cognição no âmbito da jurisdição ordinária.

O universo de leis fundamentais e ordinárias, de atos normativos e atos concretos que deve ser tomado em conta pelos magistrados estaduais no exercício de suas jurisdições constitucional e ordinária coloca instigantes problemas para o Direito Constitucional, para o Direito Público da federação brasileira, especialmente por que o convívio entre os poderes constituídos, estadual ou municipal, bem como as demandas que envolvem a proteção de direitos fundamentais no plano do Estado-Membro, desafiam, cada vez mais, a cultura publicística brasileira, e exigem dos operadores jurídicos em geral não só sensibilidade humana e política, mas, ao lado dessa, aprofundamento teórico e dogmático nas grandes questões que envolvem federação, constituição, jurisdição constitucional e direitos fundamentais.


Notas

[1] Ver Anna Ferraz, Poder Constituinte do Estado-Membro, ob. cit., p. 185-187 e 218.

[2] Sobre processo constitucional estadual ou local, justiça ou jurisdição constitucional local, controle de constitucionalidade estadual, como temas próprios ao Direito Processual Constitucional Estadual, ver os seguintes estudos: MAC-GREGOR, Eduardo Ferrer. “Derecho Procesal Constitucional Local en México.”Revista Latino-americana de estudos constitucionais. Belo Horizonte: Del Rey, n. 3, p. 291-313, janeiro/junho 2004  e seu com HERNÁNDEZ, Rodolfo Vega (Coords). Justicia Constitucional Local. Santiago de Querétaro (mx): Fundap., 2003. 396 p.; REYES, César I. Astudillo. Ensayos de justicia constitucional en cuatro ordenamientos: Veracruz, Coahuila, Tlaxcala y Chiapas. Ciudad de México: UNAM – Instituto de Investigações Jurídicas, 2004. 409 p.; ARZATE, Enrique Uribe. El Control Constitucional en las Entidades Federativas. In: - PARRAL, Máximo N. Gámiz (Coord.) Las Entidades Federativas y el Derecho Constitucional. Ciudad del México, Unam, 2003, p. 431-453 p., BAZAN, Victor. “Jurisdicción constitucional local y corrección de las omisiones inconstitucionales relativas”, Revista Iberoamericana de Derecho Procesal Constitucional: Proceso Y Constitución. Ciudad de México-D.F.: Porrúa, n° 02, julio-diciembre 2004, p. 189-209.; SALGADO, David Cienfuegos. “Una propuesta para la justicia constitucional local en México.” Revista Iberoamericana de Derecho Procesal Constitucional: Proceso Y Constitución. Ciudad de México-D.F.: Porrúa, n° 04, julio-diciembre 2005, p. 115-133.

[3] Para compreensão maior desta categoria e sua compreensão como disciplina acadêmica, como centro de investigação da temática de processo constitucional no Brasil, ver: ARAÚJO, Marcelo Cunha de. O Novo Processo Constitucional. Belo Horizonte: Mandamentos, 2003. 158 p.; BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Processo Constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 1984. 406 p. e seu “As Perspectivas do Processo Constitucional”. In: - SARAIVA, Paulo Loto. Antologia Luso-Brasileira de Direito Constitucional. Brasília: Brasília Jurídica, 1992. p. 168-175.; CARVALHO, Kildare Gonçalves. “Processo Constitucional”. Revista do Instituto dos Advogados de Minas Gerais. Belo Horizonte: IAMG, n.11, 2005, p. 15-43.; GUERRA FILHO, Willis Santiago. Processo Constitucional e Direitos Fundamentais. 2 ed. São Paulo: Celso Bastos Editor, 2001. 174 p., seu Teoria Processual da Constituição. 2 ed. São Paulo: Celso Bastos Editor, 2000. 239 p. e seu  Introdução ao Direito Processual Constitucional. Porto Alegre: Síntese, 1999. 99 p.; SOARES, Mário Lúcio Quintão. Processo Constitucional, Democracia e Direitos Fundamentais. In: - SAMPAIO, José Adércio Leite. (Coord.). Jurisdição Constitucional e Direitos Fundamentais. Belo Horizonte: Del Rey, 2003. p. 405/422.; CATTONI, Marcelo. Direito Processual Constitucional. Belo Horizonte: Mandamentos, 2001. 288 p.; CORREIA, Marcus Orione Gonçalves. Direito Processual Constitucional. São Paulo: Saraiva, 1998. 92 p.; MEDINA, Paulo Roberto Gouvêa. Direito Processual Constitucional. 3 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005. 289 p.; ROSAS, ROBERTO. Direito Processual Constitucional. 3 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999.

Na literatura iberoamericana, ver: BELAUNDE, Domingo Garcia. De  La Jurisdicción Constitucional al Derecho Procesal Constitucional. In: - MAC-GREGOR, Eduardo Ferrer (Coord.) Derecho Procesal Constitucional. Ciudad de México: Porrúa, 2003. V. I, p. 303-341., seu “El Derecho Procesal Constitucional: un concepto problemático.” Revista Latino-americana de estudos constitucionais. Belo Horizonte: Del Rey, n. 4, p. 133-141, jul./dez. 2004., seu Derecho Processual Constitucional. Bogotá: Temis, 2001. 209 p., e seu Código Procesal Constitucional: estudio introductorio, exposición de motivos, dictámenes e índice analítico. Lima: Palestra, 2005. 532 p.; CRUZ, Gerardo Eto. Un artífice del derecho procesal constitucional: Hans Kelsen. In: - MAC-GREGOR, Eduardo Ferrer (Coord.) Derecho Procesal Constitucional. Ciudad de México: Porrúa, 2003. V. I, p. 81-97 e seu El Pensamiento del Derecho Procesal Constitucional en Domingo García Belaunde. In: - MAC-GREGOR, Eduardo Ferrer (Coord.) Derecho Procesal Constitucional. Ciudad de México: Porrúa, 2003. V. I, p. 99-138.; DOMÍNGUEZ, Elvito A. Rodriguez. Derecho procesal constitucional. Precisiones conceptuales. In: - MAC-GREGOR, Eduardo Ferrer (Coord.) Derecho Procesal Constitucional. Ciudad de México: Porrúa, 2003. V. I, p. 489-498.; FIX-ZAMUDIO, Héctor. Breves reflexiones sobre el concepto y el contenido del derecho procesal constitucional. In: - MAC-GREGOR, Eduardo Ferrer (Coord.) Derecho Procesal Constitucional. Ciudad de México: Porrúa, 2003. V. I, p. 269-301.; HITTERS, Juan Carlos. El Derecho Procesal Constitucional. In: - MAC-GREGOR, Eduardo Ferrer (Coord.) Derecho Procesal Constitucional. Ciudad de México: Porrúa, 2003. V. I, p. 37-79; INSTITUTO IBEROAMERICANO DE DERECHO PROCESAL CONSTITUCIONAL. Revista Iberoamericana de Derecho Procesal Constitucional: Proceso Y Constitución. Ciudad de México-D.F.: Porrúa, n° 01, enero-junio 2004, 362 p, nº 02, julio-deciembre 2004, 386 p., nº 03 enero-junio 2005, 532 p., nº 04 julio-diciembre 2005, 442 p.; LARA, Cipriano Gómez. La teoria general del proceso y el derecho procesal constitucional. In: - MAC-GREGOR, Eduardo Ferrer (Coord.) Derecho Procesal Constitucional. Ciudad de México: Porrúa, 2003. V. I, p. 363-372; MAC-GREGOR, Eduardo Ferrer (Coord.) Derecho Procesal Constitucional. Ciudad de México: Porrúa, 2003. V. I, II, III e IV, 3.887 p. e seu  “Aportaciones de Héctor Fix-Zamudio al Derecho Procesal Constitucional.” In: - GÓMEZ, Juan Vega e SOSA, Edgar Corzo (Coords.) Instrumentos de tutela y justicia constitucional. Memoria del VII Congreso Iberoamericano de Derecho Constitucional. Cidade do México, Instituto de Investigações Jurídicas, 2002, p. 187-210,794 p. e seu “El Derecho Procesal Constitucional como Disciplina Jurídica Autônoma.” Revista Latino-americana de estudos constitucionais. Belo Horizonte: Del Rey, n. 5, p. 357-380, janeiro/junho 2005.; MORALES-PAULIN, Carlos A. Derecho Procesal Constitucional Supranacional. Una Aproximación In: - MAC-GREGOR, Eduardo Ferrer (Coord.) Derecho Procesal Constitucional. Ciudad de México: Porrúa, 2003. V. II, p. 1.751-1.768.; MORALES-PAULIN, Carlos A. Derecho Procesal Constitucional Supranacional. Una Aproximación In: - MAC-GREGOR, Eduardo Ferrer (Coord.) Derecho Procesal Constitucional. Ciudad de México: Porrúa, 2003. V. II, p. 1.751-1.768.; SAGÜÉS, Néstor Pedro. La codificación del derecho procesal constitucional. In: - MAC-GREGOR, Eduardo Ferrer (Coord.) Derecho Procesal Constitucional. Ciudad de México: Porrúa, 2003. V. I, p. 499-506. e seu Los Desafíos del derecho procesal constitucional. In: - MAC-GREGOR, Eduardo Ferrer (Coord.) Derecho Procesal Constitucional. Ciudad de México: Porrúa, 2003. V. I, p. 507-520.; TEJADA, Javier Tajadura. Retos y desafios del derecho procesal constitucional en los umbrales del tercer milenio: reflexiones desde la perspectiva europea. In: - MAC-GREGOR, Eduardo Ferrer (Coord.) Derecho Procesal Constitucional. Ciudad de México: Porrúa, 2003. V. I, p. 521-539.; VILALLON, Pedro Cruz (org.) Los Processos Constitucionales. Cuadernos y Debates, Madrid, Centro de Estudios Constitucionales, nº 41, 1992, 169 p.,

Na literatura alemã, entre muitos, ver: HÄBERLE, Peter. El Derecho Procesal Constitucional como Derecho Constitucional Concretizado frente a la judicatura del Tribunal Federal Constitucional alemán. Revista Iberoamericana de Derecho Procesal Constitucional: Proceso Y Constitución. Ciudad de México-D.F.: Porrúa, n° 01, enero-junio 2004, p. 15-44 e seu “El Proceso Constitucional en Europa.”Revista Latino-americana de estudos constitucionais. Belo Horizonte: Del Rey, n. 3, p. 35-70, janeiro/junho 2004.;

[4] Para Raul Machado Horta “as normas centrais da Constituição Federal (...) designam um conjunto de normas constitucionais vinculadas à organização da forma federal de Estado, com missão de manter e preservar a homogeneidade dentro da pluralidade das pessoas jurídicas, dos entes dotados de soberania na União e de autonomia nos Estados-Membros e nos Municípios, que compõem a figura complexa do Estado Federal. (...). São normas constitucionais federais que servem aos fins da participação, da coordenação e da autonomia das partes constitutivas do Estado Federal. Distribuem-se em círculos normativos, configurados na Constituição Federal, para ulterior projeção nas Constituições dos Estados. (...). Identificam o figurino, o modelo federal, para nele introduzir-se, posteriormente, o constituinte estadual, em sua tarefa de organização do Estado Federado. (...).”, conforme seu Direito Constitucional, Belo Horizonte, Del Rey, 2002, Título II, Capítulo 7 “Normas Centrais da Constituição Federal”, p. 284. Ainda para o constitucionalista mineiro, “a introdução de normas centrais da Constituição Federal no domínio da Constituição do Estado Federado, no exercício da atividade constituinte, converte o ordenamento constitucional do Estado em ordenamento misto na sua composição normativa, uma parte provindo do poder autônomo de auto-organização e a outra resultando da transposição de normas centrais da Constituição Federal, para o campo normativo da Constituição Estadual.” Idem, p. 287.

[5] A discussão sobre regras e princípios constitucionais é muito importante para compreender as grandes questões do Direito Constitucional contemporâneo. Na linha de seus aportes, são significativos os seguintes trabalhos: Ruy Samuel Espíndola, Conceito de Princípios Constitucionais, 2 ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 2002, 288 p., Walter Claudis Rhotemburg, Princípios Constitucionais, Porto Alegre, Sérgio Fabris Editor, 1999, 88 p., Ana Paula de Barcellos, A Eficácia Jurídica dos Princípios Constitucionais: o princípio da dignidade da pessoa humana, Rio de Janeiro, Renovar, 2002, 326 p.; Humberto Ávila, Teoria dos Princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos, São Paulo, Malheiros, 2003, 127 p.; para aprofundamento temático, em texto clássico, ver Robert Alexy, Teoria de Los Derechos Fundamentales [Theorie der Grundrechte], trad. Ernesto Garzon Valdés, Madrid, Centro de Estudios Constitucionales, 1993, especialmente p. 81-172.

[6] Sobre a tutela, justiciabilidade, concretização judicial dos direitos fundamentais, como direitos de defesa ou direitos prestacionais, vale indicar os seguintes trabalhos: LEDUR, José Felipe. O Contributo dos Direitos Fundamentais para a Efetividade dos Direitos Sociais. Tese doutoral, Universidade Federal do Paraná, 2002, 243 p.; Krell, Andreas J. Direitos Sociais e Controle Judicial no Brasil e na Alemanha – os (des)caminhos de um Direito Constitucional “Comparado”, Porto Alegre, Sergio Fabris Editor, 2002, 119 p.; GOUVÊA, Marcos Maselli. O Controle Judicial das Omissões Administrativas: novas perspectivas de implementação dos direitos prestacionais. Rio de Janeiro: Forense, 2003. 427 p.; MANDELLI JÚNIOR, Roberto Mendes. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental: instrumento de proteção dos direitos fundamentais e da constituição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. 207 p. Para compreensão da teoria geral e dogmática dos direitos fundamentais entre nós, ver SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais, Porto Alegre, Livraria do Advogado, 1998, 386 p. Para um teorização clássica e geral, ver Robert Alexy, Teoria de Los Derechos Fundamentales, ob. cit.

[7] Ver, neste norte, Edgar Carpio Marco, “La Jury Constitutionnare en el Pensamiento de Sieyés”, Boletim Mexicano de Derecho Comparado, nº 95, may/ago 1999, p. 269/320.

[8] Ver, nesse sentido, José Adércio Leite Sampaio, A Constituição Reinventada pela Jurisdição Constitucional, Belo Horizonte, Del Rey, 2002, 1066 p., p. 21-24.

[9] Nesse sentido é interessante o tratamento dado por Hans Kelsen ao tema da intervenção federal em seu livro Jurisdição Constitucional, São Paulo, Martins Fontes, 2003, no capítulo “A intervenção federal (Contribuição à teoria e prática do Estado federativo, com particular atenção à Constituição do Reich alemão e à Constituição federal austríaca)”, p. 47-117.

[10] Sobre “federalismo” indicamos as seguintes obras, pressupostas na interxtualidade deste trabalho: ZIMMERMANN, Augusto. Teoria Geral do Federalismo Democrático. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1999. 405 p.; NAVARRO, José Luis Mirete. Federalismo y Regionalismo. Anales de Derecho. Revista de la Facultad de Derecho, Universidad de Murcia, 1987-1990, nº 10, p. 251-256; BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Teoria Geral do Federalismo. Rio de Janeiro: Forense, 1986. 362 p.

[11] Houve quem averbasse que o controle de constitucionalidade não seria “... da substância das Constituições escritas”, mas da “essência das Constituições federativas.”, assim Ruy Barbosa: “A verificação da constitucionalidade das leis pelos tribunais de justiça, não é da substância da Constituições escritas. Provam-no, com uma exceção apenas, e esta assás limitada, todas as Constituições do outro continente, desde a França até o Japão, e algumas do nosso. Mas é da essência das Constituições federativas que, neste regime, alheia à zona da ação política, a imparcialidade judiciária fiscalize a linha constitucional de respeito entre a soberania da União e a autonomia dos Estados.” Apud Oswaldo Bandeira de Mello, A Teoria das Constituições Rígidas, 2 ed., São Paulo, José Bushatsky, 1980, p. 100. Bandeira de Mello diverge de Ruy, entendendo que o controle de constitucionalidade decorreria “naturalmente” do regime das constituições rígidas, sem, no entanto, deixar de reconhecer como impraticável uma federação que não o acolhesse, conforme ps. 97 a 113 da ob. cit.

[12] Vejamos as palavras de um dos Pais (Fathers) da Constituição norte-americana, Alexander Hamilton, em artigo intitulado “Os Juízes como Guardiões da Constituição”: “A integral independência das cortes de justiça é particularmente essencial em uma Constituição limitada. Ao qualificar uma Constituição como limitada, quero dizer que ela contém certas restrições específicas à autoridade legislativa, tais como, por exemplo, não aprovar projetos de confiscos, leis ex-post-facto e outras similares. Limitações dessa natureza somente poderão ser preservadas na prática através das cortes de justiça, quem têm o dever de declarar nulos todos os atos contrários ao manifesto espírito da Constituição. Sem isso, todas as restrições contra privilégios ou concessões particulares serão inúteis.”(p. 577)  “Na exposição dos defeitos da atual Confederação, foram claramente acentuadas a utilidade e a necessidade de uma judicatura federal. (...).” (p. 575).“(...) Uma constituição é, de fato, a lei básica e como tal deve ser considerada pelos juízes. Em conseqüência cabe-lhes interpretar seus dispositivos, assim como o significado de quaisquer resoluções do Legislativo. Se acontecer uma irreconciliável discrepância entre estas, a que tiver maior hierarquia e validade deverá, naturalmente, ser a preferida; em outras palavras, a Constituição deve prevalecer sobre a lei ordinária, a intenção do povo sobre a de seus agentes.”(p. 578). “... em conseqüência, sempre que uma lei ordinária contrariar a Constituição, é dever dos tribunais obedecer o prescrito por esta e ignorar aquela.” (p. 579). Cf. Alexander Hamilton, James Madison e John Jay, O Federalista [The Federalist], Introd. Benjamin Fletcher Wright, trad. Heitor Almeida Herrera, Brasília, UnB, 1984, artigo de número 78.

[13] Para estudos no horizonte desta afirmação, ver Francisco Fernández Segado, Reflexiones criticas em torno al federalismo en America Latina, in GARZA, José Maria Serna de la (Coord.) Federalismo Y Regionalismo. Memoria del VII Congresso Iberoamericano de Derecho Constitucional. Cidade do México: Instituto de Investigações Jurídicas, 2002, p. 105/157. Também Raul Machado Horta, Direito Constitucional, no título III “Estado Federal e Tendências do Federalismo Contemporâneo”, especialmente capítulos 7 “Novas Tendências do Federalismo e seus Reflexos na Constituição Brasileira de 1988” (p. 477-490) e “Formas Simétricas e Assimétricas do Federalismo no Estado Moderno” (p. 491-499).

[14] Ver, nesta perspectiva, interessante estudo de SEGADO, Francisco Fernández El control de la constitucionalidad en Iberoamérica: sus rasgos generales y su genesis en el pasado siglo. In:  MIRANDA, Jorge (Org.). Perspectivas Constitucionais. Coimbra: Editora Coimbra, 1997. V. II, p. 965-1014.

[15] A Alemanha como ápice do método concentrado de controle contemporâneo e Estados Unidos como modelo original do método difuso clássico. Em ambos se encontra o controle de constitucionalidade estadual, há a proteção de juridicidade da Constituição estadual.

[16] Em Raúl Márquez Romero (coord.), Conclusiones y relatorías del VII Congresso Iberoamericano de Derecho Constitucional, México, Instituto de Investigaciones Jurídicas/UNAM, 2002, 175 p., p. 20. Essas conclusões foram inspiradas nas observações de Héctor Fix Fierro, na conferência “Posibilidades y perspectivas de uma jurisdicción constitucional en las entidades federativas”, como relatado nas conclusões do congresso, p. 62-63.

[17] Interessante as observações de Giancarlo Rolla, na perspectiva desta afirmação: “el control de constitucionalidad de las leyes há supuesto, en el siglo pasado, uma importante, esencial evolución del principio de legalidad: se pude incluso sostener que constituye su corolario natural, desde el momento que pone fin a una línea evolutiva que partiendo de la crítica al Estado absoluto, donde los poderes del soberano eran considerados legibus soluti, se ha logrado llegar a la regla según la cual los comportamientos de todos los poderes públicos deben basarse sobre una norma jurídica previa. Consequentemente, el principio de legalidad, inicialmente entendido específicamente vinculado con las relaciones entre ley y actividad administrativa, representa un límite para el mismo legislador, en sentido de que las leyes y los actos dotados de fuerza de ley deben resultar conforme o de cualquier forma compatibles con las disposiciones constitucionales.” Cf. seu Papel de La Justicia Constitucional en el Marco del Constitucionalismo Contemporaneo, in: GÓMEZ, Juan Vega e SOSA, Edgar Corzo (Coords.) Tribunales y justicia constitucional. Memoria del VII Congresso Iberoamericano de Derecho Constitucional. Cidade do México, Instituto de Investigações Jurídicas, 2002, p. 355-6.

Nessa linha, para Gustavo ZAGREBELSKY, a Constituição tomou o lugar da lei. O princípio da constitucionalidade, submeteu o legislador, diferentemente do princípio da legalidade, que submetia apenas juiz e administrador. O princípio da constitucionalidade “deve assegurar a consecução do objetivo de unidade da ordem jurídica” Cf. seu El Derecho Dúctil – ley, derechos, justicia. [Il Diritto mitte – legge, diritti, giustizia]. Trad. Marina Gascón. Madrid: Trotta, 1999, p. 40.

[18] Cf. Anna Ferraz, ob. cit., p. 183.

[19] Ver José Alfredo de Oliveira Baracho, Jurisdição Constitucional das Liberdades, in: - José Adércio Leite Sampaio (Coord.), Jurisdição Constitucional e Direitos Fundamentais, Belo Horizonte, Del Rey, 2003, 537p., p. 01-44.

[20] Para Oliveira Baracho a “Jurisdição constitucional da liberdade é a atividade jurisdicional destinada à tutela das normas constitucionais que consagram os direitos fundamentais da pessoa humana. Seu exercício ocorre por meio de um conjunto de instrumentos jurídico-processuais destinados a levar à apreciação dos tribunais questões que suscitam a infringência dos direitos humanos fundamentais.” Idem, p. 26.

[21] Hans Kelsen explica em seu Jurisdição Constitucional, São Paulo, Martins Fontes, 2003, 319 p.: “Garantias da Constituição significam (...) garantias da regularidade das regras imediatamente subordinadas à Constituição, isto é, essencialmente, garantia da constitucionalidade das leis.” (p. 126). “As garantias da Constituição não passam, pois, de meios contra as leis inconstitucionais...” (p. 132). “Entre as medidas técnicas (...) que têm por objeto garantir a regularidade das funções estatais, a anulação do ato inconstitucional é a que representa a principal e mais eficaz garantia da Constituição.” (p. 148). “As leis cuja inconstitucionalidade é alegada constituem o objeto principal da jurisdição constitucional. Por leis, cumpre entender os atos assim denominados dos órgãos legislativos, isto é, nas democracias modernas, dos parlamentos centrais ou, tratando-se de um Estado Federativo, locais” (p. 155).

[22] Ainda Kelsen: “... podemos recomendar submeter ao controle da jurisdição constitucional apenas as normas gerais que emanam exclusivamente de autoridades públicas, sejam elas autoridades centrais ou locais, autoridades estatais no sentido estrito da palavra, autoridades regionais ou até municipais. O município também é membro do Estado, e seus órgãos estatais descentralizados.” Cf. Jurisdição... ob. cit., p. 159.

[23] Neste sentido, ver colocações de FIX-ZAMUDIO, Héctor. Breves Reflexiones sobre a la naturaleza, estructura e funciones de los organismos jurisdiccionales especializados en la resolución de processos constitucionales. In: - GÓMEZ, Juan Vega e SOSA, Edgar Corzo (Coords.) Tribunales y Justicia Constitucional: Memoria del VII Congresso Iberoamericano de Derecho Constitucional. Cidade do México: Instituto de Investigações Jurídicas, 2002, p. 201 e 234. Também KIMMINICH, Otto. Jurisdição Constitucional e Princípio da Divisão de Poderes. Trad. Anke Schlimm e Gilmar Ferreira Mendes. Revista de Direito Público, São Paulo, Revista dos Tribunais, ano XXII, out./dez. 1992, n. 92, p. 18-21.

Para uma aprofundada problemização entre Jurisdição Constitucional e Democracia, ver, em horizonte mais largo, SOUZA NETO, Cláudio Pereira. Jurisdição Constitucional, Democracia e Racionalidade Prática. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. 376 p.

[24] Isto não quer dizer que Estados, como a Inglaterra, que não apresentam controle de constitucionalidade, não constituam autêntico Estado de Direito de índole democrática. O controle de constitucionalidade é condição essencial à existência e ampla eficácia do novo perfil do Estado de Direito, o Estado Democrático de Direito. Para compreender este novo perfil ver Inocêncio Mártires Coelho, Perfil Constitucional do Estado Contemporâneo: O Estado Democrático de Direito, Revista de Informação Legislativa, Brasília, Subsecretaria de Edições Técnicas, Senado Federal, a. 30, n. 118, p. 05-18.

[25] Na perspectiva desta afirmação ver FERRARI, Regina Maria Macedo Nery. Normas Constitucionais Programáticas: normatividade, operatividade e efetividade. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, especialmente o item 4.1. “Origem e Importância das Normas Programáticas no Contexto do Estado Contemporâneo”, p. 153-172.

[26] Neste sentido ver Giancarlo Rolla, em seu Derechos Fundamentales, Estado Democrático Y Justicia Constitucional, México, Universidad Nacional Autónoma de México/Instituto de Investigaciones Juridicas, 2002, especialmente o capítulo “Derechos Fundamentais Y Estado Democrático: El Papel de La Justicia Constitucional”, p. 125-180; também ALEXY, Robert Direitos Fundamentais no Estado Constitucional Democrático: para uma relação entre direitos do homem, direitos fundamentais, democracia e jurisdição constitucional, In: Revista da Direito Administrativo, Rio de Janeiro, Renovar, n° 217, p. 55-77, jul./set. 1999.

[27] Giancarlo Rolla se ocupa da relação entre Jurisdição Constitucional e Direito Fundamentais como elementonecessário à definição de um Estado como “Estado Democrático de Direito”: “Uma primera y significativa relación entre los derechos fundamentales de la persona y justicia constitucional consiste en el hecho de que ambos representan dos bases del moderno constitucionalismo democrático, cuya coexistencia es necesaria para definir um determinado ordenamiento como ‘Estado democrático de derecho’”. Cf. Derechos Fundamentales, Estado Democrático Y Justicia Constitucional, ob. cit.,p. 126.

Neste sentido Jorge Miranda afirma que “o constitucionalismo não se reduz, por certo, a controle de constitucionalidade e a direitos fundamentais. Envolve mais do que isso: envolve legitimidade democrática, divisão de poder, legalidade da administração. Mas hoje existe perfeita consciência de que só faz sentido falar em constitucionalismo ou em Estado de Direito quando se verifique, nos textos e na prática, garantia dos direitos fundamentais e esta implica controle de constitucionalidade, seja qual for o sistema que se adote.” (p. 61), conforme seu Controle de Constitucionalidade e Democracia. In: Revista da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro - EMERJ, v. 6, n° 21, p. 61-84, 2003.

[28] Para uma reflexão crítica contestando a tese da insindicabilidade do veto como ato político, ver Gustavo Binenbojm, A Nova Jurisdição Constitucional Brasileira: legitimidade democrática e instrumentos de realização, Rio de Janeiro, Renovar, 2001, 260 p, no capítulo VI, item 2 “A defesa da supremacia da Constituição em sede legislativa: a sindicabilidade do veto por inconstitucionalidade” (p. 203-210 e 227).

[29] Ver, para aprofundamento, estudo de Ana Cláudia Nascimento Gomes, O Poder de Rejeição de Leis Inconstitucionais pela Autoridade Administrativa no Direito português e no Direito brasileiro, Porto Alegre, Sérgio Fabris Editor, 2002, 438 p., e Gustavo Binenbojm, A Nova Jurisdição Constitucional..., ob. cit., capítulo VI, item 3 “A defesa da supremacia da Constituição em sede administrativa: a possibilidade de o Poder Executivo negar aplicação à lei reputada inconstitucional” (p. 210-221 e 227).

[30] Para elucidar, vejamos alguns artigos constantes do Regimento Interno do Senado Federal brasileiro:

“Art. 101 – À Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania compete:

I – opinar sobre a constitucionalidade, juridicidade e regimentalidade das matérias que lhe forem submetidas por deliberação do Plenário, por despacho da Presidência, por consulta de qualquer comissão, ou quando em virtude desses aspectos houver recurso de decisão terminativa de comissão para o Plenário;

(...).

§ 1° - Quando a comissão emitir parecer pela inconstitucionalidade e injuridicidade de qualquer proposição, será está considerada rejeitada e arquivada definitivamente, por despacho do Presidente do Senado, salvo, não sendo unânime o parecer, recurso interposto nos termos do art. 254.

§ 2° - Tratando-se de inconstitucionalidade parcial, a Comissão poderá oferecer emenda corrigindo o vício.

(...).

Art. 300 – Na votação, serão obedecidas as seguintes normas:

(...).

XVIII – não será submetida a votos emenda declarada inconstitucional ou injurídica pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, salvo se, não sendo unânime o parecer, o requererem líderes que representem, no mínimo, a maioria da composição do Senado.”

[31] Para elucidar, vejamos artigos constantes do Regimento Interno da Assembléia Legislativa do Estado de Santa Catarina (Resolução DP n° 47 de 04.12.89 e alterações em vigor):

“Art. 102 – Não serão admitidas as proposições que:

(...).

VI – forem manifestamente inconstitucionais.

(...).

Art. 138 – (...).

Parágrafo único – Além do que estabelece o art. 102, a Presidência devolverá ao autor qualquer proposição que:

(...).

II – versar matéria:

(...).

b) evidentemente inconstitucional.”

[32] A Constituição do Estado de Santa Catarina, artigo 40, VI, defere a mesma atribuição à Assembléia Legislativa relativamente ao poder regulamentar e atividade legislativa delegada do Governador. E o Regimento Interno da ALESC estabelece interessante procedimento operador desta competência, em seus artigos 253 a 255 (o RIALESC não trata da hipótese de delegação legislativa), onde qualquer deputado ou comissão podem propor a sustação dos atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar à Comissão de Constituição e Justiça, após a proposição a Comissão ouvirá, em 10 dias, a Chefia do Executivo para que esse “defenda (...) a validade do ato impugnado”, feito isto, e conhecidas as razões do Executivo, a CCJ, se “deliberar pela procedência da impugnação, encaminhará à Mesa projeto de decreto legislativo sustando o ato impugnado”, e se, ao contrário, decidir pela legalidade do ato,  “proporá à Mesa o arquivamento da proposta de sustação”, podendo o autor da proposição sustatória, nesta hipótese, recorrer da decisão da CCJ ao Plenário em 05 dias.

[33] Ver, para tanto, estudo de Anna Cândida da Cunha Ferraz, Conflito entre Poderes: O Poder Congressual de Sustar Atos Normativos do Poder Executivo, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1994, 224 p., p. 149-215.

[34] A Constituição catarinense, em seu artigo 4°, I, de forma peculiar e no plano administrativo, estabeleceu a seguinte possibilidade, no que tange as inconstitucionalidades por omissão: “as omissões do Poder Público que tornem inviável o exercício dos direitos constitucionais serão supridas na esfera administrativa, sob pena de responsabilidade da autoridade competente, no prazo de trinta dias, contados do requerimento do interessado, sem prejuízo de medidas judiciais.”

[35] A constituição estadual nem sempre é o fundamento de validade das leis estaduais e municipais. Muitas vezes as leis estaduais e municipais encontram fundamento imediato na Constituição Federal, conforme lembra Sergio Ferrari, Constituição Estadual e Federação, ob. cit., p. 213-219.

Todavia, ainda que Constituição estadual nem sempre empreste fundamento de validade às normas ordinárias estaduais e municipais, em quase todas as vezes servirá ela de parâmetro de inconstitucionalidade para essas mesmas normas, desde que as normas objeto ofendam alguma norma constitucional estadual posta no texto estadual ou pressuposta no texto federal. Aqui há uma separação, uma autonomização do parâmetro de inconstitucionalidade relativamente ao fundamento de validade, ou seja, a norma estadual ou municipal pode ter sido expedida com fundamento na Constituição Federal, mas poderá ser julgada inconstitucional com fundamento na Constituição estadual.

[36] É comum nos trabalhos monográficos sobre controle de constitucionalidade haver uma parte introdutória onde disserta-se sobre sua evolução histórica no Direito brasileiro, analisando-se as Constituições centrais, as leis ordinárias, disposições regimentais e decisões jurisprudenciais que disciplinaram o procedimento de controle nacional, da primeira Constituição Imperial até a atualidade. Exemplos significativos desta tendência são os trabalhos de Oswaldo Bandeira de Mello, A Teoria das Constituições Rígidas, ob. cit., p. 155/248, Paulo Napoleão Nogueira da Silva, A Evolução do Controle de Constitucionalidade e a Competência do Senado Federal, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1992, 155 p., p. 57-122, Gustavo Binenbojm, A Nova Jurisdição..., ob. cit., p. 121-199 e Gilmar Ferreira Mendes, Controle de Constitucionalidade – aspectos jurídicos e políticos, São Paulo, Saraiva, 1990, p. 169-193.

[37] Anna Ferraz, em seu Poder Constituinte do Estado-Membro, ob. cit., tratando dos sistemas de defesa da Constituição Estadual, esclarece, a título de considerações gerais: “O controle político ocorre sempre que a verificação da adequação do ato (no caso, atos estaduais ou municipais)  à Constituição Estadual é confiada a órgão não integrante do Poder Judiciário. Em tese, esse sistema de controle pode ser exercido pelo povo, pelo próprio Legislativo Estadual, pelo Poder Executivo ou órgão constituído fora da atuação do Poder Judiciário, e cuja missão principal ou exclusiva é verificar a defesa da Constituição Estadual contra atos que com ela conflitem.” (p. 192).

[38] Idem, transcrição e ilação relativas as ps. 202 a 205.

[39] Nome dado, a época, pela Constituição estadual, à Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo. Terminologia comum às primeiras Constituições estaduais republicanas.

[40] Cf. Anna Cândida da Cunha Ferraz, em seu Poder Constituinte do Estado-Membro, ob. cit., p. 194.

[41] Nome dado ao posto hoje denominado de “Governador”.

[42] Idem, p. 194.

[43] Cf. transcrição, paráfrase e ilação feita de Anna Ferraz, ob. cit, p. 194/195.

[44] Cf. ob. cit., p. 195.

[45] Idem, p. 197.

[46] Registra Anna Ferraz que a Constituição do Ceará, de 25.11.1970, previra interessante mecanismo de controle político das leis, posturas e atos municipais, ao atribuir ao Prefeito municipal a possibilidade deste representar à Câmara contra leis, posturas e atos municipais que lhe parecessem inconstitucionais, cf. ob. cit., p. 196.

[47] Idem, p. 196.

[48] Neste viés, observa Cunha Ferraz interessante questão relativamente às leis municipais: “... o controle político (criado nos primórdios da República) dos atos municipais, em regra, não envolvia somente o exame do contraste desses atos com a Constituição Estadual e suas leis, mas abrangia, também, o exame da constitucionalidade desses atos face à Constituição Federal e às leis federais.” Cf. ob. cit., p. 203-4.

[49] Idem, p. 205.

[50] Idem, p. 206.

[51] Ibidem.

[52] Idem, p. 207.

[53] Ibidem.

[54] Idem, p. 208-10, de onde se extrai: Diário do Congresso Nacional, 14.04.1959, p. 569/70 e 571/72, relatores respectivos, Mins. Cândido Mota Filho e Mário Guimarães.

[55] O teor do artigo 19 da referida emenda: “Ao art. 124 são acrescidos os seguintes incisos (...).: ´XIII – a lei poderá estabelecer processo, de competência originária do Tribunal de Justiça, para declaração de inconstitucionalidade de lei ou ato de Município, em conflito com a Constituição do Estado.” “Esta legislação, entretanto, não foi elaborada e a inovação não foi praticada”, cf. Dircêo Torrecillas Ramos, O Controle de Constitucionalidade por via de Ação, São Paulo, Angelotti, 1994, 178 p., p. 101.

[56] Anna Ferraz, O Poder Constituinte..., ob.cit., p. 210-212.

[57] Idem, p. 212.

[58] Idem, p. 212-3.

[59] Cf. Poder Constituinte do Estado-Membro, ob. cit., p. 184-218.

[60] Cf. Controle da Constitucionalidade das Leis Municipais, 3 ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 2003, 239 p.

[61] Cf. Controle Jurisdicional de Constitucionalidade, 2 ed., Belo Horizonte, Del Rey, 2000, 413 p., p. 328/365.

[62] Cf. Controle de Constitucionalidade à Luz da Jurisprudência do STF, Rio de Janeiro, Forense, 1999, 170 p., p. 121/130 e 136.

[63] Cf. A Fiscalização Abstrata de Constitucionalidade no Direito Brasileiro, 2 ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 2002, 484 p., p. 387/406.

[64] Cf. Jurisdição Constitucional e Hermenêutica - uma nova crítica do Direito, Porto Alegre, Livraria do Advogado, 2002, 710 p., p. 564/587.

[65] Cf. José Carlos Moreira Alves, A Jurisdição Constitucional Estadual e as Normas Constitucionais Federais Reproduzidas nas Constituições dos Estados-Membros, ob.cit.

[66] Cf. Moreira Alves e o Controle de Constitucionalidade no Brasil, São Paulo, Celso Bastos Editor, 2000, 872 p., p. 79/106 - doutrina, p. 519/680 - compilação de decisões do STF, e seu artigo O Controle de Constitucionalidade do Direito Estadual e Municipal na Constituição Federal de 1988.

[67] Cf. Leis Municipais e seu Controle pelo Tribunal de Justiça, Porto Alegre, Livraria do Advogado, 2001, 248 p.

[68] Cf. Constituição Estadual e Federação, São Paulo, Lumen Juris, 2003, 283 p., p. 237-252. 

[69] Cf. O Controle de Constitucionalidade por via de Ação, ob. cit., p. 99/108.

[70] Cf. Aspectos Processuais da Ação Direta de Inconstitucionalidade da Lei Municipal, São Paulo, Revista dos Tribunais, 2002, 384 p.

[71] Cf. Controle de Constitucionalidade das Leis Municipais, São Paulo, Atlas, 2002, 287 p.

[72] Cf. Direito Constitucional: Teoria da Constituição. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003. 366 p., p. 295-305.

[73] Cf. A Ação Direta de Inconstitucionalidade perante o Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Florianópolis: Obra Jurídica, 2005. 157 p.

[74] Cf. Ação Direta de Inconstitucionalidade em Santa Catarina, Revista da ESMESC – Escola Superior da Magistratura do Estado de Santa Catarina, Florianópolis, Associação da Magistratura Catarinense, ano 8, volume 13, 2002, p. 75-90.

[75] Interessante, no âmbito do Direito Comparado, o estudo realizado por Néstor Pedro SAGUÉS, que se ocupou da positivação desta ação na Constituição provincial de Rio Negro, República Federativa Argentina. Para tanto, ver seu estudo La Acción de Inconstitucionalidad por Omisión en la Constitución de la Provincia de Río Negro, In: - BAZÁN, Victor. Inconstitucionalidad por Omisión. Bogotá: Temis, 1997. p. 109-22. Apenas para lembrança do leitor, província, para o Direito Constitucional, é sinônimo de estado-membro, já que tanto Argentina quanto Brasil são países que possuem a forma federativa de estado.

[76] O constituinte catarinense inovou em relação ao constituinte federal no que toca aos efeitos desta ação, ao determinar que “reconhecida a inconstitucionalidade, por omissão de medida para tornar efetiva norma desta Constituição, a decisão será comunicada ao Poder competente, para adoção das providências necessárias a prática do ato ou início do processo legislativo, e, em se tratando de órgão administrativo, para cumprimento em trinta dias.” (grifo nosso!).

[77] Anna Ferraz, Poder Constituinte..., ob. cit., p. 185-187 e 217-218, entende que é direito autônomo do constituinte estadual fixar seu próprio sistema defesa da Constituição estadual, ainda que diferente do modelo federal de controle de constitucionalidade.

[78] Nagib Slaibi Filho, em seu Ação Declaratória de Constitucionalidade, Rio de Janeiro, Forense, 1994, 201 p., p. 92-97, entende possível a adoção deste instrumento no plano estadual, ainda que tenha silenciado a emenda constitucional 03/93. Adota tal entendimento, todavia com algumas restrições à liberdade de conformação do poder constituinte decorrente: (i) não poderia prever como objeto desta ação as leis municipais; (ii) os legitimados para propô-la deveriam corresponder, no plano local, as mesmas autoridades encontráveis no plano federal (103, § 4°, da CR) ou seja, o Governador, a Mesa da Assembléia e o Procurador-Geral de Justiça; (iii) deveria ser previsto o seu rito no regimento do Tribunal de Justiça, sob a alegação que esse teria mais liberdade de conformação normativa que o legislador ordinário estadual.

Somos contrários a tais restrições, como se verá melhor adiante, especialmente item 06 e 06.1 deste trabalho.

[79] André Ramos Tavares, Tratado da Argüição de Preceito Fundamental – Lei n. 9.868/99 e Lei n. 9.882/99, São Paulo, Saraiva, 2001, 483 p., p. 249-252, admite a adoção pelo constituinte estadual, entendendo, inclusive, que esse poderia: (i) adotar rito próprio, ainda que diverso do modelo federal; (ii) estabelecer sua preferência sobre a ação direta de inconstitucionalidade estadual; (iii) poderia elencar os preceitos considerados fundamentais para merecerem proteção especial; (iv) poderia estabelecer o rito próprio mediante lei estadual; (v) deveria seguir, pelo princípio da reciprocidade, o modelo federal. Esta postura, como vemos, é mais adequada e liberal que a de Slaibi Filho, e a entendemos mais consentânea ao federalismo contemporâneo nacional e às suas exigências para o controle de constitucionalidade estadual.

[80] Reza o artigo 281, parágrafo 1, letra “b”, da Constituição da República Portuguesa: “O Tribunal Constitucional aprecia e declara, com força obrigatória geral: (...). a ilegalidade de quaisquer normas constantes de diploma regional, com fundamento em violação do estatuto da região ou de lei geral da República, a requerimento (...) [do Presidente da República, do Presidente da Assembléia, do Primeiro-Ministro, do Provedor de Justiça, do Procurador-Geral da República] ou do Ministro da República para a respectiva região autónoma.” Lembremos que segundo o artigo 6°, da mesma Constituição, a República portuguesa constitui um Estado Unitário.

[81] A obra de Lair da Silva LOUREIRO e Lair da Silva LOUREIRO FILHO, Ação Direta de Inconstitucionalidade: Jurisprudência do Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo 1986/1995, São Paulo, Saraiva, 1996, traz opiniões jurisprudenciais do TJSP neste sentido:

“Ação Direta de Inconstitucionalidade. Lei Orgânica Municipal – Confronto de Lei Municipal – Descabimento – Caráter Infraconstitucional.” (Adin n° 13.776-0/0 – SP, Rel. Des. Cesar de Moraes, j. 19.02.92) (p. 01).

“Ação Direta de Inconstitucionalidade. Lei Municipal – Invocação em face da Lei Orgânica Municipal – Norma Infraconstitucional – Ação extinta sem julgamento de mérito.

As ações diretas de inconstitucionalidade devem ater-se a contrastes com dispositivos constitucionais, não com normas de direito comum, independentemente de sua hierarquia.” (Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 14.302-0/6 – SP, Rel. Des. Francis Davis, j. 23.03.94) (p. 06)

Do corpo do aresto extrai-se o seguinte: “Preliminarmente, o controle de constitucionalidade das leis é feito em face de norma constitucional. Não possuem essa qualificação as regras da Lei Orgânica do Município. (...).”(p. 07) (negritamos!) Outros acórdãos revelam a mesma posição: ADIN n. 13.882-0/4-SP, Rel. Des. Márcio Bonilha, j. 04.03.94 (p. 8).

Ainda que essas opiniões tenham concluído que não cabe a discussão de contraste entre Lei Orgânica Municipal e Lei Municipal ordinária em adin estadual, ocorre que seus fundamentos negam o caráter de norma constitucional à Lei Orgânica Municipal, de norma pré-ordenante, de norma paramétrica em juízo de inconstitucionalidade, com o que discordamos.

Posição doutrinária contrária a esta é a de Marlon Alberto WEICHERT, que assim assevera: “Todo controle de constitucionalidade envolve duas variáveis, em um Estado Federativo: o parâmetro e o objeto. Primeiro, é preciso definir a Constituição que será tomada como parâmetro para o controle. Com efeito, co-existindo a Constituição Federal e as Constituições estaduais, além das Leis Orgânicas dos Municípios, é possível questionar a compatibilidade das normas com qualquer um desses textos fundamentais.” Cf. seu o Recurso Extraordinário no Controle Abstrato de Constitucionalidade. In: TAVARES, André Ramos & ROTHENBURG, Walter Claudius. Aspectos Atuais do Controle de Constitucionalidade no Brasil: Recurso Extraordinário e Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 66.

[82] Cf. Seu texto La Función de la Constitución, in: - Enrique E. Mari et alii. Derecho y Psicoanálisis: teoría de las ficciones y función dogmática. Buenos Aires: Hachette, 1987. 168 p.

[83] Para uma visão contrária a defendida neste trabalho ver o estudo de Reginaldo FANCKIN. O Malogro das Cartas Próprias Municipais. Revista de Direito Público. São Paulo, Revista dos Tribunais, jul./set. 99, ano 25, n. 99, p. 236-44. Fanckin, em síntese, afirma:

a) recusa a função constituinte aos vereadores e atribuí caráter de mero estatuto organizador a Lei Orgânica, negando-lhe o caráter de constituição (p. 237 e 240) – fala em “... estrita finalidade estruturante da lei orgânica, ou seja, cinge-se a organizar (...) os órgãos fundamentais do Município.” (p. 239);

b) crítica o regime das cartas próprias municipais e elogia o regime constitucional anterior, que previa a competência aos estados-membros para editarem leis orgânicas gerais aos Municípios (p. 238) [nesse regime, vigia, em Santa Catarina, a Lei Complementar Estadual n° 05, de 26 de novembro de 1975, com 266 artigos];

c) a lei orgânica municipal, em verdade, teria caráter regulamentar e não legal: “A Lei Orgânica Municipal está para a Constituição Federal e para a Constituição Estadual de seu respectivo Estado-membro, na mesma relação jurídica em que o Regulamento está para o texto legal regulamentado, não podendo, pois, criar direitos ou obrigações novas, não estabelecidos pela Lei Maior, porquanto seria uma inovação exorbitante de suas atribuições (...).” (p. 239);

d) “... a ‘lei’ orgnânica só é lei na designação arbitrária do constituinte nacional.” E em tom de ironia afirmou: “Dizem algumas cabeças coroadas por Minerva que a Lei Orgânica seria um equivalente municipal da Constituição.”(p. 241).

e) recusa validade jurídica as normas de caráter programático encontráveis em Leis Orgânicas Municipais, ao argumento de que somente o constituinte nacional poderia fazê-lo, já que essas normas constituiriam “fins do Estado-Nação” (p. 243).

f) defende a idéia de que a Lei Orgânica deve apenas e estritamente reproduzir “...ao nível local a estrutura implícita no Texto Maior.” (p. 244).

Acreditamos que a visão do autor seja excessivamente jusadministrativistas do Direito Constitucional, do papel do Município na Federação, não adaptada às novas exigências do Estado Democrático de Direito e do Federalismo contemporâneos. A natureza jurídica da Lei Orgânica Municipal e seus consectários constitucionais, exigem, para uma adequada e atualizada compreensão, oxigenação pela Teoria do Direito e pela Teoria da Constituição, não sendo o Direito Administrativo o campo mais apropriado à boa análise da questão.

A redução da Lei Orgânica a mero regulamento, a mera fotografia piorada do texto federal, negando-lhe a possibilidade de estabelecer normas programáticas (que não são apanágio de textos constitucionais, vejamos o Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei 8.069, de 13.07.1990, artigos  artigos 3°, 4° e 5°, e. g.), negando-lhe a possibilidade de conformar, ainda que minimamente, novos limites aos poderes e novos núcleos de direitos fundamentais em escala municipal, é contrária aos rumos democráticos do federalismo contemporâneo e às exigências de boa tutela do sistema constitucional brasileiro da atualidade, ainda que sob o argumento de excessos encontráveis em inúmeras Câmaras deste País, ainda que sob o temor de ao admitir-se tal direito se cometam abusos em seu exercício. Os excessos podem e devem ser debelados pelo exercício da jurisdição constitucional, seja ela a federal ou a estadual.

Enfim, pensar o novo problema da Lei Orgânica Municipal com o velho espírito da Constituição de 1969 é elaborar interpretação retrospectiva, desatender as novas responsabilidades teóricas que reclamam os novos tempos, a nova Constituição; é recursar-se a pensar novos caminhos em face de novas metas, missões e desafios lançados aos juristas do Brasil por força de nova Lei Fundamental Republicana e Federativa promulgada em 05.10.1988.

[84] Cf. José Levi do Amaral Júnior, Incidente de Argüição de Inconstitucionalidade - comentários ao art. 97 da Constituição Federal e aos arts. 480 a 482 do Código de Processo Civil, São Paulo, Revista dos Tribunais, 2002, 143 p., p. 93-108.

[85] Sobre a técnica de decisão “interpretação conforme à constituição”, ver Gilmar Ferreira Mendes, Jurisdição Constitucional, São Paulo, Saraiva, 1996, 326 p., p. 221/229, 268/280; também Vasco Della Giustina, Leis Municipais e seu Controle pelo Tribunal de Justiça - ação direta de inconstitucionalidade e incidente de inconstitucionalidade, Porto Alegre, Livraria do Advogado, 2001, 248 p., p. 189/195; igualmente, para grande aprofundamento, Lênio Luiz Streck, Jurisdição Constitucional e Hermenêutica - uma nova crítica do Direito, Porto Alegre, Livraria do Advogado, 2002, 710 p., p. 441/541.

[86] Sobre a técnica de “declaração de inconstitucionalidade sem redução de texto”, ver Gilmar Mendes Jurisdição Constitucional, ibidem; também Lênio Luiz Streck, Jurisdição Constitucional e Hermenêutica, ibidem.

[87] Sobre a técnica de “declaração de inconstitucionalidade sem a pronúncia de nulidade”, ver Gilmar Mendes Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade, São Paulo, Celso Bastos Editor, 1998, 478 p., p. 27-66, com o artigo A Doutrina Constitucional e o Controle de Constitucionalidade como Garantia da Cidadania – necessidade de desenvolvimento da declaração de inconstitucionalidade sem a pronúncia de nulidade no Direito brasileiro.

[88] O texto mais significativo sobre sua temática, ao nosso ver, foi o elaborado por Roberto Augusto Castellanos Pfeiffer, Mandado de Injunção, São Paulo, Atlas, 1999, 290 p., embora ele nada refira sobre a possibilidade de seu manejo em face de normas das constituições estaduais e municipais.

[89] Cf. Antônio Souza Prudente, Pronúncia de inconstitucionalidade por omissão parcial no sistema difuso e acesso pleno à justiça, Revista dos Tribunais - Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política, São Paulo, RT, ano 5, nº 20, jul/set. 1997, p. 195-212.

[90] Sobre a idéia de que o mandado de injunção tutela direitos e liberdades constitucionais previstas ou desenvolvidas até mesmo em textos ordinários, desde que carentes de efetividade, ver Paulo de Tarso Brandão, Ações Constitucionais Típicas, Florianópolis, Obra Jurídica, 2001.

[91] A Constituição catarinense, no seu artigo 83, XI, c, dispõe que é competência privativa do Tribunal de Justiça processar e julgar originariamente o mandado de injunção contra omissões do Governador do Estado, da Mesa e da Presidência da Assembléia Legislativa, do Tribunal de Contas, dos Secretários de Estado e do Procurador-Geral de Justiça.

[92] A relação entre a Teoria da Federação e a Teoria do Poder Constituinte suscita a “produção federativa do Direito Constitucional”, ou seja, quem, quando e como, em uma federação, está autorizado a produzir Direito Constitucional como normas jurídicas constantes de Constituições (a central e as parciais) legitimamente instituídas, validamente adotadas pelo povo da federação e pelos povos das entidades federadas.

Lembremos fatores de história das instituições e das idéias políticas. Os elementos históricos e teóricos que desencadeiam uma praxe e uma teoria da federação começam nos Estados Unidos da América do Norte, mais especificamente em 1787, com a entrada em vigor de sua Constituição Republicana, Federativa e Presidencialista. Seu traçado teórico inicial constitui a obra O Federalista, ob. cit., contendo os textos de Alexander Hamilton, James Madison e John Jay. Por sua vez, a teoria do poder constituinte ganha origem na obra do Abade Emanuel de Seyés, elaborada em 1804, O Que é o Terceiro Estado. Existe tradução brasileira com o seguinte título: SIEYÈS, Emmanuel Joseph. A Constituinte Burguesa [Qu'est-ce que le Tiers État?] Trad. Norma Azeredo, pref. José Ribas Vieira, org. e introd. Aurélio Wander Bastos. Rio de Janeiro: Liber Juris, 1986. 155 p.

Lembremos ainda que a Teoria do Poder Constituinte nasceu em um Estado Unitário, a França, que não conheceu a riqueza da forma federativa encetada há muito no espírito dos americanos do Norte. E a nação-mãe da teoria da federação não conheceu a Teoria do Poder Constituinte. Aliás, na origem do sistema norte-americano, a commow law, descende de uma tradição que não só não conheceu como ainda hoje desconhece (em termos institucionais) a Teoria do Poder Constituinte: a inglesa.

Nos seus primórdios, a Teoria do Poder Constituinte apenas se ocupava da produção do Direito Constitucional Total, da Constituição total, não conhecia as ordens constitucionais parciais. Hoje ela se ocupa em responder como Estados-Membros, em uma Federação, podem produzir suas constituições, com que limites e com quais instrumentos para fazê-los efetivos.

O ajuste teórico entre essas teorias demanda reflexão para melhor compreendermos as relações entre jurisdição constitucional federal e jurisdição constitucional estadual.

Para os fins deste trabalho, a questão torna-se ainda mais interessante se considerarmos que o sistema francês até hoje não conhece o controle de constitucionalidade judicial, adotando a forma do controle político prévio, controle realizado por órgão não integrante do Poder Judiciário. Para conhecer o controle de constitucionalidade francês, ver GOMES, Joaquim B. Barbosa. A Evolução do Controle de Constitucionalidade de tipo Francês. In: - Revista de Informação Legislativa, Brasília, Senado Federal, ano 40, n° 158, abr./jun. 2003, p. 97-125. Sobre a organização político-territorial francesa, ver MARIN, Eriberto Francisco. Breves considerações sobre a Organização Política e Territorial do Estado Francés. in: - José Luiz Quadros de Magalhães (coord.), Pacto Federativo, ob. cit., p.181-228.

Para saber sobre a forma de estado norte-americana, ver SANTIAGO, Myrian Passos. O Modelo Federal dos Estados Unidos da América, In: - José Luiz Quadros de Magalhães (coord.), Pacto Federativo, ob. cit., p. 23-70 e PINTO FILHO, Francisco Bilac. Traços da Formação e da Evolução do Estado Federal Norte-Americano, in: Ribas Vieira (coord). Temas de Direito Constitucional Norte-Americano, ob.cit., p. 11-51.

[93] Cf. Anna Ferraz, Poder Constituinte..., ob. cit., p. 53.

[94] Idem, p. 54.

[95] Ibidem.

[96] Ibidem.

[97] Idem, p. 54-55.

[98] Cf. Gabriel Ivo, Constituição Estadual - competência para elaboração da Constituição do Estado-Membro, ob. cit., p. 124.

[99] Cf. Raul Machado Horta, Direito Constitucional, ob. cit., título I “Poder Constituinte”, Cap. 3 “Natureza do Poder Constituinte do Estado-Membro” (p. 67-81), p. 67.

[100] Cf. André Luiz Borges Netto, Competências Legislativas dos Estados-Membros, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1999, 193 p., p. 108.

[101]  Cf. José Adércio Leite Sampaio, A Constituição Reinventada pela Jurisdição Constitucional, Belo Horizonte, ob. cit., p. 569.

[102] Idem, p. 574.

[103] Isso, pelo que assevera Fernando Segado, parece ser uma tendência do federalismo latino-americano no que respeita ao princípio da autonomia estadual, à capacidade auto-organizativa do estado-membro. Vejamos suas observações críticas:

“La capacidade autoorganizativa, que como ya se há dicho es uno de los contenidos de la autonomia, no se agota en el puro ejercicio formal de la potestad constituyente por el Estado miembro, mediante el que dicho Estado se da su propia Constitución. Siendo esto inexcusable, la autonomia requiere de una capacidad de decisión real sobre la propria organización de los poderes del Estado. Esta capacidad decisoria puede sujetarse a algún límite general, pero no a unas restriciones tan amplias que el constituyente estatal se vea convertido en un mero ejecutor de los dictados que estabelece la Constitución federal. (...).

Desde luego, no puede obviarse el hecho de que en todos los Estados federales la autonomia estatal, esto es, de los Estados miembros de la Federación, encuentra una serie de limitaciones que hallan su razón de ser en la necesidad de garantizar que las estructuras políticas existentes en la Federación y los Estados sean mínimamente homogéneas, y que también lo sean tales Estados entre si. (...).Ello responde a lo conveniencia de generar una cierta homogeneidad, como antes se dijo; sin embargo no se exige ni la adecuación plena ni la uniformidad.

En Latinoamerica, (...) con la sola excepción de Argentina, las Constituciones federales incorporan normas que van mucho más allá de lo que el principio de homogeneidad debe suponer y exigir en un Estado federal, incidiendo sobre aspectos muy puntuales de la organización de los poderes públicos estatales que, por causa de la vertiente autoorganizativa que, entre otros contenidos, entraña el principio de autonomia, debieran de quedar sujetos a la propria capacidad decisoria del constituyente estatal, con lo que ello entraña de una muy seria devaluación del principio de autonomia.” Cf. Seu Reflexiones Críticas em Torno al Federalismo..., ob. cit., p. 129-130.

[104] Cunha Ferraz, ob. cit., p. 124.

[105] Idem, p. 127.

[106] No horizonte desta afirmação, preponderantemente centrado em problemas constitucionais europeus, ver artigo de Vital MOREIRA, O Futuro da Constituição, In: GRAU, Eros Roberto e GUERRA FILHO,  Willis Santiago (orgs.). Direito Constitucional: estudos em homenagem a Paulo Bonavides, São Paulo, Malheiros, 2001, p. 313-336. Para uma visão voltada aos problemas latino-americanos, ver Allan R. Brewer-Carias, América Latina: retos para la Constitución del Siglo XXI. In: STIFTUNG, Adenaur Konrad & CIEDLA – Centro Interdisciplinario de Estudos sobre el Desarrollo Latinonamericano. Anuario de Derecho Constitucional Latinoamericano. p. 13-33. Edicion 2000. Tratando de problemas constitucionais contemporâneos: VALADÉS, Diego. Constitución y Democracia. México: Universidad Nacional Autónoma de México, 2002, especialmente em “Las cuestiones constitucionales de nuestro tiempo”, p. O3-24.

[107] Ver, neste sentido, Sérgio Ferrari, ob. cit., p. 236, e Luz del Carmem Martí Capitanachi, “Las Constituciones Locales en el Sistema Federal Mexicano ¿Son Verdaderas Constituciones?”, in: - GARZA, José Maria Serna de la (Coord.) Federalismo Y Regionalismo. Memoria del VII Congresso Iberoamericano de Derecho Constitucional, Cidade do México, Instituto de Investigações Jurídicas, 2002, p. 645/661, 575 p.

[108] Para estudo histórico, crítico e dogmático desta tradição no Brasil, ver Celso Bastos, A Federação no Brasil, in: Revista de Direito Constitucional e Ciência Política, Rio de Janeiro, Forense, Instituto Brasileiro de Direito Constitucional, número especial, 1987, p. 181-241. Para suas dimensões latino-americanas, também em perspectiva crítica, ver Fernando Segado, Reflexiones criticas em torno al federalismo en América Latina, ob. cit.

[109] Nesse sentido, e. g., o Estado de Santa Catarina promulgou a Lei estadual nº 12.069, de 27 de dezembro de 2001, que dispôs “sobre o procedimento e julgamento de Ação Direta de Inconstitucionalidade perante o Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina”. Antes da entrada em vigor desta norma, regulava o rito da adin estadual a Resolução tribunalícia n° 06, de 05 de setembro de 1990, do Tribunal catarinense.

[110] Cf. Anna Ferraz, Poder Constituinte..., ob. cit., p. 186.

[111] Idem, p. 187.

[112] Idem, p. 188.

[113] Idem, p. 190.

[114] Idem, p. 190-191.

[115] Cf. Sérgio Ferrari, ob. cit., p. 240.

[116] André Ramos TAVARES adota a tese de que o Poder Constituinte do Estado-Membro pode adotar e regular a argüição de descumprimento de preceito fundamental estadual, sugerindo que a atividade constituinte decorrente defina o rol de preceitos fundamentais passíveis de ensejarem argüição perante o Tribunal de Justiça, conforme seu Tratado da Argüição de Preceito Fundamental, São Paulo, Saraiva, 2001, p. 249/252. Como está se tornando corrente na opinião especializada, a argüição de descumprimento admite a impugnação de “atos estatais de efeitos concretos no controle abstrato”, conforme André TAVARES, obra citada p. 205-8.

Regina Maria Macedo Nery FERRARI, em seu Controle de Constitucionalidade das Leis Municipais, 3 ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 2003, além de admitir a possibilidade de controle de atos não normativos pela argüição de descumprimento, vai mais longe, entende que inclusive “políticas públicas” (composta, por vezes, de um conjunto de atos normativos e não normativos) podem ser objeto de impugnação na via da arguição de descumprimento, conforme se deflui das páginas 186-189 e 193-195 de seu livro.

Fábio Konder COMPARATO escreveu um dos mais significativos textos já produzidos entre nós sobre políticas públicas e controle de constitucionalidade, ver seu Ensaio Sobre o Juízo de Inconstitucionalidade de Políticas Públicas. In:  BANDEIRA DE MELLO, Celso Antonio (Org.) Estudos em Homenagem a Geraldo Ataliba 2 - Direito Administrativo e Constitucional. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 343-359.

[117] Cf. Anna Ferraz, Poder Constituinte..., ob. cit., p. 218.

[118] Cf. Regina Maria Macedo Nery Ferrari, Efeitos da Declaração de Inconstitucionalidade, 4 ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 1999, 286 p., p. 267.

[119] Ver registros significativos do trato de competências legislativas e administrativas em: HORTA, Raul Machado. Repartição de Competências na Constituição Federal de 1988. In: Revista Trimestral de Direito Público, IDEPE e IDAP, São Paulo, Malheiros, n. 2, 1993, p. 05-20; SUNDFELD, Carlos Ari. “Sistema Constitucional das Competências”. Revista Trimestral de Direito Público. São Paulo, Malheiros, 1993, nº 01, p. 272-81; CLÈVE, Clémerson Merlin. Temas de Direito Constitucional (e de Teoria do Direito). São Paulo: Acadêmica, 1993, p. 63-82. Obra monográfica sobre competências legislativas do Estado-Membro: ver BORGES NETTO, André Luiz. Competências Legislativas dos Estados-Membros. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. 193 p. Obra monográfica sobre competência administrativa ver Manoel de Oliveira Franco Sobrinho, Da Competências Constitucional Administrativa, Curitiba, Genesis, 1995, 193 p.

[120]  Expressão baseada na obra de RUIZ, Gregorio. Federalismo Judicial (el modelo americano). Madrid: Civitas, 1994. 196 p.

[121] No horizonte desta temática, são interessantes os trabalho de GAMA, Décio Xavier. Justiça Municipal. Revista da EMERJ, v. 2, nº 06, 1999, p. 132/141 e ZEFIRO, Gabriel de Oliveira. Juizados Especiais Municipais com Juízes Eleitos – uma proposta. Revista da EMERJ, v. 4, nº 14, 2001, p. 95/106.

[122] Não estamos desatentos a tese da unidade do poder judiciário nacional: ver, neste sentido, SILVEIRA, José Neri. Aspectos Institucionais e Estruturais do Poder Judiciário brasileiro. In: TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo (coord.). O Judiciário e a Constituição. São Paulo: Saraiva, 1994. p. 197/218, cf. p. 07-09 e p. 14-22 da obra.

[123] Cf. Oswaldo Trigueiro, Direito Constitucional Estadual, ob. cit., p. 196.

[124] Sobre o Judiciário brasileiro na atual Constituição da República, interessante as anotações sobre sua autonomia e papel na ordem jurídica nacional, no estudo de Clémerson Clève, Temas de Direito Constitucional, ob. cit., p. 36-55.

[125] Cf. Raul Machado Horta, Direito Constitucional,ob. cit., p. 70-71.

[126] Sobre o programa normativo da norma constitucional, programa que atenta para importância da história, da tradição, da genética dos textos constitucionais no processo de concretização constitucional (interpretação/aplicação/construção da norma), ver nosso estudo Conceito de Princípios Constitucionais, 2 ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 2002, p. 196/7 e 233/43.

[127] A título exemplificativo, no Direito Comparado, sobre o controle jurisdicional de constitucionalidade desenvolvido por órgãos judiciários estaduais, ver o estudo de Anna Cândida Ferraz, Poder Constituinte do Estado-Membro, obra citada, p. 199/201, no qual a jurista de São Paulo refere Estados Unidos da América do Norte, Argentina e Alemanha. Aprofundamentos interessantes sobre esta questão no Direito Tedesco, ver o trabalho de Gilmar Ferreira Mendes, O Controle de Constitucionalidade do Direito Estadual e Municipal na Constituição Federal de 1988, obra citada.

O problema é tão rico, que Oswaldo Aranha Bandeira de Mello, em seu A Teoria das Constituições Rígidas, obra citada, chega a referir que entre os americanos do norte, mesmo antes da promulgação da Constituição Federal de 1787, órgãos judiciários estaduais  já haviam declarado a inconstitucionalidade de leis estaduais em face de Constituições estaduais. Vejamos:

“Alguns tribunais estaduais, antes da promulgação da Constituição Federal, decidiram que tinham o poder de discutir a validade das leis e declará-las nulas, quando em conflito com as suas Constituições Estaduais.

Esta doutrina foi sustentada, parece, pela primeira vez, após a independência dos Estados Unidos, em 1780, por um tribunal de Nova Jersey, que deixou de cumprir um ato legislativo por considerá-lo infringente da Constituição Estadual, na disputa Holmes-Walton. Dois anos depois, a Corte de Apelação de Virgínia, no caso Commonwealth-Caton, em 1782, decidiu ser inconstitucional um ato que tirava do chefe do executivo estadual o poder de perdoar, que a Constituição lhe conferira. Em 27 de agosto de 1784, a Corte Suprema de Nova York, no pleito Rutgers-Waddington, declarou nula uma lei desse Estado. Em 1786, na célebre questão Trevitt-Weedon, a Corte Superior de Rhode Island decidiu como írrito um ato da sua legislatura. No ano seguinte, a Corte Máxima de Carolina do Norte, na contenda Bayard-Singleton, ainda declarou nulo ato contrário à Constituição do Estado.” (p. 109-10) Essas conclusões do autor foram sustentadas com base na obra de David Watson, The Constitution of the United States, p. 1.169-79, vol. II (ano de 1910).

Todavia, devemos relativizar o valor da sustentação de Bandeira de Mello para os fins de historicidade do controle estadual em federações, em face de que o período referido da história constitucional norte-americana era de “confederação” e não de “federação”. Ou seja, quando ele refere “constituições estaduais” devemos ler, em verdade, constituições nacionais confederadas. Mesmo assim, seu registro é deveras importante para sustentar que o controle de constitucionalidade estadual desenvolvido por órgãos judiciários estaduais em proteção de constituição estadual é ínsito às federações, já que a confederação norte-americana é a origem do grande modelo de federalismo inaugurado pelos Estados Unidos.

Outra registro importante sobre a necessidade de controlar a constitucionalidade da atividade legislativa estadual, é o que destaca os fatores históricos e filosóficos que fizeram emergir, nos Estados Unidos, a doutrina da judicial review of legislation. Fatores associados ao que se entendeu por abuso das assembléias estaduais ao produzerem leis “entidas” injustas e inconstitucionais, leis que visavam atender a profunda crise econômica sofrida por pequenos agricultores (a classe dos devedores), que ficaram empobrecidos e sem capacidade para solver suas dívidas após a Revolução Americana de 1776 – empobrecidos pois lutaram na Revolução. Para tanto, ver o aprofundado trabalho do jurista argentino GARGARELLA, Roberto. La Justicia Frente Al Gobierno: sobre el carécter contramayoritario del poder judicial. Barcelona: Ariel, 1996. 279 p., p. 17-26.

[128] Para estudo aprofundado sobre regra do full bench, ver o estudo monográfico de Amaral Júnior, Incidente de Argüição de Inconstitucionalidade - comentários ao art. 97 da Constituição Federal e aos arts. 480 a 482 do Código de Processo Civil, ob. cit.

[129] Essa lei nacional foi produzida com fundamento nos artigos 98, I, 24, X e XI, da Constituição da República.

[130] Neste sentido ver Guilherme PEÑA, Direito Constitucional: Teoria da Constituição, ob. cit., p. 295-6, no capítulo XIII “Controle de Constitucionalidade no Plano Estadual”.

[131] A Lei nacional n° 1.533, de 31 de dezembro de 1951, regula o rito e consectários do Mandado de Segurança; a lei nacional n° 9.507, de 12 de novembro de 1997, normatiza, por sua vez, o Habeas Data; o decreto-lei nacional n° 3.689, de 03 de outubro de 1941 – Código de Processo Penal – estabeleceu o procedimento e hipótese de cabimento do Habeas Corpus, especialmente em seus artigos 647 a 667; o parágrafo único, do artigo 24, da Lei nacional 8.038, de 28 de maio de 1990, manda aplicar ao mandado de injunção, no que lhe couber, o mesmo rito aplicável ao mandado de segurança, enquanto não sobrevier legislação específica.

Aliás, quanto ao tratamento legislativo-processual dado ao mandado de injunção, já afirmamos alhures: “... o mandado de injunção, às vezes de eficácia tão criticada pela interpretação inicial que lhe deu o STF, embora auto-aplicável, com imposição do rito do mandado de segurança por força do artigo 24, parágrafo único, da Lei 8.038/90, seria mais potente e hábil à sua missão constitucional se houvesse uma lei própria, regulando-lhe todos os efeitos e tramas processuais, como desfrutam as demais ações constitucionais. Atente-se para o fato de que o mandado de injunção e a ação direta de inconstitucionalidade são as únicas ações constitucionais típicas que carecem de desenvolvimento processual via lei ordinária.” Cf. nosso Princípios Constitucionais e Atividade Jurídico-Administrativa: anotações em torno de questões contemporâneas. In: Revista da ESMESC – Escola Superior da Magistratura do Estado de Santa Catarina, Florianópolis, ESMESC, 2002, p. 37-66, ano 8, vol. 14, p. 64, nota 41.

[132] Cf. seu Processo Constitucional, Rio de Janeiro, Forense, 1984, p. 97.

[133] Idem, p. 98.

[134] Ilações a partir de Patrícia Teixeira de Rezende Flores, Aspectos Processuais da Ação Direta de Inconstitucionalidade de Lei Municipal, São Paulo, Revista dos Tribunais, 2002, p. 126.

[135] Neste sentido vão as observações de German Fernandes FARRERES: “... la distinción entre la jurisdición constitucional y la ordinaria no puede ser establecida, como as veces se hace, refiriendo la primera al plano de la constitucionalidad y la jurisdición ordinaria al de la simple legalidad, pues la unidad del ordenamiento y la supremacía de la Constitución no toleran la consideración de ambos planos como si fueran mundos distintos e [sic!] incomunicables. Ni la jurisdicción ordinaria puede, al interpretar y aplicar la ley, olvidar la existencia de la Constitución, ni puede prescindir la jurisdición constitucional del análisis de la aplicación que la jurisdicción ordinaria hace de la ley cuando tal análisis es necesario para determinar si se ha vulnerado o no alguno de los derechos fundamentales o libertades públicas cuya salvaguarda le esté encomendada.” Apud DANTAS, Ivo. O Valor da Constituição: Do controle de constitucioalidade como garantia da supralegalidade constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 1996. 216 p., p. 22.

[136] Cf. Neste sentido ver André Ramos Tavares, Perfil Constitucional do Recurso Extraordinário, in: André Ramos Tavares & Walter Claudius Rothenburg (orgs.), Aspectos Atuais do Controle de Constitucionalidade no Brasil – recurso extraordinário e argüição de descumprimento de preceito fundamental, Rio de Janeiro, Forense, 2003, p. 07.

[137] Apud Patrícia Flores, ob. cit., p. 123. A exemplo, os princípios de hermenêutica constitucional, interpretação conforme à constituição, e técnicas de decisão, a declaração de inconstitucionalidade sem redução de texto, declaração de incompatibilidade sem declaração de nulidade, natureza das normas parâmetros no juízo de inconstitucionalidade, etc.

[138] Ilação a partir de Baracho, Processo, ob. cit., p. 108.

[139] Cf. Patrícia Flores, ob. cit, p. 141. Sobre a natureza da jurisdição constitucional afirma Baracho: “A definição da natureza da ‘jurisdição constitucional’ é de grande relevo para a própria estruturação do Estado Contemporâneo e para a defesa das liberdades fundamentais do cidadão, em qualquer setor que venha a realizar suas atividades e pronunciamentos.” em seu Processo Constitucional, ob. cit., p. 107.

Arrazoado clássico contra o controle de constitucionalidade desenvolvido pelo Poder Judiciário, acusando-o de politizar a justiça e investí-la de atribuição que deveria caber mais propriamente a um órgão político e não jurisdicional - o Presidente de Reich Alemão  -, constitui o texto de Carl SCHMITT, La Defensa de La Constitución [Der Hüter der Verfassung]. 2 ed. Prol. Pedro Vega, trad. Manuel Sanchez Sarto. Madrid: Tecnos, 1998. 251 p.

Carl Schmitt questionou, entre outros pontos, os seguintes: “¿hasta qué punto es posible instituir dentro de la esfera de la Justicia el protector de la Constitución? En principio, en términos generales, ¿cabe imaginar con carácter judicial la función de un protector de la Constitución? Semejante actividad, aunque su ejercicio quede aureolado con la aparencia de judicialidad ¿sigue siendo Justicia en la práctica o es, más bien, el disfraz engañoso de otras atribuciones de diversa índole, pero, en todo caso, de marcado caráter político?”(p. 62-3).

Hans Kelsen debateu com Schmitt a tese de “quem deve ser o defensor da Constituição?”, e em análise de todos os pontos argüidos por ele, afirma quanto a um deles: “Não se pode negar que a questão lançada por Schmittt a respeito dos limites da jurisdição em geral e da jurisdição constitucional em particular seja absolutamente legítima.” (p. 262).

Todavia, o teórico austríaco, quanto a tese que deveria ser o Presidente do Reich o supremo guardião da Constituição, aduz: “A função política da Constituição é estabelecer limites jurídicos ao exercício do poder. Garantia da Constituição significa a segurança de que tais limites não serão ultrapassados. Se algo é indubitável é que nenhuma instância é tão pouco idônea para tal função quanto justamente aquela a quem a Constituição confia – na totalidade ou em parte – o exercício do poder e que portanto possui, primordialmente, a oportunidade jurídica e o estímulo político para vulnerá-la. Lembre-se que nenhum outro princípio técnico-jurídico é tão unânime: ninguém pode ser juiz em causa própria.

(...). Como não se podia declarar abertamente o verdadeiro objetivo político de impedir uma eficaz garantia da Constituição, ele era mascarado com a doutrina segundo a qual tal garantia seria tarefa do chefe de Estado.” (p. 240-1). Cf. seu Jurisdição Constitucional, ob. cit., no capítulo “Quem deve ser o guardião da Constituição?”(p. 237-98) Há uma versão em espanhol deste capítulo consubstanciada no seguinte livro: KELSEN, Hans. ¿Quién debe ser el defensor de la Constitución? [Wer soll der Hüter der Verfassung sein?] Estudo prel. Guillermo Gasió, trad. Roberto J. Brie. Madrid: Tecnos, 1995. 82 p. A doutrina nacional registra síntese desta controvérsia na obra de PALU, Oswaldo Luiz. Controle de Constitucionalidade. Conceitos, sistemas e efeitos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. 271 p., p. 77-80.


Autor

  • Ruy Samuel Espíndola

    Advogado publicista e sócio-gerente integrante da Espíndola e Valgas Advogados Associados, com sede em Florianópolis/SC, com militância nos Tribunais Superiores. Professor de Direito Constitucional desde 1994, sendo docente de pós-graduação lato sensu na Escola Superior de Magistratura do Estado de Santa Catarina e da Escola Superior de Advocacia da OAB/SC. Mestre em Direito Público pela Universidade Federal de Santa Catarina (1996). Atual Membro Consultor da Comissão Nacional de Estudos Constitucionais da OAB/Federal e Membro da Comissão de Direito Constitucional da Seccional da OAB de SC. Membro efetivo da Academia Catarinense de Direito Eleitoral, do Instituto Catarinense de Direito Administrativo e do Octagenário Instituto dos Advogados de Santa Catarina. Acadêmico vitalício da Academia Catarinense de Letras Jurídicas na cadeira de número 14, que tem como patrono o Advogado criminalista Acácio Bernardes. Autor da obra Conceito de Princípios Constitucionais (RT, 2 ed., 2002) e de inúmeros artigos em Direito Constitucional publicados em revistas especializadas, nacionais e estrangeiras. Conferencista nacional e internacional sobre temas jurídico-públicos. [email protected], www.espindolaevalgas.com.br, www.facebook.com/ruysamuel. 55 48 3224-6739.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ESPÍNDOLA, Ruy Samuel. Jurisdição constitucional estadual: notas para compreender sua problemática no âmbito da federação brasileira. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4431, 19 ago. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/41918. Acesso em: 24 abr. 2024.