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Discussões acerca da eficácia do direito subjetivo à seguridade social

Discussões acerca da eficácia do direito subjetivo à seguridade social

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Em que pese não se poder negar a concretização dos direitos sociais sob a alegação peremptória de ausência de caixa, também não se poderá exigir a concretização imediata de todos os objetivos estruturais eleitos pelo Estado, visto que os patamares civilizatórios pretendidos se dão por etapas.

RESUMO: O presente artigo busca apresentar uma visão geral da estruturação da seguridade social enquanto instrumento de proteção social. A partir desse contexto, procura-se desnudar a conceituação, além do fundamento constitucional da seguridade social, bem como de sua caracterização jurídica. Para tanto, ao se evidenciar o direito da seguridade social, como direito social, emerge toda a problemática adstrita à concreção desses direitos, e, portanto, sua real eficácia, considerando a delicada questão ligada à sua ontologia, enquanto direito fundamental. Assim, ao se contextualizar toda a axiologia correlata ao modelo de Constituição Dirigente, baseando-se no postulado preconizado pela Constituição Federal, segundo o qual o Estado brasileiro deve caracterizar-se pela sua feição social, fundada em seu comprometimento com a igualdade material, vem a lume a temática correlata à judicialização dos direitos fundamentais, em cotejo com as limitações de recursos materiais e financeiros que condicionam a atuação do Estado.

PALAVRAS-CHAVE: Direito à Seguridade Social. Mínimo Existencial. Reserva do Possível. Constituição Dirigente. Ontologia dos Direitos Sociais. Conteúdo Essencial dos Direitos Fundamentais.


INTRODUÇÃO

A seguridade social constitui-se em um conjunto de ações integradas, tanto da sociedade como dos Poderes Públicos, tendo como objetivo concretizar os direitos relativos à saúde, à assistência social e a previdência social, afigurando-se, portanto, como um sistema de proteção social.

Tal sistema proteção social é construído e alicerçado por meio de princípios e regras, as quais objetivam dar suporte normativo à pretensão constitucional, que redunde em uma ação por parte da sociedade e do Estado, quando se verificar a ocorrência de uma contingência social, de modo a ser garantida ao titular dessa rede de proteção social, chamado de beneficiário, a preservação de mínimos sociais que lhe possibilitem a sobrevivência com dignidade.

Tal acepção remete, em verdade, à necessária correlação entre o componente normativo principiológico, pois se quer evidenciar o caráter axiológico fundamentador da seguridade social, motivador da potencial política pública de proteção social, e o que efetivamente se verifica na realidade, enquanto ação prática institucional, viabilizada pelo Estado, quando já não há ação social possível, na melhor significação do Princípio da Subsidiariedade.

Nesse viés, portanto, sobeja toda a temática adstrita à concretização dos direitos sociais, veiculado ao surgimento do Estado Social, e seu ideário correlato à Função Promocional do Direito.

De outro giro, correlata a essa ontologia própria dos direitos sociais, onde “proteger” direitos implica em “realizar” direitos, toda a frustração que emana do considerável fracasso da agenda social preconizada pelas Constituições Dirigentes, que identificam o Estado Social com essa missão salvaguardadora da dignidade da pessoa humana, emerge.

Tal quadro de vazio institucional, que muito amiúde se verifica na sociedade, conclama a atuação do Poder Judiciário, como último bastião a possibilitar, às vezes com certa miopia, à concreção de direitos de viés social.


1. DO DIREITO À SEGURIDADE SOCIAL COM EXPRESSÃO COLETIVA DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

O direito à seguridade social corresponde a uma derivação do gênero dos direitos sociais. Portanto, constituem-se em um tipo de tutela pessoal. Assim, os direitos sociais; e, portanto, o direito à seguridade social; fazem parte do plexo dos chamados direitos fundamentais.

A importância desses direitos revela-se na noção de que os mesmos extrapolam a relação entre Estado e indivíduo, passando a ser reconhecidos como interesses comunitários, fornecendo diretrizes para toda atuação estatal.

A conformação dos direitos sociais, por sua vez, liga-se a uma temática de ação, visto que o Estado não pode se limitar a assistir a estagnação dos mandamentos constitucionais, vertido em letra morta, ante a ausência de políticas tendentes ao bem-estar de seu povo.

Tal acepção dos direitos sociais (ligada a um conceito de igualdade material e, portanto, de justiça), faz-nos volver os olhos para a percepção de que o Direito somente se justifica como mecanismo provocador de transformações sociais.

A demonstrar tal acepção, Nagibe de Melo Jorge Neto[2] pontua que:

O Direito, já há algum tempo, não é mais visto como mero instrumento de pacificação de conflitos, assumiu definitivamente o lugar de instrumento de desenvolvimento econômico e social, instrumento de construção da sociedade com base nos valores idealizados e positivados na Constituição.

Nesse passo, a seguridade social é um sistema de proteção social constituído por um feixe de princípios e regras destinado a acudir o indivíduo diante de determinadas contingências sociais (ou seja, as situações previstas na legislação que, quando verificadas, deflagram o mecanismo de proteção descrito na norma[3][4]), assegura-lhe o mínimo indispensável a uma vida digna, mediante a concessão de benefícios, prestações e serviços.

Tal pormenor é apontado por Jediael Galvão Miranda[5], ao explicar que:

Portanto, a dignidade da pessoa humana é valor fundamental que dá suporte à interpretação de norma e princípios da seguridade social, de molde a situar o homem com o fim de seus preceitos, e não como objeto ou instrumento. Em tema de seguridade social, garantir o mínimo existencial (um dos núcleos do princípio da dignidade humana) significa proporcionar condições materiais mínimas (prestações e serviços) para assegurar subsistência digna e vida saudável ao indivíduo atingido por determinadas contingências sociais.

Assim, a sociedade deve responder, a partir da chamada teoria do risco social, pelos infortúnios que recaiam sobre os indivíduos, membros da comunidade social, visto que tais situações são relevantes como um fato social, na medida em que:

[...] a repercussão que ela traz em suas consequências acaba sendo compartilhada na sociedade por todos, e não simplesmente por cada um dos seus membros individualmente considerados, até porque tais situações estão a ocorrer a todo o momento numa sociedade dinâmica e ativa[6].

Tais razões, portanto, fundamentam e justificam a seguridade social, visto que:

[...] os infortúnios causadores da perda, permanente ou temporária, da capacidade de trabalhar e auferir rendimentos foram objeto de várias formulações no sentido de estabelecer de quem seria a responsabilidade pelo dano patrimonial causado ao trabalhador, partindo da responsabilidade subjetiva ou aquiliana do tomador de serviços até chegar-se à responsabilidade da sociedade como um todo, pela teoria do risco social. [...], Segundo tal teoria, cabe à sociedade assegurar seu sustento ao indivíduo vitimado por uma incapacidade laborativa, já que toda a coletividade deve prestar solidariedade aos desafortunados, sendo tal responsabilidade de cunho objetivo – não se cogitando, sequer, da culpa do vitimado[7].

Portanto, afigura-se claro o decisivo papel que gozam os direitos sociais, dentro da Função Promocional do Direito.

Nesse viés, portanto, sua concretização encontra-se enredada à problemática ontologia dos direitos sociais, na medida em que não se bastam em serem declarados para terem existência assegurada.


2. A ONTOLOGIA PECULIAR DOS DIREITOS SOCIAIS COMO DIFICULDADE IMANENTE À SUA CONCREÇÃO

Os direitos fundamentais de segunda dimensão, onde inserem-se os direitos sociais, diferem-se sobremaneira dos direitos fundamentais de primeira geração. Estes como direitos de defesa frente ao Estado, enquanto aqueles como direitos à prestação do Estado.

Assim, acalentar direitos sociais viceja na exigência de efetivá-los. Afinal, parece crível supor que “o âmbito de proteção de um direto social é composto pelas ações estatais que fomentem a realização desse direito”[8]. Desse modo, se os direitos sociais operam-se como verdadeiros referenciais axiológicos para o Estado[9], a efetivação desses direitos passa necessariamente por decisões políticas (condições político-econômicas)[10], que poderão comprometer a existência desses, bastando a omissão estatal, ou mesmo a ação insuficiente, por parte do Estado.

Tal é o cerne do problema concernente à efetiva implementação dos direitos sociais, e mais propriamente do direito à seguridade social, visto que esses “direitos trazem como características mais marcantes o fato de que são direitos que pressupõem uma conduta ativa por parte do ente estatal”[11]. Assim, a partir do momento em que o Estado passa a intervir na economia, de forma a proporcionar a satisfação das necessidades dos indivíduos, não o fazem senão por determinação das Constituições ditas Dirigentes, valendo-se da supremacia constitucional a fundamentar esses direitos a uma prestação social do Estado.

A garantia dos direitos de matiz social, portanto, ao se optar pela chamada teoria externa, fundamenta-se em um princípio de otimização, lastreando-se no conceito de direitos prima facie, que a partir do Postulado da Proporcionalidade, admitem sopesamento de per si. Desse modo, ao se considerar os Princípios do Mínimo Existencial e da Reserva do Possível, chegar-se-á, pela aplicação do já referido Postulado da Proporcionalidade, ao direito definitivo, resguardado, portanto, seu conteúdo essencial.

Desse modo, no limiar de um Estado dialógico e preventivo, com a derrocada do Estado Social clássico, “uma vez impossibilitada a implementação irrestrita de direitos sociais, a orientação passou a ser no sentido de evitar, ao menos, a piora da situação dos indivíduos com os avanços do ‘capitalismo selvagem’ e seus excessos”[12].

Essa limitação intrínseca aos direitos sociais inspira situações em que mesmo que a pretensão de uma prestação apresenta conformação “razoável, o Estado só está obrigado a realizá-la se dispuser dos necessários recursos; daí a designação mais expressiva de reserva do financeiramente possível”[13].

Desse modo, os direitos sociais apresentam como uma de suas características a relevância do conteúdo econômico, na medida em que demandam recursos públicos disponíveis para que sejam concretizados.

Tratam-se, portanto, de direitos subjugados à conjuntura econômica. E desse modo, por dependerem de prestações positivas por parte do Estado, os direitos sociais acabam por esbarrar nas limitações de recursos materiais e financeiros que condicionam a atuação do Estado.

E mais, em um viés eminentemente pragmático, enfrentam as especificidades contidas no orçamento, que fixa as previsões de receita e define a despesas a serem efetuadas. Justamente por tais razões que se sustenta que a efetividade dos direitos sociais se encontra subordinada a chamada Teoria da Reserva do Possível, na medida em que o Poder Público somente poderá, de fato, implementar as políticas públicas dentro de sua capacidade financeira.

Nesse sentido, Rafael José Nadim de Lazari[14] explica que:

A Reserva do Possível, assunto intrinsecamente relacionado ao “custo dos direitos”, consiste, num conceito originário e ontologicamente despretensioso, na limitação argumentativo-fática à implementação dos direitos constitucionalmente previstos, em razão de insuficiência orçamentária para tal.

Entretanto, e tal ponderação deverá ser apresentada em tom enfático, a Reserva do Possível jamais poderá se tornar um óbice à preservação de um mínimo necessário à garantia da dignidade humana; sob pena de se esvaziar a teleologia Constitucional[15], sendo certo, porém, que a efetivação desses direitos, também não ocorre de forma plena, ante tais imperativos factuais, mas a partir de estágios[16].

Assim, não há dúvida de que o Estado está constitucionalmente obrigado a prover as demandas advindas da implementação dos direitos sociais. Resta saber, portanto “se, e em que medida, as ações com o propósito de satisfazer tais pretensões podem ser juridicizadas, isto é, se, e em que medida, tais ações se deixam vincular juridicamente”[17]. Eis, portanto, o ovo da serpente.


2. DO IMBRÓGLIO IMANENTE AO CONCEITO PROPOSITALMENTE METAFÍSICO DE MÍNIMO EXISTENCIAL

Como já referido, sem o suprimento desse Mínimo Existencial[18], não há que se falar em liberdade ou igualdade, uma vez que a dignidade humana é o alicerce e o ponto de partida para a efetivação de qualquer direito fundamental.

Nesse sentido, manifesta-se Daniel Machado da Rocha[19], no seguinte teor:

Os direitos sociais prestacionais, tais como a saúde, previdência, habitação, educação, na medida em que sua implementação reclama a mediação estatal, têm a sua realização umbilicalmente relacionada com a organização de políticas públicas. Fatores como o planejamento e a priorização de determinadas atividades, os condicionamentos institucionais – isto é, a existência de uma estrutura administrativa dotada de organização e capacidade técnica para a prestação de serviços – e um orçamento compatível, não podem ser ignorados.

Dentro desse paradigma, portanto, impende fazer-se uma breve análise quanto ao direito subjetivo de se exigir do Estado à concretização dos direitos sociais.

Assim, inicialmente, há que se referir à concepção de José Afonso da Silva, o qual entende não haver direito subjetivo individual em relação a direitos fundamentais sociais, exceto na sua vertente negativa. Essa postulação está ligada à definição, por ele proposta, das normas chamadas de programáticas[20].

Assim, explica José Afonso da Silva[21] que:

Aceitando as linhas fundamentais dessa doutrina, e reservando espaço para esclarecimento e especificações ulteriores, podemos conceber como programáticas aquelas normas constitucionais através das quais o constituinte, em vez de regular, direta e imediatamente, determinados interesses, limitou-se a traçar-lhe os princípios para serem cumpridos pelos seus órgãos (legislativo, executivo, jurisdicionais e administrativos), como programas das respectivas atividades, visando à realização dos fins sociais do Estado.

Tal concepção, no entanto, retira a possibilidade de se pleitear juridicamente condições mais dignas de vida[22].

Tal postulação, entretanto, não se sustenta, na medida em que o próprio José Afonso da Silva defende que todas as normas constitucionais apresentam alguma eficácia.

Uma segunda teoria, capitaneada por Ricardo Lobo Torres; partindo da concepção de cidadania de Marshall, restringe a efetivação dos direitos sociais, a partir de postulados jurídico-formalistas de inspiração liberal na interpretação e implementação desses direitos.

Entretanto, não nega, de forma peremptória, a subjetividade aos direitos fundamentais sociais, dando-lhes maior amplitude. Assim, toma por base a doutrina dos status de Jellinek, buscando, a partir daí, a delimitação da atividade do Estado em relação ao indivíduo (status positivo).

Assim, Jellinek pondera que as normas de direitos fundamentais, ao objetivar assegurar posições jurídicas aos indivíduos, cumprem diferentes funções; assegurando, perante o Estado, diversas posições jurídicas, chamadas de status. Portanto, o status negativo corresponde à esfera de liberdade na qual os interesses essencialmente individuais encontram sua satisfação. Por sua vez, o status passivo estabelece uma situação na qual o indivíduo se encontra em posição de sujeição ao Estado. Trata-se de uma esfera de obrigações. De outra parte, o status positivo dota o indivíduo de prerrogativas jurídicas de exigência perante o Estado de prestações positivas. Desse modo, o indivíduo reclama algo para si, ao qual o Estado está obrigado[23].

Finalmente, uma terceira teoria, ligada à concepção de Estado Social ou Estado Democrático de Direito, defendida por Paulo Bonavides, Andreas Krell e Lênio Luiz Streck, postula pela aplicação e efetivação dos direitos fundamentais sociais[24].

Tal teoria preconiza que os limites para o exercício dos direitos fundamentais estão vinculados à preservação das condições sociais, pressupostos de uma ação estatal ativa e positiva na efetivação desses direitos.

Nesse sentido, manifesta-se Dirley da Cunha Júnior[25]:

Os obstáculos que usualmente se erguem contra essa imediata aplicabilidade é que, segundo pensamos, não podem prevalecer ante a inquestionável vontade do constituinte de ver os direitos fundamentais que consagra diretamente usufruídos por seus titulares, independente da vontade do legislador ordinário. Esclarecemos, porém, que o “mínimo existencial” ou “padrão mínimo social”, como objeto de imediata e irrecusável garantia dos direitos sociais, compreende um completo, eficiente e qualificado atendimento básico das necessidades vitais do indivíduo, como saúde, educação, alimentação, moradia, assistência, variando seu conteúdo, evidentemente, de país para país.

Entretanto, como alhures referido, nessa ponderação de valores, é essencial a invocação do princípio da proporcionalidade para se resguardar o equilíbrio entre a Reserva do Possível e o Mínimo Existencial, impedindo, assim, o retrocesso nas conquistas sociais.

Outra argumentação que defende a aplicabilidade dos direitos sociais, de um modo geral, repousa na aplicação do Art. 5º, § 1º, da Constituição Federal, considerando que os direitos sociais, enquanto direitos fundamentais, estariam submetidos à sua lógica, a partir do impositivo da aplicação imediata, sob o enquadramento “das normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais”[26].

Nesse sentido, portanto, evoca-se o disposto no Art. 5º, § 1º, da Constituição Federal, como elemento justificador da aplicabilidade imediata dos direitos sociais, de um modo geral; visto que o referido dispositivo aponta para um constitucionalismo concretizador[27].

O fato dos direitos sociais serem veiculados por meio de normas programáticas, e as mesmas, por sua natureza, limitarem-se a prescrever programas sociais a serem adotados pelo Estado; como já mencionado,  não se constitui em motivo suficiente para negar aplicabilidade das mesmas.

Na verdade, como aponta Fabiana Okchestein Kelbert[28]:

[...] a não realização dos direitos sociais que dimanam das aludidas normas programáticas pela falta de regulamentação desmerece o próprio direito, ou seja, a inação estatal por falta de lei viola o direito e a norma que o prevê, a qual seria destituída de sentido caso não pudesse gerar qualquer efeito.

De outra parte, como aponta Virgílio Afonso da Silva[29], todas as normas constitucionais, em maior ou menor medida, dependem de atuação estatal; o que nos faz concluir que as normas jurídicas constantes da Constituição Federal, que veiculam os direitos sociais, e particularmente o direito à seguridade social, devem ter aplicabilidade tanto quanto possível.

Nesse sentido, João Luiz M. Esteves[30] pondera que:

Mas, de forma contraditória, não consegue enxergar que é a própria Constituição Federal que, taxativamente, pela disposição contida no §1º do seu art. 5º, resolve expressamente a questão ao dispor que as normas sobre direitos fundamentais têm aplicabilidade imediata. É necessário compreender que cada vez mais vem perdendo força argumentativa a doutrina que pretende restringir a aplicabilidade imediata dos direitos fundamentais sociais, em vista de que se vem uniformizando o entendimento de que o caráter aberto dessas normas e seu caráter principiológico não são impeditivos à imediata aplicabilidade, e, conforme Eros Grau, podem ensejar o gozo de direito subjetivo individual, independentemente de sua concretização legislativa [...].

Ainda, a reforçar tal argumento quanto à aplicabilidade imediata dos direitos sociais, e por consequência, do direito à seguridade social, tem-se que muitos direitos dessa natureza, seja por sua estrutura normativa, seja por sua função, apresentam-se como direitos de defesa, não existindo maiores problemas em dar-lhes eficácia imediata[31].

De outro giro, prudência é recomendável na aplicação, de forma irrestrita, da Teoria da Reserva do Possível à realidade brasileira, visto que a mesma fora concebida levando em consideração um parâmetro emanado da sociedade germânica.

Assim, situações diametralmente opostas, não podem ser regidas por um mesmo paradigma.

De uma parte, tem-se um país europeu, onde os mecanismos de proteção social já foram instalados e funcionam, possibilitando um patamar de igualdade sociológica aceitável, porém não ideal. De outra parte, vislumbra-se um país localizado na periferia do capitalismo global, onde impera a desigualdade social e o quase abandono de grande parcela da população pelo Estado.

Nesse sentido, Dirley da Cunha Júnior[32] explica que:

O problema de “caixa” não podem ser guindados a obstáculos à efetivação os direitos fundamentais sociais, pois imaginar que a realização desses direitos depende de “caixas cheios” do Estado significa reduzir a sua eficácia a zero, o que representaria uma violenta frustração da vontade constituinte e uma desmedida contradição do modelo do Estado do Bem-Estar Social.

Portanto, evidencia-se que problemas de caixa, simplesmente, não podem bastar para justificar a inoperância Estatal, no que tange à efetivação de direitos.

Nesse sentido, conclui Dirley da Cunha Júnior[33] que:

A inaplicabilidade do limite da reserva do possível ainda é mais patente se fora considerado mais de perto o caso brasileiro, pois paradoxalmente o Brasil é um país que se encontra entre os dez países com a maior economia do mundo, muito embora dados do IBGE mostrem que, em 1998, aproximados 14% (21 milhões) da população brasileira são família com renda inferior à linha de indigência e 33% ( 50 milhões) à linha da pobreza. A maioria desse grupo, que representa hoje mais de 70 milhões de pessoas, não dispõe de um atendimento de mínima qualidade nos serviços públicos de saúde, educação, assistência social e vive, enfim, em condições indignas e subumanas, sem alimentação, sem moradia, sem higiene, o que é pior, sem a mínima perspectiva de melhoria.

Dessa feita, tal teoria dever ser encarada com ressalvas, ante a inexorável implementação do Estado Gerencial, sob os auspícios da Responsabilidade Fiscal, notadamente após a Lei Complementar nº 101/2000, como vetor impositivo na propugnação, pelos gestores públicos, das políticas públicas estatais.

No entanto, também não se pode olvidar, que a escassez moderada, mesmo quando estamos a falar de um Estado Social; e, portanto, ideologicamente voltado a uma política de redistribuição de renda e concretização da justiça social, implica em eleição de prioridades. E, portanto, tal situação fática resultante da limitação orçamentária se impõe, mesmo quando se ponderando que a importância dos direitos sociais transcende sua órbita comezinha, derivando para uma significação seminal. De modo que “os próprios direitos sociais acabam por ser condições da liberdade, pressupostos tácticos da possibilidade de exercício dos direitos de liberdade”[34].

Desse modo, cabe ao Estado demonstrar a situação ensejadora da reserva orçamentária, da ordem que impeça, com a profusão argumentativa necessária, e fundamentos embasados em robustas provas, os investimentos preconizados pela Constituição, na efetivação da solidariedade social.

Afinal, como já referido, por várias vezes, a longo desse texto, o imperativo constitucional determina a implementação do Estado Social em nosso país, como fundamento dessa República Federativa.

Nesse pormenor, manifesta-se Marisa Ferreira dos Santos[35], nos seguintes termos:

A única forma de dar cumprimento ao preceito constitucional que elegeu a justiça social como objetivo da Ordem Social, é dar efetividade aos direitos sociais. A efetivação dos direitos sociais. De seu turno, por expressa disposição constitucional, tem um modus operandi constitucionalmente estabelecido: é por meio do desenvolvimento, fundado na solidariedade social, que se poderá chegar à justiça social. Não há como se dissociar o conceito de justiça social dos objetivos fundamentais da República. O art. 3º da Constituição, além de determinar que a República procure a erradicação da pobreza e da marginalização e a redução das desigualdades sociais e regionais, promovendo, também, o bem de todos sem discriminações, determinou que se construa uma sociedade livre, justa e solidária, e se garanta o desenvolvimento nacional. Todos os instrumentos contidos na Ordem Social são desdobramentos objetivos da República. Somente o desenvolvimento nacional, que se efetivará mediante a solidariedade social, é capaz de garantir que todos os direitos sociais sejam efetivados.

Em outro ponto de vista, o imperativo constitucional da concretização dos direitos sociais tem grande apoio na chamada Teoria da Proibição do Retrocesso. Tal teoria, apesar de já bastante surrada, preconiza que após a previsão legal de direitos fundamentais sociais, surge para o cidadão o direito subjetivo de exigir a concretização dessas prestações; bem como, o preceito de que tais direitos incorporam-se ao patrimônio jurídico, não mais podendo ser suprimidos ou terem a sua amplitude reduzida. Trata-se da dimensão negativa dos direitos sociais, os quais sob esse viés colocam-se como instrumentos de defesa em relação a atos de governo que importem em ofensa, pelo Estado, aos direitos de seus cidadãos.

Inobstante, ainda viceja a pobreza e a miséria espreita em cada esquina. Assim, last but not least, no Brasil, em especial, com a inauguração de um Estado Constitucional e Democrático de Direito, por conta da nova ordem constitucional, a partir de 1988; a radicalização do processo democrático exige a participação do Poder Judiciário na arena política.


4. ATIVISMO, JUDICIALIZAÇÃO E A FLUIDEZ DOS CONCEITOS, OU A ESCOLHA DE SOFIA

Com o surgimento do constitucionalismo democrático, no segundo Pós-Guerra, vem a lume a universalização do judicial review, bem como, a afirmação de leis fundamentais que passam a impor limites à regra da maioria. Surgem, ainda, mecanismos que assegurem condições de possibilidade para a implementação do texto constitucional[36].

E nesse pormenor, o Poder Judiciário, ao possibilitar condições de implementação dos parâmetros constitucionais, assume sua cota de responsabilidade, quanto ao sucesso político das exigências do Estado Social.

Como se nota alhures, muitas derivações legais somente podem vicejar a partir da aplicação judicial do parâmetro legalmente estabelecido, em cotejo com as várias nuances sociais que se verificam temporalmente e geograficamente.

Dentro desse nesse novo paradigma, portanto, em tempos de Pós-positivismo e Neoconstitucionalismo, a partir da ponderação de princípios, os juízes buscam concretizar os direitos fundamentais, apontando direções para a realização de políticas públicas indispensáveis a esse desiderato.

Nesse sentido, ainda Inocêncio Mártires Coelho[37] conclui que:

A verdadeira questão não é se os juízes devem completar a obra que as convenções constitucionais e as assembléias legislativas deixam inacabadas, mas se deverão fazê-lo com plena consciência de sua função de criadores de direito imbuídos de propósito manifesto de servir ao bem-estar da comunidade.

Portanto, por imposição constitucional, como se verbera, ao Poder Judiciário não fora mais consentido abster-se do encargo de conformar as políticas públicas do Estado aos imperativos constitucionais; visto que no Estado Democrático de Direito, o Poder Judiciário também exerce uma função política.

Nesse sentido, Nagibe de Melo Jorge Neto[38] doutrina que:

Devemo-nos lembrar que a função exercida pelo Poder Judiciário é também uma função essencialmente política e que, em alguma medida e dentro de certos limites, o Poder Judiciário está autorizado pela Constituição a pronunciar-se sobre as questões políticas. Somente as questões ditas meramente políticas não se submetem ao controle do Poder Judiciário. Isso é decorrência da opção política fundamental do Estado Democrático de Direito, que importa não só na auto-limitação do Estado pelo ordenamento jurídico, com também na participação democrática, tanto mais ampla quanto possível, de todo os cidadãos e setores da sociedade política nas escolhas e fixação das políticas públicas pelo Estado, inclusive mediante a utilização de mecanismos outros de participação democrática dentro dos quais avulta o processo judicial.

Do mesmo modo, Inocêncio Mártires Coelho[39] conclui que:

Semelhante postura faz tabula rasa do fato de legisladores e juízes são criaturas constitucionais de igual hierarquia e que, por isso mesmo, as prerrogativas de igual hierarquia e que, por isso mesmo, as suas prerrogativas possuem a mesma estatura, enquanto atributos conferidos pela Constituição. Mesmo quando declaram atributos conferidos Constituição. Mesmo quando declaram a inconstitucionalidade das leis, os juízes não fazem por direito próprio, mas apenas como preposto ou funcionário do povo, cuja vontade está consubstanciada na Constituição. Para exaltar o juiz não é preciso desqualificar o legislador, até porque, sem a mediação conformadora e atualizadora dos representantes do provo, escolhidos em eleições periódicas, os textos constitucionais correm o risco de permanecerem estáticos e fora de sintonia com a realidade social.

Ademais, considerando a Constituição Federal de 1988, com sua conformação analítica, o protagonismo judicial também é consequência de um processo de densificação constitucional, o qual redundou na inserção de inúmeras matérias, que antes eram tratadas pelo processo político majoritário e para a legislação ordinária, no texto constitucional. Tal conformação vicejou na ampliação do espectro de proteção dos direitos fundamentais, com a consequente convocação do Poder Judiciária a eficaciar tal conteúdo normativo.

Ao derredor, ainda a justificar o protagonismo judicial, como explica Luís Roberto Barroso, a amplitude do controle de constitucionalidade brasileiro, de caráter híbrido ou eclético, ao reunir o sistema americano e o europeu, redundou na possibilidade de todas as causas de relevância nacional baterem às portas do Supremo Tribunal Federal.

De outro giro, é certo que Luís Roberto Barroso adverte que em tal temática, o Supremo Tribunal Federal foi provocado a se manifestar e o fez nos limites dos pedidos formulados, visto não ter outra escolha senão apreciar o mérito dos pedidos, uma vez preenchidos os requisitos de cabimento das ações[40].

No entanto, no que toca especificamente aos direitos sociais, a temática adstrita à concretização dos direitos sociais afeta à Reserva do Possível, enredado na necessidade de harmonia entre os Poderes constitutivos do Estado Democrático de Direito, ganha ponderações mais veementes.

Assim, Jorge Reis Novais[41] explica que:

Mais concretamente e em última análise, tratar-se-á de saber se, no controlo das acções ou omissões dos poderes públicos referentes à realização dos direitos sociais, a última palavra deve caber ao legislador e à administração ou ao juiz. É que, no fundo, uma vez situações de escassez econômica moderada tudo reside numa definição de prioridades, numa opção orçamental sobre a afectação dos recursos disponíveis, do que se trata é de saber quem define as prioridades, que faz as escolhas, quem tem sobre a matéria a última palavra. Nesse sentido, o problema subjacente ao reconhecimento da reserva do possível e à relação entre legislador e juiz na realização dos direitos sociais não é um problema de contabilização de recursos existentes, mas um problema de competência orçamental, de divisão e separação de poderes em Estado democrático.

Com fundamento nessas constatações, e notadamente levando-se em consideração o caráter programático das normas configuradoras dos direitos sociais, faz-se coro, em certo sentido, à argumentação que verbera pelo cabimento da exigibilidade desses direitos pela via judicial.

Nesse sentido, Fabiana Okchstein Kelbert[42] pondera que:

Não restam dúvidas de que grande parte dos direitos sociais só se realiza por meio de políticas públicas, o que desperta novamente a problemática da exigibilidade desses direitos, pois seria vedado ao Poder Judiciário interferir na adoção e consecução das referidas políticas. Há que se reconhecer, de outra parte, que a efetivação dos direitos sociais pela via judicial atende aos princípios norteadores de um Estado social e democrático, ao qual a Constituição brasileira aderiu, especialmente ao que se refere à justiça social.

De outra ponta, o protagonismo judicial tem a sua mais destacada fronteira pousada na garantia da força normativa da Constituição; ante a omissão dos outros entes constitucionalmente determinados a lhes conceder eficácia. Tal situação paradigmática faz nascer a chamada omissão inconstitucional.

Nesse sentido, Walter Claudius Rothenburg[43] mentor de tal teoria, explica que:

Verifica-se desde logo que a tarefa de implementação dos direitos fundamentais propostos pelo constituinte já não é deferida com prioridade absoluta ao legislador. A implementação deles está ao alcance de qualquer sujeito e encontra no próprio quadro constitucional positivo instrumentos de viabilização (como mandado de injunção). Além desse alargamento da possibilidade de realização dos direitos fundamentais, a aplicabilidade direta – com seu corolário, o princípio da máxima efetividade – autoriza defender o deslocamento de competência, com a mudança de titulares, no intuito de obter-se uma maior implementação dos ditos direitos.

Portanto, a apreciação dessas omissões se desenvolve judicialmente, a partir não de um modo meramente mecanicista, eivada de absoluta passividade perante o sentido literal dos textos constitucionais, mas por meio de uma atividade criativa. Tal atuação judicial supletiva justifica-se, na medida em que, sendo as regras e os preceitos constitucionais dotados de superioridade normativa diante da legislação infraconstitucional, é dever do legislador infraconstitucional a concretização, na máxima medida possível, dos conteúdos constitucionais que reclamam uma atuação legislativa para sua concretização[44].

Nesse sentido, explica Luís Roberto Barroso[45] que:

A supremacia da Constituição e a missão atribuída ao Judiciário na sua defesa têm um papel de destaque no sistema geral de freios e contrapesos concebido pelo constitucionalismo moderno como forma de conter o poder. É que, através da conjugação desses dois mecanismos, retira-se do jogo político do dia-a-dia e, pois, das eventuais maiorias eleitorais, valores e direitos que ficam protegidos pela rigidez constitucional e pelas limitações materiais ao poder de reforma da Constituição.

Além disso, ao legislador, apesar de gozar de relativa liberdade quanto ao conteúdo normativo, não lhe é dado, entretanto, por ocasião da conformação constitucional, liberdade de se abster no seu mister.

Dentro desse contexto, evidencia-se, como ideal de uma época de pós-positivismo e concretização judicial da principiologia constitucional, a presença, cada vez mais constante, de uma atitude criadora do Juiz, em antítese à omissão legislativa, ao se desincumbir de sua missão judicante, e por tais razões, o parcimonioso trabalho dos juízes é bem-vindo.

Nesse sentido, Luís Roberto Barroso[46] pondera que:

[...] o ativismo judicial, até aqui, tem sido parte da solução, e não do problema. Mas ele é um antibiótico poderoso, cujo uso deve ser eventual e controlado. Em dose excessiva, há risco de se morrer da cura. A expansão do Judiciário não deve desviar a atenção da real disfunção que aflige a democracia brasileira: a crise de representatividade, legitimidade e funcionalidade do Poder Legislativo. Precisamos de reforma política. E essa não pode ser feita por juízes.

Portanto, se de uma ponta, não é dado ao Poder Judiciário se omitir. De outra, na prestação judicial, não deve pretender substituir os Poderes Executivo ou Legislativo, quanto à decisão sobre a característica a ser dada ao Estado, visto que a mesma tem como fonte a Constituição Federal, em sua arquitetura funcional própria. E, com resguardo no mesmo fundamento constitucional; a priori, não lhe é dado definir políticas públicas, ante a ausência de mandados constitucionais.

Por tal razão, Elival da Silva Ramos[47] pondera, mutatis mutandis, que:

Ao se fazer menção ao ativismo judicial, o que se está a referir é a ultrapassagem das linhas demarcatórias da função jurisdicional, em detrimento principalmente da função legislativa, mas, também, da função administrativa e, até mesmo, da função de governo. Não se trata de exercício desabrido da legiferação (ou de outra função não jurisdicional), que, aliás, em circunstâncias bem delimitadas, pode vir a ser deferido pela própria Constituição aos órgãos superiores do aparelho judiciário, e sim da descaracterização da função típica do Poder Judiciário, com incursão insidiosa sobre o núcleo essencial de funções constitucionalmente atribuídas a outros poderes.

No entanto, como referido, ao Poder Judiciário cabe atuar objetivamente na concretização dos preceitos constitucionais, quando pela omissão dos legitimados originariamente previstos no texto constitucional, direitos fundamentais sociais deixarem de ser efetivados, visto que, a omissão estatal, nessa medida, representa a negação desses direitos, considerando que sua ontologia reside nos direitos às prestações sociais.

Desse modo, a título de fecho, note-se que em qualquer noção de direitos que se preze; o mecanismo transformador é inerente. Nos direitos sociais isso é exponencial, ontologicamente são mecanismos provocadores de transformações sociais.


CONCLUSÃO

O Estado brasileiro apresenta uma feição social fundada em seu comprometimento com a igualdade material, que se revela na consagração do princípio da dignidade da pessoa humana. Por tal desiderato, a Constituição Federal concebe que somente é possível haver justiça em um horizonte em que exista o reconhecimento do próximo como integrante da comunidade de pessoas que constituem o Estado.

De sua parte, os direitos sociais se legitimam em função da construção de um mínimo de condições existenciais do ser humano. Por tal razão, os direitos sociais operam como verdadeiros referenciais axiológicos para o Estado. Sua conformação, ante sua natureza, liga-se a uma temática de ação, visto que sua existência está adstrita às políticas públicas; não se bastando em sua declaração normativa.

Tal constructo dogmático traz à seguridade social, uma ontologia característica. Assim, desloca sua ação de uma matriz indenizatória e voluntária, para uma conformação obrigatória, delineada por um caráter normativo, de substrato constitucional, preceituando em sua teleologia, a conformação de um mínimo existencial que garanta e consagre a possibilidade de uma vida digna a qualquer ser humano.

Nesse viés, portanto, sob pena de sufragar o desiderato constitucional, o Estado não pode se limitar a assistir a estagnação dos mandamentos constitucionais, abstendo-se de qualquer ação no sentido de se concretizar os direitos sociais; levando-se em conta que “proteger direitos sociais” implica em uma exigência de ações estatais, sob a significação de “realizar direitos”.

Assim, mesmo levando-se em consideração que o direito declarado claro na norma, torna-se obscuro, ao se evidenciar as tensões dos interesses que se opõe na tecitura legistativa; tudo pode ser perdido, se não se ter primordialmente em conta que a concretização da seguridade social encontra-se enredada à problemática da ontologia dos direitos sociais, na medida em que não se bastam em serem declarados para existirem.

Antes, e com tal zelo, e tanto, é preciso que existam ações sociais, para serem apontados os direitos.

Portanto, a acepção própria desses direitos, com sua tecitura adstrita às normas de natureza programáticas e sua inerência próxima ao viés principiológico, é tendente à inconsistência e abertura conceitual, o que resulta em não concretização ou insuficiente concretização dos direitos sociais.

Por tais derivações, não há dúvida de que o Estado está constitucionalmente obrigado a prover as demandas advindas da implementação dos direitos sociais, incluindo nesse rol, o direito à seguridade social.

No entanto, num ambiente de escassez moderada, é necessária a eleição de prioridades. Assim, em que pese não se poder negar a concretização dos direitos sociais sob a alegação peremptória de ausência de caixa, também não se poderá exigir a concretização imediata de todos os objetivos estruturais eleitos pelo Estado, visto que os patamares civilizatórios pretendidos se dão por etapas.

Desse modo, a partir dessa conjuntura, a pergunta “o que faz parte do âmbito de proteção desses direitos?” começa a ser respondida a partir da proporcional conjugação das Teorias da Reserva do Possível e Mínimo Existencial; por meio da máxima eficácia possível implementada a tais direitos.

Esse contexto envolve, por certo, a necessidade de se repensar a estrutura institucional do Estado, assim como, que a sociedade assuma consciência de sua “responsabilidade social”, substituindo-se o Poder Judiciário na linha de frente, quando da implementação desses direitos, sob pena de se inviabilizar o atual modelo de Estado Social, dando-se cabo, não só do que se busca a partir do telos Constitucional, como o que até agora já foi alcançado.

Portanto, o direito à seguridade social é conjugado sob a consideração de estar dentro de uma acepção que tece o conteúdo inafastável do Mínimo Existencial; guindado, portanto, por tal imperativo à sua necessária concretização, em níveis proporcionalmente mais satisfatórios, partindo de um limiar razoável (tecido no texto constitucional), a partir de “um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social”.


REFERÊNCIAS

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Notas

[2] NETO, Nagibe de Melo Jorge. O Controle Jurisdicional das Políticas Públicas. 2ª tir. Salvador: Juspodivm, 2009, p. 19.

[3] MIRANDA, Jediael Galvão. Direito da Seguridade Social. Rio de Janeiro: Elsevier, 2007, p. 09.

[4] Também chamada, por alguns doutrinadores de risco social. Assim: [...] o risco social é o perigo, a expectativa de ocorrência de situações da vida que gerem necessidade de proteção social. (NETO, Michel Cutait. Auxílio-Doença. Leme: J. H. Mizuno, 2006, p. 62).

[5] MIRANDA, Jediael Galvão. Direito da Seguridade Social. Rio de Janeiro: Elsevier, 2007, p. 24.

[6] NETO, Michel Cutait. Auxílio-Doença. Leme: J. H. Mizuno, 2006, p. 63.

[7] CASTRO. Carlos Alberto Pereira de; LAZZARI, João Batista. Manual de Direito Previdenciário, 14ª ed. Florianópolis: Conceito Editorial, 2012, p. 57.

[8] SILVA, Virgílio Afonso da. Direitos Fundamentais. 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 77.

[9] KELBERT, Fabiana Okchstein. Reserva do Possível e a efetividade dos direitos sociais no direito brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011, p. 49.

[10] Como explica Gilmar Ferreira Mendes: “A submissão dessas posições a regras jurídicas opera um fenômeno de transmudação, convertendo situações tradicionalmente consideradas de natureza política em situações jurídicas. Tem-se, pois, a juridicização do processo decisões acentuando-se a tensão entre o direito e a política” (MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 2007, pp. 7 e 8).

[11] KELBERT, Fabiana Okchstein. Ibid., p. 31.

[12] BERNARDI, Renato; LAZARI, Rafael José Nadim de. A Intervenção do Estado na Vida da Pessoa. Editora Boreal, 2012, p. 29.

[13] NOVAIS, Jorge Reis. Direitos Sociais. Coimbra: Coimbra Editora, 2010, p. 91.

[14] LAZARI, Rafael José Nadim de. Reserva do Possível e Mínimo Existencial: a pretensão da eficácia da norma constitucional em face da realidade. Curitiba: Juruá, 2012, p. 58.

[15] Mas o que se deve dizer é que, independentemente do nível de aproximação entre a compreensão normativa e a realidade fática, “pontes” precisam ser construídas para encurtar essa distância e facilitar a compreensão, de ambos os lados Estado e particular, dos motivos de cada um. Constituem, pois, a Reserva do Possível e o Mínimo Existencial em via de mão dupla, a saber, tratam-se de institutos intermediários nessa relação Estado/sujeito, através dos quais a população diz ao Estado que carece de algum direito e o Estado diz que não tem dinheiro para custeá-la, ou o inverso, isto é, o Estado não cumpre com dever que lhe é constitucionalmente imposto e a população lembra-o que, ao menos, um mínimo necessário à subsistência deve ser observado, ainda que o custo deste direito não esteja previsto num orçamento. (LAZARI, Rafael José Nadim de. Reserva do Possível e Mínimo Existencial: a pretensão da eficácia da norma constitucional em face da realidade. Curitiba: Juruá, 2012, pp. 52 e 53).

[16] FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 4ª ed. Juspodivm, 2012, p. 324.

[17] MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 7.

[18] Numa conceituação simplória e de reducionismo apriorístico proposital, pelo “mínimo” entende-se o conjunto de condições elementares ao homem, como forma de assegurar a sua dignidade, sem que a faixa limítrofe do estado pessoal de subsistência seja desrespeitada. (LAZARI, Rafael José Nadim de. Reserva do Possível e Mínimo Existencial: a pretensão da eficácia da norma constitucional em face da realidade. Curitiba: Juruá, 2012, p. 92).

[19] ROCHA, Daniel Machado da. Direito Fundamental à Previdência Social. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2004, p. 96.

[20]Também na jurisprudência do STF o conceito de eficácia limitada é largamente utilizado, sobretudo nos casos em que se faz menção a normas programáticas. Em geral, no entanto, a menção a normas de eficácia limitada pelo STF é feita como sinônimo de norma desprovida de qualquer eficácia, nas situações em que o tribunal se abstém, com base na sua compreensão de separação de poderes, de tomar uma decisão que implique o reconhecimento de alguma eficácia para a norma em jogo. (SILVA, Virgílio Afonso. Direitos Fundamentais. 2ª ed, 2ª tir. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 215).

[21] SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. 3ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 1998, p. 130.

[22] ESTEVES, João Luiz M. Direitos Fundamentais Sociais no Supremo Tribunal Federal. São Paulo: Método, 2007, p.28.

[23] BARROS, Suzana Toledo. O Princípio da Proporcionalidade e o Controle de Constitucionalidade das Leis Restritivas de Direitos Fundamentais. 3ª ed. Brasília: Brasília Jurídica, 2003, pp. 134 e 135.

[24] ESTEVES, João Luiz M. Direitos Fundamentais Sociais no Supremo Tribunal Federal. São Paulo: Método, 2007, p. 29.

[25] JÚNIOR, Dirley da Cunha. Curso de Direito Constitucional. 4ª ed. Salvador: Juspodivm, 2010, p.273.

[26] BRASIL, RE 642536 AgR, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 05/02/2013. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28RE+642536+AgR%29&base=baseAcordaos&url=http://tinyurl.com/q94pssy >. Acesso em: 20 nov. 2015.

[27] KELBERT, Fabiana Okchstein. Reserva do Possível e a efetividade dos direitos sociais no direito brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011, p. 44.

[28] KELBERT, Fabiana Okchstein. Reserva do Possível e a efetividade dos direitos sociais no direito brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado, p. 44.

[29] SILVA, Virgílio Afonso. Direitos Fundamentais. 2ª ed, 2ª tir. São Paulo: Malheiros, 2011, pp. 231 e 323.

[30] ESTEVES, João Luiz M. Direitos Fundamentais Sociais no Supremo Tribunal Federal. São Paulo: Método, 2007, p. 49.

[31] SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. 8ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2007, p. 281.

[32] JÚNIOR, Dirley da Cunha. Curso de Direito Constitucional. 4ª ed. Salvador: Juspodivm, 2010, pp. 106 e 107.

[33] JÚNIOR, Dirley da Cunha. Ibid., pp. 106 e 107.

[34] NOVAIS, Jorge Reis. Direitos Sociais. Coimbra: Coimbra Editora, 2010, p. 99.

[35] SANTOS, Marisa Ferreira dos. O Princípio da Seletividade das Prestações de Seguridade Social. São Paulo: Editora Ltr, 2004, pp. 134 e 135.

[36] VERBICARO, Loiane Prado. Um Estudo sobre as Condições Facilitadoras da Judicialização da Política no Brasil. REVISTA DIREITO GV, SÃO PAULO, Vol 4(2), p. 403, Jul-Dez 2008.

[37] COELHO, Inocêncio Mártires. Da Hermenêutica Filosófica à Hermenêutica Jurídica. São Paulo, 2010, p. 185.

[38] NETO, Nagibe de Melo Jorge. O Controle Jurisdicional das Políticas Públicas. 2ª tir. Salvador: Juspodivm, 2009, p. 22.

[39] COELHO, Inocêncio Mártires. Da Hermenêutica Filosófica à Hermenêutica Jurídica. São Paulo, 2010, p. 186.

[40] “É importante assinalar que em todas as decisões referidas acima, o Supremo Tribunal Federal foi provocado a se manifestar e o fez nos limites dos pedidos formulados. O Tribunal não tinha a alternativa de conhecer ou não das ações, de se pronunciar ou não sobre o seu mérito, uma vez preenchidos os requisitos de cabimento”. BARROSO, Luís Roberto. Judicialização, Ativismo Judicial e Legitimidade Democrática. Disponível em: < http:www.oab.org.br/oabeditora/users/revista/1235066670174218181901.pdf>. Acesso em 15 nov. 2015.

[41] NOVAIS, Jorge Reis. Direitos Sociais. Coimbra: Coimbra Editora, 2010, p. 116.

[42] KELBERT, Fabiana Okchstein. Reserva do Possível e a efetividade dos direitos sociais no direito brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011, pp. 58 e 59.

[43] ROTHENBURG, Walter Claudius. Inconstitucionalidade por Omissão e Troca de Sujeito. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005, p. 73.

[44] BARROSO, Luís Roberto. Judicialização, Ativismo Judicial e Legitimidade Democrática. Disponível em: < http:www.oab.org.br/oabeditora/users/revista/1235066670174218181901.pdf>. Acesso em 15 nov. 2015.

[45] BARROSO, Luis Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição. 7ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2010, pp. 162 e 163.

[46] BARROSO, Luís Roberto. Judicialização, Ativismo Judicial e Legitimidade Democrática. Disponível em: < http:www.oab.org.br/oabeditora/users/revista/1235066670174218181901.pdf>. Acesso em 15 nov. 2015.

[47] RAMOS, Elival da Silva. Ativismo Judicial. São Paulo: Editora Saraiva, 1ª ed., 2ª tir., 2010, pp. 116 e 117.


Autor

  • Alexandre Gazetta Simões

    Mestre em Direito pelo Centro Universitário Eurípedes de Marília - UNIVEM, Pós Graduado com Especialização em Gestão de Cidades (UNOPEC –União das Faculdades da Organização Paulistana Educacional e Cultural), Direito Constitucional (UNISUL- Universidade do Sul de Santa Catarina), Direito Constitucional (FAESO- Faculdade Estácio de Sá de Ourinhos); Direito Civil e Processo Civil (Faculdade Marechal Rondon) e Direito Tributário (UNAMA- Universidade da Amazônia ), Graduado em Direito (ITE- Instituição Toledo de Ensino), Analista Judiciário Federal – TRF3 e Professor de graduação em Direito (FSP – Faculdade Sudoeste Paulista).

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SIMÕES, Alexandre Gazetta. Discussões acerca da eficácia do direito subjetivo à seguridade social . Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4635, 10 mar. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/45985. Acesso em: 2 maio 2024.