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Tutela jurídica das pessoas que vivem em economia comum ou em família anaparental

Tutela jurídica das pessoas que vivem em economia comum ou em família anaparental

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Não há óbice para que tais agrupamentos sejam enquadrados como entidade familiar, para poderem receber a proteção estatal destinada à família.

“Temos o direito de sermos iguais quando as diferenças nos inferiorizam, e temos o direito de sermos diferentes quando as igualdades nos escravizam”

(Boaventura de Sousa Santos)

RESUMO: Estuda-se o Estatuto da Economia Comum, Lei nº 6/2001, de Portugal, em contraponto com a Família Anaparental, do Brasil, tipos especiais de família, o que requer uma análise das transformações pelas quais passou a sociedade nos últimos séculos e dos princípios norteadores da família contemporânea. Nesse viés, investigam-se os elementos que caracterizam o preceito economia comum, as pessoas que podem conviver sobre tal forma, o limite de idade, o tempo mínimo, o objetivo das pessoas que se juntam para essa convivência, os casos de não configuração, as maneiras de provar o início e o termo final do vínculo e, principalmente, os direitos prescritos no respectivo estatuto, mostrando-se a possibilidade de eficácia imediata e de ampliação do rol. Concernente à família anaparental, mostra-se a previsão na jurisprudência brasileira, com o reconhecimento de vários direitos inerentes à família matrimonial, como direitos a alimentos, à adoção, à sucessão e ao direito real de habitação; além disso, a previsão expressa em projeto de lei para instituição do “Estatuto das Famílias”, em tramitação no Congresso brasileiro.  Constatando-se a similitude das condições de vida das pessoas que convivem em economia comum e em família anaparental, sugere-se a adoção de instituto similar em ambos os países para que essas pessoas tenham tutela estatal nos moldes de uma família.

Palavras-chave: Economia Comum. Família Anaparental. Direitos.

SUMÁRIO:Introdução .1.CONVIVÊNCIA EM ECONOMIA COMUM E EM FAMÍLIA ANAPARENTAL .1.1.  Economia comum  .1.1.1.  Requisitos . 1.1.2. Vivência em comum de entreajuda ou de partilha de recursos . 1.1.3. Maioridade (maior de 18 anos) .1.1.4. Tempo mínimo (mais de dois anos) .1.1.5. Deveres das partes  ..1.1.6. Prova do vínculo da vida em comum .1.1.7. Prova da extinção da relação .1.1.8. Exceções legais ...1.1.9. Evolução histórica .1.2. Família anaparental .1.2.1. Definição  .1.2.2.  Reconhecimento no direito brasileiro .2.ROL DOS DIREITOS CONCEDIDOS ÀS PESSOAS QUE VIVEM EM ECONOMIA COMUM E EM FAMÍLIA ANAPARENTAL .2.1. Direitos concedidos pela Lei nº 06/2001, de Portugal, às pessoas que vivam em economia comum ..2.1.1. Direitos laborais .2.1.2. Imposto de rendimento das pessoas singulares ..2.1.3. Proteção da casa de morada comum .2.1. 4. Transmissão do arrendamento por morte .2.2. Direitos reconhecidos pela doutrina e pela jurisprudência do Brasil à família anaparental .2.2.1. Direito ao reconhecimento de bem de família .2.2.2. Direito a alimentos ..2.2.3.  Direito à sucessão .2.2.4. Direito real de habitação  .2.2.5. Direito à adoção .3.2.6. Outros direitos ..3.EFICÁCIA DAS MEDIDAS DE PROTEÇÃO À ECONOMIA COMUM, AMPLIAÇÃO DO ROL, EM PORTUGAL, E CONSIDERAÇÕES ACERCA DA NORMATIZAÇÃO DA FAMÍLIA ANAPARENTAL, NO BRASIL .3.1. Imediata implementação dos direitos concedidos pela Lei nº 6/2001  .3.2. Ampliação do rol de direitos. Mecanismos .3.3. Considerações acerca da normatização da família anaparental .3.3.1. Projeto de Lei nº 2.285/2007 - Estatuto “das Famílias”.3.3.2.  Projeto de Lei 6.583/2013 - Estatuto “da Família”.3.3.3. Projeto de Lei nº 470/2013 - Estatuto “das Famílias”.Conclusão .Referências .


Introdução

Em razão das transformações sociais ocorridas nos últimos séculos, a vida humana se tornou complexa. As concepções de família da fase pré-moderna, de cunho patrimonialista e núcleo de reprodução, por exemplo, já não são mais as mesmas. Fatos importantes como a Revolução Francesa, com sua ideologia de igualdade, liberdade e fraternidade, bem como a Revolução Industrial, modificando o mercado de trabalho, influenciaram, sobremaneira, o papel da mulher perante a sociedade, pois esta saiu do lar e se lançou no mercado de trabalho, em igualdades de condições que o homem, e, com isso, novos contornos foram dados à família.

Essa mudança de paradigma é ainda conseqüência da ascensão do Direito Constitucional - também fruto dessas transformações sociais - que consolidou os direitos fundamentais e colocou a pessoa humana no centro do ordenamento jurídico, em detrimento da tutela do patrimônio dantes reinante,[1] e, também, promoveu a Constitucionalização do Direito, levando à conformação das normas e diretrizes constitucionais a todos os ramos do Direito, como também ao comportamento das pessoas.[2]          

Passou-se a um novo modelo da família, fundado, agora, nos pilares da repersonalização, da afetividade, da pluralidade e do eudemonismo,[3] impingindo-se nova roupagem axiológica ao direito das famílias, com o foco voltado para a tutela do indivíduo.[4]

A entidade familiar com esse novo enfoque ultrapassa os limites da união por matrimônio, para abarcar novos modelos, como união estável, família monoparental, família homoafetiva, anaparental, mosaico, paralela, recombinada, enfim, todo e qualquer agrupamento de pessoas, ‘unidas por economia comum’, onde permeie o elemento afeto,[5]  independentemente do lugar em que cada membro ocupe nessa comunidade, não se exigindo, necessariamente, que estejam presentes as figuras específicas do pai, da mãe e dos filhos. Nessa nova formatação, exige-se apenas a presença dos elementos da afetividade, da estabilidade (durabilidade) e da ostensividade (publicidade).[6]

Nesse contexto, estuda-se o estatuto da economia comum, de Portugal (Lei nº 6/2001), que trata das “pessoas que vivam em comunhão de mesa e habitação há mais de dois anos e tenham estabelecido uma vivência comum de entreajuda ou partilha de recursos”[7], fazendo-se um contraponto com a família anaparental, do Brasil, uma convivência semelhante à união em economia comum de Portugal, cujos membros também vivem na mesma casa, independentemente de relacionamento sexual, “sendo composta por parentes sem um núcleo familiar (pais), como também por pessoas não ligadas por laços de parentesco, com o sentimento de que estão convivendo em família, havendo assistência mútua, material e emocional”. Mostra-se a similitude de ambos os institutos e sugere-se a adoção de tratamento jurídico, também similar, em ambos os países, visando à tutela estatal nos moldes de uma família.

Serão apresentados os direitos previstos na legislação portuguesa a esse seguimento social (Lei nº 06/2001), como direitos laborais (licenças para acompanhamento do convivente comum, férias conjuntas), direitos fiscais (declaração conjunta de imposto de rendimento das pessoas singulares), direitos reais (residência no imóvel do proprietário por cinco anos após a morte deste) e de arrendamento (permanência do contrato de aluguel até o final do contrato em caso de morte do contratante) e será apresentada uma proposta de ampliação do rol, sem necessidade de nova ação do legislador, por técnica de interpretação conforme a Constituição.

Diante da constatação de ausência, injustificada, de regulamentação da mencionada lei, será recomendada a imediata implementação dos direitos por meio da técnica de completude do direito, sob duas vertentes: A primeira, como forma de integração do direito, através do “diálogo das fontes” ou aplicação analógica, valendo-se das lições de Norberto Bobbio, sobre o dogma da completude. A segunda, invocando-se a teoria da eficácia imediata dos direitos fundamentais, sem necessidade de uma lei vindoura para tal mister, seguindo as lições  de Gomes Canotilho.

Quanto à questão no Brasil, serão analisados os contornos da família anaparental, demonstrando-se que alguns tribunais já estão reconhecendo esse arranjo como entidade familiar e reconhecendo alguns direitos inerentes às famílias tradicionais como direitos a alimentos, à adoção, à sucessão e ao direito real de habitação. Será demonstrada, ainda, a existência de projeto de lei, em tramitação no Congresso Nacional, para instituição do “Estatuto das Famílias” no Brasil, no qual está sendo contemplada a família anaparental.

A pesquisa vislumbra a possibilidade de adoção de medidas estatais para que as pessoas que vivam nessa condição tenham tutela estatal nos moldes de uma família.


1.  CONVIVÊNCIA EM ECONOMIA COMUM E EM FAMÍLIA ANAPARENTAL

1.1. Economia comum

O conceito de economia comum é dado pelo artigo 2°, 1, da Lei nº 6/2001, de Portugal, segundo o qual “entende-se por economia comum a situação de pessoas que vivam em comunhão de mesa e habitação há mais de dois anos e tenham estabelecido uma vivência comum de entreajuda ou partilha de recursos”.[8]

A lei portuguesa não exige a coabitação conjugal dos conviventes para tal configuração, mas não há impedimento que esse relacionamento afetivo venha a ocorrer, como por exemplo, quando não puder ser reconhecida a situação de união estável e estiverem presentes os demais requisitos (prazo mínimo de dois anos e a partilha de recursos ou de entreajuda).

A explicação para essa não ocorrência de relacionamento sexual é óbvia, pois se já existe uma lei em Portugal (Lei nº 7/2001) que protege as pessoas que vivem em união de facto, não há, pois, necessidade da lei em comento (Lei nº 6/2001) fazer essa referência, mesmo porque o objetivo é a proteção de outro segmento social.

Nesse sentido, é a justificativa da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, constante da exposição de motivos da mencionada lei.

O que caracteriza essencialmente a nova fórmula que se propõe, distinguindo-a do regime aplicável às uniões de facto é a absoluta irrelevância da orientação sexual das pessoas a quem se confere protecção legal. Partindo da verificação objectiva da partilha de certos meios de vida e outros traços integrantes daquilo que se denominou «vida em economia comum», o legislador pode passar a configurar um conjunto de benefícios aplicáveis numa multiplicidade de situações susceptíveis de serem estabelecidas entre pessoas, independentemente do sexo ou orientação sexual.[9]

Também não exige que a composição do grupo seja por pessoas ligadas por laços de parentesco, como ocorre em outros países, a exemplo dos Estados Unidos, em que a família comunitária (como lá é conhecida), só recebe proteção federal quando formada por membros da família. Apenas alguns poucos Estados não fazem essa distinção.[10]

Como exemplos de grupos de convivência familiar têm-se os agregados compostos por irmãos que, após a morte de progenitores comuns, continuam a viver em comunhão de mesa e habitação[11] e não se casam posteriormente, ou por outros parentes, de qualquer linhagem, como primos, avós e netos, tios e sobrinhos, que, simplesmente, resolvem viver juntos em relação de entreajuda e partilha de recursos. 

E como exemplo de convivência em comum não-familiar, tem-se a indicação de Jorge Pinheiro: “de um médico, um professor, um advogado, um mediador imobiliário, sem laços familiares entre si, que vivem na mesma casa, situada na zona onde todos exercem as respectivas profissões, dividindo as despesas relativas a casa, jantam juntos e cumprem um esquema de rotação no desempenho das tarefas domésticas”.[12]

Têm-se, também, outras situações de fácil constatação na sociedade em que estão presentes os requisitos da partilha de recursos e da entreajuda, como, por exemplo:

  1. estudantes que têm por objeto a conclusão de estudos por longo período (repúblicas de estudantes, pensionatos);[13]
  2. a realização de trabalho (pessoas que trabalham juntas no mesmo empregador, principalmente quando trabalham fora na sua residência originária);
  3. amigos que se juntam para dividir morada;
  4. pessoas que não desejam casar ou manter união de fato, mas que, também, não desejam morar na casa de seus pais, ou sozinhas, resolvem, então, viver com outras pessoas em comunidades.
  5. idosos que não desejam viver sob os cuidados de parentes e resolvem se unir com outros idosos para dividirem habitação, a fim de, juntos, partilharem dos gastos com profissionais necessários para sua boa qualidade de vida, como terapeutas, nutricionistas, massagistas, psicólogos, enfermeiros e os próprios cuidadosos de idosos, além das despesas de casa e mesa.[14]

Também há que se questionar, se configuraria economia comum as casas de prostituição, em que as pessoas residem e trabalham.

Do ponto de vista dos valores morais, não seria adequado, contudo, do ponto de vista teleológico, perfeitamente, possível, afinal, as “profissionais do sexo” até usam a casa para “trabalhar”, mas, também, para residirem, nos moldes da economia doméstica, então, basta que se verifiquem os demais requisitos para tal configuração.

Outra hipótese possível seria no caso de impedimento da união de facto (artigo 2.º, alínea ‘c’, da Lei nº 7/2001– de casamento anterior não dissolvido), ou seja, a situação em que a união de facto não poderia ser reconhecida por força do casamento anterior não dissolvido, mas, por outro lado, poder estar preenchidos os requisitos da Lei nº 6/2001.

Como se vê, várias são as possibilidades de formação de convivência em economia comum, das quais muitas se enquadram ao novo conceito de família e como tal necessitam de proteção estatal.

Portugal não distingue núcleo familiar de núcleo não-familiar para fins de incidência da Lei nº 6/2001, entretanto, não considera esse tipo de convivência, qualquer que seja a formação, como entidade familiar.

Todavia, a convivência que se assemelha à noção de família - quer seja formada por parentes, quer seja, apenas por amigos, ou até mista - merece um novo olhar, frise-se, aquele agrupamento formado com animus de constituir família, duradouro, sem termo final antecipadamente previsto, pois as pessoas que vão conviver nessa condição o fazem nos moldes de uma família. Adequando-se, portanto, ao conceito atual de família, de “núcleo de convivência, no mesmo teto, unido por laços afetivos estáveis”,[15] capaz de promover a dignidade das pessoas conviventes.

Situação diversa se observa em convivência comum para fins de estudos, ainda que ultrapassem os dois anos previstos na lei, como também quando colegas de trabalhos se unem para morar juntos, por força de situação provisória de remoção ou de transferência, independente do tempo de duração.

No caso concreto, se for possível constatar que o animus é provisório, não estará configurada a entidade familiar, por falta do requisito da afetividade, pois o que teria motivado a formação dessa convivência em economia comum teria sido uma circunstância, não o afeto. Nesta hipótese, não poderia ser dado a esse agrupamento o tratamento conferido às famílias.

Para o direito português, a economia comum, independente do tipo, não é família. Apesar de oferecer as medidas de proteção, da Lei nº 6/2001, tanto para a economia comum familiar quanto para a não-familiar, Portugal não reconhece nenhuma das duas figuras como entidade familiar.

Jorge Pinheiro Duarte, jurista português, qualifica essas uniões como relação parafamiliar. Para ele, sequer a união de fato o é. Esse autor diz que tais relações são emergentes de atos jurídicos, reais ou materiais. [16]

Afasta a natureza de fato jurídico porque as relações são formadas pela vontade das partes. Afasta, também, a natureza de relação contratual, porque os membros “não podem validamente vincular-se a um dever jurídico de comunhão análogo ao que vigora em certas relações familiares”[17], pois as medidas de proteção são conferidas independentemente de terem sido pretendidas pelas partes no momento em que a relação se constituiu ou quando perfaz dois anos. Complementa:

Tendo em conta que as medidas de proteção são os efeitos essenciais da união de facto e da convivência em economia comum protegidas, o aspecto referido é decisivo para rejeitar a contratualidade. No casamento, cuja carácter negocial é controverso, a validade da constituição do vínculo é, pelo menos, suscetível de ser prejudicada se os nubentes não queriam submeter-se aos efeitos essenciais do acto que praticaram (cf. artigo 1635º, al. d). [18]

Defende que essas convivências, em verdade, têm natureza de atos jurídicos em sentido estrito ou deles são emergentes, mais precisamente de atos reais ou materiais, porque “para o Direito, é indiferente que os sujeitos digam ou deixem de dizer que vivem ou querem viver em comunhão”.  Explica Pinheiro Duarte:

Na constituição e no desenvolvimento da união de fato e da convivência em economia comum protegidas, os respectivos membros assumem comportamentos voluntários, cuja voluntariedade é suficiente para que se produzam os efeitos legais de proteção. Esses comportamentos não têm de ter conteúdo comunicativo, nem finalidade declarativa. O que releva é somente a vida em comum de companheiros e conviventes durante mais de dois anos, a prática ao longo de mais de dois anos de um conjunto de actos intencionais que identifique uma comunhão entre os sujeitos.[19]

Desse modo, as qualifica como “figuras rebeldes às qualificações marcadamente obrigacionais”, dada à dificuldade de enquadrá-las no âmbito das relações contratuais de facto.

França Pitão, em sua obra “Uniões de Facto e Economia Comum”, único material específico dedicado à economia comum, em Portugal, também segue a corrente que não considera essa convivência de pessoas como entidade familiar.[20]

Contudo, em pese as ponderações brilhantes desses doutos juristas, essa situação precisa ser repensada. Como visto, hoje, é comum pessoas resolverem não constituir família no sentido tradicional (casamento, procriação) e escolherem morar sozinhas, ou convidarem outras pessoas para dividirem habitação, sendo que, neste último caso, naturalmente, vai surgir o desenvolvimento de uma relação nos mesmos moldes de uma família, com relação de afeto, partilha de despesas, ajuda mútua e relação de companheirismo, com exceção, apenas, da relação sexual, sem falar que é muito mais comum parentes sem núcleo familiar (sem um pai ou uma mãe) conviverem com essa relação de entreajuda, exatamente com as características modernas de família (afetividade, ostensibilidade e estabilidade).

A economia comum, neste aspecto, é apenas mais um tipo de entidade familiar, dentre as tantas já existentes no universo real. É uma realidade cada vez mais expressiva na sociedade contemporânea.

Independentemente dos motivos que levam à constituição dessas uniões, o Estado tem o dever de protegê-las, oferecendo condições para que possam participar ativamente da vida em sociedade, gozando de direitos inerentes às famílias tradicionais, naquilo que lhes for compatível, materializando-se, assim, os princípios da igualdade, liberdade e dignidade da pessoa humana.

Com acerto, o legislador português conferiu à economia comum, alguns direitos próprios da união de facto, que serão analisados oportunamente, mas, pertinentes, no momento, os traços de semelhança e de diferenças de ambos os institutos para uma melhor compreensão.

No que respeita às semelhanças, tem-se a exigência de convivência por prazo superior a dois anos, a maioridade de, pelo menos, um dos conviventes, e a proteção da casa de morada comum.

Já as diferenças são mais significativas. A lei da economia comum é mais abrangente; comporta mais de duas pessoas na relação; não exige o relacionamento sexual e os direitos previstos na respectiva lei não incluem pensões de qualquer tipo (todo o resto é semelhante aos direitos base da Lei de União de Facto, com adaptações para as situações com mais de duas pessoas). Também os direitos previstos em outros textos legais, como no Código Penal, estendíveis à união de fato não se aplicam à economia comum.[21]

Importante registrar, também, que pode haver conversão da economia comum em outro instituto e vice-versa. Por exemplo, dois amigos resolvem dividir uma casa para morada e, posteriormente, vêm a desenvolver um relacionamento sexual, hipótese em que restará caracterizada a união de fato.

O contrário também pode ocorrer, ou seja, a união estável poder ser transformada em economia comum. Por exemplo, no caso de haver separação de cama dos companheiros e eles permanecerem coabitando na mesma casa, dividindo as despesas e em regime de entreajuda, seja em função dos filhos, seja porque um dos dois não tem para onde ir. Sendo possível, portanto, a conversão de um instituto em outro, e vive-versa.

Feita essas considerações, e guardadas as devidas proporções, não há óbice para que as pessoas que convivem em economia comum duradoura, formada pelo elemento afetivo, sejam enquadradas como entidade familiar, para poderem receber a proteção estatal destinada à família. Afinal, o núcleo onde convivem, diariamente, é justamente o lugar onde realizam o seu projeto de vida e de felicidade, função atual da família.

Some-se a isso que um Estado que tem suas bases fincadas no princípio democrático de direito tem o dever de respeitar a diversidade do modo de vida das pessoas que nele habitam.

Nessa linha, pode-se entender que o instituto da economia comum constitui um tipo especial de família, no qual as pessoas, sendo parentes ou não, possuem morada comum, de modo duradouro, partilhando despesas como alimentação, limpeza, higiene, bem assim os afazeres domésticos, ou outros de ordem pessoal, sem implicar em divisão de cama, apesar de não haver esse impedimento.

1.1.1.  Requisitos

O legislador português atribuiu alguns critérios objetivos para caracterizar essa modalidade de economia e/ou de família, quais sejam: 1) vivência em comum de entreajuda ou partilha de recursos; 2) maioridade: ter pelo menos um dos conviventes mais de dezoito anos e 3) haver vivência por prazo superior a dois.[22]

1.1.2. Vivência em comum de entreajuda ou de partilha de recursos (divisão de casa e mesa)

O requisito da convivência em comum, previsto no artigo 2º da Lei 06/2001, de 11 de maio, significa que as pessoas devam residir na mesma casa, suportando, em conjunto, as despesas de habitação e alimentação (partilha de recursos), que pode ocorrer não necessariamente com recursos financeiros por ambas as partes, podendo uma delas contribuir apenas com serviços, por exemplo, cuidar da casa (desde que não caracterize o vínculo de emprego doméstico), e, também, desenvolvendo uma relação de entreajuda, contribuindo ambas com apoio psicológico, solidariedade, afeto, companheirismo.

O artigo citado, cuja redação ora se transcreve, exige que na economia comum haja a (1) comunhão de mesa e habitação e (2) a vivência em comum de entreajuda ou a partilha de recursos, in verbis:

Artigo 2º, nº 1 - Entende-se por economia comum a situação de pessoas que vivam em comunhão de mesa e habitação há mais de dois anos e tenham estabelecido uma vivência em comum de entreajuda ou partilha de recursos.[23]

Contudo, concordamos com França Pitão ao criticar a redação da referida lei, acusando-a de trazer redundância nas expressões “comunhão de mesa e habitação” e “vivência em comum de entreajuda ou de partilha de recursos”, pois desnecessária a expressão “vivência em comum” da parte ‘b’ do dispositivo legal, uma vez que a primeira expressão já pressupõe a outra. Em palavras de Pitão:

De facto, o preceito começa por considerar que a economia comum é a situação de pessoas que vivam em comunhão de mesa e habitação. Tal significa, obviamente, que as pessoas em causa têm de manter entre si uma vivência comum, sob pena de se destruir aquele conceito. Assim, não se entende a necessidade de o legislador reafirmar a vivência comum, quando é certo que se impõe como princípio que vivem em comunhão de mesa e habitação.[24]

No entanto, o legislador quis reforçar o requisito em apreço, significando, como dito acima, “que as pessoas devam residir na mesma casa, suportando, em conjunto, as despesas de habitação e alimentação (partilha de recursos), desenvolvendo também uma relação de ‘entreajuda’, contribuindo ambas com apoio psicológico, solidariedade, afeto, companheirismo.”[25]

1.1.3. Maioridade (maior de 18 anos)

A maioridade é um dos requisitos para a caracterização da união em economia comum, cuja previsão está no artigo 2º, 2, da Lei nº 6/2001.

A lei dispõe que todas as pessoas que vivam nessas condições são protegidas “desde que pelo menos uma delas seja maior de idade”,[26] leia-se, maior de 18 anos, que é a maioridade reconhecida no direito português (artigo 130º, CCpt).

Há quem defenda que essa maioridade seja necessária, a fim de que haja um responsável pela família, inclusive monetariamente, no entanto, há controvérsias, vez que a lei foi feita com o intuito de proteção, para conceder direitos a esse agrupamento social e, em havendo restrição de idade, há contradição com a ratio legis, além de violar a Constituição portuguesa, que no artigo 13, apregoa a igualdade de direitos para todos os cidadãos.

Nesse sentido, a melhor solução parece ser a de se fazer uma interpretação conforme a constituição, superando-se essa exigência pelos institutos protecionistas do menor, adequados a cada caso, como a assistência, a representação legal, a emancipação, de modo a permitir o gozo do direito pelo menor, quando possível (por exemplo, o menor do nº 2 do artigo 1093º do CCpt). Comunga desse pensamento, o jurista português França Pitão.[27]

No Brasil, o menor emancipado pode praticar todos os atos da vida civil, e o menor que trabalha (artigo 7º, XXXIII, da CLT), tanto por contrato de trabalho (jovens entre 16 a 18 anos) quanto por contrato de aprendizagem (a partir de 14 anos) pode usufruir de todos os direitos laborais, e, por outro lado, também é obrigado a declarar renda perante o fisco.

Os menores absolutamente incapazes são apenas aqueles que têm 16 anos incompletos. Aqueles entre 16 e 18 são relativamente capazes, podem, assistidos, praticar alguns atos da vida civil (artigos 4º e 5º, do CC/br), portanto, mutatis mutandis, para esses menores não há incompatibilidade com o gozo dos direitos previstos para quem convive em regime de economia comum, os que trabalham, por exemplo, podem, perfeitamente, fazer uso do gozo de férias, conjuntamente com seu convivente, como também fazer declaração conjunta de imposto renda.

E igualmente, não se vê óbice para que o menor usufrua os direitos de moradia e de arrendamento, em caso de morte do proprietário ou do locatário emancipado, pois poderá lançar mão dos institutos de representação e de assistência citados.

A análise deve ser feita no caso concreto, observando-se a idade exigida para o exercício de cada direito (artigo 124, CC/pt).

1.1.4. Tempo mínimo (mais de dois anos)

Para a configuração da economia comum, o legislador português exige que as pessoas vivam em relação de entreajuda ou partilha de recursos por mais de dois anos (artigo 1º, n. 1, da Lei nº 6/2001).[28]

Com acerto, um tempo mínimo se faz necessário para que se verifique a estabilidade da relação e assim sejam evitados oportunismos ou mau uso da lei no usufruto dos direitos.[29]

Contudo, em algumas situações há controvérsia quanto a esse prazo de dois anos, por exemplo, na situação de arrendamento para habitação (no Brasil, aluguel), que há previsão no Código Civil português de apenas um ano, veja-se:

Artigo 1106.º, CC, Transmissão por morte

1 - O arrendamento para habitação não caduca por morte do arrendatário quando lhe sobreviva:

b) Pessoa que com ele residisse em economia comum e há mais de um ano.[30] (destaque posterior)

Têm-se aqui duas normas com conteúdos diferentes regulando a mesma matéria, formando um conflito, que, na espécie, seria resolvido pelo critério da especialidade, de modo a prevalecer a norma da lei da economia comum, por ser especial. No entanto, a própria Lei nº 6/2001, ressalva que quando houver regramento mais favorável, que seja aplicado esse normativo, veja-se:

N 2, artigo 1º, Lei nº 06/2001, de 11 de maio. O disposto na presente lei não prejudica a aplicação de qualquer disposição legal ou regulamento em vigor tendente à protecção jurídica de situações de união de facto, nem de qualquer outra legislação especial aplicável.[31]

Diante dessa situação, há quem defenda que para o usufruto do arrendamento pelo convivente sobrevivo, o prazo pode ser de um, dois ou três anos.

Os defensores da corrente do prazo de três anos dizem que se devem somar ambos os prazos (1 + 2 = 3 anos) porque o prazo de dois anos se destina à caracterização do instituto, sendo que antes de dois anos, não há que se falar em economia comum.[32] Há, também, quem defenda o prazo de dois anos (previsto na norma da economia comum) justificando a incidência do critério da especialidade.[33]

Todavia, a interpretação que melhor se coaduna com a mens legis é a aplicação do prazo de um ano, assinalado no Código Civil, justamente porque a Lei nº 06/2001, de 11 de maio de 2001, ressalva, expressamente, a prevalência de norma mais favorável.

É o entendimento de Jorge Duarte Pinheiro, para quem “o desvio quanto à duração da relação (um ano, em vez de dois anos) é o único que se observa em matéria de requisitos gerais de protecção da convivência em comum.” [34]

Assim, podemos concluir que para as pessoas contempladas no artigo 1106 do  Código Civil português (arrendamento para habitação), o prazo para configurar a economia comum deve ser de um ano, sendo de dois anos para os demais casos.

1.1.5. Deveres das partes

A convivência em economia comum, como se pode constatar, não visa à constituição de família no sentido tradicional (relação sexual e/ou procriação), pois não exige relacionamento sexual dos conviventes. Tanto é assim que a lei ressalva, no artigo 2º, 2, que o número de pessoas não está limitado a dois, comportando uma coletividade de pessoas, deixando claro o objetivo de não visar à união sexual.

Desse modo, não se vislumbram deveres especiais nesta relação, tão somente aqueles presentes em qualquer relação harmoniosa da vida humana como respeito, consideração, lealdade.

1.1.6.  Prova do vínculo da vida em comum

Questão de difícil verificação é a prova do vínculo da vida em comum. Há que se valer dos mesmos indícios que são necessários para a prova da união de facto (artigo 2º, Lei nº 7/2001), no que couber, como por exemplo, prova de mesmo domicílio, de encargos domésticos, existência de sociedade ou comunhão nos atos da vida civil, prova testemunhal, enfim, qualquer documento que possa levar à convicção do fato a comprovar. A seguir, o dispositivo:

Artigo 2.º-A (inserido pela Lei nº 23/2010).

Prova da união de facto

1 - Na falta de disposição legal ou regulamentar que exija prova documental específica, a união de facto prova-se por qualquer meio legalmente admissível.

2 - No caso de se provar a união de facto por declaração emitida pela junta de freguesia competente, o documento deve ser acompanhado de declaração de ambos os membros da união de facto, sob compromisso de honra, de que vivem em união de facto há mais de dois anos, e de certidões de cópia integral do registro de nascimento de cada um deles.

3 - Caso a união de facto se tenha dissolvido por vontade de um ou de ambos os membros, aplica-se o disposto no número anterior, com as necessárias adaptações, devendo a declaração sob compromisso de honra mencionar quando cessou a união de facto; se um dos membros da união dissolvida não se dispuser a subscrever a declaração conjunta da existência pretérita da união de facto, o interessado deve apresentar declaração singular.

4 - No caso de morte de um dos membros da união de facto, a declaração emitida pela junta de freguesia atesta que o interessado residia há mais de dois anos com o falecido, à data do falecimento, e deve ser acompanhada de declaração do interessado, sob compromisso de honra, de que vivia em união de facto com o falecido há mais de dois anos, à mesma data, de certidão de cópia integral do registro de nascimento do interessado e de certidão do óbito do falecido.[35]

1.1.7.  Prova da dissolução

A dissolução pode ocorrer por diversas causas, desde a vontade ou o falecimento de uma das partes, a exemplo do que também ocorre com a união de facto, veja-se a dicção legal atinente à hipótese.

Artigo 8.º, da Lei nº 07/2001.

Dissolução da união de facto

1 - A união de facto dissolve-se:

a) Com o falecimento de um dos membros;

b) Por vontade de um dos seus membros;[36]

A prova da dissolução da economia comum por uma das partes pode não ser muito fácil, quando não se der por declaração de ambas, mas, possível, diante do caso concreto.

1.1.8 Exceções legais

A lei em comento traz um rol de hipóteses em que, independentemente do lapso de convivência ser superior a dois anos (artigo 3º), não configura economia comum, quais sejam:

a) existência de contrato de sublocação e hospedagem entre os moradores;

b) prestação de atividade laboral para com uma das pessoas com quem viva em economia comum;

c) quando a convivência está relacionada com a prossecução de finalidades transitórias e

d) coação física ou psicológica ou atentatória da autodeterminação individual. [37]

A ressalva do legislador é pertinente. De fato, em tais hipóteses, haveria um desvirtuamento do instituto. Nos dois primeiros casos, há um fim comercial e uma prestação de serviço mediante pagamento, respectivamente. No último, é nítido caso de vício de vontade. Não pode ser chancelada pelo ordenamento jurídico convivência de pessoas mediante coação de qualquer natureza.

Na terceira hipótese, comporta uma observação, pois trata de um enunciado normativo vago, a ser preenchido no caso concreto, de acordo com as circunstâncias que o envolvam.

Diante da ausência de um regulamento da lei, enumerando algumas situações de exclusão, há que se tomar cuidado para não se excluírem da proteção legal, hipóteses que o legislador não desejou fossem excluídas e que, pelo seu contexto social, não comportaria exclusão, como, por exemplo, os casos de estudantes, cujos períodos de duração dos cursos são provisórios e previamente definidos.[38]

Sendo assim, a análise dessa situação deve ser feita apenas no caso concreto, mediante ponderação de valores, e nos limites dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.

1.1.9.  Evolução histórica                                                                                                                                                                                  

Antes da Lei nº 6/2001, não havia exigência de todos esses requisitos para se configurar a economia comum, bastava a comunhão de casa ou de alimentos para que se tivesse a convivência em apreço.

A ideia da proteção de pessoas que vivam em economia comum, como também a gênese desse termo surgiu em institutos diversos, a exemplo do Regulamento de Amparos da Lei do Serviço Militar (artigo 5º, Portaria 94/90 e Regulamento – Dec. Lei 463/88), hoje chamado de “Amparo de Família”, que descreve um rol de protegidos (cônjuges ou ex-cônjuges, ascendentes e descendentes, linha colateral e seus afins que vivam em economia comum).[39]

Também o Código Civil de Portugal, desde sua redação original, traz um rol de pessoas que vivem em economia comum com o arrendatário (arrendamento para habitação). Atualmente, esse rol (Nº 2, do artigo 1093) compreende:

A pessoa que com ele viva em união de facto, os seus parentes ou afins na linha recta ou até 3.° grau na linha colateral, ainda que paguem alguma retribuição, e bem assim as pessoas relativamente às quais, por força da lei ou de negócio jurídico que não respeite à habitação, haja obrigação de convivência ou de alimentos.[40]

Ressalte-se que apesar de constar no número 1 desse artigo, que podem residir no imóvel arrendado “todas as pessoas que vivam em economia comum”, no nº 2, a norma especifica quem são essas pessoas (artigo 1093, alterado pela Lei 6/2006).

Observe-se, por fim, que para os fins previstos nos citados institutos, as pessoas que vivem em economia comum não precisam preencher todos os requisitos da Lei nº 6/2001.

Jorge Pinheiro Duarte, trabalhando as definições de economia comum familiar e não familiar, traz uma situação de economia comum, por exemplo, que exige apenas o requisito da comunhão de casa e mesa, qual seja, o da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo (Lei n.º 147/1999), quando a convivência comum for formada por parentes.[41] Nesse sentido, dispõe o artigo 46, nº 2 da mencionada lei:

Artigo 46 - Definição e pressupostos

1- O acolhimento familiar consiste na atribuição da confiança da criança ou do jovem a uma pessoa singular ou a uma família, habilitadas para o efeito, proporcionando a sua integração em meio familiar e a prestação de cuidados adequados às suas necessidades e bem-estar e a educação necessária ao seu desenvolvimento integral.

2 - Para efeitos do disposto no número anterior, considera-se que constituem uma família duas pessoas casadas entre si ou que vivam uma com a outra há mais de dois anos em união de facto ou parentes que vivam em comunhão de mesa e habitação.  (destaque posterior)[42]

Com efeito, a Lei de Proteção das Pessoas que Vivem em Economia Comum (Lei nº 6/2001) veio aperfeiçoar a proteção que já era destinada às pessoas que conviviam em tais situações. Por outro lado, quando outras leis dispuserem de modo mais benéfico, este será o regramento a ser aplicado, por força do próprio instituto da EC (artigo 1, nº 2, Lei nº 6/2001), como é o caso do prazo de um ano do Código Civil enquanto a LC prescreve dois anos para tal caracterização.

1.2. Família anaparental

O agrupamento formado com animus de constituir família, animus duradouro, sem termo final antecipadamente previsto, independentemente de seus componentes serem ligados por laços familiares enquadra-se ao conceito atual de família, “de núcleo de convivência, unido por laços afetivos estáveis, que costumam compartilhar o mesmo teto” [43], sendo capaz de promover a dignidade das pessoas conviventes. Nesse contexto, está inserida a família anaparental, a seguir examinada.

1.2.1. Definição

A família anaparental, termo criado por Sérgio Resende de Barros, decorre do prefixo "ana", de origem grega, indicando "falta", "privação", caracteriza a família sem a presença dos pais. Nas palavras do autor:

São as famílias que não mais contam com os pais, as quais por isso eu chamo famílias anaparentais, designação bastante apropriada, pois “ana” é prefixo de origem grega indicativo de “falta”, “privação”, como em “anarquia”, termo que significa falta de governo.[44]

Constitui-se pela convivência, na mesma casa, de parentes sem um núcleo familiar (pais), como também por pessoas não ligadas por laços de parentesco, independente de sexo, com o sentimento de que estão convivendo em família, havendo assistência mútua, material e emocional.

Em palavras de Maria Berenice Dias:

A convivência entre parentes ou entre pessoas, ainda que não parentes, dentro de uma estruturação com identidade de propósito, impõe o reconhecimento da existência de entidade familiar batizada com o nome de família parental ou anaparental. [45]

Hugo Sá assinala que a família anaparental é um formato familiar capaz de adquirir as mais diversas configurações, talvez comporte algumas concepções citadas, como as famílias recompostas, reconstruídas, recombinadas, mosaicos, pluriparentais, binucleares e ensambladas. Cita como exemplos próprios de família anaparental, “a convivência longa e duradoura entre dois irmãos que foram abandonados pelos pais ou que estes faleceram, ou até mesmo duas amigas idosas que decidem viver o resto das suas vidas juntas, compartilhando suas aposentadorias”.[46]

Tal qual a economia comum em Portugal, esse instituto também não exige os papeis de pais e nem a finalidade de procriação, aliás, se caracteriza justamente pela ausência dos pais na sua constituição (ana = ausência). E também pode haver “a convivência de pessoas do mesmo sexo ou não, que sem conotação sexual, vivem como se família fossem.[47]

1.2.2. Reconhecimento no direito brasileiro

A família anaparental não está positivada no direito brasileiro, mas a doutrina e os tribunais vêm enfrentando a questão e vêm dando tratamento de entidade familiar às pessoas que vivem nessa situação. O Superior Tribunal de Justiça, numa decisão histórica, consagrou, sem nenhuma dúvida, a existência dessa família especial. Na ocasião, assinalou que “o primado da família socioafetiva tem que romper os ainda existentes liames que atrelam o grupo familiar a uma diversidade de gênero e fins reprodutivos, não em um processo de extrusão, mas sim de evolução, onde as novas situações se acomodam ao lado de tantas outras, já existentes, como possibilidades de grupos familiares.”[48] Eis a ementa da decisão:

CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. ADOÇÃO PÓSTUMA. VALIDADE. ADOÇÃO CONJUNTA. PRESSUPOSTOS. FAMÍLIA ANAPARENTAL. POSSIBILIDADE. Ação anulatória de adoção post  mortem, ajuizada pela União, que tem por escopo principal sustar o pagamento de benefícios previdenciários ao adotado - maior interdito -, na qual aponta a inviabilidade da adoção post  mortem sem a demonstração cabal de que o de cujus desejava adotar e, também, a impossibilidade de ser deferido pedido de adoção conjunta a dois irmãos. A redação do art. 42, § 5º, da Lei 8.069/90 - ECA -, renumerado como§ 6º pela Lei 12.010/2009, que é um dos dispositivos de lei tidos como violados no recurso especial, alberga a possibilidade de se ocorrer a adoção póstuma na hipótese de óbito do adotante, no curso do procedimento de adoção, e a constatação de que este manifestou,em vida, de forma inequívoca, seu desejo de adotar.Para as adoções post mortem, vigem, como comprovação da inequívoca vontade do de cujus em adotar, as mesmas regras que comprovam afiliação socioafetiva: o tratamento do menor como se filho fosse e o conhecimento público dessa condição. O art. 42, § 2º, do ECA, que trata da adoção conjunta, buscou assegurar ao adotando a inserção em um núcleo familiar no qual pudesse desenvolver relações de afeto, aprender e apreender valores sociais, receber e dar amparo nas horas de dificuldades, entre outras necessidades materiais e imateriais supridas pela família que, nas suas diversas acepções, ainda constitui a base de nossa sociedade. A existência de núcleo familiar estável e a consequente rede de proteção social que podem gerar para o adotando, são os fins colimados pela norma e, sob esse prisma, o conceito de núcleo familiar estável não pode ficar restrito às fórmulas clássicas de família, mas pode, e deve, ser ampliado para abarcar uma noção plena de família, apreendida nas suas bases sociológicas. Restringindo a lei, porém, a adoção conjunta aos que, casados civilmente ou que mantenham união estável, comprovem estabilidade na família, incorre em manifesto descompasso com o fim perseguido pela própria norma, ficando teleologicamente órfã. Fato que ofende o senso comum e reclama atuação do interprete para flexibilizá-la e adequá-la às transformações sociais que dão vulto ao anacronismo do texto de lei. O primado da família socioafetiva tem que romper os ainda existentes liames que atrelam o grupo familiar a uma diversidade de gênero e fins reprodutivos, não em um processo de extrusão, mas sim de evolução, onde as novas situações se acomodam ao lado de tantas outras, já existentes, como possibilidades de grupos familiares. O fim expressamente assentado pelo texto legal - colocação do adotando em família estável - foi plenamente cumprido, pois os irmãos, que viveram sob o mesmo teto, até o óbito de um deles, agiam como família que eram, tanto entre si, como para o então infante, e naquele grupo familiar o adotado se deparou com relações de afeto, construiu - nos limites de suas possibilidades - seus valores sociais, teve amparo nas horas de necessidade físicas e emocionais, em suma, encontrou naqueles que o adotaram, a referência necessária para crescer, desenvolver-se e inserir-se no grupo social que hoje faz parte. Nessa senda, a chamada família anaparental - sem a presença de um ascendente -, quando constatado os vínculos subjetivos que remetem à família, merece o reconhecimento e igual status daqueles grupos familiares descritos no art. 42, § 2, do ECA. Recurso não provido. (STJ - REsp: 1217415 RS 2010/0184476-0, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 19/06/2012, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 28/06/2012)[49]

O mesmo STJ já reconheceu, também como entidade familiar, a comunidade constituída por irmãos solteiros que dividiam a mesma casa, nos moldes de família, protegendo o bem da morada comum. Veja-se:

EXECUÇÃO. EMBARGOS DE TERCEIRO. LEI Nº 8.009/90. IMPENHORABILIDADE. MORADIA DA FAMÍLIA. IRMÃOS SOLTEIROS. Os irmãos solteiros que residem no imóvel comum constituem uma entidade familiar e por isso o apartamento onde moram goza de proteção de impenhorabilidade, prevista na Lei nº 8.009/90, não podendo ser penhorado na execução de dívida assumida por um deles.[50]

EXECUÇÃO. BEM DE FAMÍLIA. Ao imóvel que serve de morada às embargantes, irmãs e solteiras, estende-se a impenhorabilidade de que trata a lei 8.009/90. (STJ RESP 57606/MG, 1994/0037157-8, REL. MINISTRO RELATOR MINISTRO FONTES DE ALENCAR, QUARTA TURMA, JULGADO EM 11 DE ABRIL DE 1995, PUBLICADO DJ 15/05/1995 P. 13410)[51]

Como diz Paulo Lobo, sem embargo do fim proposto da impenhorabilidade, as decisões em apreço cuidam de entidade familiar que se insere totalmente no conceito de família do artigo 226, pois dotada dos requisitos de afetividade, estabilidade e ostensibilidade,[52] estando, portanto, a família anaparental, enquadrada nessa configuração, que ultrapassando os limites da previsão jurídica tradicional (casamento, união estável e família monoparental) abarca “todo e qualquer agrupamento de pessoas onde permeie o elemento affectio familiae”.[53]

Com efeito, a nova concepção de família alcança tanto a família anaparental brasileira como a convivência em economia doméstica portuguesa, não havendo óbice que possa impedir a proteção desses grupos sociais, ao contrário, será repartido com o Estado o ônus de proteção das pessoas que vivem nessas moradas coletivas.


2. ROL DOS DIREITOS CONCEDIDOS ÀS PESSOAS QUE VIVEM EM ECONOMIA COMUM E EM FAMÍLIA ANAPARENTAL

Neste capítulo, serão apresentados os direitos previstos na legislação portuguesa às pessoas que vivem em economia comum (Lei nº 06/2001), como direitos laborais (licenças para acompanhamento do convivente comum, férias conjuntas), direitos fiscais (declaração conjunta de imposto de rendimento das pessoas singulares), direitos reais (residência no imóvel do proprietário por cinco anos após a morte deste) e de locação (permanência do contrato de aluguel até o final do contrato em caso de morte do contratante).

Com relação à família anaparental, será demonstrado que muitos juízes e tribunais estão dando tratamento de verdadeira entidade familiar, inclusive, com o reconhecendo alguns direitos inerentes às famílias tradicionais, como direitos a alimentos, à adoção, à sucessão e ao direito real de habitação, no que estão sendo aplaudidos pela doutrina de vanguarda no País.

2.1. Direitos concedidos às pessoas que vivam em economia comum (Lei nº 06/2001, de 11 de maio, de Portugal)

Em boa hora o legislador português concedeu às pessoas que convivem em economia comum alguns direitos das searas trabalhista, fiscal e civil da família, por meio da Lei nº 6/2001, direitos que também foram reconhecidos aos conviventes da união de facto, dada à similitude de vida de ambos os grupos, já que também vivem em regime de comunhão de despesas e de entreajuda no mesmo lar.

Em verdade, o que diferencia um instituto do outro é que a união de facto visa aos mesmos fins da união por casamento, qual seja, a constituição de família nuclear, com relacionamento conjugal e procriação de filhos, enquanto as pessoas que se unem para viver em economia comum não têm essa finalidade, dividem apenas a casa e a habitação. Podem até se envolver num relacionamento afetivo dessa natureza, mas não é o objetivo precípuo delas, mesmo porque, se a união se transmudar num relacionamento sexual, mudará também a natureza do instituto, hipótese em que os conviventes passarão a ser tutelados pelo estatuto da união de facto.

Isso dito e, considerando que essas pessoas convivem nos moldes de uma família, conceito moderno, consequentemente fazem jus aos direitos concedidos às famílias tradicionais, naquilo que for compatível, pois gozam da mesma tutela constitucional.

Nesse particular, pertinente a leitura do artigo 9º da carta portuguesa:

Artigo 9º: São tarefas fundamentais do Estado: [...]

d) Promover o bem-estar e a qualidade de vida do povo e a igualdade real entre os portugueses, bem com o a efectividade dos direitos económicos, sociais, culturais e ambientais, mediante a transformação e modernização das estruturas económicas e sociais; [54]

A concessão de direitos como o gozo conjunto de férias e de feriados, licença para acompanhamento do convivente (direitos sociais), possibilidade de abatimento de despesas dos membros da economia comum junto ao fisco (benefício fiscal), direito de permanecer na casa de morada comum quando da morte do proprietário e direito de execução do contrato de arrendamento urbano quando da morte do contratante (direito real de habitação) são, por certo, medidas que emancipam essas pessoas enquanto cidadãos - esse novo tipo de família - enaltecendo o princípio-mor das relações sociais, a dignidade da pessoa humana.

2.1.1. Direitos laborais

No âmbito dos direitos dos trabalhadores empregados, tanto do setor público, quanto do setor privado, a legislação estendeu alguns desses direitos às pessoas que vivem em regime de economia comum, assim dispondo o artigo 4º, da Lei 6/2001:

Artigo 4º - Direitos aplicáveis.

1 - Às pessoas em situação de economia comum são atribuídos os seguintes direitos:

a) Benefício do regime jurídico de férias, faltas e licenças e preferência na colocação dos funcionários da Administração Pública equiparado ao dos cônjuges, nos termos da lei;

b) Benefício do regime jurídico das férias, feriados e faltas, aplicável por efeito de contrato individual de trabalho, equiparado ao dos cônjuges, nos termos da lei;[55]

Para os trabalhadores do setor público, foram estendidos os direitos de férias, faltas justificadas, licenças e preferência na colocação de funcionários públicos quando há o deslocamento de um dos conviventes.

E para os trabalhadores do setor privado, foram também reconhecidos os direitos ao regime jurídico de férias e das faltas justificadas e acrescido o gozo conjunto dos feriados, nos moldes a serem usufruídos pelos cônjuges e/ou companheiros da união de facto, segundo as respectivas legislações, mas com adaptações, como por exemplo, no caso de haver mais de duas pessoas residindo em economia comum, apenas duas delas devem ser consideradas para fins de fruição do direito (nº 2, do artigo 4º, da Lei nº 6/2001).

No que respeita às férias, segundo os institutos correlatos, se dois trabalhadores do mesmo empregador conviverem numa economia comum, vão poder gozar as férias no mesmo período, desde que esse gozo conjunto não traga prejuízos ao empregador, como, aliás, ocorre com os conviventes da família tradicional que trabalham no mesmo empregador.

Igual tratamento ocorre em relação às faltas justificadas quando um dos conviventes se encontra em iguais condições que um dos cônjuges. Por exemplo, no caso da morte de um deles, o outro terá direito de se ausentar do posto de trabalho pela quantidade de dias em que teria direito o cônjuge ou companheiro. Ou, ainda, para dar assistência ao companheiro de residência em caso de doença deste.

No setor privado, a lei concede o direito ao gozo do feriado, o que permite concluir que, em atividades ininterruptas, com turmas de revezamento, os dois membros da economia comum que trabalham nesse sistema têm direito de gozar o feriado juntos, caso não traga prejuízos ao empregador.

Com relação ao setor público, têm-se, ainda, dois direitos reconhecidos aos membros da economia comum, a licença e a preferência na colocação, cuja concessão também vai seguir os moldes regulamentados aos cônjuges/companheiros que trabalham em tal setor.

A licença pode ser concedida, por exemplo, para um dos conviventes acompanhar o outro em missão ou estudo de longa duração no exterior. E a preferência na colocação pode ocorrer quando um for lotado em cidade ou domicílio distante da residência comum, situação em que o outro terá o direito de ser colocado em órgão público similar na mesma cidade, para preservar a mantença da união em economia comum.

A legislação andou bem na concessão desses direitos a essa união, contudo, comporta uma crítica relativamente à restrição da quantidade de membros a ser beneficiados nessa coletividade.

Nº 2, do artigo 2º, da Lei 6/2001: - O disposto na presente lei é aplicável a agregados constituídos por duas ou mais pessoas, desde que pelo menos uma delas seja maior de idade.

Nº 2, do artigo 4º, da Lei 6/2001: Quando a economia comum integrar mais de duas pessoas, os direitos consagrados nas alíneas ‘a’ e ‘b’ do número anterior, apenas podem ser exercidos, em cada ocorrência, por uma delas. (destaque posterior)[56]

Ora, se a própria lei ressalta que podem conviver, em tal situação, mais de duas pessoas (nº 2, artigo 2º), para fins de proteção do Estado, não pode, posteriormente, fazer limitação dessa quantidade, justamente para fruição dos direitos. Isso contraria a finalidade do instituto, além de favorecer discriminações no seio da comunidade, violando o princípio constitucional da igualdade (artigo 13º da CFpt).

Há que se repensar esse comando legal, pois, no caso concreto, pode ser concedido o direito a todas as pessoas da coletividade, com as adaptações devidas, observando-se os princípios da proporcionalidade e razoabilidade, para não inviabilizar a atividade do empregador. O que não é admissível é a proibição taxativa, sob pena de violar a Norma Superior.

2.1.2. Imposto de rendimento das pessoas singulares

Sobre o imposto de rendimento das pessoas singulares (benefício fiscal), a letra ‘c’ do artigo 4º da lei em comento assevera que:

Artigo 4º - Direitos aplicáveis.

c) Aplicação do regime do imposto de rendimento das pessoas singulares nas mesmas condições dos sujeitos passivos casados e não separados judicialmente de pessoas e bens, nos termos do disposto no artigo 7º; - Regime fiscal. À situação de duas pessoas vivendo em regime de economia comum é aplicável, com as devidas adaptações, o disposto no artigo 14º - A do Código do IRS, aprovado pelo Decreto-Lei Nº 442-A/1988, de 30 de Novembro".[57]

Esse direito também será concedido aos conviventes da economia comum nos moldes da concessão oferecida aos cônjuges ou companheiros, ou seja, podem os membros da economia doméstica fazer declaração conjunta de imposto de rendimento, podendo deduzir despesas uns dos outros, independentemente da quantidade de membros da residência.

Um caso julgado pelo Tribunal Central Administrativo Norte do Porto, apesar de ter sido julgado improcedente, retrata a possibilidade de fruição desse direito.

DESCRITORES: IRS - ABATIMENTOS - ECONOMIA COMUM.

1. O artigo 55.º n.º 1 al. b) CIRS (redacção em vigor no ano de 1994) previa, entre o mais, como uma das condições, dos requisitos, para os sujeitos passivos de IRS poderem abater, à totalidade dos seus rendimentos líquidos, importâncias, pagas e não reembolsadas, respeitantes a despesas de saúde tidas com os seus ascendentes, a situação/conceito de “economia comum”.

2. No nosso ordenamento jurídico, vigora a L. 6/2001 de 11.5. que, por inscrição expressa da sua parte introdutória, “Adopta medidas de protecção das pessoas que vivam em economia comum”, a qual fornece um contributo inestimável, concretamente, uma definição da expressão “Economia Comum”. Assim, nos termos do seu artigo 2.º n.º 1, deve entender-se por economia comum “a situação de pessoas que vivam em comunhão de mesa e habitação há mais de dois anos e tenham estabelecido uma vivência em comum de entreajuda ou partilha de recursos”.

3. Do transcrito segmento normativo brotam como traços indeléveis, nitidamente identificativos, do conceito jurídico sob avaliação a “comunhão de mesa e habitação” e a “vivência em comum de entreajuda ou partilha de recursos”. Registre-se que estas típicas características se compatibilizam com a raiz etimológica da palavra economia: oikos (casa) + nomia, de nemein (administrar, estabelecer normas, decidir).

4. Assim, para que, no ambiente jurídico, se tenha por preenchida uma situação de economia comum, é mister que os sujeitos envolvidos comunguem da mesma mesa e habitação, norteando a sua actuação por impulsos de ajuda mútua ou de partilha dos recursos, granjeados pelo conjunto e disponíveis.

5. Firmada esta conclusão, importa expressar não encontrarmos quaisquer razões, de especificidade e privativas, que impeçam a transposição do conceito vindo de desenhar para as hipóteses em que o direito substantivo tributário lance mão do mesmo, conferindo-lhe relevância e implicações jurídico-fiscais.

6. Na situação destes autos, presente a factualidade julgada provada, mostrando-se plena a demonstração de que a mãe da impugnante vive e, sobretudo, vivia, no ano de 1994, em casa própria, situada em Penafiel, apenas indo morar com os impugnantes em situações de doença e, particularmente, no decurso desse ano, por virtude da intervenção cirúrgica a que teve de se submeter em unidades hospitalares instaladas na cidade do Porto, onde residia a sua filha e genro, temos de dizer que falece um dos elementos preponderantes, decisivos, para o preenchimento do conceito de “economia comum”; especificamente, a “comunhão de mesa e habitação”. (ACÓRDÃO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO NORTE. PROCESSO: 00231/01 – PORTO, SECÇÃO:               2ª SECÇÃO - CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO, DATA DO ACORDÃO: 23/10/2008, RELATOR: ANÍBAL FERRAZ) [58]

Na postulação inicial, o genro tentava abater, da sua declaração de imposto de rendimentos, as despesas médicas efetuadas com a sogra, alegando que esta vivia em economia comum consigo e com sua esposa.[59]

O Tribunal negou o pedido do autor por ausência dos requisitos da economia comum, faltando, na espécie, a convivência permanente, já que ficou comprovado que apenas em períodos eventuais a sogra habitava com a filha e com o genro. Contudo, o Acórdão ressaltou que, caso a sogra, efetivamente, morasse com o casal, em regime de entreajuda ou partilha de bens o genro poderia incluir as despesas médicas na sua declaração de imposto de rendimentos, à luz do que dispõe o artigo 4º, letra ‘c’, da Lei 06/2001, de 11 de maio.

Proteção da casa de morada comum

O legislador se preocupou com a situação dos demais membros da coletividade quando o proprietário da casa vem a falecer. Em tal situação, os sobreviventes, em igualdade de condições, terão a proteção da morada comum pelo prazo de cinco anos e, no mesmo prazo, o direito à compra do imóvel. Eis a dicção legal:

Artigo 5º - Casa de morada comum.

1 - Em caso de morte da pessoa proprietária da casa de morada comum, as pessoas que com ela tenham vivido em economia comum há mais de dois anos nas condições previstas na presente lei têm direito real de habitação sobre a mesma, pelo prazo de cinco anos, e, no mesmo prazo, direito de preferência na sua venda.[60]

No que refere à primeira parte (direito de permanência na casa de morada comum pelas demais pessoas dessa economia) nenhuma dúvida subsiste, ou seja, os herdeiros do proprietário haverão de respeitar essa situação pelo prazo de cinco anos.

Contudo, esse direito não é irrestrito, o legislador excetuou algumas hipóteses, em favor de filhos menores do proprietário e de ascendentes deste que convivam na residência comum, como também no caso de disposição testamentária em sentido contrário. Veja-se a redação dos números 2 e 3 do artigo 5º da respectiva legislação:

2 - O disposto no número anterior não se aplica caso ao falecido sobrevivam descendentes ou ascendentes que com ele vivessem há pelo menos um ano e pretendam continuar a habitar a casa, ou no caso de disposição testamentária em contrário.

3 – Não se aplica ainda o disposto no Nº 1 no caso de sobrevivência de descendentes menores que não coabitando com o falecido demonstrem ter absoluta carência de casa para habitação própria.[61]

No caso 2, os membros da economia comum não poderão exercer o direito de permanecer na morada se o proprietário houver deixado descendentes ou ascendentes que conviviam na casa há pelo menos um ano e que pretendam continuar nela coabitando. Nesta situação, prevalecerá o direito dos herdeiros.

Na hipótese 3, por evidente, prevalecerá a vontade do proprietário, se tiver feito testamento em sentido contrário, ou seja, se a vontade manifesta deste for deixar a casa para outra pessoa ou se simplesmente não desejar a mantença da morada comum em sua residência.

Há, ainda, uma quarta situação: a de filhos menores do proprietário que embora não residindo com ele na morada comum demonstre não possuir casa para habitação, hipótese em que os membros da economia haverão de entregar o imóvel aos representantes legais desses menores.

Essas exceções são razoáveis, pois visam à proteção dos menores, idosos e à própria vontade do proprietário, atendendo ao princípio da proteção integral, com absoluta prioridade aos menores, bem assim, garantem o direito de disposição da propriedade.

Por fim, tem-se uma consideração a se fazer na hipótese de venda da casa, na parte final do nº 1, quando ressalta de que “o direito de preferência na venda” será no mesmo prazo de cinco anos.

Ora, se se entender que durante o curso dos cinco anos, os herdeiros do proprietário podem vender a casa, não terá sido respeitada a primeira parte do artigo, “a proteção à morada comum pelo prazo de cinco anos”, o que esvaziará tal proteção, pois, vender o bem temporariamente inalienável será a primeira providência que passará pela cabeça dos herdeiros, a fim de que esse bem gravado venha a compor a partilha.

Portanto, a interpretação mais razoável nesse particular é a de se pensar que, no decurso de prazo de cinco anos, o direito de preferência na venda da casa de morada comum seja exercido tão somente no interesse dos membros da economia comum. Ou seja, se algum morador desejar adquirir o imóvel em tal período, deverá ser a ele vendido, desde que, é claro, sejam observados os valores e condições de mercado.

Por outro lado, transcorrido tal lapso temporal, parece não subsistir o direito de preferência na venda do imóvel ao morador, estando os herdeiros desobrigados de tal encargo, podendo, livremente, alienar o bem a terceiros.

2.1.3. Transmissão do arrendamento por morte

As pessoas que vivem em economia comum têm direito a transmissão do arrendamento para habitação por morte do contratante convivente (contrato de aluguel, no Brasil), por um prazo mínimo de seis meses. Apesar das alterações legislativas sobre a matéria, o direito subsiste, senão, vejamos:

Artigo 6º da Lei 6 de 2001: - Transmissão do arrendamento por morte.

 Ao Nº 1 do artigo 85º do Regime do Arrendamento Urbano, aprovado pelo Decreto-Lei Nº 321-B/1990, de 15 de Outubro, é aditada uma alínea f), com a seguinte redacção: ‘f) Pessoas que com ele vivessem em economia comum há mais de dois anos.’ [62]

Em 2006, com a edição da Lei do NRAU (Lei 06/2006, de 27 de fevereiro), houve revogação tácita desse dispositivo. A nova disciplina legal (artigo 57) não incluiu os membros da economia comum no rol dos beneficiados da transmissão do arrendamento por morte do contratante.

Contudo, o Código Civil português disciplina a matéria, no artigo 1106, N. 2, parte final, in verbis:

Artigo 1106.º do CC - Transmissão por morte.

1 - O arrendamento para habitação não caduca por morte do arrendatário quando lhe sobreviva: b) Pessoa que com ele residisse em economia comum e há mais de um ano.

2 - No caso referido no número anterior, a posição do arrendatário transmite-se, em igualdade de circunstâncias, sucessivamente para o cônjuge sobrevivo ou pessoa que, com o falecido, vivesse em união de facto, para o parente ou afim mais próximo ou de entre estes para o mais velho ou para o mais velho de entre as restantes pessoas que com ele residissem em economia comum há mais de um ano.

3 - A morte do arrendatário nos seis meses anteriores à data da cessação do contrato dá ao transmissário o direito de permanecer no local por período não inferior a seis meses a contar do decesso.

Assim, fazendo-se uma interpretação teleológica, conclui-se que o direito subsiste aos membros da economia comum, mudando apenas o endereçamento da norma, que passou da lei do Arrendamento Urbano para a disciplina do Código Civil, ficando, inclusive, mais benéfico, pois, foi reduzido o prazo de dois para um ano, conforme já tratado em linhas anteriores.

Esse direito, aliás, por ser o único da lei da economia comum que tem regulamentação específica, como visto, no RAU e no CC, já foi bastante enfrentado nos tribunais e com êxito, conforme se constata através de julgados do Superior Tribunal de Justiça de Lisboa (Sumários do Boletim interno), extraídos do site da Procuradoria Geral-Distrital de Lisboa (PGDL)[63] e do Supremo Tribunal de Justiça de Portugal.

ACSTJ de 25-11-2004

CONTRATO DE ARRENDAMENTO. RESOLUÇÃO DO CONTRATO. ECONOMIA COMUM. FAMÍLIA

I - Para a operância da excepção tipificada na alínea c) do n.º 2 do artigoº 64 do RAU 90 - obstativa da resolução do contrato de arrendamento -, não basta a mera permanência de parentes ou familiares no arrendado, antes se configurando como necessária a existência de elos de dependência económica entre eles, ou com a própria casa/habitação e ou/o arrendatário.

II - O conceito de 'economia comum' pressupõe uma comunhão de vida, com base num lar em sentido familiar, moral e social, uma convivência conjunta com especial affectio ou ligação entre as pessoas coenvolvidas, convivência essa que não impõe a permanência no sentido físico, antes admitindo eventuais ausências, sem intenção de deixar a habitação, com sujeição a uma economia doméstica comum com a quebra dos laços estabelecidos, verificando-se, assim, apenas uma única economia doméstica, contribuindo todos ou só alguns para os gastos.

III - A ratio legis radica na protecção da estabilidade do agregado familiar com sede no arrendado (que não no interesse económico do senhorio).

IV - A instalação de um novo agregado familiar no arrendado não está já abrangido pela protecção excepcional contemplada na alínea c) do n.º 2 do artigoº 64 do RAU 90, já que, assim se não entendesse, representaria como que a transmissão (cessão) em vida da posição de arrendatário habitacional, ao arrepio do regime legal específico. (Revista n.º 3633/04 - 2.ª Secção Ferreira de Almeida (Relator) * Abílio de Vasconcelos Duarte Soares) [64]

ACSTJ DE 05-07-2007

CONTRATO DE ARRENDAMENTO. CADUCIDADE.  TRANSMISSÃO DA POSIÇÃO DO ARRENDATÁRIO.  ECONOMIA COMUM.

I -Estando em causa a transmissão da posição de arrendatário num contrato de locação para a habitação, por morte da locatária, a sobrinha desta que prove que com a mesma vivia, à data daquela morte, há mais de dois anos, beneficia da presunção de convivência em economia comum, com a falecida arrendatária, prevista no n.º 2 do artigo 76.º do RAU. II - Logo a referida sobrinha beneficia do direito à transmissão da posição da locatária no mesmo contrato de locação, nos termos do artigo 85.º, n.º 1, al. f), do RAU, na redacção dada pelas Leis nº s 6/2001 e 7/2001, ambas de 11-05. (Revista n.º 4767/06 -6.ª Secção João Camilo (Relator) Azevedo Ramos Silva Salazar.)[65]

ACSTJ de 09-05-2006

CONTRATO DE ARRENDAMENTO.  ECONOMIA COMUM.  REQUITOS TRANSMISSÃO DA POSIÇÃO DO ARRENDATÁRIO. APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO.

I - Provado que a ré reside na fracção desde 08-04-1977, tendo convivido com a primitiva arrendatária de 1977 a 1996, relação de convivência que se baseou sempre numa base de amizade e inter-ajuda entre as duas senhoras, principalmente a partir do ano de 1996, altura em que a arrendatária adoeceu ficando num estado muito debilitado e dependendo exclusivamente da ajuda da ora ré, que se desempregou para prestar auxílio, gratuito, até à morte daquela, prestando-lhe cuidados médicos e de higiene permanentes, acompanhados de amizade e companhia, em troca de uma repartição de custos diários com a manutenção de duas vidas, acrescida, para a ré da possibilidade de habitar a fracção, estabeleceu-se entre as duas senhoras uma estreita convivência “quase familiar” que se integra no conceito de economia comum. 

II - A al. f) do .º 1 do artigo 85.º do RAU, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 6/2001, de 11 de Maio, reporta-se a um estatuto legal, nela tendo o legislador tido em atenção tão só a relação locatícia duradoura, abstraindo dos factos que a originaram, desviando-se claramente de regulamentar o conteúdo de cada específico contrato de arrendamento celebrado, aplicando-se mesmo às situações jurídicas em que o direito à transmissão do arrendamento já estava constituído à data da sua entrada em vigor, não podendo, consequentemente esse efeito imediato da lei nova, previsto na segunda parte do n.º 2 do artigo 12.º do CC, enquanto tal, ser considerado como representando um efeito retroactivo. (Revista n.º 714/06 - 1.ª Secção Borges Soeiro (Relator) Pinto Monteiro Faria Antunes). [66]

ACSTJ de 29-06-2000

ARRENDAMENTO. DIREITO A NOVO ARRENDAMENTO. ECONOMIA COMUM.

I - Quando o artigo nº 90 remete para as pessoas referidas na al. a) do n.º 1 do artigo nº 76, ambos do RAU, desde que convivam com o arrendatário há mais de cinco anos, estabelece na primeira parte a condição de vivência em economia comum e, na segunda, o período em que essa convivência se deve manter. Não se basta, assim, com uma convivência em economia comum por um prazo inferior a cinco anos.

II - Perante a letra da lei e a história do preceito há que entender os requisitos da vivência em economia comum como cumulativos no prazo de cinco anos. N.S. (Revista n.º 1612/00 - 2.ª Secção Simões Freire (Relator) Roger Lopes Costa Soares.)[67]

Com efeito, por necessitar de uma interpretação expansiva e teleológica, muitas controvérsias vão continuar existindo a respeito do tema, mas, o intérprete e aplicador do direito deve voltar seu foco para a finalidade da lei, que é a proteção das pessoas que coabitam nessa família especial, de modo que a orientação seja percebida para avançar e não para restringir direitos.                                    

2.2. Direitos reconhecidos pela doutrina e pela jurisprudência do Brasil à família anaparental

No Brasil, como visto, doutrina e jurisprudência vêm reconhecendo como entidade familiar a “união de pessoas que convivem em economia comum (parentes, não parentes ou ambas), com divisão de casa e mesa, sem conotação sexual e sem finalidade de procriação, constituída com a finalidade de um projeto de felicidade comum”, com o nome de família anaparental, cuja definição decorre exatamente da falta de um dos pais no núcleo familiar.

Apesar de não haver uma lei regulamentando esse fato social, frise-se, muito comum na sociedade pós-moderna, os tribunais brasileiros, diante das demandas a si submetidas, vêm concedendo alguns direitos próprios das famílias tradicionais, mutatis mutandis, como direito de sucessão, de alimentos, direito à impenhorabilidade do bem de família e direito real de habitação.

2.2.1. Direito ao reconhecimento de bem de família

O Direito brasileiro já consagrou como entidade familiar dois irmãos solteiros que vivem juntos, a nomeada família anaparental, garantindo-lhes o direito de impenhorabilidade do imóvel onde residiam, reconhecendo-o como bem de família, exatamente nos moldes em que o direito é aplicado para a família nuclear. Confira-se:

EXECUÇÃO. EMBARGOS DE TERCEIRO. LEI 8009/90. IMPENHORABILIDADE. MORADIA DA FAMILIA. IRMÃOS SOLTEIROS. Os irmãos solteiros que residem no imóvel comum constituem uma entidade familiar e por isso o apartamento onde moram goza da proteção de impenhorabilidade, prevista na lei 8009/90, não podendo ser penhorado na execução de dívida assumida por um deles. Recurso conhecido e provido. (STJ. REsp 159851/SP, Rel. Ministro Ruy Rosado de Aguiar, Quarta Turma, julgado em 19/03/1998, DJ 22/06/1998 p. 100).[68] 

2.2.2. Direito a alimentos

O Direito Civil brasileiro impõe responsabilidades aos parentes, no sentido de que uns assistam os outros materialmente, independentemente da linha e do grau de parentesco. Veja-se o que dispõe o artigo nº 1.694 do mencionado diploma:

Art. 1.694. Podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação.

§ 1o Os alimentos devem ser fixados na proporção das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada.

§ 2o Os alimentos serão apenas os indispensáveis à subsistência, quando a situação de necessidade resultar de culpa de quem os pleiteia.

Art. 1.695. São devidos os alimentos quando quem os pretende não tem bens suficientes, nem pode prover, pelo seu trabalho, à própria mantença, e aquele, de quem se reclamam, pode fornecê-los, sem desfalque do necessário ao seu sustento.

Art. 1.696. O direito à prestação de alimentos é recíproco entre pais e filhos, e extensivo a todos os ascendentes, recaindo a obrigação nos mais próximos em grau, uns em falta de outros.

Art. 1.697. Na falta dos ascendentes cabe a obrigação aos descendentes, guardada a ordem de sucessão e, faltando estes, aos irmãos, assim germanos como unilaterais.

Art. 1.698. Se o parente, que deve alimentos em primeiro lugar, não estiver em condições de suportar totalmente o encargo, serão chamados a concorrer os de grau imediato; sendo várias as pessoas obrigadas a prestar alimentos, todas devem concorrer na proporção dos respectivos recursos, e, intentada ação contra uma delas, poderão as demais ser chamadas a integrar a lide.[69]

A previsão se destina àquelas pessoas que não podem prover sua própria subsistência, que podem pleitear alimentos dos cônjuges, companheiros, parentes em linha reta e colateral.

O fundamento encontra guarida no direito fundamental à vida, bem assim nos princípios da solidariedade, cooperação e dignidade da pessoa humana, todos inseridos na Constituição Federal, em especial nos artigos 226 e 227.

Nesses termos e por interpretação analógica (artigo 140 do CPC), o Direito brasileiro vem reconhecendo aos conviventes em economia comum (família anaparental), o direito a integrar o rol do artigo 1.694 do Código Civil, ficando demonstrado que a parte pedinte dos alimentos não possui meios de se manter.[70]

Nesse contexto, convém mencionar o entendimento do Conselho da Justiça Federal, na IV Jornada de Direito Civil, consubstanciado no enunciado número 341, que dispõe: “para os fins do art. 1.696, a relação socioafetiva pode ser elemento gerador de obrigação alimentar”.

No mesmo sentido, segue o Projeto de Lei n. 2.285/07, que versa sobre o Estatuto das Famílias. Veja-se a redação do artigo 115: “Podem os parentes, cônjuges, conviventes ou parceiros pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver com dignidade e de modo compatível coma sua condição social”.[71]

Como se pode constatar, o direito brasileiro caminha para a concessão de alimentos para os membros da família anaparental composta por familiares. Nada obsta, por outro lado, que o mesmo direito seja concedido aos membros não parentes, desde que estejam satisfeitos, no caso concreto, os requisitos da razoabilidade e da proporcionalidade. E, de igual modo, pode ser aplicado à economia comum portuguesa. 

2.2.3.  Direito à sucessão

O direito à sucessão, assim como o direito a alimentos, também pode ser reconhecido ao membro da família anaparental ou da economia comum, em algumas circunstâncias, quando, por exemplo, restar comprovado que o membro sobrevivo contribuiu onerosamente para a construção do patrimônio do de cujus, sendo justo, portanto, que também seja beneficiário na sucessão.

A solução jurídica pode ser o disposto no artigo 1.790 do Código Civil, destinado a regular a sucessão na união estável, também por aplicação analógica, que disciplina:

Artigo 1.790. A companheira ou o companheiro  participará   da   sucessão   do   outro,   na vigência da união estável, nas condições seguintes:

I - se concorrer com filhos comuns, terá direito a uma quota equivalente à que por lei for atribuída ao filho;

II - se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á a metade do que couber a cada um daqueles;

III - se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a um terço da herança;

IV - não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança.[72]

Em tal situação, o convivente deve participar da sucessão, mas, apenas, quanto aos bens adquiridos onerosamente durante a convivência, e limitado à parte que onerosamente ajudou a adquirir durante a convivência, ou seja, não é herdeiro necessário.

Há ainda quem faça uma ressalva, de alguns, no sentido de que o convivente só tenha direito à sucessão se o óbito do outro sobrevier ainda durante a convivência.[73]

Maria Berenice Dias apresenta uma hipótese de incidência de direitos sucessórios na família anaparental que representa uma possibilidade jurídica, além de responder a muitas inquietações nesta questão. Exemplifica que a convivência sob o mesmo teto, durante longos anos de duas irmãs que conjugam esforços para a formação do acervo patrimonial, constitui uma entidade familiar. E que na hipótese de falecimento de uma delas, descabe dividir os bens igualitariamente entre todos os irmãos, como herdeiros colaterais, em nome da ordem de vocação hereditária. E do mesmo não cabe reconhecer que se tratava de sociedade de fato, não sendo justo invocar a Súmula 380/STJ para conceder somente a metade dos bens à sobrevivente, porque fora essa irmã quem auxiliou a amealhar dito patrimônio. Diz que a solução que se aproxima de um resultado justo é conceder à irmã, com quem a falecida convivia, a integralidade do patrimônio, pois ela, em razão da parceria de vidas, antecede aos demais irmãos na ordem de vocação hereditária. Justifica que ainda que inexista qualquer conotação de ordem sexual, a convivência identifica comunhão de esforços, cabendo aplicar, por analogia, as disposições que tratam do casamento e da união estável, porque essas estruturas de convívio em nada se diferenciam da entidade familiar de um dos pais com seus filhos, portanto, merecem proteção constitucional.[74]

Outro exemplo pertinente é no caso de um dos conviventes falecer sem deixar herdeiro, hipótese em que seu patrimônio vai para o Estado. Contudo, parece mais justo e razoável que fique com o outro convivente da união, já que representa, e até substitui, os parentes do de cujus.

Esse é o pensamento de Maria Helena Diniz, para quem o Poder Público, representado pela União, Estados e Municípios, sendo um sucessor irregular, não deve receber toda a herança, pois existe um sucessor legítimo, qual seja, o membro da família anaparental, o que afasta o Poder Público da condição de beneficiário.[75]

Dessa feita, há possibilidades de se reconhecer direitos sucessórios aos membros da família anaparental, como também aos da economia comum, independentemente da formação ser por parentes ou não.

2.2.4. Direito real de habitação

A interpretação no caso do direito real de habitação para os conviventes da família anaparental segue o mesmo trilhar dos casos anteriores, dada a sua similitude de gênese. É de se conceder tal direito ao convivente desse agrupamento com fundamento, também analógico, bebendo-se da dicção da Lei da União Estável (Lei nº 9.278/96), que traz a seguinte redação, em seu parágrafo único do artigo 7: 

Dissolvida a união por morte de um dos conviventes, o sobrevivente terá o direito real de habitação, enquanto viver ou não constituir nova união ou casamento, relativamente ao imóvel destinado à residência da família.[76]

É possível se utilizar, ainda, da Lei da Impenhorabilidade do Bem de Família (Lei 8.009/90) para garantir o direito real de habitação aos membros da família anaparental.

Afinal, como enfatiza Hugo Sá, o Estado não pode se abster de proteger o convivente sobrevivo integrante da família anaparental, negando efeitos jurídicos a uma relação que foi regada pelo afeto, mesmo elemento que legitimou a concessão destes mesmos efeitos aos companheiros de uma união estável. Não sendo razoável que relações semelhantes, fundadas no mesmo elemento, o afeto, ensejem conseqüências jurídicas tão distintas.[77]

2.2.5  Direito à adoção

Questão mais delicada, mas também viável, é a possibilidade de adoção de crianças pela família anaparental, por duas ou mais pessoas.

Conforme já mencionado em tópico anterior, o Superior Tribunal de Justiça já enfrentou a questão, em caso de uma adoção póstuma, reconheceu a dois irmãos, de sexos opostos, o direito de adotar um menor que vivia na companhia do casal, como filho de ambos. Constatou que os irmãos, que viveram sob o mesmo teto até o óbito de um deles, agiam como família que eram, tanto entre si como para o infante, e, naquele grupo familiar, o adotando se deparou com relações de afeto, construiu – nos limites de suas possibilidades – seus valores sociais, teve amparo nas horas de necessidade físicas e emocionais, encontrando naqueles que o adotaram a referência necessária para crescer, desenvolver-se e inserir-se no grupo social de que hoje faz parte.[78]

O STJ frisou que os fins colimados pela lei da adoção - a existência de núcleo familiar estável e a consequente rede de proteção social que pode gerar para o adotando - encontravam-se satisfeitos na situação em apreço, asseverando que o que informa e define um núcleo familiar estável são os elementos subjetivos, que podem ou não existir, independentemente do estado civil das partes.[79]

Por fim, ressaltou que o conceito de núcleo familiar estável não pode ficar restrito às fórmulas clássicas de família, devendo ser ampliado para abarcar a noção plena apreendida nas suas bases sociológicas.[80]

Com isso, de fácil percepção a possibilidade de se reconhecer o direito de adoção à família anaparental, independentemente de ser formada por núcleo parental.

2.2.6. Outros direitos

Aos filhos socioafetivos, os conhecidos enteados, também são concedidos direitos patrimoniais, na Lei dos Servidores Públicos Civis da União (Lei 8.112/1990), “considerando-se-os por dependentes na aferição do salário-família e da pensão por morte do servidor, em condição de igualdade ao filho registral”.[81]

Cláudia Pozzi lembra outra situação de família diferenciada para a qual são concedidos direitos que na sua gênese são destinados à família tradicional. “É o caso da “Bolsa Família”, criada pela Lei nº 10.836/2004 (artigo 2º, § 1º, n. I), que considera para aferição da renda familiar a “unidade nuclear, eventualmente ampliada por outros indivíduos que com ela possuam laços de parentesco ou de afinidade, que forme um grupo doméstico, vivendo sob o mesmo teto e que se mantém pela contribuição de seus membros”.[82] Indubitavelmente, um conceito extensivo de família, que cabe na definição de família anaparental.

Como se pode notar, embora o Poder Legislativo não tenha acompanhado esta palpitante evolução da sociedade, o Poder Judiciário vêm tentando suavizar os impactos dessa ausência legislativa - com o apoio da doutrina - e vem tentando integrar as novas formas de entidade familiar à sociedade, e, consequentemente, reconhecendo alguns direitos para a mantença do mínimo existencial desses grupos familiares, em cumprimento ao decreto da dignidade da pessoa humana.


3. EFICÁCIA DAS MEDIDAS DE PROTEÇÃO À ECONOMIA COMUM E AMPLIAÇÃO DO ROL, EM PORTUGAL, E CONSIDERAÇÕES ACERCA DA NORMATIZAÇÃO DA FAMÍLIA ANAPARENTAL, NO BRASIL

Mostra-se, aqui, a possibilidade de eficácia imediata dos direitos concedidos pela Lei nº 06/2001, de Portugal, às pessoas que vivem em economia comum, bem como a ampliação do respectivo rol, por meio da técnica de completude do direito, sob duas vertentes: A primeira, como forma de integração do direito, através do “diálogo das fontes” ou aplicação analógica. A segunda, invocando-se a teoria da eficácia imediata dos direitos fundamentais, sem necessidade de uma lei vindoura para tal mister.

No que concerne à família anaparental, será demonstrada a existência de projetos de lei para instituição do “Estatuto das Famílias” onde está sendo contemplado tal instituto, porém, de modo insatisfatório, razão pela qual será sugerida a edição de instrumento específico e urgente para a tutela das pessoas que vivem em família anaparental no País.

3.1. Imediata implementação dos direitos concedidos pela lei 6/2001, em Portugal

Em Portugal, apesar da lei da economia comum ter sido editada em 2001, até então padece de regulamentação, impossibilitando que os direitos prescritos sejam implementados, o que não se justifica, pois decorridos mais de dez anos de vigência da norma.

Apenas na hipótese de arrendamento para moradia, o direito vem sendo pleiteado, provavelmente, porque o Código Civil português (artigo 1106) e a Lei do Arrendamento Urbano (Lei nº 6/2006, artigo 85), há algum tempo, vêm disciplinando a questão. 

Contudo, diante da omissão legislativa específica, a questão pode ser enfrentada sob duas vertentes. A primeira, como forma de integração do direito, por meio do que a doutrina chama de “diálogo das fontes” ou aplicação analógica.

O “Diálogo das Fontes” ou heterointegração de institutos é um fenômeno que decorre da moderna interpretação das normas jurídicas. Significa que nenhum sistema jurídico encontra-se isolado dos demais sistemas, pois as fontes legais convergem entre si, na mesma hierarquia, em respeito ao princípio da unidade do ordenamento jurídico.[83] Segundo essa interpretação, o aplicador do direito está autorizado a fazer aplicação direta ou indireta de qualquer fonte (hermenêutica dialógica) – desde que mais adequada à hipótese - fazendo uma interpretação sistemática, inspirada nos vetores axiológicos impregnados nas normas do sistema jurídico.[84] Podendo ser utilizado em qualquer situação de lacuna jurídica, tanto normativa, quanto ontológica ou axiológica.

Nesse sentido, completa Godinho que não se encontrando isolados no ordenamento jurídico os sistemas, a aplicação de uma norma reclama um permanente diálogo com as demais, inclusive com os princípios gerais do Direito, que têm força normativa e exercem as funções informativa, interpretativa e integrativa na aplicação das leis.[85]

Isso se coaduna com a idéia do non-liquet, sistema segundo o qual o juiz não pode se eximir de julgar o caso a si submetido quando está diante de uma lacuna jurídica.

No ordenamento jurídico brasileiro, esta previsão se encontra no artigo 140 do Código de Processo Civil, que preceitua: “o juiz não se exime de decidir sob a alegação de lacuna ou obscuridade do ordenamento jurídico”; como também no artigo 4º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro – LINDB, que complementa: “quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito”.

Sobre o tema, valem menção, por pertinentes, às lições de Norberto Bobbio sobre o dogma da completude:

O dogma da completude, isto é, o princípio de que o ordenamento jurídico seja completo para fornecer ao juiz, em cada caso, uma solução sem recorrer à eqüidade, foi dominante, e o é em parte até agora, na teoria jurídica européia de origem romana. Por alguns é considerado um dos aspectos salientes do positivismo jurídico. [...] Concluindo, a completude é uma condição necessária para os ordenamentos em que valem estas duas regras: 1) o juiz é obrigado a julgar todas as controvérsias que se apresentarem ao seu exame; 2) deve julgá-las com base em uma norma pertencente ao sistema.[86]

Com efeito, diante da ausência de regra específica que solucione o problema, o aplicador do direito pode se utilizar dos métodos de integração citados, como a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.

No presente caso, pode ser resolvida a questão por meio da analogia ou ‘diálogo das fontes’, podendo-se efetivar os direitos prescritos pela Lei nº 6/2001, com base na Lei dos conviventes da união de facto ou mesmo da família matrimonial, uma vez que ambos os conviventes possuem similitude de condições de modo de vida.

Some-se a isso que a Lei nº 7/2001, define a união de facto como “a situação jurídica de duas pessoas que, independentemente do sexo, vivam em condições análogas às dos cônjuges”, equiparando os conviventes à condição das pessoas casadas (artigo1º, Nº 2, Lei 7/2001), e ao conceder os respectivos direitos, dispôs no sentido de serem gozados nas condições em que as pessoas casadas gozariam.

Desse modo, perfeitamente possível a equiparação dessa condição (pessoas casadas), para fins de usufruto dos direitos, por analogia, também para as pessoas que vivam em economia comum, a fim de serem implementados, de imediato, os direitos concedidos pela Lei nº 06/2001, em seu artigo 4º.

No que toca aos direitos laborais e fiscais, por exemplo, basta que os direitos possam ser exercidos pelas pessoas casadas para que sejam exigidos pelos membros da economia doméstica, com as adaptações devidas, visto que regulamentados para tal seguimento.  E no que respeita aos direitos inerentes ao arrendamento urbano e à proteção da morada comum, os dispositivos da Lei nº 6/2001, com o apoio do artigo 1106 do CC, são suficientes ao respectivo implemento. 

Ademais, tem-se a segunda vertente de aplicação dos direitos em apreço, qual seja, a teoria da eficácia imediata dos direitos fundamentais, dada a natureza dos direitos em voga, que, em boa parte, são direitos fundamentais, os quais possuem eficácia imediata, por força do comando constitucional hodierno (neoconstitucionalismo), podendo ser efetivados, imediatamente, sem necessidade de uma lei vindoura para tal mister. Vejamos o que diz o renomado jurista Gomes Canotilho, a esse respeito:

Os direitos, liberdades e garantias não estão, prima facie, dependentes de lei concretizadora. Em termos jurídico-dogmáticos, os direitos, liberdades e garantias são directamente aplicáveis porque: (1) concebem-se e valem constitucionalmente como norma concretamente definidora de posições jurídicas (norma normata) e não apenas como norma de produção de outras normas jurídicas (norma normans); (2) prima facie, isto é, numa primeira aproximação, aplicam-se sem necessidade de interposição conformadora de outras entidades, designadamente do legislador (inter positio legislatoris); (3) também em princípio, constituem direito actual e eficaz e não apenas directivas jurídicas de aplicabilidade futura.[87]

Também pugnando pela implementação imediata dos direitos previstos na Lei nº 6/2001, é o Parecer da Provedoria de Justiça de Lisboa (Parecer nº 011005276, ref. Ao Processo R-768/11, A2) destinado à Diretora dos Serviços de IRS, para a concessão dos direitos nela previstos, grafando, expressamente, a desnecessidade de regulamentação de alguns artigos da mencionada lei. Veja-se:

2. Solicitado, pela reclamante, aquele esclarecimento à Direcção de IRS, foi-lhe respondido, conforme cópia que se anexa: “quanto a ser considerado o 2º titular da sua declaração de rendimento [ a mãe da reclamante] informa-se que não poderá ser aplicado o regime de economia comum enquanto não for regulamentada a Lei nº 6/2001 de MAIO, como impõe o seu artigo 8º.

3. Não compreende a Provedoria de Justiça as razões invocadas, uma vez que, pelo menos em matéria de fiscalidade, o diploma não pare carecer de regulamento executivo, o qual seria apenas necessário na medida em que a vontade do legislador da Lei nº 6/2011 “fosse relativamente obscura ou lacunosa” e que como tal, se impusesse um regulamento de execução que contivesse “as providências necessárias para assegurar a fidelidade, ou seja, a conformidade à vontade do legislador” – o que está longe de ser o caso.

4. fixemo-nos, antes de mais, nos termos da disposição constante do artigo 8º daquele diploma legal – precisamente o invocado por essa direção de serviços – o qual é bastante explícito no sentido de que o respectivo diploma legal só será regulamentado relativamente às normas que de tal necessitem.

6. Estabelecem os nºs 1 e 2 do artigo 2º daquele diploma legal: “Entende-se por economia comum a situação de pessoas que vivam em comunhão de mesa e habitação há mais de dois anos e tenham estabelecido uma vivência em comum de entreajuda ou partilha de recursos”; esta norma não nos parece padecer de qualquer omissão na sua estatuição sendo perceptíveis os seus objetivos: os de que ambos os sujeito passivos vivam em comunhão de mesa e habitação, que essa situação dure há mais de dois anos e que se encontre estabelecida uma vivência em comum. E adianta-se de imediato no que se consubstancia o conceito de economia comum: entreajuda e partilha de recursos.

7. Importante para o legislador será também que nenhum dos sujeitos passivos se encontre abrangido por qualquer das excepções constantes do artigo 3º do mesmo diploma legal, o que funciona também (automaticamente) como limite à eficácia da situação economia comum.

9. A alínea c) da norma constante desse artigo 3º, por seu turno, não se agigura, também ela, susceptível de apresentar qualquer óbice à aplicação directa deste diploma legal: efectivamene, como bem faz notar José António da França Pitão, a lei exige desde logo que a situação de economia comum dure há mais de 2 anos (subentendendo-se obviamente que de forma ininterrupta) devendo, por conseguinte, haver a intenção dos intervenientes de criarem entre si uma economia comum. A ser assim, aceitará V. Exª que também não exista aqui qualquer ponto que se imponha regulamentar já que a lei se basta com a “intenção”.

10. O artigo 4º do aludido regime legal, por seu lado, é expresso no sentido de que “à pessoas em situação de economia comum são atribuídos os seguintes direitos: (...) c) aplicação de regime de imposto de rendimento sobre as pessoas singulares nas mesmas condições dos sujeitos passivos casados e não separados judicialmente de pessoas e bens nos termos do disposto no artigo 7º. Trata-se de uma norma meramente remissiva cuja hipótese de regulamentação está afastada à partida, como V. Exª certamente também concordará.

11. O artigo 7º do diploma em crise dispõe: “A situação de duas pessoas vivendo em regime de economia comum é aplicável, com as devidas adaptações, o disposto no artigo14º - A do Código do IRS, aprovado pelo Decreto – Lei nº 442-A/88, de 30 de Novembro”. Colocando-se aqui a ressalva “com as devidas adaptações” poder-se-ia legitimamente questionar se, por ventura, estas não serão apenas de ordem semântica – substituição das palavras união de facto por economia comum – e, necessariamente, de substituição automática dos requisitos do regime da Lei nº 7/2001, pelo da Lei n.º 6/2001.

12. E facto é que tudo indica que sim: não vemos, na verdade, como é que a aplicação do actual artigo 14º do Código do IRS a uma situação de economia comum necessite, de normas “intermediárias” e, consequentemente, que ao falar de “carência de regulamentação” o legislador estivesse a referir-se a questões fiscais.

13. Com efeito, determina a disposição constante do actual artigo 14º do Código do IRS, sob a epígrafe “Uniões de facto”: “1 – As pessoas que vivendo em união de facto preencham os pressupostos constantes da lei respectiva, podem optar pelo regime de tributação dos sujeitos passivos casados e não separados judicialmente de pessoas e bens. 2 – A aplicação do regime a que se refere o número anterior depende da identidade de domicílio fiscal dos sujeitos passivos durante o período exigido pela lei para verificação dos pressupostos da união de facto e durante o período de tributação, bem como da assinatura, por ambos, da respectiva declaração de rendimentos. 3 – No caso de exercício da opção prevista no nº 1, é aplicável o disposto no nº 2 do artigo 13.º, sendo ambos os unidos de facto responsáveis pelo cumprimento das obrigações tributárias.[88]

Nessa quadra, basta que, no caso concreto, estejam preenchidos os requisitos estabelecidos pela LEC, quais sejam, identidade de domicílio com partilha de recurso e relação de entreajuda por mais de dois anos, para que os membros da economia comum possam usufruir os respectivos direitos.

3.2.Ampliação do rol dos direitos. Mecanismos

Como já restou demonstrado, a convivência de pessoas em economia comum pressupõe a existência dos mesmos requisitos de uma família tradicional, à exceção da relação sexual e/ou procriação. Assim, não há como negar que a economia comum seja digna de ser elevada a posição de entidade familiar, merecedora de proteção estatal, com o reconhecimento de todos os direitos inerentes às pessoas que integram à família tradicional, com suas devidas adaptações.

A Lei nº 6/2001, em Portugal, concedeu alguns direitos aos membros da economia comum, frise-se, os únicos direitos reconhecidos a este grupo social até o presente momento, já que dita lei contemplou aqueles dantes reconhecidos pelo Código Civil (artigo 1106) e pela antiga lei do Arrendamento Urbano (artigo 85). Cabe então uma pergunta, o rol do artigo 4º da lei em apreço é taxativo?

Se partirmos de uma interpretação restritiva, responderemos positivamente, já que esta lei visa, exclusivamente, à instituição do regime de proteção das pessoas que vivem em economia comum, definindo o instituto e concedendo direitos aos destinatários da norma.

Contudo, essa não é solução que melhor se apresenta no ordenamento jurídico diante dos princípios constitucionais reinantes, que, inclusive, foram citados alhures.

Com efeito, o rol do artigo 4º da Lei 6/2001 é meramente exemplificativo. Diante do caso concreto, por tudo que foi dito sobre completude do sistema jurídico, deverá o intérprete lançar mão de outros direitos próprios dos tipos de família existentes na sociedade, além daqueles contemplados pela Lei nº 6/2001, para estender à economia comum, com a chancela do ordenamento jurídico, quer por meio da analogia (diálogo das fontes), quer por aplicação direta, em razão de possuírem eficácia imediata.

A sugestão acima se amolda, por exemplo, ao caso do artigo 113° do Código Penal português, que trata dos titulares do direito de queixa, em que pessoas em união de facto, independentemente de sexo, podem constituir-se Assistente em Processo Penal em nome do parceiro falecido. Então, em tal situação, seria razoável que o membro da economia comum gozasse de igual direito. E, da mesma forma, poderia usufruir do direito de visitas a hospitais e a prisões, conforme é previsto para as pessoas que vivem em união de facto.

E do mesmo modo, podem ser concedidos aos membros da união comum, a depender do caso concreto, os direitos de sucessão, alimentos, adoção e direito real de habitação, mutatis mutandis, nos moldes em que o Brasil concede à família anaparental.

3.3. Considerações acerca da normatização da família anaparental

Apesar dessa realidade ser presente na sociedade contemporânea, não é prestigiada pelo legislador brasileiro, razão porque não existe uma legislação específica que regule a situação das pessoas que vivem em regime de economia comum/doméstica/familiar, gerando prejuízos de toda sorte (especialmente patrimoniais e sociais) às pessoas que formam essa nova modalidade de família.

Com o avanço do Poder Judiciário nas questões do Direito de Família no Brasil, vários projetos de leis foram protocolados no Congresso Nacional, em ambas as casas, com o intuito de regulamentar a matéria, em especial, os artigos 226 e 227 da Constituição Federal. Alguns refletindo a ideologia da corrente mais conservadora, defendendo, por exemplo, o casamento apenas entre “homem e mulher”, outros, porém, refletindo as mudanças ocorridas na sociedade, clamando por conformação do Direito de Família com os princípios constitucionais vigentes. A seguir, serão tecidas considerações acerca dos três projetos mais relevantes, ainda em tramitação no Congresso, que são os Projetos de Lei nº 2.285/2007 e 6.583/2013, em tramitação na Câmara dos Deputados, e o Projeto de Lei nº 470/2013, em tramitação no Senado Federal.

3.3.1. Projeto de Lei nº 2.285/2007 - Estatuto “das Famílias”  

O Projeto de Lei nº 2.285/2007 foi apresentado na Câmara dos Deputados no dia 25 de outubro de 2007. Dispõe sobre o Estatuto das Famílias, usando a expressão no plural, para contemplar as novas configurações familiares, que deixaram de ser singular e passaram a ser plural. Define família como “toda comunhão de vida instituída com a finalidade de convivência familiar, em qualquer de suas modalidades”. Vale destaque a dicção dos artigos 1º a 5º, in verbis:

DAS DISPOSIÇÕES GERAIS

Artigo 1.º Este Estatuto regula os direitos e deveres no âmbito das entidades familiares.

Artigo 2.º O direito à família é direito fundamental de todos.

Artigo 3.º É protegida como família toda comunhão de vida instituída com a finalidade de convivência familiar, em qualquer de suas modalidades.

Artigo 4.° Os componentes da entidade familiar devem ser respeitados em sua integral dignidade pela família, pela sociedade e pelo Estado.

Artigo 5.º Constituem princípios fundamentais para a interpretação e aplicação deste Estatuto a dignidade da pessoa humana, a solidariedade familiar, a igualdade de gêneros, de filhos e das entidades familiares, a convivência familiar, o melhor interesse da criança e do adolescente e a afetividade.[89] (destaque posterior)

O projeto de lei propõe a existência de um estatuto autônomo, desmembrado do Código Civil, incluindo as normas de direito material e de direito processual que dispõem sobre família. É um projeto audacioso que reflete a ideologia do século atual, das mudanças pelas quais vem passando a sociedade e, consequentemente, a família, trazendo inclusive novos conceitos de família, e estendendo, ainda que implicitamente, direitos inerentes à família tradicional.  

Em palavras do presidente do Instituto Brasileiro de Direito da Família, Rodrigo da Cunha, um dos autores do mencionado Projeto:

Esse projeto é produto da reflexão de dez anos de existência do IBDFam (Instituto Brasileiro de Direito de Família), que veio instalar novos paradigmas jurídicos para a organização das famílias. Ele foi pensado, escrito e formatado por uma comunidade jurídica de quase 4 mil associados, entre os quais juristas, advogados, magistrados, membros do Ministério Público, professores de direito, psicólogos, psicanalistas e assistentes sociais.

O projeto de lei 2.285/07 representa o pensamento mais legítimo e contemporâneo do direito de família. É um projeto revolucionário. Certamente, o que está ali expressado não é unanimidade, mas representa e traduz o pensamento não só de uma comunidade jurídica, mas, principalmente, da realidade brasileira atual.[90]

Contudo, tendo em vista se tratar de um instrumento revolucionário, como o próprio autor mencionou, foi alvo de acirrados debates no cenário nacional, motivando o ingresso de projeto em sentido contrário, também no âmbito da Câmara dos Deputados, o Projeto nº 6.583/2013, a seguir descrito.

3.3.2.  Projeto de Lei nº 6.583/2013 - Estatuto “da Família”

O Projeto de Lei nº 6.583/2013, denominado de Estatuto da Família, no singular, foi apresentado na Câmara dos Deputados, no dia 16 de outubro de 2013, em reação ao projeto do IBDFam. O projeto em questão reflete o pensamento da corrente tradicional, defendendo, por exemplo, a entidade familiar apenas como a união entre um homem e uma mulher em razão do casamento, da união estável ou da família monoparental. Veja-se: 

Artigo 2º Para os fins desta Lei, define-se entidade familiar como o núcleo social formado a partir da união entre um homem e uma mulher, por meio de casamento ou união estável, ou ainda por comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.[91]

De início, vislumbram-se duas inconstitucionalidades, a primeira, na expressão “entre um homem e uma mulher” do mencionado texto, tendo em vista que o Supremo Tribunal Federal já declarou a constitucionalidade da união de pessoas do mesmo sexo, por ocasião do julgamento da Ação Declaratória de Preceito Fundamental – ADPF nº 132/RJ, desde 05 de maio de 2011,[92] já havendo inclusive, como dito alhures, resolução do Conselho Nacional de Justiça proibindo as autoridades competentes de se recusarem à realização de casamento entre pessoas do mesmo.  Portanto, superada a discussão a esse respeito.

A segunda inconstitucionalidade está na restrição das hipóteses de entidades familiares citadas (matrimonial, união estável e monoparental), deixando de fora as demais, como as famílias mosaicos, recompostas e anaparentais, por exemplo, que, mesmo implicitamente, foram contempladas pela Constituição Federal.

Como frisa Flávio Tarturce, a Constituição Federal Brasileira de 1988 é inclusiva, e não exclusiva, “não podendo uma lei infraconstitucional limitar o texto superior na concessão de direitos civis sob pena de flagrante inconstitucionalidade”.[93]

Contudo, mesmo recheado de inconstitucionalidades e indo na contramão do direito contemporâneo, mencionado projeto estava ganhando a simpatia dos parlamentares, chegando a ser aprovado na Comissão Especial de Justiça da Assembleia Legislativa e seguindo para o plenário da casa, foi então que o IBDFam novamente entrou em ação e apresentou outro projeto de lei, desta feita, perante o Senado Federal.

3.3.3. Projeto de Lei nº 470/2013 - Estatuto “das Famílias”

O projeto de lei em questão (PL nº 470/2013) foi apresentado perante o Senado Federal no dia 12 de novembro de 2013, como réplica ao PL da Família, também de autoria do Instituto Brasileiro de Direito da Família e denominado de Estatuto “das Famílias”. Retoma os preceitos do projeto anterior, apresentado na Câmara dos Deputados em 2007 e melhora o campo de direitos das famílias. Nas palavras do ainda presidente do IBDFAM, Rodrigo da Cunha Pereira:

A apresentação do Estatuto das Famílias no Senado é uma forma de corrigir, alterar e ampliar a proposta original, afirma o presidente do IBDFAM. É um momento simbólico da maior importância e vem atender à moderna linha do Direito Civil que é a criação de microssistemas. Não cabe, no mundo contemporâneo, um Código Civil que abrange tudo. Assim como existe o Estatuto da Criança e do Adolescente e o Estatuto do Idoso, agora temos um para tratar especificamente das famílias brasileiras.

É necessário adequar as regras às novas formatações de família que não são protegidas pela legislação atual.[94] 

O Estatuto “das Famílias” (PL 470/2013), ora em tramitação no Senado Federal, traz a seguinte explicação de ementa, deixando claro seu caráter de estatuto que bem atende aos anseios do atual direito das famílias:

Institui o Estatuto das Famílias, composto dos seguintes títulos: I) Disposições Gerais; II) Das Relações de Parentesco; III) Das Entidades Familiares, sendo este título subdividido em: Das Disposições Comuns, Do Casamento; Da Capacidade para o Casamento; Dos Impedimentos; Das Provas do Casamento; Da Validade do Casamento; Dos Efeitos do Casamento; Da União Estável; Da Família Parental; Das Famílias Recompostas; IV) Da Filiação; V) Da Adoção; VI) Da Autoridade Parental; VII) Da Convivência Familiar; VIII) Da Alienação Parental e do Abandono Efetivo; IX) Dos Alimentos; X) Do Bem de Família; XI) Da Tutela e da Curatela; XII) Do Processo e do Procedimento; XIII) Do Procedimento para o Casamento; XIV) Da Ação de Divórcio; XV) Do Reconhecimento e da Dissolução da União Estável; XVI) Da Ação de Separação de Corpos; XVII) Da Ação de Alienação Parental; XVIII) Dos Alimentos; XIX) Da Averiguação da Filiação; XX) Da Ação de Interdição; XXI) Dos Procedimentos dos Atos Extrajudiciais; XXII) Das Disposições Finais e Transitórias; revoga o Livro IV da Lei nº 10406/02 (Código Civil) e dispositivos do Código de Processo Civil e da legislação correlata.[95]

Traz também, no rol da justificação, arrazoada defesa em prol das entidades familiares existentes, asseverando que a Constituição atribui a todas as entidades familiares a mesma dignidade, sendo merecedoras de igual tutela, sem hierarquia, razão pela qual “o título destinado às entidades familiares estabelece primeiro as diretrizes comuns a todas elas, para depois tratar de cada uma”. Além do casamento, o Estatuto visa regular a união estável, a família parental, na qual se inclui a família monoparental e a pluriparental, como também atende às famílias que se constituem com egressos de vínculos afetivos anteriores e formam o que se chama de famílias recompostas.[96]

 Por certo que os projetos apresentados pelo Instituto Brasileiro do Direito de Família, PL nº 2.285/2007 e PL nº 470/2013, em tramitação na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, respectivamente, melhor se coadunam com a realidade vivenciada pela sociedade contemporânea, plural e democrática que se tornou.

Assim, se tem por certo que uma vez reconhecida por lei a família anaparental como entidade familiar, seus membros vão poder usufruir dos mesmos direitos reconhecidos às demais famílias, guardando as devidas proporções.

Contudo, apesar da existência desses projetos de lei, não há detalhamento sobre a formação e/ou composição da família anaparental. Por apresentar peculiaridades, mormente quando formada por membros não parentes, é necessário que sejam previstas em lei as particularidades, a fim de que se evitem dúvidas quando da implementação dos direitos.

Ademais, há mora significativa na tramitação de tais projetos, a exemplo do PL nº 2.285/2007 (complementado pelo PL nº 470/2013 – Estatuto “das Famílias”), que proposto em 2007, ainda se encontra pendente de julgamento, já transcorridos dez anos. Além de haver outro projeto em sentido contrário (PL nº 6.583/2013 - Estatuto “da Família”), pondo em questão a tutela dessas novas entidades familiares.

Diante desse quadro, justifica-se a edição de um instrumento específico e urgente para a tutela das pessoas que vivem em família anaparental no Brasil.

Todavia, enquanto não vier regramento dessa natureza, o Poder Judiciário deve continuar concedendo os direitos do núcleo básico a essas novas entidades, pois não se pode excluir uma realidade presente apenas por detalhe formal.  É necessário que o ordenamento jurídico brasileiro acompanhe as mudanças porque passa a sociedade, sob pena de desrespeitar direitos fundamentais da dignidade da pessoa humana, implementando-se uma releitura no atual direito de família, bem assim nos projetos em tramitação no Congresso Nacional, para que se venha a proteger todas as entidades familiares existentes.


4. Conclusão

Hodiernamente, é comum pessoas resolverem não constituir família no sentido tradicional (casamento, procriação) e escolherem morar só ou convidarem outras pessoas para dividir habitação, sendo que, neste último caso, naturalmente, vai surgir o desenvolvimento de uma relação nos mesmos moldes de uma família, com divisão de despesas, ajuda mútua, relação de companheirismo e a presença dos elementos da afetividade, estabilidade e publicidade, com exceção apenas de divisão de cama (elemento sexual).

Vivendo em tais condições, têm-se as pessoas que convivem em economia comum ou doméstica, por certo, um tipo especial de família, no qual as pessoas possuem morada comum, de modo duradouro (mais de dois anos), partilham das despesas da casa, como alimentação, limpeza, higiene, bem assim os afazeres domésticos ou outros de ordem pessoal, sem implicar em divisão de cama - apesar de não haver impedimento (Lei nº 6/2001, Portugal).

Como também as pessoas que convivem em família anaparental, ou seja, a convivência, na mesma casa, de parentes sem um núcleo familiar (pais), como também de pessoas não ligadas por laços de parentesco, independentemente de sexo, com o sentimento de que estão convivendo em família, havendo assistência mútua, material e emocional.

Independentemente dos motivos que levam à constituição dessas uniões, o Estado tem o dever de protegê-las, oferecendo condições para que possam participar ativamente da vida em sociedade, gozando de direitos inerentes às famílias tradicionais, naquilo que lhes for compatível, materializando-se, assim, o princípio da dignidade da pessoa humana, pois a entidade familiar hoje ultrapassa os limites da previsão jurídica tradicional (união pelo matrimônio) para abarcar “todo e qualquer agrupamento de pessoas onde permeie o elemento afeto (affectio familiae)”,[97] alcançando, portanto, o regime de vivência em economia doméstica e da família anaparental.

Guardadas as devidas proporções, não há óbice para que tais agrupamentos sejam enquadrados como entidade familiar, para poderem receber a proteção estatal destinada à família. Afinal, o núcleo onde convivem, diariamente, é justamente o lugar onde realizam o seu projeto de vida e de felicidade, função atual da família.

Some-se a isso que um Estado que tem suas bases fincadas no princípio democrático de direito tem o dever de respeitar a diversidade do modo de vida das pessoas que nele habitam.

A Lei nº 6/2001, de Portugal, cujo rol é meramente exemplificativo, concedendo alguns direitos a esse arranjo familiar (direitos laborais como férias, feriados, faltas, licenças e preferência na colocação de funcionários públicos; direito à declaração conjunta de imposto de rendimentos e/ou dedução das despesas do convivente; direito de proteção da morada comum no caso de morte do proprietário e de transmissão do arrendamento ao convivente sobrevivente por morte do arrendatário), sem dúvida, representa um avanço, mas não é suficiente para contemplar esses novos anseios.

No Brasil, apesar de existir projeto de lei em tramitação no Congresso Nacional contemplando a família anaparental como entidade familiar, não há detalhamento sobre sua formação e/ou composição. É certo que uma vez reconhecida, por lei, como entidade familiar, seus membros vão poder usufruir dos direitos reconhecidos às demais famílias, contudo, por apresentar peculiaridades, mormente quando formada por membros não parentes, é necessário que sejam previstas em lei as particularidades, a fim de que se evitem dúvidas quando da implementação dos direitos.

Todavia, enquanto não vier esse regramento, o Poder Judiciário deve continuar concedendo os direitos do núcleo básico a essas novas entidades, pois não se pode excluir uma realidade presente apenas por detalhe formal. 

Assim, embora tenham sido conferidos alguns direitos às pessoas que vivem em economia doméstica ou em família anaparental, tanto em Portugal quanto no Brasil, ainda há muito a ser feito em favor desse grupo social, que apesar de sempre existente, tem se tornado mais expressivo na sociedade contemporânea, situação que deve ser contemplada, urgentemente, pelos respectivos ordenamentos jurídicos.


Notas

[1] BARROSO, Luís Roberto - A jurisdição constitucional no Brasil. Congresso 170 anos do IAB. Dias 7, 8 e 9 de agosto de 2013, Local: Plenário do IAB. [Em linha]. Vídeo. [Consult. 21 out. 2014]. Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=X5MCty912R8

[2]Idem – Curso de Direito Constitucional Contemporâneo. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 458.

[3] Eudemonismo: doutrina que considera a busca de uma vida feliz, seja em âmbito individual seja coletivo, o princípio e fundamento dos valores morais, julgando eticamente positivas todas as ações que conduzam o homem à felicidade. (Ver: Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Editora Objetiva, 2009)

[4] DIAS, Maria Berenice - Manual de direito das famílias. 10ª ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015.  p. 133.

[5]ALVES, Leonardo Barreto Moreira - O reconhecimento legal do conceito moderno de família o art. 5º, II e parágrafo único, da Lei nº 11.340/2006 (Lei Maria da Penha). [Em linha]. [Consult. 13 dez 2016]. Disponível em http://jus.com.br/imprimir/9138/o-reconhecimento-legal-do-conceito-moderno-de-familia

[6] LOBO, Paulo Luiz Netto - Entidades Familiares Constitucionalizadas: para além do numerus clausus. [Em linha]. [Consult. 06 dez. 2016]. Disponível em http://www.egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/anexos/9408-9407-1-PB.pdf.

[7] ESTATUTO da Economia Comum: lei nº 6/01, de 11 de maio de 2001. Diário da República, Série I-A. Nº 109 (11-05-2001), p. 2796.  [Consult. 5 set. 2016]. Disponível em http://www.dre.pt/pdfgratis/2001/05/109A00.PDF

[8] ESTATUTO da Economia Comum: lei nº 6/2001, de 11 de maio de 2001. Op. Cit.

[9] PROJETO DE LEI nº 105/VIII, de 23 de Fevereiro de 2000. Assembleia da República. [Em linha]. [Consult. 10 mai 2017]. Disponível em https://www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/DetalheIniciativa.aspx?BID=6195

[10] PINHEIRO, Jorge Duarte – Op. Cit. p. 684.

[11] Idem – Ibidem. p. 683.

[12] Idem – Ibidem.

[13] PITÃO, José António de França  – Uniões de Facto e Economia Comum. 3ª ed. Coimbra: Almedina, 2011, p. 297.

[14] SILVA, Antonia Tania Maria de Castro - Tutela da economia comum: direitos concedidos às pessoas que vivem em regime de economia comum: impactos para a sociedade. Revista Síntese Direito de Família. São Paulo: Síntese. v. 16, n. 91, p. 103, ago./set, 2015.

[15] GOES, Geninho - O que é família? [Em linha]. [Consult. 28 out. 2016].  Disponível em <http://www.blog.geninhogoes.com.br/o-que-e-familia>.

[16] PINHEIRO, Jorge Duarte – Op. Cit. p. 691.

[17] Idem – Ibidem. p. 689.

[18] Idem – Ibidem. p. 690-691.

[19] Idem – Ibidem. p. 691.

[20] PITÃO, José António de França – Op. Cit. p. 291-319.

[21] SILVA, Antonia Tania Maria de Castro Silva. Op. Cit.

[22] ESTATUTO da Economia Comum: lei nº 6/01, de 11 de maio de 2001. Op. Cit.

[23] Idem – Ibidem.

[24] PITÃO, José António de França – Op. Cit. p. 300.

[25] Idem – Ibidem.

[26] Idem – Ibidem.

[27] Idem – Ibidem. p. 295.

[28] ESTATUTO da Economia Comum: lei nº 6/01, de 11 de maio de 2001. Op. Cit.

[29] Idem – Op. Cit. p. 299.

[30] CÓDIGO Civil de Portugal: decreto lei nº 47344/66, de 25 de Novembro de 1966. Op. Cit.

[31] ESTATUTO da Economia Comum: lei nº 6/01, de 11 de maio de 2001. Op. Cit.

[32] MACHADO, Soares; PEREIRA, Regina Santos - Arrendamento Urbano (NRAU). Lisboa: Petrony, 3.ª Ed, 2014, p. 215-216.

[33] ESTATUTO da Economia Comum: lei nº 6/01, de 11 de maio de 2001. Op. Cit.

[34] PINHEIRO, Jorge Duarte – Op. Cit. p. 685.

[35] ESTATUTO da União de Facto: lei 7/01, de 11 de maio de 2001. Op. Cit.

[36] Idem - Ibidem.

[37] ESTATUTO da Economia Comum: lei nº 6/01, de 11 de maio de 2001. Op. Cit.

[38] ALVES, Leonardo Barreto Moreira – Op. Cit.

[39] PITÃO, José António de França - Op. Cit. p. 291.

[40] CÓDIGO Civil de Portugal: decreto lei nº 47344/66, de 25 de Novembro de 1966. Op. Cit.

[41] PINHEIRO, Jorge Duarte – Op. Cit. p. 684.

[42] Lei n.º 147/99, de 01 de Setembro - Proteção de Crianças e Jovens em Perigo. Presidência da República Portuguesa. [Em linha]. [Consult. 22 set. 2016]. Disponível em http://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=545&tabela=leis

[43] GOES, Geninho. Op. Cit.

[44] BARROS, Sérgio Resende de – Direitos Humanos e Direito de Família. Op. Cit.

[45] DIAS, Maria Berenice - Manual de direito das famílias. Op. Cit. p. 140.

[46] SÁ, Hugo Ribeiro – Op. Cit.

[47] RANGEL, Paula Sampaio Vianna – Op. Cit.

[48] Superior Tribunal de Justiça. ANDRIGHI, Nancy - Adoção póstuma. Validade. Adoção conjunta. Pressupostos. Família anaparental. [Em Linha]. [Consult. 22 set. 2015] Disponível em http://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/19855042/recurso-especial-resp-159851-sp-1997-0092092-5

[49] Idem - Ibidem.

[50] Superior Tribunal de Justiça. AGUIAR, Ruy Rosado - Impenhorabilidade. Moradia da Família. Irmãos Solteiros.  [Em Linha].   [Consult. 05   jan.   2016].  Disponível   em http://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/19855042/recurso-especial-resp-159851-sp-1997-0092092-524

[51] Superior Tribunal de Justiça. ALENCAR, Ministro Fontes de - Execução. Bem de Família. [Em  Linha].   [Consult.   05   jan.   2016]. Disponível  em https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/20048988/recurso-especial-resp-57606-mg-1994-0037157-8?ref=juris-tabs

[52] LOBO, Paulo Luiz Netto – Op. Cit.

[53] Idem - Ibidem.

[54] CONSTITUIÇÃO da República Federativa do Brasil de 1988. Op. Cit.

[55] ESTATUTO da Economia Comum: lei nº 6/01, de 11 de maio de 2001. Op. Cit.

[56] Idem – Ibidem.

[57] Idem – Ibidem.

[58] Tribunal Central Administrativo Norte do Porto. FERRAZ, Aníbal – IRS. Abatimentos. Economia comum. [Em linha]. [Consult. 5 set. 2016]. Disponível em http://jurisprudencia.no.sapo.pt/

[59] Tribunal Central Administrativo Norte do Porto. 2ª Secção, FERRAZ, Aníbal – IRS. Processo 00231/01, julgamento 23 out 2008. Abatimentos. Economia comum. [Em linha]. [Consult. 5 set. 2016]. Disponível em http://jurisprudencia.no.sapo.pt/

[60] ESTATUTO da Economia Comum: lei nº 6/01, de 11 de maio de 2001. Op. Cit.

[61] Idem – Ibidem.

[62] Idem – Ibidem.

[63] http://www.pgdlisboa.pt/jurel/jurisprudencia_main.php

[64] Supremo Tribunal de Justiça de Portugal.  ALMEIDA, Ferreira de - Contrato de arrendamento. Resolução do contrato. Economia comum. Família. [Em linha]. [Consult. 5 set. 2014]. Disponível em http://www.pgdlisboa.pt/jurel/stj_mostra_doc.php?nid=18083&stringbusca=economia%2Bcomum&exacta=

[65] Supremo Tribunal de Justiça de Portugal. CAMILO, João - Contrato de arrendamento. Caducidade. Transmissão da posição do arrendatário. Economia comum. [Em linha]. [Consult. 5 set. 2014]. Disponível em http://www.pgdlisboa.pt/jurel/stj_mostra_doc.php?nid=25818&stringbusca=economia%2Bcomum&exacta=

[66] Supremo Tribunal de Justiça de Portugal. BORGES, Soeiro -  Contrato de arrendamento. Economia comum. Requisitos. Transmissão da posição do arrendatário. Aplicação da lei no tempo. [Em linha]. [Consult. 5 set. 2014]. Disponível em http://www.pgdlisboa.pt/jurel/stj_mostra_doc.php?nid=23148&stringbusca=economia%2Bcomum&exacta=

[67] Supremo Tribunal de Justiça de Portugal. FREIRE, Simões – Arrendamento. Direito a novo arrendamento. Economia comum. [Em linha]. [Consult. 5 set. 2014]. Disponível em http://www.pgdlisboa.pt/jurel/stj_mostra_doc.php?nid=673&stringbusca=economia%2Bcomum&exacta=

[68] Superior Tribunal de Justiça. AGUIAR, Ruy Rosado - Impenhorabilidade. Moradia da Família. Irmãos Solteiros. [Em Linha]. [Consult. 20 jul. 2016] Disponível em: http://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/22271895/recurso-especial-resp-1217415-rs-2010-0184476-0-stj

[69] CÓDIGO Civil Brasileiro: lei no 10.406/02, de 10 de janeiro de 2002. Op.  Cit.

[70] SÁ, Hugo Ribeiro - Família anaparental. Uma realidade ou ficção jurídica? [Em linha]. [Consult. 20 out. 2016]. Disponível em www.unifacs.br/revistajuridica/arquivo/edicao_janeiro2008/discente/dis4.doc

[71] ESTATUTO das Famílias: projeto de lei nº 2.285/2007. [Em Linha]. CÂMARA DOS DEPUTADOS DO BRASIL [Consult. 31 out. 2016]. Disponível em http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=8047644FB30BEB76595E0D15BDD3D8FD.proposicoesWeb1?codteor=517043&filename=PL+2285/2007

[72] CÓDIGO Civil Brasileiro: lei no 10.406/02, de 10 de janeiro de 2002. Op.  Cit.

[73] KUSANO, Susileine - Da família anaparental: Do reconhecimento como entidade familiar. [Em linha]. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XIII, n. 77, jun 2010. [Consult. 12 nov 2016]. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=7559&revista_caderno=14>

[74] DIAS, Maria Berenice - Manual de direito das famílias. Op. Cit. p. 140.

[75] DINIZ, Maria Helena - Curso de Direito Civil Brasileiro, vol. 5. Direito de Família. 29ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2014.

[76]  ESTATUTO da União Estável: lei nº 9.278/96, de 10 de maio de 1996. Presidência da República do Brasil. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. [Em linha]. [Consult. 5 set. 2016]. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9278.htm

[77] SÁ, Hugo Ribeiro – Op. Cit.

[78] Superior Tribunal de Justiça. ANDRIGHI, Nancy - Adoção póstuma. Validade. Adoção conjunta. Pressupostos. Família anaparental. [Em Linha]. Julgado em 19/6/2012. [Consult. 22 set. 2015] Disponível em http://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/19855042/recurso-especial-resp-159851-sp-1997-0092092-5

[79] Idem – Ibidem.

[80] Idem – Ibidem.

[81] POZZI, Cláudia Elisabeth – Op. Cit. 

[82] Idem – Ibidem.

[83] TARTUCE, Flávio - Manual de direito civil. V. único. 2ª. ed. São Paulo: Método, 2012, p. 66.

[84] Idem – Ibidem.

[85] DELGADO, Maurício Godinho – Os princípios na estrutura do direito. [Em linha]. [Consult. 05 dez. 2016]. Disponível em http://aplicacao.tst.jus.br/dspace/bitstream/handle/1939/13660/001_delgado.pdf?sequence=2

[86] BOBBIO, Norberto - Teoria geral do direito. 3 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2010. p. 275.

[87] CANOTILHO, J. J. Gomes e MOREIRA, Vital – Op. Cit. p. 382.

[88] PARECER nº 011005276, de 14 de maio de 2010. Provedoria de Justiça de Lisboa. Portugal.

[89] ESTATUTO das Famílias - Projeto de Lei nº 2.285/2007. [Em Linha]. Câmara dos Deputados do Brasil [Consult. 10 set 2016]. Disponível em http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=80476 44FB30BEB76595E0D15BDD3D8FD.proposicoesWeb1?codteor=517043&filename=PL+2285/2007

[90] PEREIRA, Rodrigo da Cunha – Estatuto da Família legitima novas formações familiares. [Em linha]. [Cont. 05 out. 2006]. Disponível em http://www.conjur.com.br/2007-nov-22/estatuto_familia_legitima_novas_formacoes_familiares

[91] ESTATUTO da Família: projeto de lei nº 6.583/2013 [Em linha]. Câmara dos Deputados do Brasil [Consult. 31 out. 2016]. Disponível em http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=5E0FCD2097DDF65616F70B975320EED6.proposicoesWebExterno1?codteor=1159761&filename=PL+6583/2013

[92] Supremo Tribunal Federal. BRITO, Ayres - Relação homoafetiva e entidade familiar. [Em linha]. [Consult. 5 set. 2016]. Disponível em http://www.stf.jus.br/arquivo/informativo/documento/informativo625.htm.

[93] TARTUCE, Flávio - Estatuto da Família x Estatuto das Famílias. Singular x plural. Exclusão x inclusão. [Em linha]. [Consult. 31, out. 2016]. Disponível em http://www.migalhas.com.br/FamiliaeSucessoes/104,MI229110,41046-Estatuto+da+Familia+x+Estatuto+das+Familias+Singular+x+plural

[94] INSTITUTO BRASILEIRO DE DIREITO DA FAMÍLIA - Projeto de Estatuto das Famílias é apresentado no Senado. Disponível em http://www.ibdfam.org.br/noticias/5182/Projeto+de+Estatuto+das+Fam%C3%ADlias+%C3%A9+apresentado+no+Senado

[95] ESTATUTO das Famílias: projeto de lei nº 470/2013. [Em linha]. SENADO FEDERAL DO BRASIL [Consult. 31 out. 2016]. Disponível em https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/115242/pdf

[96] ESTATUTO das Famílias: projeto de lei nº 470/2013. [Em linha]. [Consult. 31 out. 2016]. Disponível em http://ibdfam.org.br/assets/img/upload/files/Estatuto%20das%20Familias_2014_para%20divulgacao.pdf

[97] LOBO, Paulo Luiz Netto – Op. Cit.


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SILVA, Antonia Tania Maria de Castro. Tutela jurídica das pessoas que vivem em economia comum ou em família anaparental. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5434, 18 maio 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/66292. Acesso em: 19 abr. 2024.