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Contratos bancários e a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça

Contratos bancários e a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça

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Examinam-se súmulas e julgados do STJ, especialmente os submetidos a sistemática de julgamento de demandas repetitivas, que envolvam temas controvertidos em matéria de contratos bancários.

Sumário: 1. Vedação de reconhecimento pelo juiz de ofício de eventual abusividade em cláusula contratual; 2. Concessão de tutela de urgência e cadastro de inadimplentes; 3. (Des)Caracterização da mora; 4. Confissão de dívida, renegociação e pagamento; 5. Comissão de permanência; 6. Juros remuneratórios; 7. Juros moratórios; 8. Juros Remuneratórios cumulados com Juros Moratórios e Anatocismo; 9. Capitalização de juros; 10. Exibição de Documentos e inércia da instituição financeira; 11. Capitalização e Tabela Price; 12. Tarifas Bancária e outros ressarcimentos cobrados do consumidor; 13. Desconto em conta bancária; 14. Capitalização nos contratos do Sistema Financeiro de Habitação; 15. SFH e Tabela Price; 16. Capitalização e Cédula de Crédito Rural, Comercial e Industrial; 17. Multa Moratória; Referências.


INTROITO

Almeja-se a organização com a exposição objetiva dos principais julgados do Superior Tribunal de Justiça (STJ), mormente àqueles submetidos a sistemática de julgamento de demandas repetitivas, e das Súmulas por ele editadas, que envolvam a temática de contratos bancários.

1. Vedação de reconhecimento pelo Juiz de ofício de abusividade em cláusula contratual

Nos contratos bancários, é vedado ao julgador conhecer, de ofício, da abusividade das cláusulas (Súmula 381). Entendimento originário do julgamento em sede de recurso repetitivo (tema 36).

O STJ chegou a afetar novamente o assunto (Tema 940) para vedar o conhecimento de ofício em segundo grau de jurisdição, contudo houve cancelamento da afetação.

Já o Código de Processo Civil traz exigência no sentido de que nas ações que tenham por objeto a revisão de obrigação decorrente de empréstimo, de financiamento ou de alienação de bens, o autor terá de, sob pena de inépcia, discriminar, na petição inicial, dentre as obrigações contratuais, aquelas que pretende controverter, além de quantificar o valor incontroverso do débito (art. 330, §2º).


2. Concessão de tutela de urgência e cadastro de inadimplentes

Ainda na vigência do CPC/73, fixou o STJ as seguintes teses (Temas 31, 32, 33, 34 e 35):

A abstenção da inscrição/manutenção em cadastro de inadimplentes, requerida em antecipação de tutela e/ou medida cautelar, somente será deferida se, cumulativamente:

i) a ação for fundada em questionamento integral ou parcial do débito;

ii) houver demonstração de que a cobrança indevida se funda na aparência do bom direito e em jurisprudência consolidada do STF ou STJ;

iii) houver depósito da parcela incontroversa ou for prestada a caução fixada conforme o prudente arbítrio do juiz.

A inscrição/manutenção do nome do devedor em cadastro de inadimplentes decidida na sentença ou no acórdão observará o que for decidido no mérito do processo. Caracterizada a mora, correta a inscrição/manutenção.


3. (Des)Caracterização da mora

A simples propositura da ação de revisão de contrato não inibe a caracterização da mora do autor. Cuida-se de entendimento firmado em sede de recurso repetitivo (Tema 29) e sumulado (Súmula 380).

Desta feita, como visto acima, para descaracterização da mora, pontua o STJ a necessidade de: (i) contestação, total ou parcial, do débito, (ii) plausibilidade jurídica do direito invocado estribada em jurisprudência desta Corte ou do STF e (iii) depósito de parte incontroversa do débito ou prestação de caução idônea. Cuidam-se de requisitos cumulativos (Recurso Especial Repetitivo 1.061.530/RS).

Atentar-se, ainda, para a tese firmada pelo STJ, no sentido de que “O reconhecimento da abusividade nos encargos exigidos no período da normalidade contratual (juros remuneratórios e capitalização) descaracteriza a mora” (Tema 28).

Uma vez afastada a mora: i) é ilegal o envio de dados do consumidor para quaisquer cadastros de inadimplência; ii) deve o consumidor permanecer na posse do bem alienado fiduciariamente e iii) não se admite o protesto do título representativo da dívida (REsp 1061530/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 22/10/2008, DJe 10/03/2009).

Ressalvou-se no julgado, entretanto, que a tese se aplica apenas aos contratos bancários que se submetem à legislação consumerista, afastando-se de sua incidência: cédulas de crédito rural, industrial, bancária e comercial; contratos celebrados por cooperativas de crédito; contratos regidos pelo Sistema Financeiro de Habitação, bem como os de crédito consignado.

Já no julgamento do tema 972, definiu o STJ que a abusividade de encargos acessórios do contrato não descaracteriza a mora.

Assim, se a abusividade reconhecida disser respeito a juros remuneratórios e a capitalização haverá a descaracterização da mora; mas não se a abusividade recair apenas tarifas ou despesas acessórias.

Por fim, deliberado sobre o cabimento ou não da incidência de juros remuneratórios na repetição de indébito apurado em favor do mutuário de contrato de mútuo feneratício, bem assim de eventual taxa que seria aplicável, entendeu o STJ pelo “Descabimento da repetição do indébito com os mesmos encargos do contrato” (Tema 968).


4. Confissão de dívida, renegociação e pagamento

A renegociação de contrato bancário ou a confissão da dívida não impede a possibilidade de discussão sobre eventuais ilegalidades dos contratos anteriores (Súmula 286).

O STJ estende, ainda, o entendimento para os casos de extinção contratual decorrente de quitação e novação. Nesse sentido, colaciona-se a ementa do seguinte julgado:

AGRAVO INTERNO NO AGRAVO (ART. 544 DO CPC/73) - AÇÃO ORDINÁRIA DE COBRANÇA FUNDADA EM CONTRATOS BANCÁRIOS - DECISÃO MONOCRÁTICA QUE DEU PARCIAL PROVIMENTO AO RECLAMO APENAS PARA AFASTAR A COBRANÇA DE COMISSÃO DE PERMANÊNCIA NA DÍVIDA ORIUNDA DE CÉDULA DE CRÉDITO RURAL. IRRESIGNAÇÃO DA PARTE AUTORA.

1. De acordo com o firme entendimento desta Corte Superior, não se mostra possível a incidência de comissão de permanência nas cédulas de crédito rural, comercial e industrial, na medida em que o Decreto-lei n. 167/1967 é expresso em só autorizar, no caso de mora, a cobrança de juros remuneratórios e moratórios (parágrafo único do art. 5º) e de multa de 10% sobre o montante devido (art. 71).

2. A possibilidade de revisão de contratos bancários prevista na Súmula n. 286/STJ estende-se a situações de extinção contratual decorrente de quitação, novação e renegociação.

3. Agravo interno desprovido.

(AgInt no AREsp 857.008/SE, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 05/12/2017, DJe 13/12/2017) (s.g.)


5. Comissão de permanência

Constitui-se em encargo cobrado pela instituição financeira no caso de inadimplemento contratual, incidindo sobre os dias de atraso, até a quitação da obrigação (CAVALCANTE, 2019).

Por meio da Resolução 4.558/2017, o Conselho Monetário Nacional (CMN) acabou por revogar a Resolução nº 1.129/86 que autorizava a cobrança da comissão de permanência, de modo que, nos contratos posteriores, veda-se a cobrança do referido encargo pelas instituições financeiras. Confira-se:

RESOLUÇÃO Nº 4.558, DE 23 DE FEVEREIRO DE 2017

Disciplina a cobrança de encargos por parte das instituições financeiras e das sociedades de arrendamento mercantil nas situações de atraso de pagamentos de obrigações por clientes.

O Banco Central do Brasil, na forma do art. 9º da Lei nº4.595, de 31 de dezembro de 1964, torna público que o Conselho Monetário Nacional, em sessão realizada em 23 de fevereiro de 2017, com base nos arts. 4º, incisos VI e VIII, da referida Lei, 7º e 23 da Lei nº 6.099, de 12 de setembro de 1974, resolveu:

Art. 1º As instituições financeiras e as sociedades de arrendamento mercantil podem cobrar de seus clientes, no caso de atraso no pagamento ou na liquidação de obrigações, exclusivamente os seguintes encargos:

I - juros remuneratórios, por dia de atraso, sobre a parcela vencida;

II - multa, nos termos da legislação em vigor; e

III - juros de mora, nos termos da legislação em vigor.

Art. 2º A taxa dos juros remuneratórios previstos no inciso Ido art. 1º deve ser a mesma taxa pactuada no contrato para o período de adimplência da operação.

Art. 3º É vedada a cobrança de quaisquer outros valores além dos encargos previstos nesta Resolução pelo atraso no pagamento ou na liquidação de obrigações vencidas, sem prejuízo do disposto no art. 395 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 Código Civil.

Art. 4º A cobrança dos encargos por atraso de pagamento de obrigações nos termos desta Resolução deve constar dos contratos firmados entre as instituições mencionadas no art. 1º e seus clientes.

Art.5º Esta Resolução entra em vigor em 1º de setembro de 2017, aplicando-se aos contratos firmados a partir dessa data.

Art. 6º Fica revogada, a partir de 1º de setembro de 2017, a Resolução nº 1.129, de 15 de maio de 1986. (s.g.)

Todavia, para os casos em que ainda há cobrança da comissão de permanência, deve-se observar:

  • Súmula 30 - A comissão de permanência e a correção monetária são inacumuláveis.
  • Súmula 296 - Os juros remuneratórios, não cumuláveis com a comissão de permanência, são devidos no período de inadimplência, à taxa média de mercado estipulada pelo Banco Central do Brasil, limitada ao percentual contratado.
  • Repetitivo Tema 52: A cobrança de comissão de permanência - cujo valor não pode ultrapassar a soma dos encargos remuneratórios e moratórios previstos no contrato - exclui a exigibilidade dos juros remuneratórios, moratórios e da multa contratual.

6. Juros remuneratórios

Consoante anota a doutrina “os juros correspondem à renda do dinheiro, podendo ser compensatórios, se compensarem a indisponibilidade do bem pelo mutuante, ou moratórios, se decorrentes de atraso no adimplemento das obrigações ajustadas” (FUJITA, et al, 2014).

Assim, juros remuneratórios são aqueles que representam o preço da disponibilidade monetária, pago pelo mutuário ao mutuante, em decorrência do negócio jurídico celebrado entre eles.

A estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si só, não indica abusividade. Cuida-se de entendimento firmado em sede de recurso repetitivo (Tema 25) e posteriormente sumulado (Súmula 382).

Nesses termos, a súmula 596 do Supremo Tribunal Federal já assentava que: “As disposições do Decreto 22.626/33 [Lei da Usura] não se aplicam às taxas de juros e aos outros encargos cobrados nas operações realizadas por instituições públicas ou privadas, que integram o sistema financeiro nacional”.

Ademais, o STJ já sedimentara que “As instituições financeiras não se sujeitam à limitação dos juros remuneratórios estipulada na Lei de Usura (Decreto 22.626/33)” (Tema 24).

Acresça-se que limitação também não se aplica às administradoras de cartão de crédito (Súmula 283).

Lado outro, se o contrato não for expresso quanto à taxa cobrada, é possível a fixação pelo Juiz da taxa média de mercado (STJ, repetitivos temas 233 e 234):

  • TEMA 233 - Nos contratos de mútuo em que a disponibilização do capital é imediata, o montante dos juros remuneratórios praticados deve ser consignado no respectivo instrumento. Ausente a fixação da taxa no contrato o juiz deve limitar os juros à média de mercado nas operações da espécie, divulgada pelo Bacen, salvo se a taxa cobrada for mais vantajosa para o cliente.
  • TEMA 234 - Nos contratos de mútuo em que a disponibilização do capital é imediata, o montante dos juros remuneratórios praticados deve ser consignado no respectivo instrumento. Ausente a fixação da taxa no contrato o juiz deve limitar os juros à média de mercado nas operações da espécie, divulgada pelo Bacen, salvo se a taxa cobrada for mais vantajosa para o cliente. Em qualquer hipótese, é possível a correção para a taxa média se for verificada abusividade nos juros remuneratórios praticados.

O entendimento encontra-se consolidado no enunciado da Súmula 530:

Súmula 530 - Nos contratos bancários, na impossibilidade de comprovar a taxa de juros efetivamente contratada - por ausência de pactuação ou pela falta de juntada do instrumento aos autos -, aplica-se a taxa média de mercado, divulgada pelo Bacen, praticada nas operações da mesma espécie, salvo se a taxa cobrada for mais vantajosa para o devedor.

Entendeu o STJ (Repetitivo, Tema 26) que “São inaplicáveis aos juros remuneratórios dos contratos de mútuo bancário as disposições do art. 591 c/c o art. 406 do CC/02”, estes, ao seu turno, estatuem:

Art. 591. Destinando-se o mútuo a fins econômicos, presumem-se devidos juros, os quais, sob pena de redução, não poderão exceder a taxa a que se refere o art. 406, permitida a capitalização anual.

Art. 406. Quando os juros moratórios não forem convencionados, ou o forem sem taxa estipulada, ou quando provierem de determinação da lei, serão fixados segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional.

Noutro giro, no caso de estar prevista a taxa, eventual revisão deverá ocorrer de forma excepcional, somente se demonstrada vantagem exagerada. Nesse sentido, confira-se a tese firmada em recurso repetitivo (Tema 27):

É admitida a revisão das taxas de juros remuneratórios em situações excepcionais, desde que caracterizada a relação de consumo e que a abusividade (capaz de colocar o consumidor em desvantagem exagerada (art. 51, §1 º, do CDC) fique cabalmente demonstrada, ante às peculiaridades do julgamento em concreto.

Persiste, nesse sentido, a jurisprudência do STJ:

AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL - AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO BANCÁRIO - DECISÃO MONOCRÁTICA QUE NEGOU PROVIMENTO AO RECLAMO. IRRESIGNAÇÃO DA PARTE AUTORA.

1. A jurisprudência deste STJ é assente no sentido de que os juros remuneratórios cobrados pelas instituições financeiras não sofrem a limitação imposta pelo Decreto nº 22.626/33 (Lei de Usura), a teor do disposto na Súmula 596/STF (cf. REsp n. 1.061.530 de 22.10.2008, julgado pela Segunda Seção segundo o rito dos recursos repetitivos).

Para que se reconheça abusividade no percentual de juros, não basta o fato de a taxa contratada suplantar a média de mercado, devendo- se observar uma tolerância a partir daquele patamar, de modo que a vantagem exagerada, justificadora da limitação judicial, deve ficar cabalmente demonstrada em cada caso, circunstância inocorrente na hipótese dos autos.

2. Agravo interno desprovido.

(AgInt no AREsp 1454960/MS, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 29/10/2019, DJe 07/11/2019) (s.g.)

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO. MORA. NOTIFICAÇÃO EXTRAJUDICIAL. AÇÃO REVISIONAL. SÚMULA N. 83/STJ. JUROS REMUNERATÓRIOS. TAXA MÉDIA. ABUSIVIDADE NÃO CONSTATADA. DECISÃO MANTIDA.

1. Nos pedidos de busca e apreensão de bem alienado fiduciariamente, a demonstração da mora pode ser feita mediante protesto, por carta registrada expedida por cartório de títulos ou documentos ou por simples carta registrada, não se exigindo que a assinatura do aviso de recebimento seja do próprio destinatário. Precedentes.

2. Conforme o entendimento consolidado na Súmula n. 380/STJ, "a simples propositura da ação de revisão de contrato não inibe a caracterização da mora do autor", necessitando-se, para esse fim, de comprovada abusividade dos encargos exigidos no período de normalidade contratual.

3. A taxa média de mercado apurada pelo Banco Central para operações similares, na mesma época do empréstimo, pode ser usada como referência no exame da abusividade dos juros remuneratórios, mas não constitui valor absoluto a ser adotado em todos os casos. No caso concreto, não foi demonstrada significativa discrepância entre a taxa média de mercado e o índice pactuado entre as partes.

4. Agravo interno a que se nega provimento.

(AgInt no AREsp 1230673/MS, Rel. Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, QUARTA TURMA, julgado em 01/04/2019, DJe 05/04/2019) (s.g.)


7. Juros moratórios

Juros moratórios são aqueles pagos pelo mutuário ao mutuante em decorrência da mora no cumprimento da prestação estabelecida no contrato.

Segundo o STJ, nos contratos bancários não regidos por legislação específica, os juros moratórios poderão ser convencionados até o limite de 1% ao mês. Entendimento firmado em sede de recurso repetitivo (Tema 30) e sumulado a posteriori (Súmula 379).


8. Juros Remuneratórios cumulados com Juros Moratórios e Anatocismo

Afastando-se a ocorrência de anatocismo – permitindo, desse modo, a cumulação –, colhe-se de arguto voto do Ministro Castro Filho, no bojo do Recurso Especial nº 402.483 – RS, a seguinte conceituação e diferenciação:

“De fato, o entendimento majoritário desta Corte é no sentido de se permitir, nos contratos bancários, a cobrança cumulada de juros remuneratórios com moratórios, quando pactuada, não constituindo tal prática anatocismo, dada a natureza peculiar de cada qual.

 Sobre o tema, afirma o Prof. Álvaro Villaça Azevedo:

 ‘Surgem, dessa maneira, as duas espécies de juros: compensatórios e moratórios. Os primeiros são devidos como compensação pelo uso do capital de outrem, os segundos pela mora, pelo atraso, em sua devolução.’ (Curso de Direito Civil, Teoria Geral das Obrigações, Editora Revista dos Tribunais, 7ª ed., págs. 247 e 248)

 Leciona, ainda, Luiz Antônio Scavone Júnior:

 ‘Os juros, considerados quanto à taxa aplicada, podem ser moratórios ou compensatórios.

Todavia, como gênero, os juros possuem natureza jurídica de frutos civis, remunerando determinado capital empregado em dinheiro ou outros bens.

Como vimos, os juros moratórios possuem gênese diversa daquela decorrente dos juros compensatórios.

Com efeito, os juros compensatórios originam-se na simples utilização do capital. Portanto, são juros que se contam pela utilização do capital durante determinado tempo.

Por outro lado, os juros moratórios possuem gênese no atraso – mora ou demora – na restituição do capital. Também são juros pela utilização do capital, entretanto, constituem pena imposta ao devedor moroso.

Nesse sentido, absolutamente possível a cumulação de uns com os outros.’ (Obrigações, Abordagem Didática, Editora Juarez de Oliveira, 2ª ed., pág. 173)”.


9. Capitalização de juros

A capitalização consiste na incidência dos juros sobre o capital incluso de outros juros acumulados de período anterior, ou, como sumariza Carlos Roberto Gonçalves (2011), “é a incorporação dos juros ao valor principal da dívida, sobre a qual incidem novos encargos”.

Em regra, veda-se a capitalização de juros (art. 4º, da Lei de Usura – Decreto 22.626/33); como exceção, admite-se a Lei de Usura a capitalização em periodicidade anual. Nesse mesmo sentido, autoriza o Código Civil a capitalização anual (art. 591).

No ano de 2000, foi editada a Medida Provisória nº 1.963-17 (posteriormente reeditada - MP 2.170-36/2001) que permitiu às instituições financeira a capitalização de juros com periodicidade inferior a um ano.

Nesse sentido, surge a jurisprudência pacificada pelo STJ (inicialmente objeto de recurso repetitivo – tema 246) sentido de que: É permitida a capitalização de juros com periodicidade inferior à anual em contratos celebrados com instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional a partir de 31/3/2000 (MP n. 1.963-17/2000, reeditada como MP n. 2.170-36/2001), desde que expressamente pactuada (Súmula 539).

Em 2017 o STJ reafirmou o entendimento, asseverando que “A cobrança de juros capitalizados nos contratos de mútuo é permitida quando houver expressa pactuação” (Tema 953).

Destaca-se a exigência de que haja expressa pactuação acerca da capitalização.

Todavia, não se exige que o contrato apresente termos como “os juros vencidos e devidos serão capitalizados mensalmente”, “fica pactuada a capitalização mensal de juros” ou outras expressões equivalentes. Nessa senda, exsurge o entendimento sumulado (anteriormente objeto de repetitivo – tema 247) do STJ:

Súmula 541 - A previsão no contrato bancário de taxa de juros anual superior ao duodécuplo da mensal é suficiente para permitir a cobrança da taxa efetiva anual contratada.

Desse modo, basta que a taxa de juros anual se apresente superior a 12 vezes a taxa mensal para que se conclua pela pactuação dos juros capitalizados.


10. Exibição de Documentos e inércia da instituição financeira

O STJ chegou a afetar para solução em demanda repetitiva às consequências da recusa de exibição no que tange à capitalização e à taxa de juros remuneratório (tema 935), mas acabou por cancelá-la.

Nada obstante, tem-se que no julgamento do REsp 1133872/PB (Tema 411) – com a observação de que o caso cuidava de ação em que se discutia expurgos inflacionários em caderneta de poupança –, entendeu o Superior Tribunal de Justiça que:

“É cabível a inversão do ônus da prova em favor do consumidor para o fim de determinar às instituições financeiras a exibição de extratos bancários, enquanto não estiver prescrita a eventual ação sobre eles, tratando-se de obrigação decorrente de lei e de integração contratual compulsória, não sujeita à recusa ou condicionantes, tais como o adiantamento dos custos da operação pelo correntista e a prévia recusa administrativa da instituição financeira em exibir os documentos, com a ressalva de que ao correntista, autor da ação, incumbe a demonstração da plausibilidade da relação jurídica alegada, com indícios mínimos capazes de comprovar a existência da contratação, devendo, ainda, especificar, de modo preciso, os períodos em que pretenda ver exibidos os extratos.” (s.g.)

Ademais, diante da ausência da apresentação do contrato, nos termos da súmula 530, aplicar-se-á, por presunção de ausência de pactuação expressa, a taxa média de mercado.

Igualmente, no que toca à capitalização, nos termos da súmula 539, exige-se a pactuação expressa, diante do que, uma vez não demonstrada, ter-se-á sua exclusão.

No mais, uma vez reconhecida a abusividade, restará descaracterizada a mora (Tema 28 do STJ).

Sublinhe-se que na ementa do Acórdão atinente ao Tema 953, embora não tenha sido objeto da afetação, o tema foi assim consignado:

RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA - ARTIGO 1036 E SEGUINTES DO CPC/2015 - AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATOS BANCÁRIOS - PROCEDÊNCIA DA DEMANDA ANTE A ABUSIVIDADE DE COBRANÇA DE ENCARGOS - INSURGÊNCIA DA CASA BANCÁRIA VOLTADA À PRETENSÃO DE COBRANÇA DA CAPITALIZAÇÃO DE JUROS 1. Para fins dos arts. 1036 e seguintes do CPC/2015.

1.1 A cobrança de juros capitalizados nos contratos de mútuo é permitida quando houver expressa pactuação.

2. Caso concreto: 2.1 Quanto aos contratos exibidos, a inversão da premissa firmada no acórdão atacado acerca da ausência de pactuação do encargo capitalização de juros em qualquer periodicidade demandaria a reanálise de matéria fática e dos termos dos contratos, providências vedadas nesta esfera recursal extraordinária, em virtude dos óbices contidos nos Enunciados 5 e 7 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça.

2.2 Relativamente aos pactos não exibidos, verifica-se ter o Tribunal a quo determinado a sua apresentação, tendo o banco-réu, ora insurgente, deixado de colacionar aos autos os contratos, motivo pelo qual lhe foi aplicada a penalidade constante do artigo 359 do CPC/73 (atual 400 do NCPC), sendo tido como verdadeiros os fatos que a autora pretendia provar com a referida documentação, qual seja, não pactuação dos encargos cobrados.

2.3 Segundo a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, é possível tanto a compensação de créditos quanto a devolução da quantia paga indevidamente, independentemente de comprovação de erro no pagamento, em obediência ao princípio que veda o enriquecimento ilícito. Inteligência da Súmula 322/STJ.

2.4 Embargos de declaração manifestados com notório propósito de prequestionamento não tem caráter protelatório. Inteligência da súmula 98/STJ.

2.5 Recurso especial parcialmente provido apenas para afastar a multa imposta pelo Tribunal a quo.

(REsp 1388972/SC, Rel. Ministro MARCO BUZZI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 08/02/2017, DJe 13/03/2017) (s.g.)

Registre-se a existência de repetitivo (Tema 1000) sobre a (im)possibilidade de aplicação de multa cominatória na exibição de documentos relativa a direito disponível, na vigência do CPC/2015 No CPC/73 aplicava-se a súmula 372 (“Na ação de exibição de documentos, não cabe a aplicação de multa cominatória”), reafirmada em sede de Repetitivo, tema 705, ("Descabimento de multa cominatória na exibição, incidental ou autônoma, de documento relativo a direito disponível”). Contudo, com a vigência do NCPC (arts. 400 e 403), passou-se a suscitar a superação do entendimento. Nesse sentido, inclusive, é o enunciado 54 do Fórum Permanente de Processualistas Civis.


11. Capitalização e Tabela Price

O STJ chegou a afetar para julgamento em sede de recurso repetitivo a discussão sobre a existência de capitalização de juros vedada pelo Decreto 22.626/33 na própria fórmula matemática da Tabela Price, o que implicaria, inevitavelmente, e em abstrato, a ilegalidade de seu emprego como forma de amortização de financiamentos no sistema jurídico brasileiro em contratos bancários diversos anteriores à edição da MP 1.963-17/00 e em financiamentos habitacionais anteriores à Lei 11.977/2009.

Todavia, deliberou-se pelo seu cancelamento, sob os mesmos fundamentos sobre os quais a Corte já deliberara quando do julgamento do Tema 572, ou seja, que a análise acerca da legalidade da utilização da Tabela Price - mesmo que em abstrato - passa, necessariamente, pela constatação da eventual capitalização de juros (ou incidência de juros compostos, juros sobre juros ou anatocismo), que é questão de fato e não de direito, motivo pelo qual não caberia ao Superior Tribunal de Justiça tal apreciação, em razão dos óbices contidos nas Súmulas 5 e 7 do STJ.


12. Tarifas Bancária e outros ressarcimentos cobrados do consumidor

Os serviços prestados pelas instituições financeiras são remunerados por meio das tarifas e estão sujeitos ao poder regulamentar do Conselho Monetário Nacional (art. 4º, da Lei nº 4.595/1964).

A Tarifa de Abertura de Crédito (TAC) e Tarifa de Emissão de Carnê (TEC) encontravam respaldo na Resolução CMN nº 2.303/96 – de caráter não intervencionista, facultava às instituições financeiras a cobrança pela prestação de quaisquer tipos de serviços, com exceção daqueles que a norma definia como básicos, desde que fossem efetivamente contratados e prestados ao cliente –.

Posteriormente, foi editada a Resolução CMN nº 3.518/2007 – que buscou padronizar a nomenclatura das tarifas –, a partir da qual a cobrança de tarifas pela prestação de serviços prioritários passaram a depender de previsão normativa, sendo editada pelo Banco Central a Circular 3.371/2007, a qual não contemplou a TAC e TEC, pelo que restou afastada a sua cobrança. Nesse contexto, foi o entendimento exposto nos Repetitivos de temas 618 e 619 do STJ:

Tema 618 - Nos contratos bancários celebrados até 30/04/2008 (fim da vigência da Resolução CMN 2.303/96) era válida a pactuação das Tarifas de Abertura de Crédito (TAC) e de Emissão de Carnê (TEC), ou outra denominação para o mesmo fato gerador, ressalvado o exame de abusividade em cada caso concreto.

Tema 619 - Com a vigência da Resolução CMN 3.518/2007, em 30/04/2008, a cobrança por serviços bancários prioritários para pessoas físicas ficou limitada às hipóteses taxativamente previstas em norma padronizadora expedida pela autoridade monetária. Desde então, não tem respaldo legal a contratação da Tarifa de Emissão de Carnê (TEC) e da Tarifa de Abertura de Crédito (TAC), ou outra denominação para o mesmo fato gerador.

Posteriormente, foi editada a sumula cristalizando o entendimento firmado. Desse modo, “A pactuação das tarifas de abertura de crédito (TAC) e de emissão de carnê (TEC), ou outra denominação para o mesmo fato gerador, é válida apenas nos contratos bancários anteriores ao início da vigência da Resolução-CMN n. 3.518/2007, em 30/4/2008” (Súmula 565).

Noutro giro, a Circular 3.371/2007, que complementa a Resolução CMN nº 3.518/2007, autorizou a cobrança da Tarifa de Cadastro, sendo, desse modo, decidido pelo STJ:

Tema 620 - Permanece válida a tarifa de cadastro expressamente tipificada em ato normativo padronizador da autoridade monetária, a qual somente pode ser cobrada no início do relacionamento entre o consumidor e a instituição financeira.

Sumulou a Corte, a posteriori, que “Nos contratos bancários posteriores ao início da vigência da Resolução-CMN n. 3.518/2007, em 30/4/2008, pode ser cobrada a tarifa de cadastro no início do relacionamento entre o consumidor e a instituição financeira” (Súmula 566).

De certo, com a incidência da Súmula 566, a referida tarifa somente pode ser cobrada uma vez, no início do relacionamento entre o cliente e a instituição financeira.

Posteriormente, a Resolução CMN nº 3.518/2007 foi revogada pela Resolução CMN nº 3.919/2010, que também não prevê cobrança de TAC e TEC, mas continuou permitindo a Tarifa de Cadastro.

O STJ reconheceu, ainda, como válida a convenção do pagamento do IOF embutido no financiamento:

Tema 621 - Podem as partes convencionar o pagamento do Imposto sobre Operações Financeiras e de Crédito (IOF) por meio de financiamento acessório ao mútuo principal, sujeitando-o aos mesmos encargos contratuais.

Noutro giro, nos contratos bancários celebrados a partir de 30/04/2008, com instituições financeiras ou equiparadas, seja diretamente, seja por intermédio de correspondente bancário, no âmbito das relações de consumo, delimitou o STJ, as seguintes teses (Tema 958):

2.1. Abusividade da cláusula que prevê a cobrança de ressarcimento de serviços prestados por terceiros, sem a especificação do serviço a ser efetivamente prestado;

2.2. Abusividade da cláusula que prevê o ressarcimento pelo consumidor da comissão do correspondente bancário, em contratos celebrados a partir de 25/02/2011, data de entrada em vigor da Res.-CMN 3.954/2011, sendo válida a cláusula no período anterior a essa resolução, ressalvado o controle da onerosidade excessiva;

2.3. Validade da tarifa de avaliação do bem dado em garantia, bem como da cláusula que prevê o ressarcimento de despesa com o registro do contrato, ressalvadas a:

2.3.1. abusividade da cobrança por serviço não efetivamente prestado; e a

2.3.2. possibilidade de controle da onerosidade excessiva, em cada caso concreto.

Desta feita, a cobrança de ressarcimento de serviços prestados por terceiros, sem especificação do serviço a ser efetivamente prestado, por se tratar de uma cobrança genérica, afronta o Código de Defesa do Consumidor, uma vez que não especifica o serviço especificamente prestado pelo terceiro, violando direito básico do consumidor (art. 6º, III, do CDC).

Abusividade da cláusula que prevê o ressarcimento pelo consumidor da comissão do correspondente bancário se mostra possível apenas para os contratos celebrados antes de 25/02/2011, uma vez que, após essa data, a cobrança passou a ser expressamente vedada pela Resolução-CMN 3.954/2011. Adotou-se o mesmo entendimento da TAC (Tema 618). Merece destaque a ressalva constante no voto do Ministro Relator Paulo de Tarso Sanseverino, no sentido de que, mesmo no período anterior, poder-se-ia reputar como abusiva a cobrança, por se tratar de despesa que se insere nos custos operacionais da instituição financeira, de modo que seria descabido cobrar do consumidor o seu ressarcimento.

Sobre a tarifa de avaliação, tem-se que o serviço deve ser efetivamente prestado, sendo afastada nos casos em que a avaliação é inerente ao negócio jurídico como, por exemplo, no contrato de financiamento destinado à aquisição do próprio bem objeto da garantia, no qual a instituição financeira já dispõe de uma avaliação, mormente a realizada pelo vendedor ao estipular o preço (expresso no contrato e na nota fiscal).

Já no julgamento do tema 972, debruçou-se o STJ sobre a validade da tarifa de inclusão de gravame eletrônico; da cobrança de seguro de proteção financeira; e possibilidade de descaracterização da mora na hipótese de se reconhecer a invalidade de alguma dessas cobranças, sendo firmado os seguintes entendimentos:

1 - Abusividade da cláusula que prevê o ressarcimento pelo consumidor da despesa com o registro do pré-gravame, em contratos celebrados a partir de 25/02/2011, data de entrada em vigor da Res.-CMN 3.954/2011, sendo válida a cláusula pactuada no período anterior a essa resolução, ressalvado o controle da onerosidade excessiva.

2 - Nos contratos bancários em geral, o consumidor não pode ser compelido a contratar seguro com a instituição financeira ou com seguradora por ela indicada.

3 - A abusividade de encargos acessórios do contrato não descaracteriza a mora.

Como acima já explanado, as tarifas bancárias remuneram serviços prestados pelas instituições financeiras, e estão taxativamente previstas na Resolução do Conselho Monetário Nacional - CMN nº 3.518/2007. Como não consta a referida tarifa de pré-gravame na Resolução, afastou-se sua incidência, ressalvando-se o ressarcimento perante o consumidor para os contratos celebrados até a data de sua vigência.

Para hipótese de contratação de seguro prestamista – no qual se oferece cobertura para os eventos morte e invalidez do segurado, garantindo a quitação do contrato em caso de sinistro – ou de seguro de proteção financeira – no qual se oferece uma cobertura adicional, referente ao evento despedida involuntária ou perda de renda –, afastou-se a “venda casada” (art. 39, I, do CDC) – que se teve por caracterizada na medida em que, uma vez optando o consumidor pela contratação do seguro, a cláusula contratual já condicionava a contratação da seguradora integrante do mesmo grupo econômico da instituição financeira, não havendo ressalva quanto à possibilidade de contratação de outra seguradora, à escolha do consumidor –, de modo que o consumidor tem assegurada a liberdade de contratar com outra prestadora de serviço.

No que concerne à descaracterização da mora, como já apontado em tópico acima, o STJ já firmara entendimento de que “O reconhecimento da abusividade nos encargos exigidos no período da normalidade contratual (juros remuneratórios e capitalização) descaracteriza a mora” (tema 28).

No julgamento do tema 972 apenas reiterou-se que os encargos aptos a descaracterizar a mora seriam os juros remuneratórios e a capitalização – encargos essenciais dos contratos de mútuo bancário – de sorte que a abusividade de tarifas ou despesas acessórias não descaracteriza a mora, por não contaminarem a parte principal.


13. Desconto em conta bancária

 A Segunda Seção do STJ, em sessão de 22/08/2018, ao julgar o REsp 1.555.722/SP, determinou o CANCELAMENTO da Súmula 603 do STJ, que outrora ditava:

Súmula 603 - É vedado ao banco mutuante reter, em qualquer extensão, os salários, vencimentos e/ou proventos de correntista para adimplir o mútuo (comum) contraído, ainda que haja cláusula contratual autorizativa, excluído o empréstimo garantido por margem salarial consignável, com desconto em folha de pagamento, que possui regramento legal específico e admite a retenção de percentual. (Súmula 603, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 22/02/2018, DJe 26/02/2018)

Segundo o STJ, quando do cancelamento, estava ocorrendo uma má aplicação da súmula, para vedar-se todo e qualquer desconto relacionado com um contrato de mútuo bancário.

Desta feita, a sumula vedava a retenção pelo banco nos casos de inadimplência, uma vez que se configuraria hipótese de apropriação indevida (uma execução direta pelo particular). Não teria incidência, em casos de normalidade (adimplência) o desconto em conta, desde que contasse com prévia e atual autorização.

Sobre o tema, confira-se o percuciente julgado, assim ementado:

RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. EMPRÉSTIMO BANCÁRIO. MÚTUO FENERATÍCIO. DESCONTO DAS PARCELAS. CONTA-CORRENTE EM QUE DEPOSITADO O SALÁRIO. AUSÊNCIA DE ATO ILÍCITO. INTERPRETAÇÃO DA SÚMULA 603/STJ. RECURSO ESPECIAL NÃO PROVIDO.

1. A discussão travada no presente é delimitada como sendo exclusiva do contrato de mútuo feneratício com cláusula revogável de autorização de desconto de prestações em conta-corrente, de sorte que abrange outras situações distintas, como as que autorizam, de forma irrevogável, o desconto em folha de pagamento das "prestações empréstimos, financiamentos, cartões de crédito e operações de arrendamento mercantil concedidos por instituições financeiras e sociedades de arrendamento mercantil" (art. 1º da Lei 10.820/2003).

2. Dispõe a Súmula 603/STJ que "é vedado ao banco mutuante reter, em qualquer extensão, os salários, vencimentos e/ou proventos de correntista para adimplir o mútuo (comum) contraído, ainda que haja cláusula contratual autorizativa, excluído o empréstimo garantido por margem salarial consignável, com desconto em folha de pagamento, que possui regramento legal específico e admite a retenção de percentual".

3. Na análise da licitude do desconto em conta-corrente de débitos advindos do mútuo feneratício, devem ser consideradas duas situações distintas: a primeira, objeto da Súmula, cuida de coibir ato ilícito, no qual a instituição financeira apropria-se, indevidamente, de quantias em conta-corrente para satisfazer crédito cujo montante fora por ela estabelecido unilateralmente e que, eventualmente, inclui tarifas bancárias, multas e outros encargos moratórios, não previstos no contrato; a segunda hipótese, vedada pela Súmula 603/STJ, trata de descontos realizados com a finalidade de amortização de dívida de mútuo, comum, constituída bilateralmente, como expressão da livre manifestação da vontade das partes. 4. É lícito o desconto em conta-corrente bancária comum, ainda que usada para recebimento de salário, das prestações de contrato de empréstimo bancário livremente pactuado, sem que o correntista, posteriormente, tenha revogado a ordem. Precedentes. 5. Não ocorrência, na hipótese, de ato ilícito passível de reparação.

6. Recurso especial não provido.

(REsp 1555722/SP, Rel. Ministro LÁZARO GUIMARÃES (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TRF 5ª REGIÃO), SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 22/08/2018, DJe 25/09/2018)


14. Capitalização nos contratos do Sistema Financeiro de Habitação

Nos contratos celebrados no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação, é vedada a capitalização de juros em qualquer periodicidade, mas não cabe ao STJ, todavia, aferir se há capitalização de juros com a utilização da Tabela Price, por força das Súmulas 5 e 7 (STJ, repetitivo Tema 48).

O entendimento vale para os contratos firmados até a entrada em vigor da Lei nº 11.977/2009, momento a parti do qual passou-se a permitir a pactuação (art. 15-A da Lei nº 4.380/64).

Ainda nessa temática, verbera a Súmula 450 que “nos contratos vinculados ao SFH, a atualização do saldo devedor antecede sua amortização pelo pagamento da prestação” (anteriormente, repetitivo do tema 442).

Ademais, “salvo disposição contratual em sentido diferente, aplica-se aos contratos celebrados no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação a regra de imputação prevista no art. 354 do Código Civil de 2002, que reproduz o art. 993 do Código Civil de 1916 e foi adotada pela RD BNH 81/1969” (Repetitivo, tema 426). Nessa seara, veja-se elucidar julgado do Superior Tribunal de Justiça, em Acórdão assim ementado:

RECURSO ESPECIAL. SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO. SFH. CAPITALIZAÇÃO ANUAL DE JUROS. POSSIBILIDADE. ENCARGOS MENSAIS. IMPUTAÇÃO DO PAGAMENTO. ART. 354 CC 2002. ART. 993 CC 1916.

1. Interpretação do decidido pela 2ª Seção, no Recurso Especial Repetitivo 1.070.297, a propósito de capitalização de juros, no Sistema Financeiro da Habitação.

2. Segundo o acórdão no Recurso Repetitivo 1.070.297, para os contratos celebrados no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação até a entrada em vigor da Lei 11.977/2009 não havia regra especial a propósito da capitalização de juros, de modo que incidia a restrição da Lei de Usura (Decreto 22.626/33, art. 4º). Assim, para tais contratos, não é válida a capitalização de juros vencidos e não pagos em intervalo inferior a um ano, permitida a capitalização anual, regra geral que independe de pactuação expressa. Ressalva do ponto de vista da Relatora, no sentido da aplicabilidade, no SFH, do art. 5º da MP 2.170-36, permissivo da capitalização mensal, desde que expressamente pactuada.

3. No Sistema Financeiro da Habitação, os pagamentos mensais devem ser imputados primeiramente aos juros e depois ao principal, nos termos do disposto no art. 354 Código Civil em vigor (art. 993 Código de 1916). Entendimento consagrado no julgamento, pela Corte Especial, do Recurso Especial nº 1.194.402-RS (Relator Min. Teori Albino Zavascki), submetido ao rito do art. 543-C.

4. Se o pagamento mensal não for suficiente para a quitação sequer dos juros, a determinação de lançamento dos juros vencidos e não pagos em conta separada, sujeita apenas à correção monetária, com o fim exclusivo de evitar a prática de anatocismo, encontra apoio na jurisprudência atual do STJ. Precedentes.

5. Recurso especial provido.

(REsp 1095852/PR, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 14/03/2012, DJe 19/03/2012)

Também em sede repetitivo (Tema 49) e posteriormente cristalizada em súmula (nº 422), entende o STJ que “o art. 6º, e, da Lei n. 4.380/1964 não estabelece limitação aos juros remuneratórios nos contratos vinculados ao SFH”.

Por fim, o mutuário do SFH não pode ser compelido a contratar o seguro habitacional obrigatório com a instituição financeira mutuante ou com a seguradora por ela indicada (Tema 442 e Súmula 450).


15. SFH e Tabela Price

Segundo o STJ, a análise acerca da legalidade da utilização da Tabela Price - mesmo que em abstrato - passa, necessariamente, pela constatação da eventual capitalização de juros (ou incidência de juros compostos, juros sobre juros ou anatocismo), que é questão de fato e não de direito, motivo pelo qual não caberia ao Superior Tribunal de Justiça tal apreciação.

Assim, em contratos cuja capitalização de juros seja vedada, é necessária a interpretação de cláusulas contratuais e a produção de prova técnica para aferir a existência da cobrança de juros não lineares, incompatíveis, portanto, com financiamentos celebrados no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação antes da vigência da Lei n. 11.977/2009, que acrescentou o art. 15-A à Lei n. 4.380/1964.

Sobre o tema, confira-se o julgado, cuja ementa assim consigna:

DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ART. 543-C DO CPC. RESOLUÇÃO STJ N. 8/2008. TABELA PRICE. LEGALIDADE. ANÁLISE. CAPITALIZAÇÃO DE JUROS. APURAÇÃO. MATÉRIA DE FATO. CLÁUSULAS CONTRATUAIS E PROVA PERICIAL.

1. Para fins do art. 543-C do CPC: 1.1. A análise acerca da legalidade da utilização da Tabela Price - mesmo que em abstrato - passa, necessariamente, pela constatação da eventual capitalização de juros (ou incidência de juros compostos, juros sobre juros ou anatocismo), que é questão de fato e não de direito, motivo pelo qual não cabe ao Superior Tribunal de Justiça tal apreciação, em razão dos óbices contidos nas Súmulas 5 e 7 do STJ.

1.2. É exatamente por isso que, em contratos cuja capitalização de juros seja vedada, é necessária a interpretação de cláusulas contratuais e a produção de prova técnica para aferir a existência da cobrança de juros não lineares, incompatíveis, portanto, com financiamentos celebrados no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação antes da vigência da Lei n. 11.977/2009, que acrescentou o art. 15-A à Lei n. 4.380/1964.

1.3. Em se verificando que matérias de fato ou eminentemente técnicas foram tratadas como exclusivamente de direito, reconhece- se o cerceamento, para que seja realizada a prova pericial.

2. Recurso especial parcialmente conhecido e, na extensão, provido para anular a sentença e o acórdão e determinar a realização de prova técnica para aferir se, concretamente, há ou não capitalização de juros (anatocismo, juros compostos, juros sobre juros, juros exponenciais ou não lineares) ou amortização negativa, prejudicados os demais pontos trazidos no recurso.

(REsp 1124552/RS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, CORTE ESPECIAL, julgado em 03/12/2014, DJe 02/02/2015)


16. Capitalização e Cédula de Crédito Rural, Comercial e Industrial

O STJ firmou entendimento (repetitivo, tema 654) de que “a legislação sobre cédulas de crédito rural admite o pacto de capitalização de juros em periodicidade inferior à semestral”.

Desse modo, tem-se a possibilidade de celebração de cláusula contratual que preveja a capitalização dos juros em periodicidade mensal, nos contratos bancários de crédito rural.

Para além diso, dispõe a Súmula 93 que “a legislação sobre cédulas de crédito rural, comercial e industrial admite o pacto de capitalização de juros”. Entendimento permanece válido e reafirmado, conforme se depreende dos seguintes julgados:

AGRAVO INTERNO. RECURSO ESPECIAL. CÉDULA DE CRÉDITO COMERCIAL PRESCRITA. CAPITALIZAÇÃO MENSAL DOS JUROS. HIPOTECA. 1. A teor do verbete 93 da Súmula do STJ, é permitida da capitalização dos juros nas cédulas de crédito comercial, ainda que em periodicidade mensal, desde que pactuada no contrato.

2. Vencido o título de crédito, mas perdurando a dívida assegurada, deve subsistir o gravame hipotecário sobre o bem dado em garantia. Precedentes.

3. Agravo interno a que se nega provimento.

(AgInt no REsp 1508308/BA, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 05/09/2019, DJe 18/09/2019) (s.g.)

AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO, EMBARGOS À EXECUÇÃO E AÇÃO REVISIONAL (JULGAMENTO SIMULTÂNEO). CÉDULA DE CRÉDITO INDUSTRIAL.

1. Capitalização mensal de juros. A Segunda Seção reafirmou o entendimento cristalizado na Súmula 93/STJ no sentido de que, nos contratos de crédito industrial, admite-se a pactuação de cláusula que preveja a capitalização mensal dos juros (EREsp 1.134.955/PR, Rel. Ministro Raul Araújo, julgado em 24.10.2012, DJe 29.10.2012).

Hipótese em que o Tribunal de origem reconheceu a existência de pactuação da capitalização dos juros em prazo inferior ao semestral, o que ensejou a declaração da legalidade da cobrança. Incidência da Súmula 7/STJ.

2. Inaplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor. Sociedade empresária que não ostenta condição de destinatária final (critério finalista), inexistindo, outrossim, elementos nos autos que possibilitem a análise de sua vulnerabilidade in concreto (finalismo aprofundado). Impossibilidade de redução da multa moratória estipulada em 10% (dez por cento) à luz do § 1º do artigo 52 do Código de Defesa do Consumidor. Precedentes.

3. Pretensão de exclusão de valores supostamente cobrados em duplicidade. Necessária incursão no acervo fático-probatório dos autos para ilidir a exegese expendida nas instâncias ordinárias, que, à luz do laudo pericial contábil, consignaram inexistente a duplicidade alegada. Incidência do óbice da Súmula 7/STJ.

4. Sucumbência recíproca. O acolhimento da tese de ilegalidade da comissão de permanência não caracterizou o decaimento mínimo da pretensão deduzida pela embargante/executada, mas, sim, explicitou a quase equitativa sucumbência das partes, motivo pelo qual correto o restabelecimento da distribuição proporcional realizada na sentença de primeiro grau.

5. Agravo interno não provido.

(AgInt no REsp 1216570/SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 13/09/2016, DJe 19/09/2016) (s.g.)


17. Multa Moratória

Nos contratos bancários posteriores ao Código de Defesa do Consumidor, incide a multa moratória nele [CDC] prevista (Súmula 285).

Nestes termos, estatui o Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/1990) que:

Art. 52. No fornecimento de produtos ou serviços que envolva outorga de crédito ou concessão de financiamento ao consumidor, o fornecedor deverá, entre outros requisitos, informá-lo prévia e adequadamente sobre:

I - preço do produto ou serviço em moeda corrente nacional;

II - montante dos juros de mora e da taxa efetiva anual de juros;

III - acréscimos legalmente previstos;

IV - número e periodicidade das prestações;

V - soma total a pagar, com e sem financiamento.

§ 1° As multas de mora decorrentes do inadimplemento de obrigações no seu termo não poderão ser superiores a dois por cento do valor da prestação. (Redação dada pela Lei nº 9.298, de 1º.8.1996)

§ 2º É assegurado ao consumidor a liquidação antecipada do débito, total ou parcialmente, mediante redução proporcional dos juros e demais acréscimos.

§ 3º (Vetado).


REFERÊNCIAS

BRASIL. Lei nº 4.595, de 31 de dezembro de 1964. Dispõe sobre a Política e as Instituições Monetárias, Bancárias e Creditícias, Cria o Conselho Monetário Nacional e dá outras providências. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L4595.htm >.

BRASIL. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078.htm >.

BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm >.

BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm >.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Repetitivos Organizados por Assunto. Disponível em: <  http://www.stj.jus.br/docs_internet/jurisprudencia/tematica/download/RR/Repetitivos_Organizados_por_Assunto_ed._1.pdf >.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Súmulas Anotadas. Disponível em: <  http://www.stj.jus.br/docs_internet/jurisprudencia/tematica/download/SU/Sumulas_anotadas.pdf >.

CAVALCANTE, Márcio André Lopes. Súmulas do STF e STJ anotadas e organizadas por assunto. 5ª ed., ver., atual. e ampl. – Salvador: JusPodivm, 2019.

FUJITA, Jorge Shiguemitsu, coordenador et al. Comentários ao código civil: artigo por artigo, 3ª ed. rev., atual. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, 8ª ed. – São Paulo: Saraiva, 2011.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS, Julian Baião. Contratos bancários e a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6041, 15 jan. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/78904. Acesso em: 19 abr. 2024.