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Cartel em contratações públicas: sanções cíveis, administrativas e criminais e a solução dos conflitos aparentes de normas

Cartel em contratações públicas: sanções cíveis, administrativas e criminais e a solução dos conflitos aparentes de normas

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Analisa-se a legislação aplicável aos cartéis de licitação e as punições cíveis, administrativas e criminais a que as empresas estão sujeitas. Demonstra-se a possibilidade de cumulação das sanções e identificam-se os conflitos aparentes de normas.

Resumo: O presente artigo analisa a legislação aplicável aos cartéis de licitação e as punições cíveis, administrativas e criminais a que as empresas cartelizadas estão sujeitas. Demonstra-se a possibilidade de cumulação das sanções administrativas previstas na Lei Geral de Licitações e Contratos, na Lei do Pregão, na Lei do RDC, na Lei das Estatais, na Lei do CADE e na Lei Anticorrupção. Identifica-se e resolve-se os diversos conflitos aparentes de normas que surgem pela aplicação concomitante dessas normas.

Sumário: Introdução. 2 – Do conceito de cartel de licitações. 3 – O direito penal econômico. 4 – A legislação sancionatória aplicável aos cartéis de licitação. 5 – A punição cível dos cartéis. 5.1. Conflito de normas entre a proibição de receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios. 5.2. Conflito aparente entre a responsabilização subjetiva da LIA e a responsabilização objetiva da Lei Anticorrupção. 6 - A punição administrativa dos cartéis. 6.1. A possibilidade de cumulação das sanções administrativas previstas na LGL, na Lei do Pregão, na Lei do RDC, na Lei das Estatais, na Lei do CADE e na Lei Anticorrupção. 6.2. Conflito entre a suspensão do direito de licitar e contratar previsto na LGL, na Lei do RDC e na Lei das Estatais. 6.3. Conflito entre a suspensão do direito de licitar e contratar previsto na Lei do CADE em confronto com a mesma punição prevista na LGL, na Lei do RDC e na Lei das Estatais. 6.4. Conflito aparente da sanção de multa prevista na Lei Anticorrupção e na Lei do CADE. 7 - A punição criminal dos cartéis. 7.1. Conflito aparente de normas entre o art. 335 do CP e o art. 90 da LGL. 7.2. Conflito aparente de normas entre o crime contra a ordem econômica da Lei nº 8.137, de 1990, e o art. 90 da LGL. Conclusão


Introdução

O Estado deve utilizar seu poder de compra não apenas para adquirir bens e serviços para atender suas necessidades, mas integrado a uma política pública destinada a gerar externalidades positivas como fomentar o surgimento de um mercado de fornecedores, gerando emprego e renda. Em todos os países as aquisições de bens e serviços pelo Estado são importantes elementos que podem induzir o surgimento ou o desenvolvimento de um mercado em setores ou regiões específicas.

Segundo Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o mercado de compras governamentais brasileiro corresponde, em média, a 13% do produto interno bruto (PIB). Em 2019, o PIB calculado pelo IBGE foi de R$ 7,3 trilhões[1], o que indica um gasto estatal com aquisições de bens e serviços em torno de R$ 950 bilhões. A magnitude dessa despesa potencializa o papel das compras públicas para além de sua função clássica, fazendo com que ela se coloque como uma ação do Estado capaz de gerar impactos sobre diversos stakeholders[2] visando atender a objetivos econômicos, sociais e ambientais.[3]

A OCDE alerta que a contratação pública é uma das atividades do governo mais vulneráveis à corrupção. Além do volume de transações e dos interesses financeiros em jogo, os riscos de corrupção são exacerbados pela complexidade do processo, pela estreita interação entre funcionários públicos e empresas e pela multiplicidade de partes interessadas.[4]

O presente artigo analisa uma das principais distorções do mercado de contratações públicas, o cartel. Trata-se de um caso típico de criminalidade de empresa que ocorre em procedimentos de licitações, contratações ou cotações de preços pela Administração Pública. Durante as investigações da Operação Lava Jato, os principais crimes de empresa perpetrados pelas pessoas jurídicas envolvidas foram a corrupção de agentes públicos e a formação de cartel para frustrar o caráter competitivo das contratações da PETROBRAS.

A formação de cartel em contratações públicas é uma prática anticoncorrencial que reduz a eficiência do mercado de compras governamentais, pois as empresas cartelizadas manipulam preços e quantidades oferecidas ao Estado. Este, por sua vez, perde seu poder de mercado como o principal consumidor de bens e serviços. Trata-se de um ilícito econômico praticado em detrimento da prestação eficaz do serviço público. Prejudica em especial as populações de menor renda, pois diminui a disponibilidade, a qualidade e a eficácia dos serviços públicos.

O presente trabalho vai abordar o conceito de cartel, a legislação federal aplicável, as punições cíveis, administrativas e criminais a que as empresas integrantes da colusão estão sujeitas e a possibilidade de cumulação de normas sancionatórias. Além disso, o texto identifica e oferece solução para vários conflitos aparentes decorrentes da multiplicidade de normas primárias punitivas.

Na esfera cível identifica-se e oferece-se solução para o conflito aparente de normas entre a Lei nº 8.429, de 1990, (Lei de Improbidade Administrativa - LIA) e a Lei nº 12.846, de 2013 (Lei Anticorrupção), no que se refere ao prazo e à extensão da pena de proibição de receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios. Examina-se também o conflito aparente entre a LIA e a Lei Anticorrupção no que respeita ao critério de responsabilização do agente, se é subjetivo (LIA) ou objetivo (Lei Anticorrupção).

No âmbito administrativo, aponta-se e propõe-se a solução de dois conflitos aparentes. O primeiro quanto à sanção de suspensão do direito de licitar e contratar previsto nas Leis: nº 8.666, de 1993 (Lei Geral de Licitações - LGL), nº 12.462, de 2011 (Lei do Regime Diferenciado de Contratações - RDC), nº 12.529, de 2011 (Lei do CADE) e nº 13.303, de 2016 (Lei das Estatais). O segundo conflito refere-se à sanção de multa prevista na Lei Anticorrupção e na Lei do CADE.

No campo criminal, identifica-se e propõe-se a solução do conflito aparente de normas entre o art. 335 do Código Penal (CP), o art. 4º, II, a, da Lei nº 8.137, de 1990, que define crimes contra a ordem econômica, e os arts. 90 e 93 da LGL.

O texto vai usar a expressão “cartel em licitações” para representar a colusão entre concorrentes nas contratações públicas realizadas por meio de certame licitatório e contratação direta ou cotações de preços.

2 – Do conceito de cartel de licitações

Segundo o CADE, o cartel em licitações é qualquer acordo ou prática concertada entre concorrentes sem vínculo entre si para fixar preços, dividir mercados, estabelecer quotas ou restringir produção, adotar posturas pré-combinadas em licitação pública ou que tenha por objeto qualquer variável concorrencialmente sensível.

Antes de prosseguir, é de se destacar que truste e cartel não se confundem, muito embora sejam considerados condutas anticompetitivas pelo art. 36 da Lei do CADE. O truste é um ato de concentração[5]. É, portanto, a união formal de empresas de um mesmo segmento. O cartel não é legalmente um ato de concentração. Tem por característica ser um acordo informal entre diversas empresas independentes que, em tese, seriam concorrentes entre si dentro do mesmo segmento de mercado. No caso da PETROBRAS as empresas cartelizadas, grandes empreiteiras, atuavam no segmento de construção de obras públicas.

Através de condutas reais ou potencialmente anticompetitivas, os integrantes do cartel atentam contra a liberdade econômica visando o domínio do mercado de compras e contratação de serviços pelo Estado por um grupo limitado de empresas, em detrimento dos demais agentes econômicos e dos cidadãos.

É necessário destacar que nem toda combinação entre licitantes destinada a frustrar o caráter competitivo da licitação é considerado cartel. Quando várias empresas licitantes pertencem ou são controladas, direta ou indiretamente, pelo mesmo proprietário, ou quando há sócios administradores em comum entre as empresas licitantes, não se está diante de um cartel, pois não há acordo entre empresas concorrentes. Nesses casos descritos as empresas integram um mesmo grupo econômico de fato.[6] Nessas hipóteses há o ilícito de frustrar o caráter competitivo da licitação, mas não em razão de cartel, mas sim por fraude.

A lógica de um cartel é fazer com que possíveis concorrentes se unam para eliminar a livre-concorrência. Isso beneficia as empresas cartelizadas, pois possibilita lucros maiores e domínio sobre o mercado. Num cartel as empresas percebem que a cooperação entre si é mais lucrativa do que a concorrência e, por isto, entram em conluio e passam a agir de forma coordenada.

As principais estratégias das empresas participantes de cartel de licitação são: a) a definição conjunta do valor das propostas; b) a redução do número de participantes na licitação; c) a apresentação de propostas de cobertura, ou seja, apenas para simular a competição; d) o rodízio de vencedores, os concorrentes coordenam suas condutas para que, de modo alternado, cada um deles apresente em oportunidades específicas a proposta vencedora da licitação; e) a divisão do mercado, os concorrentes dividem entre si clientes e áreas geográficas, garantindo assim que para cada um destes haja uma empresa dominante específica; f) a subcontratação, a empresa vencedora do certame subcontrata as empresas colaboradoras, o que permite a divisão entre os participantes do cartel dos lucros obtidos com a licitação.

O cartel em licitações resulta, inevitavelmente, na contratação de produtos e serviços em condições mais desvantajosas para a Administração Pública e permite às empresas cartelizadas obter lucros adicionais resultantes da ausência de competição.

Segundo a OCDE, os cartéis geram um sobrepreço estimado entre 10% e 20%, comparado ao preço em um mercado competitivo. De acordo com a entidade, tais conluios retiram recursos dos adquirentes e contribuintes, diminuem a confiança do público no processo competitivo e enfraquecem os benefícios de um mercado competitivo. Conforme o Organismo Internacional, um objetivo comum numa conspiração de concertação de propostas é o aumento do valor da proposta vencedora e, consequentemente, do lucro dos proponentes escolhidos.[7]

É preciso ressaltar que a existência de sobrepreço em relação aos valores de mercado não é requisito para a identificação de um cartel. Se houver colusão entre potenciais concorrentes para vencer o contrato, existe cartel ainda que o preço ofertado seja o de mercado. Portanto, o que caracteriza o cartel é a combinação entre potenciais concorrentes e não o eventual superfaturamento.

3 –  O direito penal econômico

Nos arts. 170 a 174 a Constituição Federal (CF) erigiu a ordem econômica e financeira a questão material e formalmente constitucional. Esses dispositivos são a base do Direito Econômico brasileiro e, portanto, o fundamento constitucional da intervenção do Estado na economia e que permitem a regulação e fiscalização da atividade econômica para coibir a prática da criminalidade econômica.[8] Disso, deflui o entendimento de que o Direito Econômico é o ramo do direito público composto pelas normas que regulam a produção e a circulação de produtos e serviços. Destina-se à regulação do mercado interno e das condições da concorrência entre os agentes do mercado, visando o desenvolvimento econômico.[9] [10]

O regramento constitucional, em especial o art. 170, estabelece que a ordem econômica constitui um bem jurídico de natureza coletiva ou supraindividual, que engloba normas de direito tributário, financeiro, concorrencial e do consumidor. Logo, o crime contra a economia ofende bens jurídicos indisponíveis tais como: a confiança dos operadores econômicos no sistema; a integridade de ramos fundamentais da ordenação econômica; e a própria ordenação econômica em si.[11]

O art. 173, §4º, da CF prevê que a lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros. Nesse ponto, a Constituição não deixa margem ao legislador infraconstitucional e determina a criminalização dessas condutas. [12]

O §5º do art. 173 da CF, estabelece que a lei, sem prejuízo da responsabilidade individual dos dirigentes da pessoa jurídica, estabelecerá a responsabilidade desta, sujeitando-a às punições compatíveis com sua natureza, nos atos praticados contra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular. A responsabilização a que se refere esse dispositivo não se limita unicamente à esfera criminal, mas antes estende-se para o âmbito das punições administrativas e cíveis. [13]

Nesse contexto, exsurge o Direito Penal Econômico, com suas facetas administrativa, criminal e cível, como um subsistema do Direito Econômico, ramo do Direito Público. Por tratar de matéria sancionatória no âmbito administrativo, cível e criminal, o Direito Penal Econômico é informado e dirigido pelos princípios e garantias do Direito Penal, pois as infrações administrativas e cíveis diferenciam-se das penais somente segundo um aspecto formal, relativamente à autoridade que as impõe. A ilicitude jurídica é uma só, do mesmo modo que um só, em essência, é o dever jurídico. Assim, não há falar-se de um ilícito administrativo ou cível ontologicamente distinto de um ilícito penal[14]. A única diferença que pode ser reconhecida entre as duas espécies de ilicitude é de quantidade ou de grau.[15] Não há, por óbvio, uma identidade absoluta entre o Direito Penal e o Direito Administrativo ou Civil sancionador. O que se reconhece é a existência de um núcleo principiológico orientador do poder estatal que toca ao exercício do seu poder punitivo.[16]

Assim, pode-se afirmar que o Direito Penal Econômico é o conjunto de normas jurídico-penais que protegem a ordem socioeconômica e dispõe sobre o exercício do jus puniendi na regulação jurídica do intervencionismo estatal na economia. Pertencem ao Direito Penal Econômico todas as normas incriminadoras que se inserem na direção do Estado nos investimentos, no controle de mercadorias e serviços, no controle dos preços, na luta contra trustes, cartéis e demais práticas restritivas da concorrência e na promoção da economia.[17]

Enquanto o Direito Penal visa proteger os bens jurídicos vitais para o indivíduo e a sociedade e garantir os direitos das pessoas naturais frente ao poder punitivo do Estado, o subsistema do Direito Penal Econômico visa à proteção da atividade econômica presente e desenvolvida na economia de livre mercado. Os bens jurídicos tratados pelo Direito Penal Econômico possuem um conteúdo eminentemente econômico-empresarial e um caráter fundamentalmente supraindividual.[18]

Tal como as pessoas naturais, as empresas estão sujeitas ao cometimento de delitos administrativos, cíveis e criminais. São ilegalidades relacionadas ao exercício da atividade da empresa e são praticadas pelos gestores e/ou sócios. A responsabilidade pelos delitos pode ser tanto dos gestores e/ou sócios quanto da própria empresa. São basicamente três tipos de ilícitos envolvendo-as: o crime de empresa[19], a empresa criminosa[20] e a fraude ocupacional.[21]  [22]

No caso do ilícito de formação de cartel em licitações, o Direito Penal Econômico brasileiro possui duas vertentes. Uma com regras majoritariamente administrativas e cíveis, e outra de conteúdo criminal, conforme se passa a explicitar.

4 – A legislação sancionatória aplicável aos cartéis de licitação

As principais normas legislativas aplicáveis às empresas integrantes de cartel de licitações são: o art. 335 do Código Penal; o art. 4º, II, a, da Lei nº 8.137, de 1990; a LIA; a LGL; a Lei do Pregão; a Lei do RDC; a Lei do CADE; a Lei Anticorrupção; e a Lei das Estatais.

O tipo penal do art. 4º, II, a, da Lei nº 8.137, de 1990, é regra geral e tem por bem jurídico protegido a competição entre os agentes de mercado, que torna saudável e eficiente a ordem econômica. Esse dispositivo visa resguardar o mercado econcorrência em seu sentido abstrato e genérico. O que a Lei protege é a capacidade competitiva das empresas e não uma contratação pública específica. Assim, esse tipo previsto na legislação extravagante exige que o ajuste ou acordo deva ter potencialidade de eliminar a concorrência, gerando uma situação de perigo à manutenção da livre concorrência.[23]

A LIA tem a moralidade administrativa como bem jurídico protegido. Trata-se de um valor abstrato e intangível, pois a conduta improba nem sempre causa prejuízo ao erário, conforme preveem os arts. 9 e 11. [24]

A LGL, a Lei do Pregão, a Lei do RDC e a Lei das Estatais têm por objetivo garantir a observância: do princípio constitucional da isonomia; da seleção da proposta mais vantajosa para a Administração; e da promoção do desenvolvimento nacional sustentável. A Lei das Estatais reforça o princípio da livre concorrência ao acrescentar aos objetivos da licitação: evitar operações em que se caracterize sobrepreço ou superfaturamento; e os princípios da economicidade e da competitividade. 

Já a Lei do CADE tutela o direito da concorrência. A norma tem por objeto não a defesa da concorrência em si, enquanto estrutura de mercado, tampouco dos concorrentes, mas a defesa de uma conformação do mercado que assegure a fruição de direitos fundamentais do trabalho e da livre iniciativa, do direito de propriedade, da livre concorrência e de defesa do consumidor.[25]

Por seu turno, a Lei Anticorrupção tem como bem jurídico material tutelado o patrimônio público, nacional ou estrangeiro, os princípios da administração pública e os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil. A norma tem por característica a responsabilidade objetiva das empresas pelos atos lesivos praticados em seu interesse ou benefício, exclusivo ou não.

Passa-se agora a discorrer sobre as sanções cíveis, administrativas e penais a que estão sujeitas as empresas integrantes de cartel em licitações e sobre os conflitos aparentes de normas identificados.

5 – A punição cível dos cartéis

Na esfera cível, as empresas participantes de cartel de licitações estão sujeitas concorrentemente ao disposto na LIA e na Lei Anticorrupção. A primeira coisa que salta aos olhos é a semelhança dos bens jurídicos tutelados na LIA e na Lei Anticorrupção. A diferença é que a LIA exige a participação de um agente público e a Lei Anticorrupção, não.

A LIA prevê, além da punição do agente público, a aplicação de suas sanções àquele que, mesmo não ostentando a qualidade de agente público, induza ou concorra para a prática do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta. Consequentemente, a LIA alcança também as empresas que tenham participado do ato improbo como a hipótese de integrar cartel em licitações. Já as sanções da Lei Anticorrupção destinam-se a apenar as pessoas jurídicas que praticarem os atos lesivos relacionados em seu art. 5º, sem exigir a participação de agente público para a sua aplicação. Assim, se o cartel de licitações não contou com a participação de agente público, aplica-se unicamente às empresas as sanções cíveis previstas na Lei Anticorrupção. [26]

Seja no âmbito da LIA, seja na Lei Anticorrupção, na hipótese de a empresa apenada não possuir bens suficientes para ressarcir o dano causado à Administração Pública e observar-se o abuso da personalidade jurídica, é possível a utilização do instituto da desconsideração da personalidade jurídica.[27] No caso da Lei Anticorrupção o art. 14 prevê isso expressamente. Na LIA a desconsideração da personalidade jurídica se dá com amparo no art. 50 do Código Civil (CCB) e nos arts. 133 a 137 do Código de Processo Civil (CPC).

Quanto à possibilidade de concurso de normas, a LIA prevê que a aplicação de suas penalidades não exclui outras sanções cíveis ou penais. A Lei Anticorrupção tem regra no mesmo sentido e é expressa quanto a aplicação cumulativa da LIA. Logo, o concurso de normas é determinado por lei.

Assim, havendo a participação de agente público, a fraude a licitação pela formação de cartel destinado a frustrar o caráter competitivo de certame público atrai a aplicação da LIA e da Lei Anticorrupção, concomitantemente. Nessa hipótese, é possível a aplicação das sanções previstas nos dois instrumentos legais.

Estabelece a LIA no art. 10, VIII, que, em caso de lesão ao erário, as empresas participantes de cartel de licitações estão sujeitas: ao ressarcimento integral do dano; à perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio; ao pagamento de multa civil de até duas vezes o valor do dano; e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de cinco anos. (art. 12, II).

Cumpre destacar que o STJ fixou orientação segundo a qual a imposição da pena de ressarcimento ao erário da LIA exige prova da malversação dos recursos públicos. Apenas, excepcionalmente, admite-se a presunção de dano, como na hipótese de frustração ou dispensa irregular de processo licitatório, nos termos do art. 10, VIII, da LIA. Assim, no caso da formação de cartel, admite-se a mera presunção de dano, não sendo necessária a efetiva demonstração deste para que haja a imposição de ressarcimento ao erário.[28]

A Lei Anticorrupção prevê que as empresas participantes de cartel de licitações podem ser apenadas com: o perdimento dos bens, direitos ou valores que representem vantagem ou proveito direta ou indiretamente obtidos da infração; a suspensão ou interdição parcial de suas atividades; e a proibição de receber incentivos, subsídios, subvenções, doações ou empréstimos de órgãos ou entidades públicas e de instituições financeiras públicas ou controladas pelo poder público, pelo prazo mínimo de um e máximo de 5 cinco anos. Além dessas sanções cíveis, a Lei Anticorrupção prevê a possibilidade de dissolução compulsória da pessoa jurídica, quando comprovado tratar-se de empresa criminosa.

O quadro abaixo sintetiza as penalidades previstas na LIA e na Lei Anticorrupção:

Sanção

LIA

Lei Anticorrupção

Ressarcimento integral do dano

Sim (art. 12, II)

Sim (art. 21, § único)

Perda dos bens ou valores

Sim (art. 12, II)

Sim (art. 19, I)

Multa civil de até 2 vezes o valor do dano

Sim (art. 12, II)

Não

Proibição de contratar com o Poder Público

Sim (art. 12, II)

Não

Proibição de receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios

Sim (art. 12, II)

Sim (art. 19, IV)

Suspensão ou interdição parcial de atividades

Não

Sim (art. 19, II)

Dissolução compulsória da pessoa jurídica

Não

Sim (art. 19, III)

Desconsideração da personalidade jurídica

Não

Sim (art. 14)

A conjugação da LIA e da Lei Anticorrupção sujeita as empresas cartelizadas às penas cíveis de: ressarcimento integral do dano; perda de bens e valores; multa cível de até duas vezes o valor do dano; proibição de contratar com o Poder Público; suspensão ou interdição parcial de atividades; e dissolução compulsória da pessoa jurídica.

Com a possibilidade de aplicação concomitante e devido a coincidência de penas cíveis, observa-se um concurso aparente de normas, quando uma só ação pode, em tese, configurar mais de um delito e ensejar mais de uma punição.[29]

No caso do ressarcimento integral do dano e da perda dos bens e valores não há conflito de normas, porque a sanção será aplicada uma única vez, satisfazendo as duas normas ao mesmo tempo.

O mesmo não ocorre com a proibição de receber incentivos, subsídios, subvenções, doações ou empréstimos de órgãos ou entidades públicas e de instituições financeiras públicas ou controladas pelo poder público. A LIA e Lei Anticorrupção tratam a matéria de maneira diferente, causando um conflito aparente de normas.

Há também outro conflito entre a LIA e a Lei Anticorrupção no que diz respeito à responsabilização. Na LIA a regra é a responsabilização subjetiva do agente público e da empresa, enquanto a Lei Anticorrupção prevê a responsabilidade objetiva da pessoa jurídica.

5.1. Conflito de normas entre a proibição de receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios

Na LIA, a sanção é a proibição de receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo fixo de cinco anos. Em outras palavras, não há previsão de modulação da dosimetria da sanção.

Na Lei Anticorrupção, a sanção é mais ampla. Além do previsto na LIA, a punição alcança os subsídios, as subvenções e as doações de órgãos ou entidades públicas, mas pelo prazo mínimo de um e máximo de 5 cinco anos. Ao estabelecer um mínimo e um máximo de tempo para a sanção, a norma da Lei Anticorrupção permite ao juiz verificar, antes de definir a pena cível: a culpabilidade em sentido lato, ou seja, a reprovação social que o ilícito e a empresa merecem; a conduta antecedente da empresa; o papel que a empresa desempenha na comunidade; as circunstâncias do ilícito; as consequências e o prejuízo causado.

Assim sendo, entende-se que, apesar de prever uma extensão maior, vez que a sanção abarca subsídios, subvenções e doações, aplica-se a sanção da Lei Anticorrupção por ser mais favorável a empresa apenada, vez que permite uma modulação da dosimetria da punição (de um a cinco anos) em decorrência das circunstâncias e efeitos do ilícito.

5.2. Conflito aparente entre a responsabilização subjetiva da LIA e a responsabilização objetiva da Lei Anticorrupção

A aplicação concomitante da LIA e da Lei Anticorrupção introduz um outro conflito aparente de normas, no que se refere à responsabilização objetiva das empresas, previsto na Lei Anticorrupção.

O art. 10 da LIA prevê a responsabilização subjetiva do agente público e das empresas responsáveis pelo ato improbo de fraudar licitação pela formação de cartel. Logo, muito embora o dano possa ser presumido, a responsabilidade cível pela conduta improba não admite o dolo ou a culpa presumida.

No julgamento do REsp 751.634/MG, o STJ estabeleceu que as condutas típicas que configuram improbidade administrativa estão descritas nos arts. 10 e 11 da LIA e que que apenas para as do art. 10 a lei prevê a forma culposa. Aduz a Corte que, em atenção ao princípio da culpabilidade e ao da responsabilidade subjetiva, não se tolera responsabilização objetiva e nem a penalização por condutas meramente culposas, salvo quando houver lei expressa neste sentido. Logo, A má-fé deve ser provada na Ação de Improbidade Administrativa, sob pena de atipicidade de conduta.[30]

No âmbito da aplicação da LIA aos agentes, em primeiro lugar, identifica-se a relação de causa – a imputação objetiva do evento. Posteriormente, verifica-se o dolo ou a culpa – imputação subjetiva. A responsabilização do agente depende, portanto, de sua voluntariedade em relação à provocação do resultado. 

Já os arts. 1º e 2º da Lei Anticorrupção preveem que as empresas cartelizadas estão sujeitas à regra da responsabilidade civil objetiva, ou seja, sem perquirição de dolo ou culpa. Identificada a relação de causa e efeito (imputação objetiva) entre a ação da empresa e o ato lesivo, o agente será punido, independentemente de ter agido de forma dolosa ou culposa.

Resolve-se esse conflito pela aplicação unicamente da regra da responsabilização subjetiva da LIA, por questão de razoabilidade. Entende-se que, em razão das garantias constitucionais dos que estão sujeitos ao jus puniendi estatal, tanto o agente público como a empresa têm direito de serem julgados segundo o princípio da responsabilidade subjetiva previsto na LIA que lhes é mais favorável.

6 - A punição administrativa dos cartéis

Como ressaltado anteriormente, aplicam-se ao sancionamento administrativo as regras e princípios que dirigem o direito penal.[31] Em decorrência disso, o poder sancionador em âmbito administrativo obedece ao princípio da legalidade estrita e, por isto, não prescinde da necessidade da identificação de comportamento típico, antijurídico[32] e culpável.[33] Cumpre destacar a liminar concedida pelo STF, no Mandado de Segurança 35506/DF, que reforça o princípio da legalidade estrita em sede administrativa sancionatória ao reconhecer a impossibilidade da desconsideração da personalidade jurídica em sede administrativa. A liminar concedida prevê que por ausência de norma autorizativa, somente o Poder Judiciário tem competência para levantar o manto corporativo e buscar os bens dos sócios ou administradores. [34]

O tipo administrativo sancionador tem por característica ser aberto[35]. Apesar disso, exige-se que a configuração das infrações administrativas seja descrita de maneira suficientemente clara, não deixando dúvidas sobre o comportamento reprovável. O fato do tipo administrativo ser aberto exige atenção especial com os aspectos fáticos dos ilícitos administrativos.

Em sede administrativa, as empresas participantes de cartel em licitações sujeitam-se concorrentemente ao regramento da LGL, da Lei do Pregão, da Lei do RDC, da Lei das Estatais, da Lei do CADE e da Lei Anticorrupção. Por vezes, essas normas estabelecem sanções administrativas muito semelhantes, causando um conflito aparente de normas sancionatórias administrativas.

6.1. A possibilidade de cumulação das sanções administrativas previstas na LGL, na Lei do Pregão, na Lei do RDC, na Lei das Estatais, na Lei do CADE e na Lei Anticorrupção

Na constituição de cartel para frustrar o caráter competitivo de licitação, os agentes envolvidos praticam mais de um delito administrativo com uma só ação, num concurso de ilícitos, semelhante ao concurso de crimes[36]. Assim, as empresas integrantes de cartel, dependendo da situação, violam de uma só vez os objetos jurídicos tutelados nas várias leis de licitações acima citadas, na Lei do CADE e na Lei Anticorrupção.

Pela sua característica normativa, os delitos administrativos de participação em cartel de licitações tipificados nas normas acima mencionadas são cometidos ao mesmo tempo e não um após o outro, mesmo que o processo licitatório envolva fases distintas. Por isso, pode-se falar numa espécie de concurso material de ilícitos administrativos, pois há uma independência valorativa jurídica e um caráter autônomo nas condutas tipificadas nas normas violadas e os delitos não se revelam incompatíveis entre si. Assim, um delito administrativo não absorve o outro. Porque os bens jurídicos tutelados nas várias leis de licitações acima citadas, na Lei do CADE e na Lei Anticorrupção são distintos.

Logo, é possível cumular as sanções administrativas destas normas, desde que presentes os requisitos previstos em cada instrumento legal. Trata-se de aplicar uma regra sancionatória de infrações administrativas segundo um critério de índole normativa e não meramente naturalística. Na aplicação das sanções é preciso evitar-se o bis in idem, em atenção aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade. [37]

Em relação à Lei Anticorrupção é preciso destacar que a norma trata ato ilícito e ato lesivo como sinônimos (art. 5º, II). Isso não corresponde à realidade, pois o conceito legal de ato lesivo não se confunde com o de ato ilícito previsto no CCB. Em decorrência disso, nem todo ato lesivo é ilícito.

Essa questão é particularmente importante quando da aplicação conjunta das normas, porque o sistema de responsabilização administrativa das empresas passou a conviver com a responsabilidade subjetiva das Leis de licitações e da Lei do CADE com a responsabilidade objetiva da Lei Anticorrupção. Na hipótese de formação de cartel em licitações, todavia, a impropriedade nos conceitos de ato lesivo e de ato ilícito torna-se irrelevante, pois no tipo administrativo do art. 5º, IV, “a”, da Lei Anticorrupção não se vislumbra esta confusão.

A LGL prevê que os integrantes de cartel de licitação podem ser apenados com a declaração de inidoneidade para licitar ou contratar com a União, os Estados e o Distrito Federal e os Municípios em razão da prática de atos ilícitos visando a frustrar os objetivos do certame. Destaque-se que inexiste na Lei do CADE e na Lei Anticorrupção a previsão de declaração de inidoneidade para os integrantes de cartel de licitações.

Por seu turno, a Lei do Pregão prevê como sanção única a suspensão do direito de licitar e contratar com os todos os Entes federados, pelo prazo de até cinco anos. O alcance da suspensão prevista na Lei do Pregão é mais alargado do que o previsto na LGL, que alcança somente o órgão responsável pelo certame41. Percebe-se, portanto, que a abrangência da sanção da Lei do Pregão assemelha-se ao da declaração de inidoneidade da LGL.

A Lei do Pregão estatui a aplicação subsidiária do regramento da LGL (art. 9º). A subsidiariedade implica a aplicação das sanções da LGL, quando a Lei do Pregão não possuir norma específica. Essa questão é importante porque não há tipo administrativo específico prevendo a conduta de burlar o caráter competitivo do Pregão, em razão de conduta anticoncorrencial. Assim, ante a inexistência de norma específica, apena-se as empresas que participarem de cartel de licitação na modalidade de Pregão com os tipos administrativos da LGL, no caso, a declaração de inidoneidade.

A Lei do RDC prevê que fraudar a licitação sujeita a empresa a sanção do impedimento de licitar e contratar com a União, Estados, Distrito Federal ou Municípios, pelo prazo de até cinco anos, sem prejuízo das multas previstas no instrumento convocatório (art. 47, V). A norma estatui, ainda, que as sanções administrativas, penais e a tutela judicial previstas na LGL integram, para todos os efeitos, a Lei do RDC (art. 47, §2º). Aqui não se trata de aplicação subsidiária da LGL, conforme prevê a Lei do Pregão, mas de aplicação direta.

A Lei das Estatais é mais rígida quanto aos requisitos referentes ao quadro societário das empresas[38], praticamente repete o texto da LGL e prevê a aplicação da pena de suspensão do direito de licitar e contratar por prazo não superior a dois anos às empresas que integrem cartel de licitação. (art. 84)

A Lei do CADE prevê, nos arts. 37 e 38, que a infração à ordem econômica de integrar cartel de licitações sujeita as empresas às seguintes punições: a) multa de 0,1% a 20% do valor do faturamento bruto da empresa; b) publicação de extrato da decisão condenatória; c) proibição de contratar com instituições financeiras oficiais; d) proibição de participar de licitação na administração pública direta e indireta federal, estadual, municipal e do Distrito Federal, por prazo não inferior a cinco anos; e) inscrição no Cadastro Nacional de Defesa do Consumidor; f) não concessão de parcelamento de tributos federais ou o cancelamento, no todo ou em parte, de incentivos fiscais ou subsídios públicos; g) decretação da cisão da sociedade, da transferência de controle societário, de venda de ativos ou de cessação parcial de atividade; e h) qualquer outro ato ou providência necessários para a eliminação dos efeitos nocivos à ordem econômica.

Já a Lei Anticorrupção estabelece, no art. 5º, que constitui ato lesivo à administração pública, que atenta contra o patrimônio público nacional, frustrar ou fraudar, mediante ajuste, combinação ou qualquer outro expediente, o caráter competitivo de procedimento licitatório público. A norma prevê como sanção a aplicação de multa, no valor de 0,1% a 20% do faturamento bruto do último exercício anterior ao da instauração do processo administrativo, excluídos os tributos, a qual nunca será inferior à vantagem auferida, quando for possível sua estimação e a publicação extraordinária da decisão condenatória.

A Tabela abaixo sintetiza as sanções administrativas a que estão sujeitas as empresas que integram cartel para fraudar contratações públicas:

Penalidade

LGL

Lei RDC

Lei das Estatais

Lei do CADE

Lei Anticorrupção

Suspensão do direito de licitar e contratar

Sim

art. 87, III

SIM

art. 47

SIM

art. 84, II

SIM

art. 38, II

NÃO

Declaração de inidoneidade

Sim

art. 87, IV

NÃO

NÃO

NÃO

NÃO

Multa à empresa

Não

NÃO

NÃO

SIM

art. 37, I

SIM

art. 6º, I

Multa a pessoa natural

Não

NÃO

NÃO

SIM

art. 37, II e III

NÃO

Publicar decisão condenatória

Não

NÃO

NÃO

SIM

art. 38, I

SIM

art. 6º, II

Proibir de contratar com instituições financeiras oficiais

Não

NÃO

NÃO

SIM

art. 38, II

NÃO

Inscrição no Cadastro Nacional de Defesa do Consumidor

Não

NÃO

NÃO

SIM

art. 38, III

NÃO

Inscrição no Cadastro Nacional de Empresas Punidas

NÃO

NÃO

NÃO

NÃO

SIM

art. 22

Recomendar que não seja autorizado o parcelamento de tributos federais devidos ou que sejam cancelados, no todo ou em parte, incentivos fiscais ou subsídios públicos concedidos

Não

NÃO

NÃO

SIM

art. 38, IV, “b”

NÃO

Determinar a cisão da sociedade, a transferência de controle societário, a venda de ativos ou cessação parcial de atividade

Não

NÃO

NÃO

SIM

art. 38, V

NÃO

Determinar qualquer outro ato ou providência necessários para a eliminação dos efeitos nocivos à ordem econômica

Não

NÃO

NÃO

SIM

art. 38, VII

NÃO

Proibir a pessoa natural responsável pela participação em cartel de exercer o comércio em nome próprio ou como representante de pessoa jurídica

NÃO

NÃO

NÃO

SIM

art. 38, VII

NÃO

Em âmbito administrativo também se observa que uma mesma conduta ilícita atrai a aplicação de mais de uma norma sancionatória, provocando um concurso de normas. A seguir, propõe-se solução para os vários conflitos aparentes identificados.

6.2. Conflito entre a suspensão do direito de licitar e contratar previsto na LGL, na Lei do RDC e na Lei das Estatais

A LGL, a Lei do RDC e a Lei das Estatais preveem que constitui delito administrativo praticar atos ilícitos visando a frustrar os objetivos da licitação. Já a Lei do CADE estabelece que constitui infração à ordem econômica acordar, combinar, manipular ou ajustar com concorrente, sob qualquer forma preços, condições, vantagens ou abstenção em licitação pública (art. 36, §3º, I, d).

A LGL e a Lei das Estatais estatuem que, em caso de constatação de cartel, as empresas estão sujeitas à pena administrativa de suspensão temporária do direito de participar em licitação e de contratar com o órgão responsável pelo certame, por prazo não superior a dois anos.

A Lei do RDC prevê, no art. 47, V, de forma genérica que, em caso de fraude à licitação – que em tese inclui a formação de cartel –, as empresas podem ser punidas com o impedimento de licitar e contratar com a União, Estados, Distrito Federal ou Municípios, pelo prazo de até cinco anos.

Resolve-se esse conflito aparente de normas pela aplicação da sanção prevista na LGL, pois a descrição do tipo administrativo da LGL (frustrar os objetivos da licitação) é mais específica do que a conduta descrita na Lei do RDC (fraudar).

A fraude é qualquer ato ardiloso, enganoso, de má-fé, com o intuito de lesar ou ludibriar outrem, ou de não cumprir determinado dever. [39] [40] Consiste em usar um subterfúgio para alcançar um fim ilícito, ou ainda, o engano dolosamente provocado, o malicioso induzimento em erro ou aproveitamento de preexistente erro alheio, para o fim de injusta locupletação.

Pode ocorrer fraude: pelo direcionamento de edital; pela participação de duas ou mais pessoas jurídicas pertencentes ou controladas pela mesma pessoa; pelo emprego de empresas criminosas para desviar recursos; pela criação de uma nova pessoa jurídica pelo controlador de empresa declarada inidônea; ou pela ocorrência de corrupção ativa e passiva.

Já a conduta de integrar cartel, muito embora seja uma das formas de se fraudar o caráter competitivo, implica em uma das seguintes condutas específicas: definição conjunta do valor das propostas; abstenção de apresentação de propostas; apresentação de propostas de cobertura; rodízio de vencedores; divisão do mercado; ou subcontratação.

Em razão de ser mais específica em relação à conduta anticompetitiva, aplica-se às empresas que violarem os objetivos da licitação regida pela Lei do RDC, pela formação de cartel, a punição da LGL (art. 87, III, c\c art. 88, II).

Além disso, a sanção da LGL é mais favorável por ser mais branda tanto no prazo, quanto no alcance. A LGL prevê que o prazo da suspensão temporária de participação em licitação e impedimento de contratar com a Administração Pública não será superior a dois anos. Já o art. 47 da Lei do RDC prevê que esse impedimento tem prazo de até cinco anos. Acrescente-se que a sanção da LGL se restringe ao órgão responsável pelo certame, enquanto a punição da Lei do RDC estende-se à Administração Pública, direta e indireta, da União, Estados e Distrito Federal e Municípios.[41]

6.3. Conflito entre a suspensão do direito de licitar e contratar previsto na Lei do CADE em confronto com a mesma punição prevista na  LGL, na Lei do RDC e na Lei das Estatais

O conflito aparente de normas entre a sanção prevista na LGL, na Lei das Estatais e na Lei do CADE tem solução mais intrincada.

A Lei do CADE estabelece que a infração à ordem econômica de integrar cartel de licitações é punida com a proibição de participar de licitação tendo por objeto aquisições, alienações, realização de obras e serviços, concessão de serviços públicos, na Administração Pública, direta e indireta, Federal, Estadual e do Distrito Federal e Municipal, por prazo não inferior a cinco anos (art. 38, II). A proibição não se estende à possibilidade de contratação direta, com dispensa ou inexigibilidade de licitação.

O bem jurídico protegido pela Lei do CADE é a prevenção e a repressão às infrações contra a ordem econômica. A norma prevê também que a aplicação de seus dispositivos será orientada pelos ditames constitucionais da liberdade de iniciativa, de livre concorrência, da função social da propriedade, da defesa dos consumidores e da repressão ao abuso do poder econômico.

O tipo administrativo da Lei do CADE prevê que caracteriza infração da ordem econômica acordar, combinar, manipular ou ajustar com concorrente, sob qualquer forma, preços, condições, vantagens ou abstenção em licitação pública (art. 37, §3º, I, d). O que o tipo protege é a competição entre os licitantes evitando o que a literatura denomina de manipulação de propostas (Bid Rigging).[42] Esse tipo visa reprimir a formação de cartel de licitações destinado a controlar o mercado/setor de licitações públicas.

Como dito anteriormente, a LGL e a Lei das Estatais têm como finalidade específica e bem jurídico protegido a observância do princípio constitucional da isonomia, a seleção da proposta mais vantajosa para a Administração e a promoção do desenvolvimento nacional sustentável. Logo, a LGL e a Lei das Estatais são normas específicas destinadas a regular as contratações públicas individualmente.

Fixado esse entendimento, resolve-se o conflito aparente de normas examinando o alcance do cartel de licitações. Se o arranjo anticoncorrencial se destinar a dominar o mercado/setor de licitações públicas, trata-se de uma infração à ordem econômica que atrai a aplicação da Lei do CADE.

Por outro lado, se a colusão se destinar a fraudar licitações, sem a intensão de dominação de mercado/setor, aplica-se a regra sancionatória da LGL ou da Lei das Estatais, conforme o caso.

6.4. Conflito aparente da sanção de multa prevista na Lei Anticorrupção e na Lei do CADE

As duas leis, com redação praticamente idêntica, preveem a aplicação de multa à empresa participante de cartel de licitações.

A Lei do CADE define que constitui infração da ordem econômica acordar, combinar, manipular ou ajustar com concorrente, sob qualquer forma, os preços, condições, vantagens ou abstenção em licitação pública. A norma prevê que essa infração sujeita a empresa à multa de 0,1% a 20% do valor do faturamento bruto da empresa, grupo ou conglomerado obtido no último exercício anterior à instauração do processo administrativo.

Por seu turno, a Lei Anticorrupção estatui que constitui ato lesivo à administração pública, que atenta contra o patrimônio público nacional, frustrar ou fraudar, mediante ajuste, combinação ou qualquer outro expediente, o caráter competitivo de procedimento licitatório público. A norma prevê como sanção multa no valor de 0,1% a 20% do faturamento bruto do último exercício anterior ao da instauração do processo administrativo.

Como dito anteriormente, não se admite a aplicação das duas penalidades pelo mesmo ilícito administrativo, sob pena de ofensa ao princípio do ne bis in idem, ainda que o CADE e CGU procedam à apuração da conduta em processos apartados.

A solução desse conflito aparente de normas passa pela mesma metodologia do item anterior. É preciso examinar o alcance do cartel. Se a colusão se destina ao controle do mercado/setor de licitações públicas, temos uma infração à ordem econômica que atrai necessariamente a aplicação das sanções da Lei do CADE. Por outro lado, se o cartel objetiva vencer licitações, sem a intenção de domínio de mercado/setor, está-se diante de uma lesão ao patrimônio público apenado com as sanções da Lei Anticorrupção. A consequência prática de se aplicar a Lei Anticorrupção é afastar-se a punição da tentativa, conforme prevê o art. 36, caput, da Lei do CADE.

7 - A punição criminal dos cartéis

No caso de cartel em licitações observa-se um conflito aparente de normas penais entre o art. 335 do CP, o art. 90 da LGL e o art. 4º, II, a, da Lei nº 8.137, de 1990, que define os crimes contra a ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo.

Cumpre destacar que não cabe incluir no rol acima o art. 96 da LGL porque este tipo penal não se refere especificamente à formação de cartel. O art. 96 da LGL é delito material que exige a ocorrência de resultado naturalístico, consistente no prejuízo à Fazenda Pública. Já o tipo penal do art. 90 é formal, basta a colusão para a consumação do crime, independentemente de eventual prejuízo.

A aplicação dos arts. 90 e 96 da LGL em concurso material só é possível se a formação do cartel para burlar o caráter competitivo de contratação pública tenha causado prejuízo à Administração.

7.1. Conflito aparente de normas entre o art. 335 do CP e o art. 90 da LGL

O Código Penal tipifica no art. 335 o crime de impedir, perturbar ou fraudar concorrência pública, punível com pena de detenção, de seis meses a dois anos, ou multa. Conforme estabelecido anteriormente, a elementar “fraudar” do art. 335 do CP é ampla e inclui também a conduta de integrar cartel, pois esta é uma das formas de se fraudar o caráter competitivo de uma licitação. O crime é material, pois exige resultado, e o bem juridicamente protegido é a probidade das licitações públicas.

A LGL tipifica como crime frustrar ou fraudar, mediante ajuste, combinação ou qualquer outro expediente, o caráter competitivo do procedimento licitatório (art. 90). O Plenário do STF no julgamento do HC 116680/DF já decidiu que o delito previsto no art. 90 da LGL é formal, vez que não exige resultado. [43] [44]

Assim sendo, a consumação dá-se mediante o mero ajuste, combinação ou adoção de qualquer outro expediente com o fim de fraudar ou frustrar o caráter competitivo da licitação, com o intuito de obter vantagem, para si ou para outrem, decorrente da adjudicação do seu objeto. A simples formação do cartel é suficiente para que o crime seja consumado. Em decorrência disso, a consumação do delito independe da homologação do procedimento licitatório.

No crime previsto no art. 90 da LGL, o prejuízo econômico a Administração Pública é mero exaurimento do tipo. Consequentemente, o dano se revela pela simples quebra do caráter competitivo entre os licitantes interessados em contratar, causada pela frustração ou pela fraude no procedimento licitatório.

O conflito de normas resolve-se pela aplicação do art. 90 da LGL, pois com o advento desta norma o art. 335 do CP foi revogado tacitamente, em decorrência ao princípio da especialidade. A LGL não revogou formalmente o dispositivo, mas regulou inteiramente a conduta ilícita tratada no art. 335 do CP. O STJ esclareceu que a LGL substituiu o art. 335 do Código Penal na tipificação da fraude, sendo que a adequação da conduta a um ou outro tipo depende do momento em que o delito foi cometido.[45]

7.2. Conflito aparente de normas entre o crime contra a ordem econômica da Lei nº 8.137, de 1990, e o art. 90 da LGL

A Lei nº 8.137, de 1990, art. 4°, II, a, tipificou como crime contra a ordem econômica formar acordo, convênio, ajuste ou aliança entre ofertantes, visando a fixação artificial de preços. A pena para esse crime é reclusão de dois a cinco anos e multa. Trata-se de crime formal, ou seja, basta que haja conluio entre as empresas para que o crime seja consumado.

No ilícito previsto no tipo da Lei nº 8.137, de 1990, a conduta objetiva é formar acordo, convênio, ajuste, aliança entre ofertantes visando a fixação artificial de preços ou quantidades vendidas ou produzidas, ao controle regionalizado do mercado por empresa ou grupo de empresas, em detrimento da concorrência, de rede de distribuição ou de fornecedores.

Logo, exige-se a demonstração de que a conduta dos participantes do cartel de licitação tinha por objetivo o domínio de mercado de licitações públicas. Nessa hipótese, o domínio de mercado caracteriza-se por uma posição de força econômica que permita às empresas cartelizadas impedir a manutenção de uma concorrência efetiva nas licitações públicas.[46]

O conflito aparente resolve-se pela identificação do alcance do acordo das empresas cartelizadas. O STJ, examinando o eventual conflito entre os crimes do art. II, da Lei 8.137, de 1990 e da LGL, decidiu que a tipicidade depende da demonstração de que os acordos, ajustes ou alianças entre os ofertantes tinham por objetivo domínio de mercado. Verificando-se a colusão deu-se com o fim de fraudar o processo licitatório, subsiste apenas o crime do art. 90 da LGL. [47]

Assim, se o cartel se destina a burlar o caráter competitivo de licitações específicas, aplica-se a do tipo da LGL, por ser tipo específico e tratar de conduta anticompetitiva referente a um procedimento licitatório específico.

Na hipótese de se constatar que a finalidade do cartel é dominar o mercado/setor de licitações públicas, aplica-se o tipo penal da Lei nº 8.137, de 1990, por se tratar de infração da ordem econômica. Nessa situação, admite-se concurso material do crime do art. 4º, II, a, da Lei nº 8.137, de 1990, com o tipo penal do art. 90 da LGL.

As pessoas naturais que dirijam empresas participantes de cartel em licitações podem responder também por associação criminosa[48] ou por organização criminosa[49], conforme o caso, em concurso com os crimes do art. 4º, II, a, da Lei nº 8.137, de 1990, e do art. 90 da LGL. [50]

Conclusão

Na esfera cível, as empresas participantes de cartel de licitações estão sujeitas concorrentemente ao disposto na Lei de Improbidade Administrativa e na Lei Anticorrupção. O concurso dessas normas é determinado por lei. A Lei de Improbidade Administrativa prevê no art. 12, II, que a aplicação de suas penalidades não exclui outras sanções cíveis ou penais. Já a Lei Anticorrupção tem regra no mesmo sentido – art. 19, IV – e é expressa quanto à aplicação cumulativa da Lei de Improbidade Administrativa.

Havendo a participação de agente público no ilícito de formação de cartel é possível a aplicação às empresas cartelizadas das penas cíveis de: ressarcimento integral do dano; perda de bens e valores; multa cível de até duas vezes o valor do dano; proibição de contratar com o Poder Público; proibição de receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário; suspensão ou interdição parcial de atividades; e dissolução compulsória da pessoa jurídica.

Na aplicação concomitante da Lei de Improbidade Administrativa e da Lei Anticorrupção observa-se dois conflitos aparentes. O primeiro, quanto a pena cível de proibição de receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios. O segundo, refere à responsabilização da empresa, que na Lei de Improbidade Administrativa é subjetiva e na Lei Anticorrupção é objetiva.

Resolve-se o primeiro conflito pela aplicação da Lei Anticorrupção por ser mais favorável à empresa apenada, apesar de alcançar também os subsídios, as subvenções e as doações de órgãos ou entidades públicas, vez que permite uma modulação da dosimetria da punição (de um a cinco anos) em decorrência das circunstâncias e efeitos do ilícito. Em contraposição a punição da Lei de Improbidade Administrativa tem prazo fixo, cinco anos.

Concernente ao tipo de responsabilização, se subjetiva, conforme a Lei de Improbidade Administrativa, ou objetiva, como prevê a Lei Anticorrupção, resolve-se este conflito pela aplicação às empresas da regra da responsabilização subjetiva da Lei de Improbidade Administrativa, por questão de razoabilidade. Tanto o agente público como a empresa têm direito de serem julgados segundo o princípio da responsabilidade subjetiva previsto na Lei de Improbidade Administrativa, que lhes é mais favorável.

Em sede administrativa as empresas participantes de cartel em licitações sujeitam-se concorrentemente ao regramento da Lei Geral de Licitações e Contratos, da Lei do Pregão, da Lei do RDC, da Lei das Estatais, da Lei do CADE e da Lei Anticorrupção. Assim, podem ser apenadas, conforme o caso, com:

- suspensão do direito de licitar e contratar com o Poder Público;

- declaração de inidoneidade;

- multa à empresa e à pessoa natural;

- obrigação de publicar a decisão condenatória;

- proibição de contratar com instituições financeiras oficiais;

- inscrição no Cadastro Nacional de Defesa do Consumidor e no Cadastro Nacional de Empresas Punidas;

- recomendação de que não seja autorizado o parcelamento de tributos federais devidos ou que sejam cancelados, no todo ou em parte, incentivos fiscais ou subsídios públicos concedidos;

- determinação de cisão da sociedade, transferência de controle societário, venda de ativos ou cessação parcial de atividade;

- proibição da pessoa natural responsável pela participação em cartel de exercer o comércio em nome próprio ou como representante de pessoa jurídica;

- determinar qualquer outro ato ou providência necessários para a eliminação dos efeitos nocivos à ordem econômica.

Identificam-se dois conflitos de normas concorrentes. O primeiro diz respeito à pena de suspensão do direito de licitar e contratar, previsto no art. 87, II, da Lei Geral de Licitações e Contratos, no art. 47 da Lei do RDC, no art. 84, II, da Lei das Estatais e no art. 38, II, da Lei do CADE. O segundo refere-se à multa a pessoa jurídica prevista no art. 37, I, da Lei do CADE e no art. 6º, I, da Lei Anticorrupção.

No caso do conflito de normas sobre a interdição do direito de licitar e contratar, previsto na Lei Geral de Licitações e Contratos, na Lei do RDC e na Lei das Estatais, resolve-se pela aplicação da Lei Geral de Licitações e Contratos, por ser mais específica em relação à conduta anticompetitiva e por ser mais branda tanto no prazo, quanto no alcance. A Lei Geral de Licitações e Contratos prevê que o prazo da suspensão temporária de participação em licitação e impedimento de contratar com a Administração Pública não será superior a dois anos. Já o art. 47 da Lei do RDC prevê que esse impedimento tem prazo de até cinco anos. Além disso. A suspensão do direito de licitar e contratar previsto na Lei Geral de Licitações e Contratos se restringe ao órgão responsável pelo certame, enquanto a punição da Lei do RDC estende-se à Administração Pública, direta e indireta, da União, Estados e Distrito Federal e Municípios.

Concernentemente ao conflito entre a pena de suspensão do direito de licitar e contratar previsto no regramento do art. 38, II, Lei do CADE em confronto com os ditames do art. 87, III, da Lei Geral de Licitações e Contratos e do art. 84, II, da Lei das Estatais, resolve-se o conflito aparente de normas examinando o alcance do cartel de licitações. Se o arranjo anticoncorrencial se destinar a dominar o mercado/setor de licitações públicas, trata-se de uma infração à ordem econômica que atrai a aplicação do art. 38, II, da Lei do CADE. Por outro lado, se a colusão se destinar a fraudar licitações, sem a intensão de dominação de mercado/setor, aplica-se a regra sancionatória do art, 87, III, da Lei Geral de Licitações e Contratos ou do art. 84, II, da Lei das Estatais, conforme o caso.

 Na esfera criminal, identifica-se um conflito aparente de normas penais entre o art. 335 do Código Penal (Impedimento, perturbação ou fraude de concorrência), o art. 90 da Lei Geral de Licitações e Contratos e o art. 4º, II, a, da Lei nº 8.137, de 1990.

O conflito entre a incidência do art. 335 do Código Penal e o art. 90 da Lei Geral de Licitações e Contratos resolve-se pela aplicação desta. Com o advento do art. 90 da Lei Geral de Licitações e Contratos a norma o art. 335 do Código Penal foi revogado tacitamente, em decorrência ao princípio da especialidade, pois o dispositivo regulou inteiramente a conduta ilícita tratada no art. 335 do Código Penal.

Finalmente, o conflito aparente entre a imputação do art. 4º, II, a, da Lei nº 8.137, de 1990, e a do art. 90 da Lei Geral de Licitações e Contratos, resolve-se pelo alcance que os integrantes do cartel de licitações pretendem dar a sua conduta. Se o cartel se destina a burlar o caráter competitivo de licitações específicas, aplica-se a do tipo da Lei Geral de Licitações e Contratos, por ser tipo específico e por se tratar de conduta anticompetitiva referente a um procedimento licitatório específico. Na hipótese de se constatar que a finalidade do cartel é dominar o mercado/setor de licitações públicas, aplica-se o tipo penal da Lei nº 8.137, de 1990, por se tratar de infração da ordem econômica. Nessa situação, admite-se concurso material do crime do art. 4º, II, a, da Lei nº 8.137, de 1990, com o tipo penal do art. 90 da Lei Geral de Licitações e Contratos.


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21) SOUZA, Celina. In Políticas Públicas: uma revisão da literatura, Sociologias, Porto Alegre, ano 8, nº 16, jul/dez 2006.

22) Weber, Max, 1864-1920. Economia e sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva/Max Weber; tradução de Regis Barbosa e Karen Elsabe Barbosa; Revisão técnica de Gabriel Cohn - Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1999.


[1]https://www.ibge.gov.br/explica/pib.php#:~:text=O%20PIB%20%C3%A9%20a%20soma,cidade%2C%20geralmente%20em%20um%20ano.&text=O%20PIB%20do%20Brasil%20em,%24%201%20803%2C4%20bilh%C3%B5es.

[2] Stakeholders ou partes interessadas (tradução livre) são as pessoas, naturais ou jurídicas, e as organizações. públicas ou privadas, afetadas por um projeto ou empreendimento, de forma direta ou indireta, positiva ou negativamente.

[3] Costa, Caio César de Medeiros; Terra, Antônio Carlos Paim. In Compras públicas: para além da economicidade -- Brasília: Enap, 2019, pag. 7.

[4] OCDE - Preventing corruption in Public Procurement. 2016. “Public procurement is one of the government activities most vulnerable to corruption. In addition to the volume of transactions and the financial interests at stake, corruption risks are exacerbated by the complexity of the process, the close interaction between public officials and businesses, and the multitude of stakeholders.” Disponível em: http://www.oecd.org/gov/ethics/Corruption-Public-Procurement-Brochure.pdf.

[5] Conforme o art. 90 da Lei do CADE, os atos de concentração são: fusões de duas ou mais empresas anteriormente independentes; aquisições de controle ou de partes de uma ou mais empresas por outras; incorporações de uma ou mais empresas por outras; ou, ainda, a celebração de contrato associativo, consórcio ou joint venture.

[6] O grupo econômico é o conjunto de sociedades empresariais que, de algum modo, coordenam sua atuação para maximizar o lucro e a produtividade, diminuir custos e garantir posição no mercado.

[7] OCDE. Diretrizes para combater o conluio entre concorrentes em contratações públicas (2009). Disponível em: https://www.oecd.org/daf/competition/cartels/44162082.pdf

[8] A interferência do Estado na ordem econômica pode ocorrer de três modos, a saber: (a) ora dar-se-á através de seu "poder de polícia", isto é, mediante leis e atos administrativos expedidos para executá-las, como "agente normativo e regulador da atividade econômica" – caso no qual exercerá funções de "fiscalização" e em que o "planejamento" que conceber será meramente "indicativo para o setor privado" e "determinante para o setor público", tudo conforme prevê o art. 174; (b) ora ele próprio, em casos excepcionais, como foi dito, atuará empresarialmente, mediante pessoas que cria com tal objetivo; e (c) ora o fará mediante incentivos à iniciativa privada (também supostos no art. 174), estimulando-a com favores fiscais ou financiamentos, até mesmo a fundo perdido. MELLO, Celso Antônio Bandeira de. In Curso de direito administrativo. 32ª ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2015, pag. 818.

[9] O Direito Econômico é definido por Luís de Moncada como o ramo do direito público que regula a relação entre o Estado e os agentes privados, na perspectiva da intervenção do Estado na economia. MONCADA, Luís Cabral de. In Direito Econômico, 6ª ed., Coimbra, 2007, pag.15.

[10] O Direito Econômico é composto por um conjunto de normas de conteúdo econômico, que tem por objeto regulamentar as medidas de política econômica referentes às relações e interesses individuais e coletivos, harmonizando-as pelo princípio da economicidade, com a ideologia adotada na ordem jurídica. Prossegue o autor, cuida-se de ramo do Direito que se aplica a regulamentar as medidas de política econômica que adota uma linha de maior vantagem nas suas decisões. GRAU, Eros Roberto. In A Ordem Econômica na CF de 1988, (Interpretação e crítica), 14ª ed., Malheiros, 2010, pag. 152.

[11] FARIA COSTA, José; COSTA ANDRADE, Manuel. Sobre a concepção e os princípios do Direito Penal Económico, Temas de direito penal econômico/organizador Roberto Podval-São Paulo:Editora, Revista dos Tribunais, 2000, p. 103.

[12] No julgamento do HC 104410, o STF decidiu que em normas como a do art. 173, §4º, é possível identificar um mandato de criminalização expresso, tendo em vista os bens e valores envolvidos. Aduz o STF que os direitos fundamentais expressam não apenas uma proibição do excesso, como também de proibições de proteção insuficiente ou imperativos de tutela. Nessa linha, o mandato constitucional de repressão previsto nesse dispositivo impõe ao legislador a adoção de uma legislação que reprima o abuso do poder econômico, observado o princípio da proporcionalidade. (HC 104410, Rel.: GILMAR MENDES, 2º Turma, julg. 6/3/2012, Acórdão Eletrônico DJe-062, div. 26/3/2012, pub. 27/3/2012)

[13] No julgamento no qual examinou a Lei Anticorrupção, o STJ decidiu que o rol do art. 173, §5º, da CF não é taxativo, mas apenas prescreve um mínimo de responsabilização, de modo que não veda a elaboração de leis disciplinando a responsabilização das pessoas jurídicas pela prática de atos diversos das hipóteses nele veiculadas, como é o caso da Lei Anticorrupção. Assim, não está vedado ao legislador elaborar leis nas quais seja disciplinada a responsabilização das pessoas jurídicas pela prática de atos diversos das hipóteses veiculadas no dispositivo. (STJ - REsp: 1803585-RN 2019/0073461-4, Relator: Min. HERMAN BENJAMIN, Data de Publicação: DJ 22/04/2020).

[14] “Não há de se cogitar de qualquer distinção substancial entre infrações e sanções administrativas e infrações e sanções penais. O que as aparta é única e exclusivamente a autoridade competente para impor a sanção, conforme correto e claríssimo ensinamento, que boamente sufragamos, de Heraldo Garcia Vitta”. MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Op. cit., pag. 871.

[15] HUNGRIA, Nelson. Ilícito administrativo e ilícito penal. Revista de direito administrativo, nº 1, pp. 24-31.

[16] GARCÍA DE ENTERRÍA, Eduardo; FERNÁNDEZ, Tomás-Ramón. Curso de direito administrativo. Tradução de Arnaldo Setti. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991. p. 876.

[17] FIGUEIREDO DIAS, Jorge; COSTA ANDRADE, Manuel. Op. cit. pag. 87.

[18] Existe uma autonomia relativa entre o sistema de Direito Penal e o do subsistema de Direito Penal Econômico. O sistema de direito penal, que ele denomina de atividade do Estado de primeira linha, visa proteger os direitos fundamentais através de uma atuação especificamente pessoal, embora não necessariamente individual, do homem. Já o subsistema do Direito Penal Econômico, de segunda linha, visa proteger a esfera de atuação social e que se conforma em princípio através dos seus direitos e deveres econômicos, sociais e culturais ou, numa expressão com este amplíssimo sentido, dos seus direitos sociais. FIGUEIREDO DIAS, Jorge. In Temas de direito penal econômico / organizador Roberto Podval - São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2000, pag. 37/38.

[19] O crime de empresa é o delito econômico cometido a partir ou através de uma empresa. A pessoa jurídica tem uma atividade lícita e, eventualmente, é utilizada para o cometimento de crimes em sua atuação no mercado. Na esfera cível, o delito mais comum das empresas é o abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial. No âmbito penal os crimes empresariais mais frequentes são: a corrupção; os cometidos contra a ordem tributária; a sonegação fiscal; crimes contra o sistema financeiro nacional; contra a economia popular; contra as relações de consumo; contra o mercado de capitais; contra a propriedade industrial; contra a propriedade intelectual; falimentares; a lavagem de dinheiro; a evasão de divisas; a apropriação indébita previdenciária; a concorrência desleal; o contrabando; o descaminho; os crimes licitatórios; os crimes ambientais; e os crimes informáticos. A grande maioria desses crimes possui legislação específica e as ações punem as pessoas jurídicas e os sócios ou administradores.

[20] A empresa criminosa é a empresa fictícia, fantasma, só de papel, que não tem funcionamento efetivo e nem se destina a atividade lícita. Em geral com endereços falsos, sem funcionários e equipamentos. Esse tipo de empresa é constituída apenas documentalmente e é utilizada para cometer crimes. A empresa criminosa busca dissimular a origem dos negócios ilícitos para enriquecimento pessoal de quem está praticando o crime. Normalmente são dirigidas por pessoas as quais se denomina “laranja”. O “laranja” é um agente intermediário que efetua em seu nome, por ordem de terceiros, transações comerciais ou financeiras, ocultando a identidade do real agente ou beneficiário. Em alguns casos, o “laranja” tem ciência de que está sendo utilizado e é, inclusive, remunerado pela “prestação dos serviços”. Em outros, pessoas inocentes, na maioria das vezes com pouca instrução e baixo poder aquisitivo, são utilizados como “laranjas”, sem saber.

[21] Fraude ocupacional é o delito perpetrado por um dos sócios, administradores ou funcionários contra a própria empresa ou contra os demais sócios. É definida como o uso da posição ou do cargo para enriquecimento pessoal por meio do uso indevido deliberado ou da má aplicação dos recursos ou bens da organização. São fraudes como furto, desvio de ativos, representações errôneas e falsificações.

[22] “La criminalidad de empresa (Unternehmenskriminalitat), como suma de los delitos económicos que se cometen a partir de una empresa – o, formulado de otra manera, a traves de una actuación para una empresa –, establece asi una delimitación tanto respecto a los delitos económicos cometidos al margen de una empresa, como respecto a los delitos cometidos dentro de la empresa contra la empresa misma, o por miembros particulares contra otros miembros de la empresa”. SCHONEMANN, Berd. Artigo “Cuestiones basicas de dogmatica juridico-penal y de politica criminal acerca de la criminalidad de empresa”. Traduccion del articulo “Strafrechtsdogmatische and kriminalpolitische Grundfragen der Unternehmenskriminalitdt (WIsTRA, Zeitschrift fiir Wirtschaft, Steuer, Strafrecht”, ado I, fasciculo 2, 15 de marzo de 1982, pp. 41-50) realizada por Daniela BROCKNER (Universidad de Mannheim) y Juan Antonio LASCURAIN SANCHEZ (Universidad Autonoma de Madrid). Localização: Anuario de derecho penal y ciencias penales, ISSN 0210-3001, Tomo 41, Fasc/Mes 2, 1988, págs. 529-558. Disponível em: https://dialnet.unirioja.es/ejemplar/5203. Consultado em 25/5/2020.

[23] Reale JÚNIOR, Miguel - Direito penal econômico e da empresa: Direito penal econômico/ PRADO, Luiz Regis. DOTTI, René Anel organizadores - São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011 - (Coleção doutrinas essenciais; p. 1100).

[24] A jurisprudência do STJ é pacífica no sentido de que nem toda irregularidade administrativa caracteriza improbidade, nem se confunde o administrador inábil com o administrador ímprobo. A Corte fixou também fixou o entendimento de que não cabe invocar o princípio da insignificância se a conduta do agente foi improba ou se violou bens e valores protegidos pela LIA. Para o STJ, é iniquo punir como improbidade, quando desnecessário ou além do necessário, bem como absolver comportamento social e legalmente reprovado, incompatível com o marco constitucional e a legislação que consagram e garantem os princípios estruturantes da boa administração. Logo, sobretudo no campo dos princípios administrativos, “não há como aplicar a lei com calculadora na mão, tudo expressando, ou querendo expressar, na forma de reais e centavos”. Assim, os atos de improbidade punidos pela norma não se confundem com simples irregularidades administrativas. O ato antijurídico só adquire a natureza de improbidade se, com culpa ou dolo, ferir os princípios constitucionais da Administração Pública e a ordem jurídica de regência da atuação do agente público. (REsp 769317/AL, Rel. Ministro Gilson Dipp, Quinta Turma, DJ 27/3/2006 e REsp 892.818/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 11/11/2008, DJe 10/02/2010)

[25] CADE: caso SDE x TBA e Microsoft - processo nº 08012.008024/1998-49

[26] Nos termos da jurisprudência do STJ é inviável o manejo da Ação de Improbidade Administrativa (AIA) exclusivamente contra o particular, sem a concomitante presença de agente público no polo passivo da demanda. De acordo com a Corte, a participação de agente público é requisito indispensável à incidência da LIA. Consequentemente, só é possível a punição de terceiros que tenham agido em conluio com um agente público. Não sendo divisada a participação do agente público, estará o terceiro sujeito a sanções outras que não aquelas previstas na LIA. (REsp 1.409.940⁄SP, Rel. Min. OG FERNANDES, 2ª Turma, DJe de 22⁄9⁄2014;  AgRg no AREsp 574.500⁄PA, Rel. Min. HUMBERTO MARTINS, 2ª Turma, DJe de 10⁄6⁄2015; REsp 1.405.748⁄RJ, Rel. p⁄ acórdão Min. REGINA HELENA COSTA, 1ª Turma, DJe de 17⁄8⁄2015; REsp 1678206/RS, Rel. Min. ASSUSETE MAGALHÃES, 2ª Turma, julgado em 26/5/2020, DJe 5/6/2020)

[27] A desconsideração da personalidade jurídica permite estender a obrigação de ressarcimento dos prejuízos identificados pelo ato improbo aos sócios, pessoas naturais e/ou pessoas jurídicas controladoras, ou administradores, que responderão com seus bens pessoais.

[28] AgInt nos EREsp 728.341⁄SP, Rel. Min. GURGEL DE FARIA, 1ª Seção, julg. 28⁄2⁄2018, DJe 3⁄4⁄2018; AgRg no AgRg no REsp 1288585⁄RJ, Rel. Min. OLINDO MENEZES (Desembargador Conv. TRF 1ª Região), 1ª Turma, julg. 16⁄2⁄2016, DJe 9⁄3⁄2016; AgRg no REsp 1512393⁄SP, Rel. Min. MAURO CAMPBELL MARQUES, 2ª Turma, julg. 19⁄11⁄2015, DJe 27⁄11⁄2015; AgInt no REsp 1538079/CE, Rel. Min. REGINA HELENA COSTA, 1ª Turma, julg. 26/6/2018, DJe 2/8/2018.

[29] A doutrina e a jurisprudência são uníssonas no sentido de que nessas situações só uma norma é aplicável, excluídas as demais por princípios lógicos e de valoração jurídica do fato. Conforme o STJ, três são os princípios que regulam a solução do conflito aparente de normas: o da especialidade, o da subsidiariedade e o da consunção. O pressuposto fundamental é que haja um só fato (embora complexamente considerado) e que as leis que concorram estejam ambas em vigor. Se uma lei sucede a outra, não há, evidentemente, conflito. Dessa forma, ocorre o conflito aparente de normas quando há a incidência de mais de uma norma repressiva numa única conduta delituosa, sendo que tais normas possuem entre si relação de hierarquia ou dependência, de forma que somente uma é aplicável. Consequentemente, quando da aplicação conjunta dos dois instrumentos legais é necessário resolver o conflito aparente de normas sancionatórias para evitar o bis in idem. (STJ - REsp: 1376670 SC 2013/0119375-3, Relator: Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, Data de Julgamento: 16/02/2017, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 11/05/2017)

[30] REsp 751.634 MG, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI. 1º Turma, julgado em 26/6/2007.

[31] “O tipo administrativo sancionador está sujeito aos princípios: da legalidade, da anterioridade, da tipicidade, da exigência de voluntariedade para incursão na infração, da proporcionalidade, do devido processo legal e da motivação.” MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Op. Cit., pags. 874/883.

[32] “Define-se antijuridicidade, sob o aspecto formal, como oposição a uma norma legal; e, sob o aspecto material como contrariedade do fato às condições de vida social, tendo em conta a tarefa do Estado de proteger pela norma bens essenciais”. SALLES JÚNIOR, Romeu de A. Curso Completo de Direito Penal/São Paulo:Saraiva, 4ª ed., 1995, p. 18.

[33] Tipo é o conjunto de elementos de comportamento punível previsto na lei administrativa. Segundo o autor, os elementos do tipo dividem-se em objetivos, subjetivos e normativos: os primeiros dizem respeito ao lugar, tempo, condições do sujeito e objeto da ação punível; os segundos dizem respeito ao fim visado pelo agente, o intuito que o animou à prática do ato; os últimos conduzem a um juízo de valor em relação aos pressupostos do injusto típico (“sem licença de autoridade competente”, “funcionário público”, “sem as formalidades legais”, “decoro”, “injusta” e outras expressões jurídicas ou extrajurídicas que exigem uma compreensão geral do direito ou da realidade social). Faltando algum destes elementos, desde que expressos no tipo, não haverá infração. OLIVEIRA, Regis Fernandes de. In Infrações e sanções administrativas. 2ª ed. São Paulo: RT, 2005. p. 20/21.

[34] O TCU havia determinado, dentre outras providências, a desconsideração da personalidade jurídica de uma empresa envolvida em desvios na construção do COMPERJ. Na liminar o Ministro Marco Aurélio decidiu que ao “Tribunal de Contas, órgão administrativo, não cabe o implemento de medida cautelar a restringir direitos de particulares, de efeitos práticos tão gravosos como a indisponibilidade de bens e a desconsideração da personalidade jurídica, em sanções patrimoniais antecipadas.”  Em seu voto, o Ministro Marco Aurélio explicou que não se trata de afirmar a ausência do poder geral de cautela do TCU, mas de assinalar que essa atribuição tem limites, dentro dos quais não se encontra o bloqueio, “por ato próprio, dotado de autoexecutoriedade”, dos bens de particulares contratantes com a administração pública. Para o Ministro, é imprópria a justificativa da medida com base no artigo 44 da Lei Orgânica do TCU (Lei 8.443/92), pois o dispositivo diz respeito à disciplina da atuação do responsável pelo contrato público, ou seja, do servidor público, sem abranger o particular. O Ministro lembrou ainda que a legislação infraconstitucional atribui ao TCU o poder de determinar por ato próprio ao particular a execução de certas penalidades. Exige, no entanto, a intervenção do Poder Judiciário, mediante a provocação do Ministério Público. O Mandado de Segurança começou a ser julgado pelo Plenário do STF em 25/6/2020. Disponível em: http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5343207

[35] Tipo aberto é aquele que a lei penal não descreve detalhadamente a conduta que se quer proibir ou impor, ficando esse trabalho de acomodação entregue ao julgador, a exemplo do que ocorre, como regra, com os delitos culposos. Greco, Rogério. Código Penal: comentado / Rogério Greco. – 11. ed. – Niterói, RJ: Impetus, 2017, pag. 70.

[36] O concurso de delitos se verifica quando o agente, por meio de uma ou mais ações ou omissões, pratica dois ou mais delitos. Isso significa a presença de uma pluralidade delitiva. Não é sem razão o fato de ter sido denominado a "arte de contar os delitos". PRADO, Luiz Regis; CARVALHO, Érika Mendes de; CARVALHO, Gisele Mendes de. PRADO, Luiz Regis; CARVALHO, Érika Mendes de; CARVALHO, Gisele Mendes de. In Curso de Direito Penal Brasileiro, 13ª ed., THOMSON REUTERS, Revista dos Tribunais, São Paulo, 2014, pag. 415.

[37] Corroborando esse entendimento, o Decreto nº 8.420, de 2015, que Regulamenta a Lei Anticorrupção, estabelece em seu art. 12 que os atos previstos como infrações administrativas nas várias Leis de licitações e que também sejam tipificados como atos lesivos na Lei Anticorrupção, serão apurados e julgados conjuntamente. (Art. 12. Os atos previstos como infrações administrativas à Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993 , ou a outras normas de licitações e contratos da administração pública que também sejam tipificados como atos lesivos na Lei nº 12.846, de 2013 , serão apurados e julgados conjuntamente, nos mesmos autos, aplicando-se o rito procedimental previsto neste Capítulo).

[38] A norma amplia a proibição de participar de licitações e de ser contratada à empresa (art. 38): cujo administrador ou sócio detentor de mais de 5% (cinco por cento) do capital social seja diretor ou empregado da empresa pública ou sociedade de economia mista contratante; suspensa por Estatal; declarada inidônea pelos Entes Federados; constituída por sócio ou cujo administrador seja ou tenha sido sócio de empresa que estiver suspensa, impedida ou declarada inidônea; constituída por sócio que tenha sido sócio ou administrador de empresa suspensa, impedida ou declarada inidônea, no período dos fatos que deram ensejo à sanção; que tiver, nos seus quadros de diretoria, pessoa que participou, em razão de vínculo de mesma natureza, de empresa declarada inidônea.

[39] “A fraude é vício de muitas faces. Está presente em sem-número de situações na vida social e no Direito. Sua compreensão mais acessível é a de todo artifício malicioso que uma pessoa emprega com intenção de transgredir o Direito ou prejudicar interesses de terceiros”. Venosa, Sílvio; Rodrigues, Cláudia. In Código Civil interpretado, 4ª. ed., São Paulo: Atlas, 2019, pag. 166.

[40] http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarTesauro.asp

[41] Cumpre destacar que a suspensão temporária de licitar e contratar com a Administração Pública Federal, tanto na LGL e na Lei das Estatais quanto na Lei do CADE, só produz efeitos ex nunc, não atingindo os contratos em andamento.

[42] Bid rigging happens when groups of firms conspire to raise prices or lower the quality of goods, works or services offered in public tenders. (Tradução livre: A manipulação de propostas acontece quando grupos de empresas conspiram para aumentar os preços ou diminuir a qualidade de bens, obras ou serviços oferecidos em contratações públicas.) OCDE - Recommendation of the OECD Council on Fighting Bid Rigging in Public Procurement – 2012. Disponível em: http://www.oecd.org/daf/competition/RecommendationOnFightingBidRigging2012.pdf

[43] HC n. 116.680/DF, 2ª Turma, Rel. Ministro TEORI ZAVASCKI, publicado no DJe de 13/2/2014.

[44] O STJ também tem jurisprudência pacífica indicando que, para a consumação do delito, basta a demonstração de que a competição foi frustrada, independentemente de demonstração de recebimento de vantagem indevida pelo agente e comprovação de dano ao erário. (HC 341.341/MG, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, QUINTA TURMA, julgado em 16/10/2018, DJe 30/10/2018; AgRg no REsp 1793069/PR, Rel. Ministro JORGE MUSSI, 5º Turma, julgado em 10/9/2019, DJe 19/9/2019)

[45] HC 11.840/RS, Rel. Ministro GILSON DIPP, QUINTA TURMA, julgado em 11/09/2001, DJ 22/10/2001, p. 336

[46] Maia, Rodolfo Tigre. Tutela Penal da Ordem Econômica: O Crime de Formação de Cartel, São Paulo: Malheiros, 2008, pag. 180.

[47] Segundo a Corte, não havendo descrição fática suficiente da concentração do poder econômico, ou de que os acordos teriam sido efetivamente implementados com domínio de mercado, não há falar em formação de cartel, porquanto não demonstrada ofensa à livre concorrência previstos no art. 4º, II, da Lei nº 8.137, de 1990. Dessa forma, se a conduta tida por anticompetitiva referir-se  exclusivamente a um procedimento licitatório, não se pode inferir que os acordos configuraram tentativa de domínio de mercado, apto a subsumir no delito do art. IIa , b e c , da Lei 8.137, de 1990. (REsp 1623985/SP, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, 6ª Turma, julgado em 17/5/2018, DJe 6/6/2018; AgRg no AREsp 967.677/SP, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, 5ª Turma, julgado em 9/6/2020, DJe 17/6/2020.)

[48] Associação criminosa: associarem-se três ou mais pessoas, para o fim específico de cometer crimes:

[49] Organização criminosa:  associação de quatro ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a quatro anos, ou que sejam de caráter transnacional.

[50] Os responsáveis pelos crimes de cartel, de frustrar o caráter competitivo da licitação e de integrar associação ou organização criminosa respondem em concurso material porque são crimes distintos. Não há vínculo de dependência entre as condutas criminosas e os bens jurídicos tutelados são diferentes. A prática dos crimes do art. 4º, II, a, da Lei nº 8.137, de 1990, e do art. 90 da LGL independem da existência de uma associação ou organização criminosa.


Autor

  • Alexis Sales de Paula e Souza

    Economista e advogado. Doutorando em Direito, Mestre em Administração Pública, Pós-graduado em Direito Público, Direito da Regulação e em Direito Penal e Econômico Europeu pelo IDPEE da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOUZA, Alexis Sales de Paula e. Cartel em contratações públicas: sanções cíveis, administrativas e criminais e a solução dos conflitos aparentes de normas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 26, n. 6435, 12 fev. 2021. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/88485. Acesso em: 25 abr. 2024.