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A abertura da CPI da pandemia e a necessária vinculação do presidente do Senado aos ditames constitucionais

A abertura da CPI da pandemia e a necessária vinculação do presidente do Senado aos ditames constitucionais

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O presidente do Senado, ao determinar a abertura de uma CPI, não age de forma discricionária. Age de forma vinculada: após apresentados os requisitos constitucionais para tal, não caberá a ele juízo de conveniência e oportunidade.

Para muitos, Rodrigo Pacheco, como presidente do Senado, se omite. Viola o artigo 58, § 3º, da Constituição, que prescreve a instalação de CPI a partir da assinatura de 1/3 dos membros da casa, e desafia precedente do STF quando da CPI do Apagão Aéreo. O Brasil é epicentro mundial da pandemia por seus próprios méritos, mas o presidente do Senado parece não desejar CPI.  

A matéria é objeto do mandado de segurança, MS 37760, cujo relator é o ministro Roberto Barroso, que concedeu importante decisão na matéria. Que medo há em abrir uma CPI para investigar erros governamentais durante a terrível pandemia da covid-19 por que passamos?  A doença é implacável e não se pode deixar para a história o julgamento futuro dos erros que agora foram cometidos. Milhões de brasileiros que estão vivendo sob o espectro da morte, da fome e do desemprego. Se não fosse uma decisão de cunho declaratório do STF, que reconhecia aos entes federativos a competência concorrente para decidir sobre tão impactante matéria, a tragédia estaria sendo muito pior, certamente.  

O ministro Luís Roberto Barroso, do STF, atendeu a pedido dos senadores Alessandro Vieira (Cidadania-SE) e Jorge Kajuru (Cidadania-GO) e determinou que o Senado instale uma Comissão Parlamentar de Inquérito para investigar ações e omissões da gestão Jair Bolsonaro no combate à pandemia. A CPI foi proposta pela oposição há mais de dois meses, mas o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), vinha resistindo. Decisão sábia e que merece os aplausos da sociedade.  

No passado, em 2007, por nove votos a um, a corte determinou que o então presidente do Senado, Renan Calheiros (MDB-AL), instaurasse a comissão para investigar as denúncias contra Waldomiro Diniz. Alvo de críticas semelhantes da base governista, o ex-ministro Celso de Mello expôs argumento semelhante ao do ministro  Barroso: a investigação parlamentar é um direito constitucional à disposição das minorias no Legislativo.  

Mas, no entanto, chamo a atenção de que o ministro Celso de Mello, no julgamento do MS 26.441, ao deferir a liminar, não determinou a imediata instalação da CPI, por não ser “constitucionalmente viável, a Suprema Corte, mediante simples provimento de caráter liminar, deferir a instalação e o funcionamento provisórios da CPI”. Segundo o relator, “não existem em nosso sistema político-jurídico, nem a instituição provisória, nem o funcionamento precário de Comissão Parlamentar de Inquérito, cuja instalação depende de eventual concessão, pelo STF, do Mandado de Segurança”. Disse o ministro Celso de Mello, naquela ocasião: “A separação de poderes não pode jamais ser invocada como princípio destinado a frustrar a resistência jurídica a qualquer ensaio de opressão estatal ou inviabilizar a oposição a qualquer tentativa de comprometer sem justa causa, o exercício do direito de investigar abusos que possam ser cometidos pelos agentes do Estado”.   

Isso quer dizer, como disse o ministro Celso de Mello, que existe, no sistema político-jurídico brasileiro, um verdadeiro estatuto constitucional das minorias parlamentares, cujas prerrogativas - notadamente aquelas pertinentes ao direito de investigar - devem ser preservadas pelo Poder Judiciário, a quem incumbe proclamar o alto significado que assume, para o regime democrático, a essencialidade da proteção jurisdicional a ser dispensada ao direito de oposição, analisado na perspectiva da prática republicana das instituições parlamentares.  

Disse ainda, o ministro Celso de Mello, naquele MS 26.441/DF: “Vê-se, daí, que o modelo concebido e estruturado na presente Constituição brasileira, historicamente vinculado, em sua formulação, à Constituição Federal de 1934 (art. 36) – e, mais distante, ainda, no tempo, à Constituição de Weimar, de 1919 (art. 34) -, visa a proteger os grupos minoritários contra eventuais abusos cometidos, em tema de instituição de Comissão Parlamentar de Inquérito, pela maioria que atua nas Casas do Congresso Nacional.” 

É lição do ministro Celso de Mello: “Na realidade, o ato de criação de qualquer CPI, considerado o que dispõe o art. 58, § 3º, da Constituição, representa exceção derrogatória da regra majoritária proclamada pelo art. 47 do estatuto constitucional, pois, para efeito de instituição da comissão parlamentar de inquérito, os grupos minoritários prescindem da vontade aquiescente da maioria que atua no âmbito do Poder Legislativo.” 

O Supremo Tribunal Federal (STF), segundo o voto do ministro Eros Grau, já entendeu que a criação de CPIs depende apenas do requerimento de um terço dos membros das casas legislativas e que esse dispositivo assegura um direito legítimo das minorias legislativas.  

A decisão dos ministros do STF foi tomada durante o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 3.619, proposta pelo Partido dos Trabalhadores (PT), contra artigos do Regimento Interno da Assembleia Legislativa de São Paulo que condicionam a criação de Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) à aprovação do respectivo requerimento em plenário.  

O presidente do Senado ao determinar a abertura de uma CPI não age de forma discricionária. Age de forma vinculada.  

Discricionariedade é a qualidade da competência cometida por lei à Administração Pública para definir, abstrata e concretamente, o resíduo de legitimidade necessário para integrar a definição de elementos essenciais à execução, diretamente referido a um interesse público específico.  

Como ensinou Cino Vitta (Nozione degli atti admministrativi, 1906, IV), pelo exercício da discricionariedade atende-se, simultaneamente, à lei, pela fidelidade a seus comandos, e ao interesse público diretamente apercebido, pela sua concreação individuada, sem solução de continuidade e sem excepcionalidade derrogatória da legitimidade ou de legalidade, pois a lei é o interesse público cristalizado, como o interesse público é a razão de ser da lei.  

Assim, admite-se que a Administração, ao agir, tem por finalidade o interesse público especificado na lei, um elemento reconhecidamente vinculado.  

Na lição de Diogo de Figueiredo Moreira Netto (Legitimidade e discricionariedade, pág. 27), a discricionariedade é uma competência e, portanto, um poder vinculado à finalidade que dita a sua existência.  

Como bem expôs Celso Antônio Bandeira de Mello (Curso de direito administrativo, 17ª edição, pág. 389), atos vinculados são os que a Administração pratica sem margem alguma de liberdade para decidir se, pois, a lei previamente tipificou o único possível comportamento diante de hipótese prefigurada em termos objetivos.  

 O presidente do Senado, ao determinar a abertura de uma CPI, não age de forma discricionária. Age de forma vinculada.  

Sendo assim, para a abertura de uma CPI, após apresentados os requisitos constitucionais para tal, não cabe ao presidente do Senado um juízo de conveniência e oportunidade. Trata-se de um ato vinculado que é aquele em que, por existir prévia e objetiva tipificação legal do único possível comportamento da Administração em face de situação igualmente prevista em termos de objetividade absoluta, o administrador não interfere com apreciação subjetiva alguma.   


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