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Justiça condena supermercado a respeitar direitos de trabalhadores de minoria LGBT

17/11/2019 às 15:00
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Ação Civil Pública movida pelo MPT foi julgada parcialmente procedente para o fim de resguardar o ambiente de trabalho contra atos de assédio moral ou discriminação baseada na orientação sexual dos empregados.

S E N T E N Ç A

I - DO RELATÓRIO

Cuida-se de ação civil pública ajuizada no dia 11/07/2018 pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO em face de MAKTUB IPIRANGA LTDA, no qual o primeiro alegou a ocorrência de assédio moral e discriminação por orientação sexual no âmbito da requerida. Por conta disso, pugnou o Parquet pela condenação da empresa em obrigações de fazer e pagar, tudo conforme descrito na peça de ingresso. Juntou documentos e deu ao feito o valor de R$ 200.000,00.

Por meio da decisão de fls. 100/111, foi deferida a tutela de urgência/evidência, sendo citada a demandada para responder ao presente feito, bem assim para comparecer à audiência de conciliação e instrução.

A audiência foi designada para o dia 04/09/2018, na qual compareceram as partes sem que lograsse sucesso a tentativa conciliatória.

A requerida apresentou defesa na qual suscitou preliminar de carência de ação, além de impugnar o valor dado à causa. No mérito propriamente dito, negou a ocorrência de qualquer ilícito que justificasse a condenação, requerendo a improcedência do feito. Também juntou documentos.

As partes dispensaram a colheita de depoimentos pessoais e/ou testemunhais. Assim sendo, diante da ausência de pendências, foi encerrada a instrução processual com razões finais remissivas pelos interessados.

É o relatório. Por inconciliados, passo aos fundamentos.


II - DOS FUNDAMENTOS

1. Das condições da ação

Pelo que consta dos autos, o interesse de agir é manifesto, já que a parte autora postula a aplicação do direito ao caso concreto, invocando a atuação do Juízo competente como meio útil à satisfação de seu interesse (art. 17 do CPC). Ao contrário do que sustenta a ré, o interesse não se limita ao aspecto individual, dado que os pedidos se relacionam ao ambiente de trabalho onde atua uma verdadeira coletividade de trabalhadores, atraindo a incidência do art. 81 do CDC.

Por sua vez, reputo adequada a via eleita, uma vez que observada a forma e o rito previsto em lei, tal como imposto pela Lei 7.347/83 c/c IN 39/2015 do TST, havendo evidente necessidade da prestação jurisdicional. A uma, em razão da omissão da empresa em responder às tentativas de ajuste de conduta extrajudicial (vide fls. 78/92). A duas, em virtude da resistência oposta pela demandada na contestação, não havendo qualquer norma jurídica que impossibilite a apreciação das matérias pelo Poder Judiciário (art. 5º, XXXV, da CF).

Cabe lembrar que a Constituição da República define o Ministério Público como "instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis" (art. 127). Nesta qualidade, encontra-se legitimado a veicular a presente ação (arts. 129, III, da CF e 5º, I, da Lei 7.347/83), mormente quando se nota que demanda se insere no âmbito das atribuições essenciais do MPT (arts. 83 e 84 da LC n.º 75/93). Em trilha semelhante, cite-se a ementa do seguinte julgado da Corte Suprema Trabalhista:

"Encontra-se pacificado nesta Corte, através de decisões da SBDI-1, o entendimento de que o Ministério Público do trabalho detém legitimidade para tutelar direitos e interesses individuais homogêneos, sejam eles indisponíveis ou disponíveis, ante o notório interesse geral da sociedade na proteção dos direitos fundamentais sociais (art. 127 da CF) e na adequação da matriz jurídica à massividade dos danos e pretensões característicos da sociedade contemporânea, de modo a garantir aos jurisdicionados o amplo acesso ao Poder Judiciário (art. 5º, XXXV, da CF), bem como a celeridade (art. 5º, LXXVIII, da CF), a economicidade, a racionalidade, a uniformidade e a efetividade da atuação jurisdicional no deslinde dos conflitos de massa. A ação civil pública, prevista na Lei nº 7.347/85, é instrumento de defesa de direitos e interesses metaindividuais. O próprio Código de Defesa do Consumidor (art. 81, inciso III) prevê o cabimento de ações coletivas para salvaguardar direitos ou interesses individuais homogêneos, que são, segundo o STF, subespécie de direitos coletivos e decorrem de uma origem comum. Será cabível a ação civil pública na esfera trabalhista quando se verificar lesão ou ameaça a direito difuso, coletivo ou individual homogêneo decorrente da relação de trabalho, consubstanciando tal ação coletiva um mecanismo de proteção dos direitos sociais constitucionalmente garantidos. O Ministério Público do Trabalho, na presente hipótese, busca a adoção de medidas que possibilitem a cessação do procedimento genérico e continuativo prejudicial a todos os trabalhadores que já prestaram, prestam, ou venham a prestar serviços ligados à atividade-fim empresarial. A principal tutela perseguida na presente ação é ampla e massiva - cumprimento de preceitos justrabalhistas, de caráter imperativo, que estão sendo descumpridos, segundo consta da petição inicial. Dessa forma, tem-se que a decisão regional, ao concluir pela ilegitimidade do Ministério Público do Trabalho, culminou por afrontar o art. 83, III, da LC 75/1993. Julgados.Recurso de revista conhecido e provido. (TST, RR-75-22.2016.5.09.0125, Rel. Maurício Godinho Delgado, 3ª Turma, DJe 04/05/2018).

Com efeito, se o Ministério Público do Trabalho possui legitimidade para ajuizar ação civil pública que versa sobre direitos disponíveis, o que se dirá de ACP que busca tutelar a ordem jurídica no tocante a direitos efetivamente indisponíveis, tal como ocorre na espécie.

Por fim, reputo importante salientar que a demanda instaurada possui natureza repressiva, mas também preventiva, voltando-se para o futuro. Assim sendo, não há que falar em perda do objeto no caso de eventual mudança no estado das coisas ao longo do trâmite processual.

Desse modo, rejeito a preliminar suscitada.

2. Do valor dado à causa

O valor dado à causa reflete a expressão econômica dos pedidos formulados na inicial, atendendo ao quanto dispõe o art. 292 do CPC. Além disso, o montante fixado propicia o duplo grau de jurisdição e não traz necessário prejuízo ao demandado, até porque não vincula o magistrado no momento de arbitrar a condenação.

Destarte, indefiro a impugnação da ré.

3. Das obrigações de fazer

O Ministério Público do Trabalho tomou notícia de que um trabalhador foi vítima de assédio moral no estabelecimento da requerida, tendo tal fato ocorrido em virtude de sua orientação sexual. O assédio foi apurado nos autos da reclamação trabalhista n.º 00023333-77.2012.5.02.0371, que foi julgada procedente pelo Juízo da 1ª Vara do Trabalho de Mogi das Cruzes (vide fls. 60). A sentença de primeira instância foi parcialmente mantida pelo E. TRT/SP (vide fls. 72), já tendo havido o seu trânsito em julgado.

Ao tomar conhecimento dos fatos, o MPT instaurou inquérito civil para apurar eventual discriminação decorrente da "opção sexual" dos demais empregados da requerida, sendo a investigação tombada sob o n.º 000195.2014.02.004/9. Após frustrada a tentativa de firmar termo de ajuste (TAC) com a empresa, optou o "Parquet" por ajuizar a presente ação civil pública, de modo a buscar a condenação da ré em obrigações de fazer e pagar.

Com relação às obrigações de fazer (vedação à discriminação e promoção de tratamento digno), reitero a decisão já proferida às fls. 110/111, no sentido de que o pedido formulado encontra amparo expresso na ordem jurídica vigente, seja a internacional, seja a interna. Isso porque a igualdade representa um dos pilares em que se funda tanto a OIT, quanto a nossa Carta Magna. Ademais, o tratamento respeitoso constitui dever não só ético, como também jurídico, sobretudo do empregador, que assume os riscos do empreendimento (art. 2º da CLT).

Consoante já esclarecido pela parte autora, não existe homogeneidade na espécie humana, visto que todos somos distintos uns dos outros em algum traço, seja ele de índole intelectual, físico, etário ou étnico. Tais distinções, entretanto, não servem como justificativa para fomentar discriminações injustas e tampouco ofensas como o assédio. Muito pelo contrário, haja vista a proteção ampla da Constituição Federal da República de 1988, que resguarda a integridade física e psíquica de todos os seres, especialmente dos trabalhadores, independentemente de seu credo, etnia, religião etc. Confira-se:

"Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

(...)

III - a dignidade da pessoa humana;

IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;

(...)

Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;

(...)

IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;

(...)

X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

I - relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar, que preverá indenização compensatória, dentre outros direitos;

(...)

XXX - proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil";

Importante assinalar que a orientação sexual representa aspecto ligado à identidade e autonomia dos indivíduos, que fazem jus à proteção de sua liberdade, intimidade e privacidade. Sobre a matéria, reputo salutar transcrever as palavras da estudiosa Dra. Maria Berenice Dias, para quem:

"O sistema jurídico assegura tratamento isonômico e proteção igualitária a todos os cidadãos. Omitindo-se o legislador em regular situações dignas de tutela, as lacunas precisam ser colmatadas pelo Judiciário. Na presença de vazios legais, o juiz que não pode negar proteção jurídica nem deixar de assegurar direitos sob a alegação de ausência de lei. Precisa assumir a justiça sua função criadora do direito. Preconceitos e posturas discriminatórias, que tornam silenciosos os legisladores, não devem levar também a Justiça a calar. Imperioso que sejam reconhecidos direitos às situações merecedoras de proteção. Para conceder direitos aos segmentos alvos da exclusão social, impositiva a aplicação da analogia que leva à invocação do princípio da igualdade na busca de identificação da semelhança significativa.

(...)

A regra maior da Constituição brasileira é o respeito à dignidade humana, servindo de norte ao sistema jurídico nacional. A dignidade humana é a versão axiológica da natureza humana. Esse valor implica dotar os princípios da igualdade e da isonomia de potencialidade transformadora na configuração de todas as relações jurídicas. Igualdade jurídica formal é igualdade diante da lei como bem explicita Konrad Hesse: o fundamento de igualdade jurídica deixa-se fixar, sem dificuldades, como postulado fundamental do estado de direito.

(...)

A sexualidade integra a própria condição humana. É um direito humano fundamental que acompanha o ser humano desde o seu nascimento, pois decorre de sua própria natureza. Como direito do indivíduo, é um direito natural, inalienável e imprescritível. Ninguém pode realizar-se como ser humano, se não tiver assegurado o respeito ao exercício da sexualidade, conceito que compreende a liberdade sexual, albergando a liberdade da livre orientação sexual. O direito de tratamento igualitário independente da tendência sexual. A sexualidade é um elemento integrante da própria natureza humana e abrange a dignidade humana. Todo ser humano tem o direito de exigir respeito ao livre exercício da sexualidade. Sem liberdade sexual o indivíduo não se realiza, tal como ocorre quando lhe falta qualquer outra das chamadas liberdades ou direitos fundamentais. (Liberdade de orientação sexual na sociedade atual. Disponível em: http://www.mariaberenice.com.br/manager/arq/(cod2_632)53__liberdade_de_orientacao_sexual_na_sociedade_atual.pdf)

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Também sobre o tema, relembro o julgamento do Supremo Tribunal Federal, que pacificou ser ilícita toda e qualquer discriminação com base em na orientação sexual, prescrevendo que o princípio da igualdade deve ser lido de molde a alavancar a liberdade e a busca pela felicidade (STF, ADP 132 e ADI 4.277, Rel. Min. Ayres Britto, Pleno, DJe 14.10.2011).

A vedação à discriminação se estende à ré, dada a dimensão objetiva dos direitos fundamentais, que promove uma eficácia radiante dos preceitos acima descritos inclusive nas relações jurídico-privadas. Diante da força normativa da Constituição, impõe-se a interpretação conforme dos contratos particulares, especialmente quando se tratam de relações marcadas por um desequilíbrio entre as partes, como sói ocorrer no âmbito laboral.

Por conta disso, é possível dizer que, na sociedade contemporânea, não se mostra lícito adotar a lógica binária do padrão sexual como justificativa para promover tratamento injusto a gays, lésbicas, bissexuais, travestis, transgêneros ou quaisquer outras designações que se queira dar à complexidade humana. O que se impõe, ao revés, é um compromisso e uma responsabilidade cada vez maior de todos pela tolerância e, mais que isso, um respeito pelas diferenças. Afinal, acima de qualquer rótulo está o indivíduo, que é sempre um ser sensciente e, como tal, merecedor de estima por seus sentimentos.

De mais a mais, incumbe ao empregador zelar pela higidez do ambiente de trabalho, propiciando um local respeitoso e isento de qualquer discriminação ou assédio moral (arts. 7º, 200, VIII e 225 da Carta Magna c/c art. 223-C da CLT). Cabe frisar, outrossim, que o trabalho corresponde a uma atividade voltada não apenas à subsistência, como também ao desenvolvimento da dignidade, a tal ponto que a função social da empresa e da propriedade foi elevada ao patamar Constitucional:

"Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: (...)

III - função social da propriedade;

(...)

VI - defesa do meio ambiente...

VII - redução das desigualdades...

VIII - busca do pleno emprego"

Neste cenário, entendo preenchidos os requisitos necessários para não apenas ratificar a tutela vindicada, como também para condenar em definitivo a requerida nas seguintes obrigações:

1. Dispensar tratamento digno aos empregados, respeitando especialmente a sua orientação sexual;

2. Abster-se de fazer qualquer distinção, exclusão, limitação ou preferência discriminatória no emprego, exceto quando a própria lei dispuser em contrário (art. 5º, II, da CF);

3. Coibir toda e qualquer prática de ofensa no ambiente de trabalho, aplicando as medidas disciplinares cabíveis aos envolvidos em caso de discriminação e/ao assédio;

O descumprimento a quaisquer das obrigações acima fixadas ensejará a aplicação de multa no importe de R$ 10.000,00 (dez mil reais) para cada empregado discriminado ou assediado moralmente, sem prejuízo das indenizações porventura cabíveis, desde que o fato seja comprovado por sentença transitada em julgado (art. 5º, LIV, da CF c/c art. 502 do CPC).

De modo a garantir o escopo teleológico da presente ação, deverá a requerida afixar permanentemente uma cópia da presente sentença na entrada do supermercado, no local indicado às fls. 146 e no prazo de 08 dias da intimação da presente, sob pena de multa diária ora fixada em R$ 100,00 (arts. 536, § 1º, e 537 do CPC c/c 765 da CLT). Registro que não há que falar em limitação de dias, ante a natureza jurídica da "astreinte", que é justamente propiciar o fiel cumprimento da decisão.

Julgo procedente, nestes termos.

4. Da indenização por danos morais coletivos

O dano moral consiste na lesão ocasionada a determinados interesses que, embora sem equipolência econômica, integram o leque de projeção interna ou externa inerente à personalidade da pessoa, podendo também alcançar os valores e bens extrapatrimoniais reconhecidos a uma coletividade de pessoas (MEDEIROS NETO. Xisto Tiago de. Dano moral coletivo. 3ª ed. São Paulo: LTr, 2012. p. 64). Por sua vez, a indenização por danos morais coletivos visa a ressarcir, bem assim inibir a injusta e inaceitável lesão ao círculo de valores primordiais de uma coletividade, tendo lugar para restaurar o padrão ético ali esperado.

A jurisprudência pátria já pacificou há tempos a possibilidade de o Judiciário apreciar a matéria, mostrando-se inócua qualquer discussão em sentido contrário. À guisa de exemplo, menciono o posicionamento tanto do Superior Tribunal de Justiça (RESP 636.021/RJ), quanto do Tribunal Superior do Trabalho (E-ED-RR-120300-89.2003.5.01.0015).

Todavia, a indenização depende do preenchimento dos requisitos inerentes da responsabilidade civil, cujos elementos essenciais são o dano, a ilicitude e o nexo causal (arts. 186 e 927 do Código Civil). Ademais, a condenação em tal espécie de reparação só é cabível quando comprovado que a lesão é grave a ponto de transcender a esfera meramente individual, sob pena de configurar "bis in idem". Nesta toada, menciono a ementa dos seguintes julgados:

"DANOS MORAIS COLETIVOS. HIPÓTESE QUE NÃO SE CONFIGURA. O dano moral coletivo pressupõe um ilícito que enseje imediata repulsa social, para o que não se pode dispensar, in casu, a demonstração do nexo causal entre a conduta empresarial no cumprimento da norma e a lesão à coletividade. Na apreciação dos fatos, o tribunal regional afirmou que a inobservância reiterada da reclamada quanto ao cumprimento da legislação trabalhista no tocante à jornada de trabalho não submete a coletividade a uma situação indigna apta a autorizar a reparação por danos morais. Recurso de revista de que não se conhece." (TST, RR 1102-73.2010.5.03.0139; Rel. Min. João Batista Brito Pereira, 5ª Turma, DEJT 31/08/2012).

"DANO MORAL COLETIVO. INOCORRÊNCIA. O dano moral coletivo trata-se de lesão injusta que afeta toda a coletividade. É indevida a indenização por dano moral coletivo quando não comprovada violação transindividual dos direitos da personalidade" (TRT/SP, RO proc. 1000168-15.2017.5.02.0064, Rel. Des. Antero Arantes Martins, 6ª Turma, DEJT 28/06/2018).

No entendimento desse magistrado, a conduta isolada sofrida por um trabalhador é fato que se insere no âmbito eminentemente individual, não gerando repercussão imediata na esfera coletiva, a menos a ponto de autorizar a condenação requerida pelo MPT. Com efeito, ainda que o caso se relacione com o ambiente de trabalho, não há como entender que houve lesão concreta à sociedade, haja vista que somente houve notícia de um único caso de discriminação por orientação sexual ao longo de toda a história da empresa.

Relevante mencionar que o estabelecimento patronal possui mais de 100 funcionários (fls. 95), sendo que o único sujeito assediado já foi devidamente indenizado, quando do julgamento da ação n.º 00023333-77.2012.5.02.0371. Ademais, há indícios de que a ré vem cumprido as normas de orientação de conduta mesmo após a reforma da sentença de mérito pelo E. Regional, o que indica a efetiva vontade de colaborar para que o dano não se alastre para além da esfera individual.

Neste cenário, rejeito o pedido formulado.

5. Da tutela inibitória

A fim de evitar discussões desnecessárias em sede de liquidação, destaco que as obrigações de fazer acima descritas foram deferidas inclusive em sede de tutela preventiva (art. 497, parágrafo único, do CPC). A presente sentença, portanto, se destina não apenas a reparar as lesões já ocorridas, como também a inibir a repetição dos ilícitos supra constatados, dando concretude ao art. 5º, XXXV, da CF, que tutela inclusive a ameaça de lesão a direitos.

Portanto, o conteúdo da presente decisão não será prejudicado por eventual cumprimento das obrigações no curso da demanda e tampouco pela alteração do estabelecimento patronal, prorrogando-se as obrigações de fazer para o futuro. Neste sentido, inclusive, a jurisprudência do TST, da qual é exemplo a seguinte ementa de julgado:

"AÇÃO CIVIL PÚBLICA. OBRIGAÇÃO DE FAZER. CUMPRIMENTO DE NORMAS RELATIVAS À JORNADA DE TRABALHO. AJUSTAMENTO DA CONDUTA APÓS O AJUIZAMENTO DA AÇÃO. TUTELA INIBITÓRIA. MANUTENÇÃO. Deve ser mantida a tutela inibitória concedida pelo descumprimento das normas relativas à jornada de trabalho, ainda que constatada a posterior regularização da situação no curso da ação civil pública. A conduta da ré de ajustar seu procedimento às normas referidas não afasta o interesse processual do Ministério Público do Trabalho de formular tutela inibitória para prevenir a futura lesão de direitos fundamentais trabalhistas. É evidente a necessidade de se admitir a tutela de natureza preventiva, destinada a inibir a repetição pela empresa ré de ato contrário ao direito ao meio ambiente de trabalho equilibrado, seguro e saudável, também no que tange à jornada de trabalho e aos respectivos intervalos para descanso, sob pena de se admitir que as normas que proclamam esse direito ou objetivam protegê-lo não teriam nenhuma significação pática, pois poderiam ser violadas a qualquer momento, restando somente o ressarcimento do dano causado. Sob esse fundamento, a SBDI-I, por unanimidade, conheceu dos embargos, no tópico, por divergência jurisprudencial, e, no mérito, negou-lhes provimento, mantendo incólume a decisão turmária mediante a qual não se conheceu do recurso de revista interposto pela ré." (TST-E-ED-RR43300-54.2002.5.03.0027, SBDI-I, rel. Min. José Roberto Freire Pimenta, 5.4.2018, informativo 175).

Assim sendo, destaco que a presente decisão possui natureza reparatória e inibitória.

6. Do destino das multas e da indenização

Em que pesem os bem fundamentados argumentos levantados pelo Ministério Público, entendo que o destinatário das multas e das indenizações devidas nestes autos deve obrigatoriamente o FAT - Fundo de Amparo ao Trabalhador, nos termos dos arts. 5º, § 6º, e 13, ambos da Lei nº 7.347/85 c/c art. 100, parágrafo único, do CDC. Também nesta toada, a jurisprudência deste Regional:

"INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL COLETIVO. DESTINAÇÃO AO FAT. DECISÃO QUE SE MANTÉM. Não obstante a ausência de norma legal elegendo o Fundo de Amparo ao Trabalhador - FAT como destinatário das indenizações por dano moral coletivo no âmbito trabalhista, é certo que esse ... direcionamento de recursos ao FAT reverte em benefício de todos os trabalhadores, circunstância que se afina com o objetivo da ação coletiva, que é justamente tutelar os direitos metaindividuais. Recurso ordinário do reclamante ao qual se nega provimento." (TRT/SP, Proc. 1000347-24.2015.5.02.0385, Rel. Dr. Sergio Roberto Rodrigues, DJe 06/03/2018).

Com efeito, não há Fundo específico que se aplique ao caso concreto, restando vedado ao magistrado deixar de observar a previsão já exarada pelo legislador, sob pena de ofensa ao art. 5º, II, da Carta Magna.

Dito isso, fixo o FAT como destinatário de todos os valores reconhecidos nestes autos.

7. Da responsabilidade dos sócios

O Órgão Ministerial invocou os arts. 14 e 77 do NCPC para requerer a "expedição de mandado judicial aos sócios da empresa ré para darem cumprimento às obrigações de fazer e não fazer requeridas nesta Ação Civil Pública, sob pena de multa (...)".

Entretanto, a requerida possui personalidade jurídica própria, sendo certo que as obrigações acima descritas se direcionam à empresa, e não aos seus sócios. Além disso, não se vislumbra na hipótese, ao menos por ora, qualquer situação que justifique o levantamento do véu corporativo e tampouco a solidariedade dos membros que compõem a requerida.

Assim sendo, rejeito o pedido formulado na fase cognitiva.

8. Dos honorários advocatícios

Tratando-se de ação civil pública e não sendo constatada a litigância temerária de quaisquer das partes, descabe cogitar de condenação em honorários de sucumbência (art. 18 da Lei 7.347/1985).

Nada a deferir.

9. Da liquidação e do cumprimento da sentença

A liquidação deverá ser realizada por meio de cálculos, respeitados os critérios da fundamentação e os termos da petição inicial, que servem como balizas da condenação (arts. 141 e 492 do CPC).

Em caso de multa, deverá ser observada a correção monetária prevista pelo § 7º do art. 879 da CLT, com juros de 1% ao mês a partir do descumprimento da obrigação supra descrita. Eventual liquidação será realizada conforme a Tabela Única de Atualização e Conversão de Débitos Trabalhistas do CSJT vigente no momento da apuração, observada a Súmula 07 do TRT/02, pois cabe ao devedor arcar com todos os encargos decorrentes da eventual demora processual, sendo seu o dever de primar pelo rápido cumprimento da sentença judicial.

Registro que não são devidas quaisquer contribuições fiscais (IR) ou previdenciárias (INSS) no caso em tela, ante a natureza indenizatória das parcelas deferidas nestes autos (art. 28, § 9º, da Lei 8.212/91 c/c OJ 400 da SDI-1). Indevidas, outrossim, quaisquer compensações, por ausentes as hipóteses legais autorizadoras (arts. 368 do CCB e 767 da CLT c/c Súmula 18 do TST).

Em arremate, destaco que a parte ré, caso se transforme em executada, pode ser validamente citada na pessoa de seu advogado, mas sem que incida a multa do art. 523 do CPC, ante a incompatibilidade do instituto com o processo laboral (Súmula 31 do TRT/SP e Tema Repetitivo 4 do TST). No mais, é evidente que os critérios de liquidação e execução deverão ser debatidos no momento oportuno, que é a fase de cumprimento de sentença, não sendo esta a etapa adequada para se arvorar na matéria.

10. Dos demais requerimentos e esclarecimentos finais

Apenas para evitar a oposição de embargos protelatórios, deixo expresso que o Juízo não se encontra obrigado a rebater os argumentos meramente contingenciais e tampouco as alegações subsidiárias, que, por sua própria natureza, são incapazes de atingir a decisão adotada nos capítulos acima descritos (art. 489, § 1º, IV, do CPC c/c art. 15 e incisos da IN 39/16 TST).

Finalmente, atentem as partes que os embargos declaratórios não servem para discutir o conteúdo das provas e tampouco para obter a reforma do julgado, devendo tais pretensões serem dirigidas à instância revisora. De todo modo, é certo que, por imperativo legal, em caso de eventual omissão ou mesmo vício de nulidade, o próprio Tribunal é competente para complementar ou sanear o feito de modo imediato, sem necessidade de baixa dos autos ao primeiro grau (art. 1.013, §§ 1º e 3º, do CPC c/c Súmula 393 do C. TST), que inclusive já encerrou sua função jurisdicional na fase cognitiva, sem qualquer necessidade de pré-questionamentos.

São estas, portanto, as razões de decidir.


III - DA CONCLUSÃO

Diante do exposto e nos termos da razão de decidir supra, que integra este dispositivo para todos os efeitos, rejeito as preliminares suscitadas e julgo PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedido formulados pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO em face de MAKTUB IPIRANGA LTDA, condenando-a nas seguintes obrigações: I) Dispensar tratamento digno aos empregados, respeitando especialmente a orientação sexual destes; II) Abster-se de fazer qualquer distinção, exclusão, limitação ou preferência discriminatória no emprego, exceto quando a própria lei dispuser em contrário; III) Coibir toda e qualquer prática de ofensa no ambiente de trabalho, aplicando as medidas disciplinares cabíveis aos envolvidos em caso de discriminação e/ao assédio, tudo sob pena de multa no importe de R$ 10.000,00 (dez mil reais) para cada empregado discriminado ou assediado moralmente, conforme acima mencionado (arts. 832 e 835 da CLT c/c 487, I, do CPC).

Por se tratar de tutela inibitória, deverá a requerida fixar permanentemente uma cópia da presente sentença na entrada do supermercado, no prazo de 08 dias da intimação da presente, sob pena de multa diária ora fixada em R$ 100,00 (arts. 536, § 1º, e 537 do CPC c/c 765 da CLT).

Juros e correção monetária na forma acima fixada, sendo indevidas contribuições fiscais e/ou previdenciárias, ante a natureza jurídica indenizatória das parcelas reconhecidas nestes autos (art. 832, § 3º, da CLT).

Custas processuais pela requerida e no importe mínimo legal de R$ 10,64, haja vista o conteúdo da presente decisão, que, por ora, se resume a declarar a existência de obrigação de fazer, sem condenação imediata em qualquer montante (art. 789, "caput", da CLT).

Intimem-se as partes. Cumpra-se.

Mogi das Cruzes, 12/09/2018

MATHEUS DE LIMA SAMPAIO

Juiz do Trabalho Substituto

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Sobre o autor
Matheus de Lima Sampaio

Formado em direito pelo Largo de São Francisco (USP). Pós graduado em direito penal e processo penal pela UCDB; pós-graduando em direito do trabalho e processo do trabalho pela EPD e em compliance trabalhista pelo IEPREV. Atualmente é juiz substituto da 3ª Vara do Trabalho de Mogi das Cruzes - SP.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SAMPAIO, Matheus Lima. Justiça condena supermercado a respeitar direitos de trabalhadores de minoria LGBT. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5982, 17 nov. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/jurisprudencia/68941. Acesso em: 21 nov. 2024.

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