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O livre convencimento do delegado de polícia na análise do estado flagrancial

23/09/2013 às 09:09
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Não raro, o delegado de polícia é sabatinado por conta de suas decisões, como se a sua autoridade fosse precária, passível de convalidação “superior”. Contudo, tem discricionariedade para avaliar se está diante de notícia procedente, não operando como mero agente de protocolo, que ordena flagrantes indiscriminadamente.

Ofício nº 734/2013-CRN 

Ref. Ofício nº XXX/2013 - 2ª PJ/rrm

Senhora Promotora:

Cumprimentando-a cordialmente, acuso o recebimento do Ofício nº XXX/2013 dessa 2ª Promotoria de Justiça, no qual Vossa Excelência solicita informações sobre a “autuação de prisão em flagrante” (sic), bem como sobre o “andamento do Inquérito Policial porventura instaurado” com relação ao Boletim de Ocorrência nº XXX/2013 desta Delegacia de Polícia, de natureza Furto Consumado, no qual figura como investigado XXX.

Preliminarmente ressalto que, por força no disposto no artigo 3º do Ato Normativo nº 409-PGJ/CPJ, de 4 de outubro de 2005[1], as atribuições relativas ao controle externo da atividade de polícia judiciária, no âmbito da Comarca de Pirajuí, são exercidas pelo 1º Promotor de Justiça, responsável pela atuação junto à Corregedoria da Polícia Judiciária.

Sem embargo de tal circunstância, passo a fornecer as informações solicitadas:

Na data de 26/05/2013, pela manhã, o investigado XXX foi visto caminhando nas imediações da Fazenda XXX, localizada no bairro XXX, zona rural deste município, ocasião em que teria pedido café para a vítima XXX.

Posteriormente, à tarde, logo depois do almoço, XXX retornou à propriedade rural, oportunidade em que, ao perceber que não havia ninguém na casa e que a porta estava aberta, ingressou naquele local e subtraiu para si uma furadeira elétrica e três garrafas de bebida alcoólica.

À noite, quando retornou à sua residência, a vítima constatou o furto e, por conseguinte, acionou a Polícia Militar.

Os soldados XXX e XXX, que foram chamados para atendimento da referida ocorrência, ao tomarem conhecimento dos fatos, iniciaram buscas com vistas à localização do autor do furto.

Algumas horas depois, o investigado foi localizado pelos policiais na casa de sua irmã, no Distrito da XXX, neste município, local onde também foram recuperados os objetos subtraídos.

Em seguida, as partes foram conduzidas até esta Delegacia de Polícia, para as providências de polícia judiciária cabíveis, por meio das quais a Polícia Civil exerce atribuição essencial à função jurisdicional do Estado e à defesa da ordem jurídica[2].

Recepcionado o fato, esta Autoridade Policial, como primeira garantidora da legalidade e da Justiça[3], passou primeiramente a avaliar se a situação apresentada era, ou não, flagrancial, conforme artigo 302 do Código de Processo Penal, que assim dispõe:

“Art. 302. Considera-se em flagrante delito quem:

I - está cometendo a infração penal;

II - acaba de cometê-la;

III - é perseguido, logo após, pela autoridade, pelo ofendido ou por qualquer pessoa, em situação que faça presumir ser autor da infração;

IV - é encontrado, logo depois, com instrumentos, armas, objetos ou papéis que façam presumir ser ele autor da infração.”

Procedeu-se, por conseguinte, na forma preconizada na Recomendação DGP nº 1, de 13 de junho de 2005, que em seu item I assevera que “caberá exclusivamente à Autoridade Policial formar, soberanamente, sua convicção jurídica e, então, determinar, ou não, a lavratura do auto de prisão, inadmitido qualquer tipo de ingerência relativamente ao enquadramento típico da conduta e à existência de estado flagrancial”.

Entrevistadas as partes (condutor, testemunhas, vítima e conduzido), verificou-se que o investigado foi encontrado, aproximadamente, entre 7 (sete) e 8 (oito) horas depois do fato, na casa de sua irmã, ocasião em que também foram recuperados os objetos furtados.

Assim, XXX claramente não estava cometendo a infração penal, não havia acabado de cometê-la e nem havia sido perseguido, excluindo-se de antemão as três primeiras hipóteses de flagrante delito, previstas no artigo 302 do CPP.

Por fim, analisando a hipótese de flagrância ficta ou presumida, contemplada no inciso IV do diploma legal em referência, tem-se que, para sua configuração, é necessário que o pretenso delinquente seja encontrado, logo depois do crime, com objetos que façam presumir ser ele autor da infração.

Nesse ponto, não obstante a existência de outros posicionamentos a respeito do tema, dos quais respeitosamente discordo, tenho a firme e serena convicção de que todo preceito que fere ou atinge a liberdade individual de alguém deve ser interpretado de maneira restrita, de tal forma que essa expressão, “logo depois”, deve ser delimitada ao máximo, sendo menor o arbítrio na apreciação do elemento cronológico.

Nesse sentido, destaco a seguinte doutrina:

“Abrangência da expressão ‘logo depois’: também neste contexto não se pode conferir à expressão uma larga extensão, sob pena de se frustrar o conteúdo da prisão em flagrante. Trata-se de uma situação de imediatidade, que não comporta mais do que algumas horas para findar-se. O bom senso da autoridade – policial e judiciária –, em suma, terminará por determinar se é caso de prisão em flagrante” (NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. p. 635).

“Teremos assim, que, não havendo a lei fixado extensão temporal, as expressões logo após e logo depois só poderão ser interpretadas restritamente, não podendo o agente haver passado à prática de atos estranhos à infração penal” (BRANCO, Tales Castelo. Da Prisão em Flagrante. p. 53).

“Na hipótese do inciso IV, menor é o arbítrio na apreciação do elemento cronológico, precisamente porque falta a circunstância objetiva, concreta, visível, da perseguição. Essa hipótese é muito mais delicada que a do inciso III. Muito mais perigosa. Muito mais sujeita a arbitrariedades e a ampliações desmedidas que tornem seus limites sem contorno” (DELMANTO Junior, Roberto. As Modalidades de Prisão Provisória e seu Prazo de Duração. p. 105).

Na mesma linha de pensamento, convém ressaltar a jurisprudência que adiante segue:

“De acordo com o art. 302, IV, do CPP, o flagrante presumido se dá quando o agente é encontrado, ‘logo depois’, com instrumentos, armas objetos ou papéis que façam presumir ser ele o autor da infração. Na verdade, o flagrante presumido não exige perseguição, mas é imprescindível que haja uma relação de imediatidade entre a prática da infração e a captura do acusado. Ou seja, a expressão ‘logo depois’ do dispositivo reclama brevidade, a ela não equivalendo lapso superior a quatro horas” (RT 674/309).

“A locução ‘logo depois’ constante do inc. IV, do art. 302 do CPP deve ser entendida no próprio sentido restrito que tem, sendo menor, portanto, o arbítrio na apreciação do elemento cronológico” (JTACRESP 51/421).

“Se entre a consumação do delito imputado e a prisão decorreram, pois, cerca de quatro horas e nesse espaço de tempo os agentes retomaram sua ocupação normal não sendo perseguidos ou molestados e não encontrados, logo depois, com instrumentos, armas objetos ou papéis que fizessem presumir a autoria da infração, tem-se como não tipificada a flagrância, o que torna ilegal a custódia dos pacientes, que deve ser relaxada, sem prejuízo de eventual decretação de prisão preventiva, se positivada sua necessidade” (RT 687/276).

Diante de tais fundamentos, no exercício da prerrogativa constitucional de livre convencimento técnico-jurídico, uma vez firmado o entendimento de que a situação fática analisada não configurava hipótese caracterizadora de autuação em flagrante, determinei o registro do fato em boletim de ocorrência, para apuração do ocorrido por meio de Inquérito Policial instaurado por Portaria, tal como previsto no item XVI da Recomendação DGP nº 1, de 13 de junho de 2005, que assim dispõe:

“Decidindo pela inexistência de situação jurídica caracterizadora de flagrante, deverá a Autoridade Policial registrar o fato em boletim de ocorrência, sem emitir recibo de entrega de preso, em seguida adotando as providências de polícia judiciária cabíveis, inclusive para responsabilização criminal dos autores da detenção indevida, se for o caso”.

Sem prejuízo disso, convém consignar que as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais exercidas pelo Delegado de Polícia são de natureza jurídica, essenciais e exclusivas de Estado. As Autoridades Policiais de certa forma “judicam” sem toga, pois, dia e noite, o Delegado de Polícia personifica a arbitragem das querelas delituosas, ínfimas ou não. Ele recepciona, avalia e dá rumo aos diversos casos que lhe são levados à apreciação[4].

Inúmeros operadores do Direito, de órgãos outros principalmente, parecem intencionalmente ignorar essa realidade, tratando os Delegados de Polícia como meros seres mecânicos, robotizados.

Não raro, o Delegado de Polícia é sabatinado por conta de suas decisões, como se a sua autoridade fosse precária, passível de convalidação “superior”.

Os que assim agem, olvidam que os Delegados de Polícia exercem um controle social importantíssimo, razão pela qual a legislação vigente lhes confere garantias mínimas para possam agir com isenção e imparcialidade, tudo a fim de que a sociedade tenha um bom guardião dos direitos fundamentais.

Não sem sentido, o artigo 140, § 3º, da Constituição do Estado de São Paulo determina que “aos Delegados de Polícia é assegurada independência funcional pela livre convicção nos atos de polícia judiciária”.

Tal dispositivo, incluído pela Emenda Constitucional nº 35/2012, teve por objetivo “fundamentar a carreira de Delegado de Polícia como atribuição essencial à função jurisdicional do Estado e à defesa da ordem jurídica, correlato do Estado de Direito”, proporcionando “as condições necessárias para a livre convicção motivada nos atos de polícia judiciária aos Delegados de Polícia, dando-lhes segurança quanto ao exercício de suas funções” [5].

Por meio da independência funcional o Delegado de Polícia (enquanto Autoridade Policial) tem a garantia de não se subordinar, em matéria de polícia judiciária, a nenhum outro órgão, poder ou chefia, mediata ou imediata, mas, tão somente, a sua consciência técnica e jurídica, desde que, ao certo, como ocorreu no presente caso, fundamente seus atos de ofício em conformidade com a lei, o Direito e suas fontes[6].

Hoje, é pacífico o entendimento jurisprudencial de que um Delegado de Polícia não prevarica, sequer em tese, quando deixa, motivadamente, de determinar a lavratura de um auto de prisão em flagrante, mormente se, no ato da negativa, ele justifica, sob o ponto de vista jurídico, os motivos que o levaram a assim agir. Muitos esquecem que o delito de prevaricação, além do “dolo específico”, exige “especial fim de agir” (satisfação de interesse ou sentimento pessoal), cuja prova, ante a um despacho tecnicamente bem fundado é, em verdade, impraticável de ser feita.

Nesse sentido, destaco a seguinte doutrina:

"Ao receber o preso e as notícias a respeito do fato tido como criminoso, a autoridade policial deverá analisar estes e os elementos que colheu com muita cautela, a fim de verificar se é hipótese de lavrar o auto de prisão em flagrante. A prisão não implica obrigatoriamente na lavratura do auto, podendo a autoridade policial, por não estar convencida da existência de infração penal ou por entender que não houve situação de flagrância, conforme for a hipótese, dispensar a lavratura do auto, determinar a instauração de inquérito policial para apurar o fato, apenas registrá-lo em boletim de ocorrência etc..., providenciando então a soltura do preso". (MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. 17. ed. São Paulo: Atlas).

“O Delegado de Polícia pode e deve relaxar a prisão em flagrante, com fulcro no art. 304, § 1º, interpretado a “contrario sensu”, correspondente ao primeiro contraste de legalidade obrigatório, quando não estiverem presentes algumas condições somente passíveis de verificação ao final da formalização do auto, como, por exemplo, o convencimento, pela prova testemunhal colhida, de que o preso não é o autor do delito, ou, ainda, quando chega à conclusão que o fato é atípico.” (PEREIRA, Maurício Henrique Guimarães - Habeas Corpus e polícia judiciária, p. 233-234).

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E remansosa é a jurisprudência:

“A determinação da lavratura do auto de prisão em flagrante pelo delegado de polícia não se constitui em um ato automático, a ser por ele praticado diante da simples notícia do ilícito penal pelo condutor. Em face do sistema processual vigente, o Delegado de Polícia tem o poder de decidir da oportunidade ou não de lavrar o flagrante”. (RT, 679/351).

“A autoridade policial goza de poder discricionário de avaliar se efetivamente está diante de notícia procedente, ainda que em tese e que avaliados perfunctoriamente os dados de que dispõe, não operando como mero agente de protocolo, que ordena, sem avaliação alguma, flagrantes e boletins indiscriminadamente." (RJTACRIM, 39/341).

“Compete privativamente ao delegado de polícia discernir, dentre todas as versões que lhe sejam oferecidas por testemunhas ou envolvidos em ocorrência de conflito, qual a mais verossímil e, então, decidir contra quem adotar as providências de instauração de inquérito ou atuação em flagrante. Somente pode ser acusado de se deixar levar por sentimentos pessoais quando a verdade transparecer cristalina em favor do autuado ou indiciado e, ao mesmo tempo, em desfavor daquele que possa ter razões para ser beneficiado pelos sentimentos pessoais da autoridade”. (RT, 622/296-7; RJTACRIM, 91/192).

"Para configuração do crime previsto no art. 319 do CP é indispensável que o ato retardado ou omitido se revele contra disposição expressa de lei. Inexistindo norma que obrigue o Delegado de Policia autuar em flagrante todo cidadão apresentado como autor de ilícito penal, considerando seu poder discricionário não há se falar em prevaricação". (RT 728/540).

“Inocorre o delito do art. 319 do CP, na conduta de Delegado de Polícia que deixou de lavrar auto de prisão em flagrante de acusado que nessa situação se encontrava, iniciando somente o Inquérito Policial, pois a regra da lavratura do auto de prisão em flagrante em situações que o exijam, não é rígida, sendo possível certa discricionariedade no ato da Autoridade Policial, que pode deixar de fazê-lo em conformidade com as circunstâncias que envolvem cada caso.” (RDJTACRIM, 51/193).

"O Delegado de Polícia não tem função robotizada. É bacharel em Direito. Submete-se a concurso público. Realiza, na própria Instituição, cursos específicos. Tem, na estrutura de sua função, chefias hierárquicas e órgão correcional superior. Não se pode, pois, colocar seu agir sempre sob a suspeita de cometimento de crime de prevaricação, caso não lavre o flagrante, principalmente quando esse seu agir pressupõe decisão de caráter técnico-jurídico, como o é no caso do auto de flagrante. Está na hora, pois, mormente neste momento em que se procura alterar o Código de Processo Penal, de se conferir ao Delegado de Polícia regras claras e precisas para que o exercício de sua função não seja um ato mecânico, burocrático, carimbativo, dependente, amedrontado ou heróico, enfim, não condizente com a alta responsabilidade e dever que a função exige, até para que se possa cobrar plenamente essa responsabilidade que lhe é conferida e puni-lo pelos desvios praticados". (TJSP, HC 370.792).

Essas são as principais considerações a respeito da não-autuação em flagrante de XXX.

Ressalto ainda que, superada a questão relativa ao estado flagrancial, também foi de plano descartada eventual hipótese de representação por prisão temporária ou preventiva.

Ocorre que, no presente caso, o crime investigado (furto) não se encontra elencado no rol taxativo do art. 1º, inciso III, da Lei nº 7.960/89, sendo, portanto, descabida a decretação da prisão temporária.

Além disso, a custódia do investigado não era necessária para as investigações, uma vez que o caso já havia sido solucionado, porquanto os objetos subtraídos foram todos recuperados, apreendidos, avaliados e restituídos à vítima.

Além disso, o autor do fato, XXX, foi devidamente localizado, identificado e ouvido sobre os fatos, ocasião em que confessou, em detalhes, a prática delituosa.

Do mesmo modo, não se mostrou cabível eventual pedido de prisão preventiva, tendo em vista a ausência de elementos que, concretamente, justificassem tal medida.

Aliás, vale dizer, atualmente, são raríssimos os casos de decretação de prisão preventiva durante a fase da investigação policial, sendo por vezes incompreensível que o juiz o faça, uma vez que existe como medida cautelar mais adequada a prisão temporária[7], incabível no presente caso, como acima exposto.

Também é preciso considerar que o investigado possui residência fixa e é tecnicamente primário, uma vez que não registra condenações anteriores em sua folha de antecedentes criminais.

Além disso, confessou espontaneamente a autoria do crime perante a Autoridade Policial, fazendo jus à atenuante do artigo 65, inciso III, letra “d”, do Código Penal, vez que se trata de "direito público subjetivo do réu" (STF. HC 106.376/MG. Rel. Carmen Lúcia. T1. Julg. 01.03.2011).

Os objetos furtados são de pequeno valor (avaliados em R$ 252,89), não havendo até o momento comprovação de nenhuma qualificadora.

Assim, preservado o posterior desenvolvimento das investigações, ainda em andamento, vislumbra-se, em tese, a prática de crime de furto privilegiado, previsto no artigo 155, § 2º, do Código Penal[8], hipótese que, uma vez confirmada, também confere ao réu (assim como a confissão) o direito público subjetivo de concessão do respectivo privilégio legal[9].

Na verdade, tendo em vista as penas abstratamente cominadas ao crime investigado (furto), é muito pouco provável que, caso julgada procedente eventual ação penal, seja fixada pena privativa de liberdade, de modo que, levando-se em conta tal prognóstico e considerando-se a natureza do crime e a futura e eventual tutela jurisdicional, a prisão mostra-se claramente desproporcional[10].

Isso porque a medida cautelar (prisão preventiva) não pode ser mais gravosa do que a tutela principal (ação penal) a que visa instrumentalizar, sob pena de transgressão do postulado constitucional da proporcionalidade.

Em razão das razões fáticas e jurídicas de convencimento retro expendidas, não sendo caso de prisão em flagrante, temporária ou preventiva, o investigado XXX foi ouvido e liberado.

Considerando o horário já avançado do término dos trabalhos, no dia seguinte ao fato, segunda-feira, 27 de maio de 2013, foi instaurado, por meio de portaria, o Inquérito Policial nº XXX/2013, ainda em andamento.

Faço juntar ao presente expediente cópia integral do referido feito (dos atos até aqui praticados), para que Vossa Excelência possa verificar o “andamento do Inquérito Policial porventura instaurado”, conforme solicitado no ofício ora respondido.

Saliento que o respectivo Inquérito Policial está em regular andamento, dentro da normalidade dos serviços de polícia judiciária afetos a esta Delegacia de Polícia, sendo certo que o fato do investigado encontrar-se em liberdade não traz nenhum prejuízo para as investigações ou ainda para eventual e futura ação penal.

Nada há de excepcional no presente caso, afora a circunstância da vítima XXX ostentar a peculiar condição de cônjuge da senhora XXX, Oficiala de Promotoria em exercício nessa Promotoria de Justiça de Pirajuí, fato que, ao que parece, seria a principal razão dos questionamentos ora apresentados.

O certo é que, esgotadas as providências para esclarecimento do fato perquirido, suas circunstâncias e respectiva autoria, esta Autoridade Policial fará minucioso relatório final do que tiver sido apurado, detalhando os meios empregados e as diligências efetuadas, bem com as razões, de fato e de direito, que fundamentem o seu convencimento sobre o resultado da investigação[11].

Por conseguinte, com o encaminhamento dos autos de Inquérito Policial para aforamento e livre distribuição, o caso poderá ser melhor analisado, em todos os seus aspectos, pelo respectivo Promotor de Justiça Natural.

Convém ainda deixar claro que à Polícia Civil, como órgão constitucionalmente consagrado à defesa das instituições democráticas, impende o mais efetivo e irrestrito respeito à cidadania e à dignidade da pessoa humana.

Nesse diapasão, em Pirajuí, as incumbências de investigação criminal e de polícia judiciária, principais misteres policiais civis, são e serão sempre desenvolvidos em perfeita consonância aos imperativos constitucionais, éticos e técnicos voltados à preservação do status dignitatis da pessoa humana, mediante transparentes procedimentos garantistas a serem evidenciados no Inquérito Policial.

Por fim, vale consignar, este Delegado de Polícia, como sempre o fez nos seus quinze anos de atividade policial, sempre atuou e continuará a atuar com isenção, imparcialidade e independência funcional, agindo de acordo com o seu livre convencimento técnico-jurídico, independentemente de quem sejam as partes envolvidas, suas relações afetivas e eventuais contatos pessoais e/ou profissionais daí decorrentes. 

Aproveito a oportunidade para apresentar a Vossa Excelência protestos de elevada estima e distinta consideração, colocando-me à disposição para maiores esclarecimentos que se fizerem necessários.

César Ricardo do Nascimento

Delegado de Polícia Titular


NOTAS

[1]Dispõe o artigo 3º do Ato Normativo nº 409-PGJ/CPJ, de 4 de outubro de 2005, que “as atribuições relativas ao controle externo da atividade de polícia judiciária serão exercidas pelo Promotor de Justiça responsável pela atuação junto à Corregedoria da Polícia Judiciária, sem prejuízo da atuação dos Promotores de Justiça Criminais”.

[2]A Constituição do Estado de São Paulo, no seu artigo 140, § 2º, dispõe que “no desempenho da atividade de polícia judiciária, instrumental à propositura de ações penais, a Polícia Civil exerce atribuição essencial à função jurisdicional do Estado e à defesa da ordem jurídica”.

[3]“O Delegado de Polícia é o primeiro garantidor da legalidade e da justiça.” (Min. Celso de Melo, Supremo Tribunal Federal, em sede do HC 84548/SP, rel. Min. Marco Aurélio, 21.6.2012).

[4]Cf. LESSA, Marcelo de Lima. A Independência Funcional do Delegado de Polícia Paulista. p. 3.

[5]Vide exposição de motivos da PEC nº 19/2011, convertida na Emenda Constitucional nº 35/2012.

[6]Cf. LESSA, Marcelo de Lima. A Independência Funcional do Delegado de Polícia Paulista. p. 4.

[7]Cf. NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. p. 656.

[8]Dispõe o artigo 155, § 2º, do Código Penal, que  “se o criminoso é primário, e é de pequeno valor a coisa furtada, o juiz pode substituir a pena de reclusão pela de detenção, diminuí-la de um a dois terços, ou aplicar somente a pena de multa”.

[9]Cf. CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal. p. 416.

[10]TJSP, HC 990.10.264127-9, 16ª C., rel. Almeida Toledo, j. 26.10.2010, v.u.

[11]Cf. artigo 10, § 1°, do CPP c/c artigo 12 da Portaria DGP n° 18, de 25 de novembro de 1998.     

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Sobre o autor
César Ricardo do Nascimento

Delegado de Polícia Titular da Delegacia de Polícia do Município de Pirajuí/SP

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NASCIMENTO, César Ricardo. O livre convencimento do delegado de polícia na análise do estado flagrancial. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3736, 23 set. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/pareceres/25372. Acesso em: 23 nov. 2024.

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