Análise da jurisdição das Ilhas Virgens Britânicas (B.V.I.).

Prevenção e Combate à Lavagem de dinheiro ("AML") e Política de "Conheça seu Cliente" ("KYC") em B.V.I.

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23/04/2015 às 22:31
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4. Da obrigatoriedade de indicação de “Compliance Officer

O “Compliance Officer”, como regra, é um diretor ou administrador de uma entidade que se responsabiliza pelo cumprimento da regulamentação AML/KYC perante os órgãos reguladores da jurisdição em que sua entidade foi constituída.

Nem todas as jurisdições estrangeiras exigem a figura do Compliance Officer. No que tange à jurisdição de BVI, a figura é expressamente exigida nos termos do capítulo V do  Financial Services Commission Act (FSCAct).

Além disso, a Em a Anti-Money Laundering Regulation estabelece também a  nomeação de um Anti- Money Laundering Reporting Officer, apontado para efetivar a fiscalização e controle de eventual operação de lavagem de dinheiro, dentre outras funções, devendo reportar qualquer atividade suspeita de lavagem de dinheiro ao órgão regulador de BVI.

Com efeito, o artigo “vi” da introdução ao Anti-Money Laundering And Terrorist Financing Code Of Practice de 2008 dispõe:

“(vi) The AMLR requires the appointment of an Anti-money Laundering Reporting Officer (referred to in this Code as “the Reporting Officer”. For entities that are regulated by the Commission, they are required under the FSCA to appoint Compliance Officers. The FSCA allows such Compliance Officers to also function as Reporting Officers. However, the mere appointment of a Compliance Officer by an entity that is regulated by the Commission does not in itself automatically qualify the Officer to perform the role of a Reporting Officer; the approval of the Commission is required (see section 34 (7) of the FSCA).”

Importante frisar que apesar do Compliance Officer possuir a faculdade assegurada pela FSCA de exercer também a função de Reporting Officer, ambas as funções divergem entre si, de modo que as atividades exercidas no âmbito de cada cargo devem ser distintas e não devem se confundir. 

É isto que prevê o inciso III do mesmo regulamento, senão vejamos:

“(iii) In cases where a Compliance Officer appointed pursuant to the FSCA also performs the role of a Reporting Officer for an entity, it is the responsibility of senior management to ensure that the compliance and reporting functions are not muddled; the functions must be distinct, even though related in some measure, in order to ensure that the execution of the reporting requirements under the DTOA, PCCA, the 2002 Order, AMLR and this Code are not delayed or in any way hindered.” (g.n)

Em suma, a a indicação de um Compliance Officer é pressuposto  para o regular funcionamento das entidades reguladas em BVI, sendo certo que a FSCA, de forma objetiva, prescreve que tal individuo deve ser apontado por um agente com poder de decisão na entidade, bem como deve ser previamente aprovado em comissão de diretores, os quais estabeleceram, inclusive as atribuições e responsabilidades do Compliance Officer nos termos da legislação aplicável.

Ademais, nos termos do schedule 1 da FSCA, a falta de indicação do Compliance Officer enquadra-se como penalidade administrativa,  passível de punição pecuniária no valor de $2,000 a $10,000, corroborando, assim, tal obrigatoriedade.

Esta obrigação está prevista no item 6, do SCHEDULE 1 da FSC, que vigora com a seguinte redação:

“6. Compliance contravention Licensee failing to establish or maintain adequate systems and controls for ensuring compliance with the requirements of, and its obligations under, the Act, the regulatory legislation, the Regulatory Code or directives issued by the Commission as required by section 34 of the Act, including

(a) failure to appoint a compliance officer;

(b) failure to establish and maintain a compliance procedures manual;

(c) failure to comply with any requirement of a regulatory code with respect to compliance.” (g.n)


5. Da Identificação do beneficiário final – “ultimate beneficial owner

Segundo Grupo de Ação Financeira contra a Lavagem de Dinheiro e o Financiamento do Terrorismo (GAFI/FATF) beneficiário final é o indivíduo que de fato possui ou controla um cliente ou em nome da qual uma transação está sendo conduzida.

Grosso modo, o beneficiário final de uma transação é a pessoa física que se estabelece no topo da cadeia societária formada pela pessoa jurídica que celebrou determinado negócio jurídico. Os critérios para identificação do beneficiário final variam de uma jurisdição para outra, sendo certo que determinadas jurisdições simplesmente não exigem sua identificação, com infere em real risco de lavagem de

Na jurisdição de BVI, de acordo com o Anti-Money Laundering And Terrorist Financing Code Of Practice, de 2008, o beneficiário final deve ser identificado por meio de dados relevantes ou informações obtidas de fontes confiáveis, sob pena da transação não ser concluída.

É importante ressaltar que a mera falta de empenho na identificação do beneficiário final, constitui atividade suspeita tipificada nos termos do schedule 3 do regulamento supracitado.

É isto que dispõe a clausula 7,  inciso iii, da AML Code:

“(iii) It is also important that, in respect of a legal person, the entity or professional identifies the beneficial owner thereof and verifies his or her identity through the use of relevant data or other information obtained from a reliable source with which the entity or professional is satisfied. The entity or professional must seek to understand the ownership and control structure of the applicant for business by establishing the actual persons who hold a controlling interest in the applicant’s business or who direct the mind of the applicant in terms of the actual management of the company”(g.n.)

No mesmo sentido, acerca da falta de empenho na identificação do beneficiário final, transcreve-se, também, o item B do schedule 3 da mesma legislação:

“(B) Potentially suspicious secrecy might involve

(i) excessive or unnecessary use of nominees;

(ii) unnecessary granting of power of attorney;

(iii) performing “execution only” transactions;

(iv) using a client account rather than paying for things

directly;

(v) use of mailing address;

(vi) unwillingness to disclose the source of funds; and

(vii) unwillingness to disclose identity of ultimate beneficial owners.”(g.n.)


                      


6. Do período de arquivamento de documentos exigido

A manutenção dos arquivos que demonstrem as operações efetuadas pelos clientes no mercado de capitais é pertinente à eventual investigação de lavagem de dinheiro. O período de tempo em que os arquivos devem ser mantidos não é uniforme para todas as jurisdições.

Na jurisdição de BVI, nos termos do artigo 10, da Anti-Money Laundering Regulations de 2008, emendada em 2010, os arquivos devem ser mantidos pelo período mínimo de cinco anos, devendo-se, em caso de investigação acerca de lavagem de dinheiro, manter a documentação relevante arquivada pelo período que se fizer necessário ao efetivo cumprimento dos procedimentos investigatórios. Sobre o começo da contagem do prazo de cinco anos, a AMLR prescreve:

10. (1) A relevant person shall maintain the records required under Limitation period for retention of records regulations 7, 8 and 9 for a period of at least five years from the date

(a) when all transactions relating to a one-off transaction or a series of linked transactions were completed; or

(b) when the business relationship was formally ended.” (g.n)

Em se tratando do período de arquivamento em caso de investigação, o mesmo regulamento expressa:

“Where a report has been made to the Anti-money Laundering Reporting Officer appointed under regulation 13 or the relevant person knows or believes that a matter is under investigation, that person shall, without prejudice to sub-regulation (1) or the requirements of the Code relating to the retention of records, retain all relevant records for as long as may be required by the Agency.” Clausula 10, (2), Anti-Money Laundering Regulations, 2008.

Ainda no mesmo sentido, tem-se o inciso III da explicação da clausula 42 da Anti-Money Laundering And Terrorist Financing Code Of Practice de 2008:

“(iii) The minimum retention period of records required under the AMLR is five years; this Code replicates that requirement with respect to specific transactions. However, consistent with the AMLR, it should be noted that there may be circumstances where it becomes necessary to retain records for longer periods extending beyond the prescribed minimum. For instance, where an investigation relates to records that are considered essential to the investigative process, it is important that those records continue to be kept beyond the prescribed minimum period.” (g.n)

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7. Demonstrações Financeiras

A análise das demonstrações financeiras podem revelar indícios de lavagem de dinheiro nas entidades, o que pode se consubstanciar, por exemplo, no aumento repentino do capital social sem justificativa plausível.

Enquanto determinadas jurisdições exigem que as demonstrações das companhias sejam devidamente auditadas por auditor independente e registradas em órgão competente, outras jurisdições simplesmente não exige que as entidades reguladas elaborem suas demonstrações financeiras, o que dificulta a identificação de práticas de lavagem de dinheiro.

De acordo com a BVI Business Companies Act de 2004, a Companhia deve manter documentos que sejam suficientes para demonstrar e explicar suas transações realizadas, bem como permitam, a qualquer momento, seja determinada a posição financeira da entidade com um grau de precisão razoável.

Neste sentido, transcreve-se a clausula 98 do referido diploma:

“(1) A company shall keep records that

             (a) are sufficient to show and explain the company’s transactions; and

(b) will, at any time, enable the financial position of the company to be determined with reasonable accuracy.

(2) A company that contravenes this section commits an offence and is liable on summary

conviction to a fine of $10,000.” (g.n)

Além disso, a BVI Business Companies Act, em sua clausula 148, traz prescrições de como deve-se proceder à elaboração de Demonstrações Financeiras em Empresas de Carteira Segregada (SPC):

“148. The financial statements of a segregated portfolio company shall take into account the segregated

nature of the company and shall include an explanation of

(a) the nature of the company;

(b) how the segregation of the assets and liabilities of the company impacts upon members

of the company and persons with whom the company transacts; and

(c) the effect that any existing deficit in the assets of one or more segregated portfolios of the company has on the general assets of the company.” (g.n.)

Note-se que a Companies Act apesar de prescrever, em sua clausula 98, a obrigatoriedade de manter-se em disponibilidade documentos que comprovem a posição financeira e as transações efetuadas pela Empresa, não menciona expressamente a forma a ser adotada em tal documentação, utilizando-se da expressão demonstrações financeiras somente em sua clausula 148, no que tange às Empresas de Carteira Segregada (SPC).

                                                 


8. Considerações finais

Com o levantamento da legislação das Ilhas Virgens Britânicas envolvendo combate à lavagem de dinheiro (AML/CTF), bem como análise dos relatórios da FAFT, pode-se resumir os principais pontos sobre esta jurisdição da seguinte maneira:

  1. É exigida a identificação do beneficiário final do investimento, ou das pessoas físicas que controlam o veículo, nos casos em que não for possível a identificação de todos os beneficiários finais (companhias abertas, por exemplo);
     
  2. É exigida a nomeação de um Diretor responsável pela fiscalização e atendimento às regras de AML (“Reporting Officer”) e treinamento constante sobre as normas de AML e KYC;

     
  3. Há aplicação integral das recomendações da GAFI;

     
  4. A “Financial Services Commission” (“FSC”) é a instituição responsável pela supervisão / fiscalização dos participantes do mercado e é membro ordinário da IOSCO. Não acordo bilateral de cooperação assinado com a CVM e FSC;
     
  5. Há sanções de ordem civil e administrativa à entidade em caso de descumprimento das normas de AML e também de âmbito criminal aos responsáveis;

     
  6. As pessoas politicamente expostas (“PPE”) devem ser identificadas e, nestes casos, o monitoramento dos investimentos deve ser mais próximo;

     
  7. A atualização dos documentos deve ser constante, mantendo-a sempre atualizada;

     
  8. Os fundos devem contratar por escrito um administrador, que deve ser o responsável pelo cumprimento das normas de AML ou subcontratar empresa especializada para tanto; e

     
  9. Apesar de ainda haver em BVI a possibilidade de constituição de sociedades com ações ao portador, este tipo societário tem sido menos utilizado, em razão de seu alto custo (taxas anuais). De qualquer modo, estas sociedades são obrigadas a manter registros sobre seus sócios, bem como e do mesmo modo os “registered agent”.

O intuito deste material é academio, e consiste em levantar uma breve descrição geral sobre tópicos importantes sobre a legislação das Ilhas Virgens Britânicas (BVI), no âmbito de sua legislação de prevenção e combate à lavagem de dinheiro (Anti-Money Laundering And Counter-Terrorism - “AML/CTF”)”, bem como dos procedimentos de conhecimento de cliente (Know Your Client – “KYC”) sendo expressamente vedado seu uso como conselho legal ou opinião legal.


9. REFERÊNCIAS

  • A Handbook On International Co-Operation And Information Exchange
  • Financial Services Commission Act (FSCAct)
  • Anti-Money Laundering Regulation
  • Anti-Money Laundering And Terrorist Financing Code Of Practice de 2008
  • Schedules of FSCA Act.
  • BVI Business Companies Act de 2004


***Este material não deve ser utilizado como conselho legal ou opinião legal.***


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Sobre o autor
Lucas Ometto Ferraz de Arruda

Advogado em São Paulo. Graduado pela Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Pós graduando em Direito Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas - GVlaw.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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