EXMO. SR. JUIZ FEDERAL DA VARA GABINETE DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL DA CAPITAL:
Procedimento do Juizado
(FGTS – Alteração do índice de remuneração)
Autos nº
X , já qualificado, nos autos do Procedimento em evidência onde contende com a Caixa Econômica Federal – CEF, não se conformando com a r. sentença de fls. que com fundamento do at. 285-A, do Código de Processo Civil julgou improcedente a demanda, vem, tempestivamente, da mesma recorrer como de fato RECORRE para a E. Turma Recursal de São Paulo, o que faz pelos fundamentos aduzidos em anexo, esperando seja o presente apelo recebido e processado como de estilo.
Pede vênia para que seja reconsiderada a r. sentença de improcedência na forma do 1º do art. 285-A do CPC.
Requer a citação da ré e recorrida para contra-arrazoar a presente irresignação sob as penas de estilo.
Por ser o(a) recorrente beneficiário da gratuidade judicial, deixa de efetuar o preparo na forma do art. 511 do CPC aplicado por analogia.
Nestes termos,
P. Deferimento.
S. Paulo,
Advogado
OAB
Origem autos nº do Juizado Especial Federal da Capital:
Recorrente:
Recorrida: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL
Razões de recurso
Egrégia Turma Recursal:
1. Versam os presentes autos a respeito de demanda atinente a obter a substituição do índice da Taxa Referencial (T.R.) pelo índice do INPC ou IPCA na conta vinculada de FGTS do(a) recorrente, com a condenação da recorrida C.E.F. em efetuar o depósito das diferenças desde o 23/04/1999 e o pagamento da diferença em favor do jurisdicionado quando houve saque em sua conta vinculada.
2. O MM. Juízo a quo houve por bem julgar improcedente liminarmente a demanda, sem, no entanto, se ater ao cerne da questão posta a julgamento, entendendo ser constitucional a aplicação da T.R. nas contas vinculadas do FGTS, o que todavia, concessa venia, não esta correto como passa a demonstrar o(a) recorrente.
DA LEGITIMIDADE DE PARTE
3. Com efeito, há tempos o E. Tribunal da Cidadania editou a Súmula 249 e que reza:
A Caixa Econômica Federal tem legitimidade passiva para integrar o processo em se se discute correção monetária do FGTS.
4. Sendo assim, nada há que se discutir quanto a esse aspecto.
DO INSTITUTO DO FGTS
5. Criado através da Lei 5.107/1966 o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço tinha a finalidade de um verdadeiro seguro desemprego, veio para substituir o antigo sistema onde era dada garantia de estabilidade ao trabalhador com mais de dez anos de labor, com grande vantagem tanto para o empregador como para o obreiro.
6. O FGTS importava em um pecúlio inicialmente opcional, onde o recolhimento mensal de 8%, que também atingia o 13º salário equivalia a remuneração de um mês por ano laborado.
7. A Carta Magna de 1988, transformou o FGTS em um direito social do trabalhador (art. 7º, inc. III, C.R.), não mais opcional, mas de adesão obrigatória, vale dizer, instituiu um pecúlio de ordem constitucional, obrigatório, não passível de portabilidade e de longo prazo.
8. Uma novel regulamentação do FGTS foi criada pela Lei Federal nº 8.036/90 onde o legislador já previa a proteção do pecúlio do trabalhador mediante a correção do valor depositado em conta vinculada através de índice de correção monetária, então estabelecido pela equivalência da remuneração das cadernetas de poupança.
9. Ao se tornar um pecúlio obrigatório o FGTS perdeu a sua natureza de indenização pela despedida do obreiro sem justa causa[1] e de seguro desemprego, este agora tratado especificamente pela Lei 7.988/90.
10. Aquilata-se, assim que a natureza do FGTS se tornou um verdadeiro pecúlio obrigatório e previsto constitucionalmente, o qual não pode ser portável e de longo prazo.
11. Explica-se: concessa venia, não mais existe opção para o FGTS, este se tornou obrigatório para todos os trabalhadores, é de longo prazo e somente pode ser sacado nas opções específicas previstas na Lei 8.036/90 e o mais importante: está atrelado a uma metodologia de cálculo determinada por lei, índice das cadernetas de poupança e agora por normas estabelecidas por resoluções do Conselho Monetário Nacional que altera a forma de cálculo da Taxa Referencial, mediante critérios políticos, sem se preocupar com a manutenção do pecúlio dos trabalhadores ou dos poupadores.
DA CORREÇÃO MONETÁRIA
12. Pois bem, desde a Lei 5.107/66 havia a preocupação do legislador em proteger o patrimônio do trabalhador, tanto assim que previu, desde aquela época, a remuneração das contas do FGTS por índice de correção monetária.
13. Então encontramos na instituição do FGTS uma obrigação de manter o poder aquisitivo do trabalhador que esta previsto no art. 13 da Lei 8.036/90 e que determina que os saldos das contas vinculadas corrigidos monetariamente e tal correção se fará pela mesma variação das cadernetas de poupança, ou seja a T.R. com juros anuais de 5%.
14. Logo após em 1991 foi editada a Lei 8.177/91, cujo objetivo era a desindexação da economia onde se pretendeu desvincular a inflação passada das cadernetas de poupança não mais atrelada à inflação passada, isto é, não mais permitiu a efetiva recomposição do patrimônio do trabalhador.
15. Optou o Governo Federal em alterar a metodologia do cálculo da T.R. para uma expectativa de inflação futura, em substituição à efetiva recomposição do patrimônio do trabalhador pela inflação efetivamente ocorrida, com isso desvirtuando a recomposição do patrimônio do trabalhador.
16. Mas não é só, com o advento das Leis 10192/2001 e 8981/95 foi criada a Taxa Básica Financeira que se baseava na média de remuneração bruta de amostra de títulos do mercado financeiro, aproximando seus índices à taxa real de juros.
17. Tal fato gerou uma situação onde se a taxa de juros reais líquida das aplicações financeiras ficar abaixo da taxa de juros da poupança, haveria uma migração dos investidores dos títulos públicos e privados para a caderneta de poupança, o que provocaria grandes problemas no mercado financeiro e na dívida pública, o que pesaria negativamente Governo Federal.
18. Necessitava o Governo Federal alterar, mais uma vez a forma de cálculo da T.R. para que a caderneta de poupança não se superasse a remuneração líquida dos títulos públicos e privados onde há recolhimento de imposto de renda.
19. O Conselho Monetário Nacional então emitiu a Resolução CMN 2604 de 23/4/1999 e passou a vincular a TBF à taxa de juros da poupança e com a nova metodologia implantada, de maneira que a T.R., se desvirtuou de seu objetivo inicial, isto é, indicar a previsão do mercado financeiro para a inflação no período futuro e atrelou-se tão somente à necessidade de obstar que a caderneta de poupança atingisse patamares similares às demais aplicações financeiras existentes no mercado.
20. Ante tal manipulação a T.R. passou a ter rendimentos cada vez mais baixos e distorcidos da realidade inflacionária, sendo que seus percentuais sempre ficaram abaixo dos índices reais de inflação como o IPCA e o IPCA/E.
21. Ora isso é um verdadeiro golpe no patrimônio do trabalhador, desvinculando-se a correção monetária pelo índice da poupança da real inflação ocorrida.
22. Assim considerando-se que a intenção do legislador era a de manter o poder aquisitivo do patrimônio do trabalhador e garantir-lhe um valor justo quando de seu saque, não se justifica a manutenção da correção das contas vinculadas do FGTS pela T.R.
DA INCOSTITUCIONALIDADE PROGRESSIVA DO ART. 13 DA LEI 8036/91 QUANDO AO ÍNDICE DE CORREÇÃO MONETÁRIA
23. Instituto doutrinário já amplamente aceito pela Doutrina e pelo E. Pretório Excelso a “inconstitucionalidade progressiva” ou “progressivo processo de inconstitucionalização” de normas jurídicas originalmente válidas. [i]
24. A melhor interpretação do art. 13 da Lei 8.036/90 leva a conclusão que o legislador infraconstitucional pretendeu que o FGTS, como pecúlio do trabalhador fosse mantido pela então forma mais segura de recomposição de seu poder aquisitivo, mas não podia prever as manipulações posteriores pelo Governo Federal.
25. Como o FGTS é uma obrigação de valor, deve ser recomposta por índices reais correção pela inflação e não manipulado pelo governo federal ou suas autoridades monetárias.
26. Ora a própria Carta Magna determina implicitamente a obrigatoriedade que os depósitos em FGTS sejam protegidos dos efeitos nefastos da correção monetária e tal princípio é irrebatível, afinal é um direito social, ligado ao princípio da dignidade humana prevista no inciso III do art. 1º do Diploma Constitucional.
27. A manipulação do índice da T.R., é um motivo alheio à vontade do legislador de 1990 quando da edição da Lei 8036/90, de modo que o art. 13 da referida norma progressivamente se tornou inconstitucional n parte em que vincula a correção das contas vinculadas do FGTS às contas de poupança, ademais os tais índices foram manobrados politicamente, conforme determinado pela metodologia prevista nos arts. 1º e 17 da Lei 8.177/91 e, por conseguinte, pela metodologia criada pela Resolução CMN 2064/1999.
28. Por tal fundamento, postula o(a) recorrente, nos termos do já decido pelo Pretório Excelso no caso da Lei 10960/09 que o FGTS é um pecúlio constitucional obrigatório, de longo prazo e que não pode ser portado, cuja garantia de recomposição de valor esta implicitamente prevista no inciso III do art. 7º da Carta da República, postula seja declarada a inconstitucionalidade do inconstitucional , desde os efeitos da Resolução CMN 2604/99 de 23 de abril de 1999, em parte, o art. 13 da Lei 8.036/90 no que tange a correção da conta vinculada do(a) recorrente pela Taxa Referencial.
29. Mas não é só: a manipulação políticas dos índices da T.R. levam a outra violação constitucional, ou seja, por ser a conta vinculada do FGTS um patrimônio (de propriedade do fundista), tal direito é violado na forma do inciso XII do art. 5º da Carta Magna, o que ocorre de forma frontal do dispositivo constitucional em comento.
30. Por consequência lógica, requer seja a recorrida ser condenada a recompor as diferenças encontradas entre a T.R, com a aplicação do IPCA-E pelo IBGE ou alternativamente outro índice que VV. Exas. entenderem aplicáveis para a efetiva recomposição do valor do pecúlio de garantia do trabalho do(a) recorrente (FGTS) em substituição ao anterior. Tal índice melhor reflete a inflação real e é utilizado pelo Governo
31. Tão somente a título de demonstração do desvio da correção imposta às contas vinculadas, consigna o(a) recorrente enquanto é remunerado em 0,5% ao ano mais a T.R. manipulada o programa “minha casa minha vida” cobra à partir de 5% ao ano, vale dizer que, no caso de um trabalhador ter o saldo corroído pela inflação, com o rendimento hoje praticamente zerado, caso queira adquirir um imóvel pelo S.F.H. o qual já foi financiado às suas expensas, deverá pagar juros maiores do que aqueles que recebeu como remuneração.
32 Logo o obreiro será compelido a solicitar empréstimo justamente daquele que lhe foi subtraído pela má gestão de sua conta, vale dizer que isso é uma situação Kafquiana, injustificável.
33. A r. sentença guerreada passou ao largo de tais questões de maneira não se justifica sua manutenção.
DO PEDIDO:
EX POSITIS, requer seja o presente recurso conhecido e provido a fim de que seja declarada a inconstitucionalidade parcial e superveniente do art. 13 da Lei 8036/90, no que tange tão somente a forma de remuneração da conta vinculada de FGTS da recorrente, combinado com os artigos 1º e 17 da Lei 8.177/91, desde 01/6/1999 em razão da não vinculação do efetiva correção monetária do FGTS a um índice que venha recompor o valor da perda do poder aquisitivo, desde logo elegendo o IPCA-E ou alternativamente o INPC, ou ainda outro índice que Vv. Exas houverem por bem fixar, nos moldes postulados, condenando-se a recorrida a efetuar o depósito na conta vinculada do(a) recorrente, ou se já houver saque na referida conta que seja a recorrida condenada ao pagamento respectivo como de estilo.
Desde logo fica prequestionada a negativa de vigência do art, 5º, inc. XII e art. 7º, inc. III da Carta Magna para fins de eventual manejo de recurso constitucional.
Por ser questão de Justiça!
São Paulo,
Notas
[1] A indenização pela despedida por justa causa está prevista, d.m.v. no art. 10º do ADCT da Carta Magna.
[i] De matriz germânica, a inconstitucionalidade progressiva também é denominada em nossa doutrina e jurisprudência como “norma ainda constitucional” ou “declaração de constitucionalidade de norma em trânsito para a inconstitucionalidade”.
Em resumo, trata-se de uma técnica aplicável ao sistema brasileiro de controle de constitucionalidade e utilizada em situações constitucionais imperfeitas, que se situam entre a constitucionalidade plena e a inconstitucionalidade absoluta.[i][i] Foi concebida como alternativa de flexibilização das técnicas de decisão no juízo de controle de constitucionalidade, a partir da idéia de que era necessário um meio termo na aferição de inconstitucionalidade, capaz de apontar situações “ainda constitucionais”.
Ou seja, por meio desta técnica busca-se dar ao Tribunal a possibilidade de rejeitar a inconstitucionalidade da norma, pronunciando, contudo, em face de uma deficiência capaz de converter a norma “ainda constitucional” em norma inconstitucional[i][ii].
O que justifica a aplicação desta técnica é a existência de circunstâncias fáticas vigentes que naquele momento dão azo a manutenção da norma dentro do ordenamento jurídico, sendo, pois, cabível aludida flexibilização. ...
...
Por diversas vezes o Supremo Tribunal Federal já utilizou esta técnica de flexibilização, acreditando que circunstâncias fáticas vigentes sustentavam a manutenção das normas questionadas dentro do ordenamento jurídico. Vejamos alguns exemplos:
1 – No Recurso Extraordinário nº 248.869-SP (j. 07.08.2003), o Ministro Sepúlveda Pertence salientou em seu voto que não vislumbrava a inconstitucionalidade do § 4º, do art. 2º, da Lei 8.560/92, por entender adequada a atuação do Ministério Público até que se viabilize a implementação plena da Defensoria Pública em cada Estado, nos termos do parágrafo único, do art. 134, da Constituição Federal.
...
3 - A mesma técnica foi utilizada ainda para averiguar a constitucionalidade da Lei nº 1060/50 (que dispõe sobre concessão da assistência judiciária gratuita aos necessitados). Referida Lei em seu artigo 5º, § 5º, prevê prazo em dobro para o Defensor Público manifestar-se nos autos. Segundo o Supremo Tribunal Federal até que a Defensoria Pública não esteja devidamente habilitada ou estruturada: “Não é de ser reconhecida a inconstitucionalidade do § 5 do art. 1 da Lei n 1.060, de 05.02.1950, acrescentado pela Lei n 7.871, de 08.11.1989, no ponto em que confere prazo em dobro, para recurso, às Defensorias Públicas, ao menos até que sua organização, nos Estados, alcance o nível de organização do respectivo Ministério Público, que é a parte adversa, como órgão de acusação, no processo da ação penal pública.” (STF, HC 70.514, 23.03.1994).
(Ramos, Diego da Silva, TEORIA E APLICAÇÃO DA INCONSTITUCIONALIDADE PROGRESSIVA, site Jurisway, consulta em 13/03/2014, Link http://www.jurisway.org.br/v2/dhall.asp?id_dh=4426)