III – DA DECISÃO DOS JURADOS MANIFESTAMENTE CONTRÁRIA ÀS PROVAS DOS AUTOS
Senhores Desembargadores, como dito acima, a irresignação do presente recurso cinge-se, dentre outros fundamentos, no fato de que a decisão do Conselho de Sentença tenha sido contrário às provas dos autos. Ou seja, entende a defesa técnica do acusado que a decisão dos Senhores Jurados fora totalmente contrária ao manancial probatório que consta nos presentes autos, e que foram colhidas durante toda a instrução processual.
Destarte, faz-se mister uma análise mais acurada de todas as provas constantes nos presentes autos, para que assim possa ficar claro a tese de que a decisão dos Senhores Jurados fora manifestamente contrária às provas dos autos.
III.I - DAS PROVAS COLHIDAS NO PRESENTE PROCESSO
Senhores Desembargadores, como dito acima, todo o manancial probatório que consta no presente processo, relativamente à autoria do fato, resume-se ao depoimento testemunhal, mais precisamente de 05 (cinco) testemunhas, sendo 03 (três) arroladas pela acusação às fls. 03 (das quais apenas duas foram ouvidas na fase processual), e 03 (três) arroladas pela defesa técnica do acusado (fls. 41/42), das quais apenas duas foram ouvidas.
Desde já se afirme que nenhuma das cinco testemunhas ouvidas durante a instrução processual acusaram o apelante em nenhum momento, mas, muito pelo contrário, todas as testemunhas que presenciaram o fato, inclusive aquelas arroladas pela a acusação, afirmaram peremptoriamente, e sem titubearem que o apelante agiu em legítima defesa.
Ainda deve ser dito que não houve dubiedade no depoimento das testemunhas, ou seja, as testemunhas não discreparam em seus depoimentos, mas todas elas apontaram para que o acusado agira única e exclusivamente em sua legítima defesa.
Destarte, para que fique provado e comprovado que a decisão dos Senhores Jurados fora tomada de forma totalmente contrária às provas constantes nos autos, passaremos agora a analise dos depoimentos das testemunhas, principalmente as testemunhas arroladas pela acusação.
Mais uma vez seja dito: com exceção do laudo de exame cadavérico de fls. 26, que atesta a materialidade, os únicos meio de prova constante nos presentes autos são o depoimento das testemunhas e o interrogatório do apelante.
Destarte, pedimos venia para transcrevermos os depoimentos das testemunhas arroladas pela acusação, e que em nada acusaram ao réu, mas ao contrário, afirma que ele agiu em legítima defesa.
Notem, Senhores Desembargadores, que as próprias testemunhas arroladas pela acusação, e que presenciaram o fato ocorrido, atestam a tese da legítima defesa do apelante, como dito.
A primeira testemunha arrolada pela acusação foi o Sr. XXXXXXXXX, dono do estabelecimento no qual ocorreu o fato, que testemunhou em juízo o seguinte (fls. 131):
“Que o depoente apartou a briga dos mesmos (vítima e acusado);”
“Que a vítima, antes da confusão, estava portanto uma arma de fogo rodando o tambor do revólver, na frente de outras pessoas;”
“Que a vítima tinha o costume de andar armada;”
“Que, pelo que o depoente sabe, o acusado é boa pessoa;”
Destarte, Senhores Desembargadores, de plano observamos que, segundo o depoimento supra transcrito, depoimento este dado pela testemunha arrolada pela própria acusação, tal testemunha em momento algum faz qualquer acusação em desfavor do apelante. Mas, muito pelo contrário, a primeira testemunha arrolada pela acusação afirma que a vítima era pessoa que tinha o costume da andar armada, e que, no dia do acontecido, além de estar armada, a vítima fez questão de demonstrar a todos os presentes que portava armada de fogo, inclusive rodando o tambor da arma.
Em suma: a primeira testemunha não traz qualquer tese de acusação.
Assim, no depoimento da primeira testemunha, testemunha essa juramentada e arrolada pela própria acusação, não encontramos nada que pese em desfavor do apelante, ou seja, tal depoimento, não obstante se trate de testemunha arrolada pela acusação, em nada acusou o apelante, mas afirma que a vítima estava armada desde sede, inclusive rodando o tambor da arma da presença de outras pessoas.
A segunda testemunha arrolada pela acusação, o Sr. XXXXXXXXXXXXXXXA, também em nada acusou o réu, muito pelo contrário, seu depoimento foi no sentido de que o acusado agiu incontestavelmente em legítima defesa (fls. 133):
“Que o acusado e a vítima discutiram no bar XXXX;”
“Que a vítima expulsou o acusado do estabelecimento;”
“Que a vítima estava armada no momento do crime;”
“Que a vítima estava com a arma na cintura;”
“Que o acusado se dirigiu para seu veículo;”
“Que a vítima colocou a mão na arma;”
“Que o acusado, com esse movimento da vítima, com medo, atirou no mesmo;”
“Que a vítima tinha o costume de andar armada;”
“Que no dia, inclusive, a vítima já estava portanto a arma desde cedo;”
“Que o acusado matou para se defender”;
“Que o XXXXX possui bom comportamento na sociedade;”
(Grifamos)
Nobres Julgadores, podemos observar que, novamente, a própria testemunha arrolada pela acusação aponta no sentido de que o apelante agiu unicamente para se defender, ou seja, agiu em legítima defesa. Observem, Nobres Desembargadores, que esta testemunha é enfática ao depor que: “Que, a vítima colocou a mão na arma”; “Que, o acusado, com esse movimento da vítima, com medo, atirou no mesmo”; “Que o acusado matou para se defender”.
Assim, são apenas esses dois depoimentos todos os meios de prova trazidos pela acusação e que deveriam pesar em desfavor do apelante, mas, conforme transcrito logo acima, tais depoimentos em nada fizeram prova em desfavor do mesmo, muito pelo, tais depoimentos levantam a tese de que o mesmo agira em legítima defesa.
Além de apontarem para a existência da legitima defesa do acusado, o depoimento das testemunhas também apontam no sentido de que a vítima era pessoa que costumava andar armada, o que demonstra que a mesma não tinha boas intenções, e ainda que esta pronta para atacar a qualquer.
Mais uma vez deve ser dito que nenhuma das testemunhas arroladas pela acusação traz aos autos qualquer tese acusatória, que pese em desfavor do apelante. Mas, ao contrário, as mesmas trazem tese que verte em favor do acusado.
As testemunhas arroladas pela defesa, o Sr. XXXXXXXXXX e o Sr. XXXXXXXXXXX, em seus respectivos depoimentos (fls. 134 3 135), foram uníssonos no seguinte sentido:
“Que o XXXX é boa pessoa, não tem costume de andar armado, que possui um bom relacionamento na cidade de XXXXXX, sendo inclusive, vereador daquele Município; é trabalhador, gosta de ajudar as pessoas, não possuindo inimigos que o depoente saiba”
Tais depoimentos só corroboram o que é de conhecimento de todos no Município de XXXXXX-AL, ou seja, que o Sr. XXXXXX é pessoa de boa índole, e que este fato isolado em sua vida, só veio a acontecer devido ao mesmo ser obrigado a se defender.
Perlustrando os autos, uma fato curioso chama a atenção, além de corroborar a tese de que não há prova nos autos que estribe uma decisão condenatória, a saber: analisando as alegações finais da acusação (fls. 139/141) observa-se que em nenhum momento, a acusação fez referência a qualquer a qualquer prova colhida durante o processo. Ou seja, em suas alegações finais, a acusação não mencionou nenhuma prova, nem muito menos fez referência a nenhum depoimento das testemunhas.
E não poderia ser de outra forma, pois todas as testemunhas, principalmente aquelas arroladas pela própria acusação, em nada condenaram o apelante, e, ao contrário, comprovam a tese da legítima defesa.
E mais: durante os debates, nem o Representante do Ministério Público, nem muito menos o assistente de acusação, fizeram qualquer referencia às provas colhidas durante a fase processual, mas penas se resumira a fazer referencias ao depoimento da testemunha XXXXXXXXXXX, quando este fora ouvido na delegacia de polícia (fls.13), sendo que tal testemunha, quando em juízo, afirmou fato totalmente diverso, conforme se denota das fls. 133.
Analisando os depoimentos supra transcrito, e que, como dito, levantam apenas uma única tese, qual seja: a da legítima defesa, resta duvidoso o real motivo pelo qual Senhores Jurados entenderam pela condenação do apelante, haja vista que não há nenhuma prova nos autos em seu desfavor.
Ocorre que conforme dito acima, a irmã do acusado, a senhora XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX, fez parte da lista dos jurados, conforme se pode observar no mandado de intimação de fls. 186, estando presente no dia do julgamento, sendo inclusive sorteada como jurada para participar da sessão do júri, mas rejeitada por ser irmã da vítima, conforme se pode observar no TERMO DE SORTEIO DO CONSELHO DE SENTENÇA (fls. 197), em também conforme se pode observar às fls. 217, na ata da sessão onde ficou registrado que: “Houve impedimento da jurada XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX, por ser irmã da vítima”.
Assim, não é custoso acreditar que, por ser irmã da vítima, a senhora XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX com certeza tenha influenciado na decisão dos outros jurados, contaminando a imparcialidade destes.
Ora, por ser irmã da vítima, a Sra. XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX não podia sequer participar da sessão do júri, mas essa fez parte de quase todos os atos, e mesmo tendo sido advertida pela MM Juiz Presidente sobre os impedimento existentes, a mesma nem ao menos informou que era irmã da vítima, sendo inclusive sorteada para participar do Conselho de Sentença (fls. 217).
De forma que foi o próprio apelante quem informou que a mesma era irmã da vítima, e por tanto impedida de participar do Conselho de Sentença. De forma que a Sra. XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX só deixou o corpo de jurados por ter sido impedida, conforme se observa às fls. 197.
Gize-se ainda que a sessão do júri que julgou o apelante fora a última sessão de uma sequência de vários júris, de forma que a Sra. XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX, teve muito tempo - vários dias na verdade – para influenciar na decisão do Conselho de Sentença no sentido de se condenar a pessoa que ceifou a vida do seu irmão. Ora, o único motivo que nos leva a crer que os jurados entenderam pela condenação do apelante, fora justamente a contaminação dos membros do júri pela irmã da vítima, pois, como dito, não há nenhuma prova, nem indícios, que atestem que o apelante seja culpado, mas, todo o manancial probatório atesta que o mesmo agiu unicamente em sua legítima defesa.
Senhores Desembargadores, é bem verdade que o Tribunal do Júri é um órgão do Poder Judiciário, e que a Lei Maior estabelece a soberania dos vereditos. Todavia, mesmo sendo soberana, a decisão dos Senhores Membros do Conselho de Sentença, é passível de erro, e, assim sendo, passível também de modificação. A soberania da decisão do tribunal do júri não aponta no sentido de que o Tribunal do Júri possa tomar toda e qualquer decisão que bem queira. Mas, em termos contrários, a soberania do Tribunal do Júri significa que este possa escolher por uma dentre todas as teses que emergem do conjunto probatório!
Todavia, como escolher por uma tese que não encontra guarida nem amparo em nenhuma das provas colhidas durante a instrução processual?!
Nestes termos, deve ser trazido à baila o recente entendimento do Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento do Recurso Ordinário em Habeas Corpus n° 107.250/SP, cuja relatoria ficou a cargo de Sua Excelência a Ministra Rosa Weber, datado de 03 de abril de 2012 (recente, por tanto), onde ficou consignado que: (a) não há afronta ao princípio constitucional da soberania dos vereditos, quando se determina a realização de novo julgamento pelo Tribunal do Júri, nos casos em que a decisão se mostra manifestamente dissociada do conjunto probatório constante nos autos; (b) a soberania dos vereditos não é um princípio intangível, admitindo, por tanto, relativização; (c) a decisão do Conselho de Sentença, quando manifestamente contrária à prova dos autos, resulta em arbitrariedade que deve ser sanada pelo juízo recursal; (d) o princípio da soberania dos vereditos coexiste em perfeita harmonia com o sistema recursal penal. In verbis:
“Não há afronta ao art. 5º, inciso XXXVIII, alínea c, da CF/88, ou seja, ao princípio constitucional da soberania dos veredictos, quando se determina a realização de novo julgamento pelo Tribunal do Júri, nos casos em que a decisão se mostra manifestamente dissociada do conjunto probatório dos autos”.
“A soberania dos veredictos não é um princípio intangível, que não admita relativização. Em verdade, a decisão do Conselho de Sentença, quando manifestamente contrária à prova dos autos resulta em arbitrariedade que deve ser sanada pelo juízo recursal, nos termos do art. 593, inciso III, alínea d, do Código de Processo Penal”.
“A Corte de Apelação, ao determinar a realização de um novo julgamento, não substitui a decisão popular por outra, nem usurpa a competência do júri, mas tão-somente determina que seja realizado
outro julgamento, conforme art. 593, §3.º, do Código de Processo Penal. Outrossim, não se admite, pelo mesmo motivo, segunda apelação, com o que o novo veredicto, quer pela absolvição, quer pela condenação, não pode mais ser alterado”.
“Portanto, infere-se que o mencionado princípio constitucional da soberania dos veredictos (art. 5º, inciso XXXVIII, alínea c, da CF/88) coexiste em perfeita harmonia com o sistema recursal penal (art. 593, inciso III, alínea d, do CPP)”.
Saliente-se que tal decisão do Eg. Supremo Tribunal Federal não se trata de um entendimento isolado, mas sim, a bem da verdade, de entendimento já sedimentado no âmbito da mais alta Corte Brasileira. Destarte, basta observar que nossa Suprema Corte, quando do Julgamento do Recurso Ordinário em Habeas Corpus n° 107.261/ES, seguindo o mesmo entendimento da decisão supra transcrita, vaticinou que:
“Não há afronta ao art. 5º, inciso XXXVIII, alínea c, da CF/88, ou seja, ao princípio constitucional da soberania dos veredictos, quando se determina a realização de novo julgamento pelo Tribunal do Júri, nos casos em proferida, a decisão do Júri, de maneira manifestamente dissociada do conjunto probatório dos autos. A soberania dos veredictos não é um princípio intangível que não admita relativização. Em verdade, a decisão do Conselho de Sentença, quando manifestamente contrária à prova dos autos, resulta em arbitrariedade que deve ser sanada pelo juízo recursal, nos termos do art. 593, inciso III, alínea d, do Código de Processo Penal. A Corte de Apelação, ao determinar a realização de um novo julgamento, não substitui a decisão popular por outra, nem usurpaa competência do júri, mas tão-somente determina que seja realizado outro julgamento, conforme art. 593, §3.º, do Código de Processo Penal. Outrossim, não se admite, pelo mesmo motivo, segunda apelação, com o que o novo veredicto, quer pela absolvição, quer pela condenação, não pode mais ser alterado. Portanto, infere-se que o mencionado princípio constitucional da soberania dos veredictos (art. 5º, inciso XXXVIII, alínea c, da CF/88) coexiste em perfeita harmonia com o sistema recursal penal (art. 593, inciso III, alínea d, do CPP)”.
Pedimos vênia ainda para transcrever a ementa da decisão do Eg. STF, quando do julgamento do Habeas Corpus n° 108.996/BA, cuja relatoria ficou a cargo da Ministra Carmen Lúcia, onde também fixou estampado o entendimento segundo o qual a a determinação, pelo Tribunal de Justiça, de realização de novo julgamento pelo Tribunal do Júri não contraria o principio constitucional da soberania dos veredictos, quando a decisão for manifestamente contrária à prova dos autos. In verbis:
“HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL PENAL. IMPUTAÇÃO DO DELITO DE HOMICÍDIO QUALIFICADO. DETERMINAÇÃO DE NOVO JULGAMENTO PELO TRIBUNAL DO JÚRI. ALEGAÇÃO DE CONTRARIEDADE AO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA SOBERANIA DO VEREDICTO: IMPROCEDÊNCIA. NECESSIDADE DE REEXAME DE FATOS E PROVAS IMPRÓPRIO NA VIA ELEITA.
1. A determinação de realização de novo julgamento pelo Tribunal do Júri não contraria o princípio constitucional da soberania dos veredictos quando a decisão for manifestamente contrária à prova dos autos. Precedentes.
2. Concluir que o julgamento do Tribunal do Júri que absolveu os Pacientes não teria sido contrário à prova dos autos e que o Conselho de Sentença teria optado pela versão dos fatos da defesa impõe, na espécie vertente, revolvimento do conjunto probatório, o que ultrapassa os limites do procedimento sumário e documental do habeas corpus.
3. Ordem denegada”.
(Grifamos)
E ainda outras decisões do Eg. STF:
HABEAS CORPUS. DIREITO PROCESSUAL PENAL. TRIBUNAL DO JÚRI. ANULAÇÃO DO VEREDICTO. DECISÃO MANIFESTAMENTE CONTRÁRIA ÀS PROVAS DOS AUTOS. INEXISTÊNCIA DE EXCESSO DE LINGUAGEM. ORDEM DENEGADA.
1. A Corte Estadual considerou contraditória a absolvição do paciente por negativa de autoria, tendo em vista a existência de provas de sua participação no delito. Agiu, desse modo, amparada na alínea d do inciso III do art. 593 do Código de Processo Penal, que determina a sujeição do réu a novo julgamento quando a decisão dos jurados for manifestamente contrária à prova dos autos.
2. Com efeito, tendo o Conselho de Sentença adotado tese integralmente incompatível com as provas do autos, forçoso é a anulação do julgamento, com a determinação de que outro se realize.
3. O acórdão que anulou o primeiro veredicto por considerá-lo manifestamente contrário às provas dos autos respeitou os limites de comedimento. Não há, dessarte, que se falar em excesso de fundamentação, ou que a decisão teria o condão de influenciar os jurados.
4. Writ denegado.
(STF - HABEAS CORPUS: HC 107525 PR)
HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL PENAL. TRIBUNAL DO JÚRI. DETERMINAÇÃO DE NOVO JULGAMENTO PELO TRIBUNAL DO JÚRI. ALEGAÇÃO DE EXCESSO DE LINGUAGEM: INEXISTÊNCIA. CONTRARIEDADE AO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA SOBERANIA DO VEREDICTO: IMPROCEDÊNCIA.
1. Ao determinar a realização de novo julgamento pelo Tribunal do Júri, o Tribunal de Justiça procurou demonstrar, nos limites do comedimento na apreciação da prova, não existir nos autos material probatório a corroborar a tese defensiva acolhida pelos jurados. Dever constitucional de fundamentar todas as decisões judiciais (art. 93, inc. IX, da Constituiçãoda República). Inexistência de excesso de linguagem.
2. A determinação de realização de novo julgamento pelo Tribunal do Júri não contraria o princípio constitucional da soberania dos veredictos quando a decisão for manifestamente contrária à prova dos autos.
3. Habeas corpus denegado.
(STF - HABEAS CORPUS: HC 104301 ES)
AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO, QUE TEVE O SEGUIMENTO NEGADO. ANULAÇÃO DE DECISÃO ABSOLUTÓRIA DE TRIBUNAL DO JÚRI. ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO DA REGRA QUE ASSEGURA A SOBERANIA DOS VEREDICTOS DO JÚRI. NÃO OCORRÊNICA. RECURSO NÃO PROVIDO.
Esta Corte tem entendido que a anulação de decisão do tribunal do júri, por manifestamente contrária à prova dos autos, não viola a regra constitucional que assegura a soberania dos veredictos do júri (CF, art. 5º, XXXVIII, c). Nesse sentido, o HC 73.349 (red. p/ acórdão min. Maurício Corrêa, DJ de 1º.12.2000) e o RE 166.896 (rel. min. Néri da Silveira, DJ de 17.05.2002). Além disso, a análise da questão constitucional suscitada nas razões recursais demanda o reexame aprofundado dos fatos e provas que sustentaram o acórdão atacado, o que inviabiliza o conhecimento do extraordinário, ante a vedação contida na Súmula 279 do Supremo Tribunal Federal. Agravo regimental não provido.
(STF - SEGUNDO AG.REG. NO AGRAVO DE INSTRUMENTO: AI 728023 RS)
(grifamos)
Dignos Desembargadores, por “decisão manifestamente contrária à prova dos autos” entende-se como sendo aquela que não encontra amparo nas provas produzidas, destoando do acervo probatório amealhado durante a instrução processual. Aliás, é justamente tal entendimento que se encontra sedimentado no seio da jurisprudência do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, quando do julgamento do Habeas Corpus n° 151.850/SP, a saber:
“Decisão manifestamente contrária à prova dos autos é aquela que não encontra amparo nas provas produzidas, destoando, desse modo, inquestionavelmente, do acervo probatório”.
Destarte, trazendo tal entendimento para o caso em espeque, resta configurado que, de fato, a decisão do Conselho de Sentença em condenar o apelante fora manifestamente contrária às provas dos autos, uma vez que não há nenhuma prova, nem mesmo indícios, colhidos durante a fase processual, que seja desfavorável ao apelante. Ou seja, não há nos autos, nenhuma prova que ampare a decisão dos membros do Conselho de Sentença, pois todas as provas apontam no sentido de que o mesmo agiu única e exclusivamente em sua legítima defesa.
Na decisão do Eg STJ supra transcrita, tal Tribunal Superior também fixou o entendimento segundo o qual não viola a soberania dos vereditos, a decisão do Tribunal de Justiça que cassa decisão de Conselho de Sentença, quando tal decisão for manifestamente contrária à prova dos autos, a saber:
“Quando a decisão do Conselho de Sentença do Tribunal do Júri é manifestamente contrária à prova dos autos, a sua cassação pelo e. Tribunal de Justiça não viola a soberania dos veredictos. (Precedentes)”.
Observando o acervo probatório dos presentes autos, não verificamos qualquer prova, colhida durante a fase processual, que aponte no sentido de que o apelante deva ser condenado, pois, como dito, todo o acervo probatório faz prova em favor do apelante, no sentido de comprovar a tese de legítima defesa do mesmo.
Ainda deve ser dito que o próprio Egrégio Tribunal de Justiça do Estado Alagoas, quando do julgamento da Apelação Criminal n° XXXXXXXXXXXXX, cuja relatoria ficou a cargo de Sua Excelência o Desembargador Edivaldo Bandeira Rios, vaticinou que:
PENAL. PROCESSO PENAL. APELAÇÃO CRIME – HOMICÍDIO QUALIFICADO – JULGAMENTO PELO TRIBUNAL DO JÚRI – ALEGAÇÃO DE DECISÃO DOSJURADOS CONTRÁRIA ÀS PROVAS DOS AUTOS. OCORRÊNCIA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.
1. Se a decisão do Conselho de Sentença conflita manifestamente com as provas existentes no processo, o julgamento é nulo e a outro deve o réu ser submetido.
Cabe como uma luva para o caso em espeque, a decisão do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Alagoas, quando do julgamento da Apelação Criminal XXXXXXXX, cuja relatoria ficou a cargo de Sua Excelência o Desembargador Sebastião Costa Filho, que, conhecendo e dando provimento à referida Apelação Criminal, julgou procedente a mesma para se determinar que o apelante fosse novamente jugado pelo Conselho de Sentença, anulando-se a decisão anterior do Tribunal do Júri, pois, segundo consta na referida decisão:
“Em seu recurso, o Apelante sustenta ter praticado a conduta, dita criminosa, em legítima defesa, pelo que pede a anulação do julgamento por entendê-lo manifestamente contrário às provas dos autos. E, neste mister, vê-se que o pleito defensivo merece acolhida por esta Corte, porquanto todo o conjunto probatório dos autos lhe dê razão, sendo descabida a decisão do Conselho de Sentença que o condenou”.
“Sabe-se que, dada a soberania constitucional do Tribunal do Júri, a nulidade de suas decisões (na hipótese do art. 593, III, 'd', do Código de Processo Penal), como quer o recorrente, há de ser medida extrema, regra excepcional, unicamente possível quando, dentro do limite cognitivo que é esperado de jurados leigos, não houver fundamentos probatórios mínimos para sustentar aquela decisão emanada do Conselho de Sentença”.
“Caso houvesse apenas um depoimento que amparasse a tese de homicídio simples, seria impossível esta Câmara Criminal imiscuir-se na competência do Júri para determinar que sua tese seria equivocada. Contudo, nem isso existe, senão...”
“No presente caso, todos os depoimentos, sem exceção, corroboram a tese de que a vítima dera início a agressões ao ameaçar o acusado com uma faca peixeira, a qual o ofendido utilizou-se para sua própria defesa. Tanto o é que, proferido o golpe que fez cessar a injusta agressão da "vítima", também cessou a conduta do apelante, restando plenamente configurado o instituto da legítima defesa”.
“Havendo duas teses, está dentro dos limites da soberania do Júri a escolha de uma delas. Ocorre que, no presente caso, só há uma tese, vez que o órgão acusatório falhou em produzir provas que desqualificassem os depoimentos das testemunhas e a palavra do acusado”.
“Assim sendo, a decisão dos jurados que optou pela condenação é, de fato, manifestamente contrária às provas dos autos, pelo que deve ser anulada por esta Câmara Criminal para que o apelante seja submetido a novo julgamento”.
Como dito, o julgamento da Apelação Criminal XXXXXXXXXXX por este Egrégio Tribunal de Justiça cai como uma luva no caso em espeque. Pois, assim como no caso da apelação supra referida, no caso em questão não há duplicidade de teses, mas, todas as testemunhas apontam no sentido de que o apelante agiu única e exclusivamente em sua legítima defesa.
Saliente-se que, assim como no caso da Apelação Criminal XXXXXXXXXXXX, o interrogatório do acusado faz coro com o depoimento da vítima, apontando para a existência de uma única tese, qual seja: a legítima defesa.
Em suma, toda a jurisprudência nacional, inclusive o entendimento jurisprudencial de nossa mais alta Corte e do Eg. TJAL, já se fixou que não fere o princípio constitucional da soberania dos veredictos a decisão do Tribunal de Justiça que determina a realização de novo julgamento pelo Tribunal do Júri, quando a decisão do Conselho de Sentença for manifestamente contrária à prova dos autos.
E é, Senhores Desembargadores, exatamente este o caso que se apresente a Vossas Excelências, pois nenhuma prova há em desfavor do apelante, mas, ao contrário, so existe nos autos apenas uma única tese, onde o depoimento das testemunhas de acusação faz coro com o interrogatório do apelante, no sentido de que esta agiu única e exclusivamente em sua legítima defesa.
Não apenas a jurisprudência determina, mas também nossa doutrina aponta no sentido segundo o qual a decisão que do Tribunal do Júri que for manifestamente contrária à prova dos autos, deve ser cassada para que um novo julgamento, igualmente pelo Tribunal Popular, possa acontecer.
Nesse diapasão, pedimos venia para transcrever o entendimento do sempre abalizado Guilherme de Souza Nucci onde o mesmo vaticina que:
“Por outro lado, a simples existência do recurso de apelação voltando ao questionamento da decisão dos jurados não constitui, por si só, ofensa ao princípio constitucional da soberania dos veredictos; ao contrário, harmonizam-se os princípios, consagrando-se há hipótese o duplo grau de jurisdição. Além do mais, a Constituição menciona haver soberania dos veredictos, não querendo dizer que exista um só. A isso, devemos acrescentar que os jurados, como seres humanos que são, podem errar e nada impede que o tribunal reveja a decisão, impondo a necessidade de se fazer um novo julgamento. Isso não significa que o juiz togado substituirá o jurado na tarefa de dar a última palavra quanto ao crime doloso contra a vida que lhe for apresentado para julgamento. Por isso, dando provimento ao recurso, por ter o júri decidido contra a prova dos autos, cabe ao Tribunal Popular proferir uma outra decisão. Esta sim, tornar-se soberana, porque essa hipótese de apelação só pode ser utilizada pela defesa uma única vez (art. 593, §3º in fine). (Editora Revista dos Tribunais, 6º ed, p. 878).
Ainda em sede de entendimento doutrinário, deve ser trazido à baila também o entendimento do sempre festejado doutrinado Júlio Fabbrini Mirabete, que entende o seguinte:
“Trata-se de hipótese em que se fere justamente o mérito da causa, em que o error in judicando é reconhecido somente quando a decisão é arbitrária, pois se dissocia integralmente da prova dos autos, determinando-se novo julgamento. Não se viola, assim, a regra constitucional da soberania dos veredictos. Não encontrando ela apoio na prova mais qualificada dos autos é de ser prover o recurso para se submeter o réu a novo júri. A opção do Conselho de Sentença não se sustenta quando exercida indiscriminadamente, sem disciplina intelectual, em frontal incompatibilidade da decisão com a prova material inequívoca”. (Editora Atlas, 7ª Ed., p. 1252).
Em suma, tanto a jurisprudência nacional, inclusive dos nossos tribunais superiores e do Eg. TJAL, quanto a doutrina e o ordenamento jurídico, permitem a anulação do julgamento quando a decisão do Conselho de Sentença for manifestamente contrária à prova dos autos. E é justamente este caso que encontramos no presente processo.
Como dito, o único meio de prova existente no presente processo, relativamente ao fato ocorrido, resume-se ao depoimento de testemunhas, além, é claro, do interrogatório do acusado. Pois bem. Analisando detidamente todos os depoimentos colhidos durante a fase processual, inclusive das testemunhas de acusação, não se pode visualizar qualquer prova que pese em desfavor do apelante. Ou seja, todo o manancial probatório existente nos presentes autos apontam única e exclusivamente para uma única tese: o apelante agiu em legítima defesa.
Como transcrito acima, as testemunhas, principalmente as testemunhas arrolada pela acusação, são categóricas ao afirmarem que tanto a vítima já se encontrava armada, quanto que o apelante agiu para se defender. Não há outra tese, nem há nenhuma outra prova que diga o contrário.
Repita-se mais uma vez que não há, analisando o manancial probatório colhido durante a fase processual, a existência de duas teses diferentes, mas só existe uma única tese provada e comprovada nos autos, que como dito é a tese da legítima defesa.
Também não podemos perder de vista que a irmã da Vítima, a Sra. XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX, fez parte como membro do Tribunal do Júri, não obstante não tenha feito parte do Conselho de Sentença, e que, sem a menor sobra de dúvida, influenciou os demais jurados no sentido de se condenar o apelante.
Desta feita, inclusive por medida de justiça visando garantir um julgamento imparcial para o acusado, e não perdendo de foco que além da irmã da vítima ter tido contato por vários dias com os demais membros do Tribunal do Júri, somando-se ao fato de que a decisão dos senhores jurados não encontra respaldo nem amparo nas provas constantes nos autos, resta evidente que o julgamento do apelante deve ser anulado, para que este ser novamente julgado pelo Tribunal Popular, mas agora com outros membros que formaram o Conselho de Sentença, pois, só assim, estará se garantindo um julgamento justo e imparcial para o apelante, e se afastando de vez todo e qualquer resquício de suspeita de falta de imparcialidade dos jurados.