16. Benefícios legais
Incabível a transação penal (art. 76 da Lei nº 9.099/95 c.c. o artigo 2º, parágrafo único, da Lei nº 10.259/01), vez que a pena privativa de liberdade máxima cominada é de cinco anos.
Aplicável o artigo 89 da Lei nº 9.099/95, ou seja, suspensão condicional do processo, uma vez que a pena mínima abstratamente cominada é de um ano.
17. Competência
Pensamos que a competência de regra é da justiça estadual, eis que inexiste qualquer disposição legal que desloque tal competência, conforme exige o art. 109, inc. VI, da Carta da República.
A propósito, quanto a necessidade de disposição legal, importante registrar que os crimes praticados contra o sistema financeiro nacional são de competência da justiça federal, porque assim estabeleceu a Lei nº. 7.492/1986, no caput de seu art. 26:
"A ação penal, nos crimes previstos nesta lei, será promovida pelo Ministério Público Federal, perante a Justiça Federal".
Corroborando o que dissemos, ainda que por via oblíqua, FAUSTO MARTIN DE SANCTIS [44] critica o equivoco da lei de referencia, nos seguintes termos:
"o legislador, s.m.j., equivocou-se por não determinar expressamente que ela seria da Justiça Federal, como acertadamente consignou no art. 26, caput, da lei que definiu os crimes contra o Sistema Financeiro Nacional".
Contudo, por dever de informação, é importante registrar que já existem manifestações em sentido contrário. Veja por exemplo a decisão do juízo da 6ª Vara Federal de São Paulo, prolatada pelo juiz Cavali, entendendo que "em casos de insider a competência é de uma das varas especializadas, pois os delitos contra este mercado constituem delitos contra o Sistema Financeiro Nacional" [45].
Ademais, na visão daquele magistrado, "a ofensa é direta e frontal a bem ou interesse da União, eis que a utilização da informação privilegiada gera a desconfiança de todos os atores do mercado, o que pode implicar na alteração dos investimentos realizados, com prejuízos evidentes ao país" [46].
Também nesse sentido, ressaltam CÉSAR ROBERTO BITTENCOURT e JULIANO JOSÉ BREDA [47] que, "em face do evidente interesse da União na manutenção de um mercado de capitais imune à utilização de informações privilegiadas e como a fiscalização e a regulamentação do mercado de capitais são de atribuição da autarquia da União, parece indiscutivelmente presente o requisito constitucional que determina a competência da Justiça Federal para o processo e o julgamento desse crime".
A competência para julgamento do tipo descrito no art. 27-D, da Lei n.º 6.385/76, ainda não foi analisada pelos tribunais superiores. Porém, alguns se valem de decisões desses tribunais, que analisando dispositivos outros da referida lei, afirmaram ser a competência da Justiça Federal [48][49].
Contudo, não nos parece seja está a interpretação mais adequada, primeiro porque inexiste qualquer disposição legal que desloque tal competência, conforme exige o art. 109, inc. VI, da Carta da República, desta forma não porque se arrastar a competência para uma vara federal, sob pena de por si só afronto o princípio do juiz natural e, mormente em se tratando de direcioná-la a uma vara especializada em crimes financeiros, pois como demonstramos alhures o bem jurídico em questão não é o sistema financeiro nacional e, sim "a proteção da confiança no correto funcionamento do mercado" [50].
Ademais, não restam dúvidas de que a competência para processar e o crime em comento só pode ser da justiça estadual, exceto se presente em jogo algum bem, serviço ou interesse da União, conforme estabelece o art. 109, inc. VI, da Carta da República.
Notas
- Disponível em: <http://leniostreck.com.br/index.php?option=com_docman&Itemid=40> Acesso em: 12.06.2010.
- Idem.
- Essa assertiva é do procurador Federal Rodrigo de Grandis. Disponível em: <http://www.bmfbovespa.com.br/juridico/noticias-e-entrevistas/Noticias/091030 No tA.asp> Acesso em: 06.06.2010.
- Nesse sentido: Luiz Regis Prado assevera que "a sanção penal só deve ser considerada legítima em casos de grave lesão ou perigo de lesão a bens jurídicos fundamentais, como ultima ratio legis, na falta absoluta de outros meios jurídicos eficazes e menos gravosos. Essa tendência político-criminal restritiva do jus puniendi deriva do Direito Penal moderno e da concepção material de Estado de Direito" in Direito penal do ambiente. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: RT, 2009, p. 127.
- Idem.
- Idem.
- Idem.
- Idem.
- EIZIRIK, Nelson; GAAL, Ariadna B.; PARENTE, Flávia; HENRIQUE, Marcus de Freitas. Mercado de capitais - regime jurídico. 2 ed. revisada e atualizada. Rio de Janeiro; Renovar, 2008, p. 536.
- Sigla para: Comissão de Valores Mobiliários.
- EIZIRIK, Nelson; GAAL, Ariadna B.; PARENTE, Flávia; HENRIQUE, Marcus de Freitas. Mercado de capitais - regime jurídico. 2 ed. revisada e atualizada. Rio de Janeiro; Renovar, 2008, p. 466.
- Nesse sentido já decidiu a CVM em processo administrativo sancionador: Configura uso indevido de informação privilegiada a aquisição de ações por membro do Conselho de Administração antes da divulgação pela companhia de decisão do Conselho que aprovou a aquisição das próprias ações – Incidência do disposto no artigo 13, § 3º, Inciso II, da Instrução CVM nº 358/02. (CVM - PROCESSO ADMINISTRATIVO SANCIONADOR CVM Nº RJ 2003/5627)
- Art. 2º, da INSTRUÇÃO NORMATIVA n. 358, de 03 de janeiro de 2002.
- CASTELLAR, João Carlos. Insider trading: e os novos crimes corporativos, Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2008, p. 102.
- FELDENS, Luciano. A constituição penal: a dupla face da proporcionalidade no controle de normas penais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, p. 54.
- Derecho penal: concepto y princípios constitucionales, 3, ed. Valencia: Tirant lo Blanch Alternativa, 1999, p. 203.
- ZAFFARONI, nos ensina que "’o delito’ e uma construção destinada a cumprir certa função sobre algumas pessoas e a cerca de outras, e não uma realidade social individualizável".
- SILVA SÁNCHEZ, Jesus Maria, A expansão do direito penal – aspectos da política criminal nas sociedades pós-industriais (tradução da 2ª ed. espanhola por Luiz Otavio de Oliveira Rocha), São Paulo: RT, 2002, p. 54.
- Disponível em: <http://leniostreck.com.br/index.php?option=com_docman&Itemid=40> Acesso em: 12.06.2010.
- TERRADILLOS BASOCO, Juan M. "La Constituicón penal. los derechos de la libertad", in Las sombras del sistema constitucional Español, Madrid: Trotta, 2003, p. 59.
- Idem, p. 59.
- De toda sorte, a identificação de um bem jurídico penalmente tutelado é indispensável, seja ele coletivo, seja ele individual, contudo não substitui o princípio unificador do direito penal, qual seja a conduta humana, pois sem ele não há que se falar sequer em fato típico.
Isto é assim, porque o conceito de crime exige que determinado comportamento humano esteja previamente tipificado em lei, mas não é so ainda se exige a antijuridicidade e a culpabilidade. Ou seja, sem conduta humana, não há que se falar em crime.
De outro lado, não se desconhece que o conceito analítico de crime, hodiernamente venha sofrendo certa mitigação. Contudo, não nos parece a posição mais correta, pois se se entender assim, o direito penal regulará qualquer coisa, desde que esteja presente um bem jurídico penalmente tutelado.
Também correto o recorrente ao afirmar que os crimes contra o sistema financeiro e a ordem econômico-financeira devem ser julgados pela Justiça Federal - ainda que ausente na legislação infraconstitucional disposição nesse sentido -, quando se enquadrem os fatos em alguma das hipóteses previstas no artigo 109, IV, da Constituição.
(...)
Data venia, contudo, estou convencido de que o art. 109, VI, da Constituição, não esgota a disciplina quanto à competência da Justiça Federal relativamente aos crimes contra o sistema financeiro e a ordem econômico-financeira.
Referido inciso, na verdade, antes amplia do que restringe a competência da Justiça Federal: possibilita ele, com efeito, que a partir das peculiaridades de determinadas condutas lesivas ao sistema financeiro e à ordem econômico-financeira, possa a legislação ordinária subtrair da Justiça estadual a competência para julgar causas que se recomenda sejam apreciadas pela Justiça Federal, mesmo que não abrangidas pelo art. 109, IV, da Constituição.
Do contrário, poderiam surgir situações em que o crime seria julgado pela Justiça estadual mesmo que cometido contra bens, serviços e interesses, por exemplo, do Banco Central, com repercussões quiçá em toda a ordem econômico-financeira brasileira.