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A justiciabilidade coletiva dos direitos sociais: contribuições ao debate

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Agenda 07/09/2011 às 11:46

3.A justiciabilidade coletiva dos direitos sociais

3.1.A Tutela Coletiva

A busca de uma compreensão da tutela coletiva de direitos passa necessariamente pelo entendimento da atividade jurisdicional do Estado, voltada para o equacionamento dos conflitos envolvendo direitos ou interesses coletivos em sentido amplo [42].

Tomando como ponto de partida um conceito de jurisdição e a definição de seus elementos básicos, é possível construir-se a idéia de tutela coletiva justamente a partir da diferenciação de tais elementos, que recebem uma nova roupagem quando destinados à guarda dos direitos da coletividade.

Traz-se, então, de Niceto Alcalá-Zamora Y Castilho o conceito e os elementos da Jurisdição. Para este autor, jurisdição é a "função desenvolvida pelo Estado para conhecer, decidir, e se necessário executar as sentenças proferidas com caráter imperativo por um terceiro imparcial, instituído pelo próprio Estado e situado acima das partes, acerca de uma ou mais pretensões litigiosas deduzidas pelas partes, e trazidas ao julgador pelo correspondente processo". [43]

E ainda de acordo com Alcalá-Zamora Y Castilho, a jurisdição aparece como a soma de quatro elementos: "dois subjetivos – as partes que pedem e o juiz que decide; e dois objetivos – o litígio, que reflete as pretensões deduzidas pelas partes, e o processo, que serve para encaminhar tais pretensões até a decisão final" [44].

Destarte, na seara coletiva, o que se percebe é um exercício jurisdicional diferenciado, em que os elementos que a compõem assumem feições próprias, destinadas a tutela de interesses e direitos transindividuais.

Sob o viés do direito coletivo, tem-se um litígio baseado em um direito ou interesse coletivo em sentido amplo, que é trazido ao judiciário mediante o competente processo, que deve ser entendimento como um instrumento garantidor da melhor prestação jurisdicional aplicável ao caso.

Tal processo deve ser proposto por um representante adequado, capaz de patrocinar a causa com a máxima eficiência postulatória e instrutória, e ser conduzido por um juiz que se apresente como um agente comprometido com os ideais do Estado Democrático de Direito, e consciente da importância de sua decisão para a garantia dos interesses da coletividade.

Desta forma, no processo coletivo cada elemento da jurisdição deve receber uma conotação diferenciada, justamente para propiciar uma melhor tutela destinada à proteção dos direitos coletivos em sentido lato, potencializando os instrumentos processuais destinados à defesa dos interesses difusos e coletivos.

A seguir, os elementos da jurisdição revisitados sob a ótica da tutela coletiva, iniciando-se, para fins didáticos, pelos elementos objetivos:

O Litígio

O litígio no processo coletivo tem como objeto um direito coletivo em sentido amplo. Em sentido amplo porque no Brasil os direitos coletivos foram subdivididos em três categorias – difusos, coletivos (em sentido estrito), e individuais homogêneos, consoante consta nos artigo 81, I, II e III do Código de Defesa do Consumidor (CDC) – e uma demanda que envolve qualquer destes direitos poderá envolver uma tutela coletiva. E muito embora tenham sido conceituados pelo CDC, entende-se que tal classificação extrapola o âmbito do direito consumerista e aplica-se a toda a doutrina do direito coletivo.

Sendo assim, tem-se como direitos difusos os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato; direitos coletivos (estrito senso), os transindividuais, de natureza indivisível, e de que sejam titulares grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base; e direitos individuais homogêneos, os decorrentes de origem comum [45].

Contudo, ressalta-se que o Código de Defesa do Consumidor (CDC) apenas trouxe uma classificação das espécies de direitos coletivos, deixando em aberto para a doutrina e jurisprudência a especificação de quais direitos são exatamente coletivos, e em qual classificação se encaixam.

Comumente os direitos coletivos são identificados como apenas aqueles direitos fundamentais de terceira dimensão, em sua seara difusa ou coletiva (estrito senso). Contudo, direitos fundamentais sociais de segunda dimensão também podem receber uma face coletiva, dependendo da forma como forem efetivamente tutelados. Até porque, poucos são os direitos exclusivamente coletivos. O que diferencia a tutela coletiva da tutela individual é o trato efetivo dado ao objeto da lide, e não somente o tipo de direito que é reproduzido em juízo.

Utilizando-se de exemplos para deixar mais claro a situação, pode-se pensar em um reajuste de benefício previdenciário decorrente de algum plano econômico. Este, a princípio, é um direito individual, que pode ser exigido pessoalmente por cada beneficiário. Contudo, por se tratar de um conflito que envolve uma massa de pessoas ligadas por uma origem comum, este direito pode ser tutela de forma coletiva, como direito individual homogêneo, em um processo coletivo que busque o reajuste para toda a categoria envolvida.

Assim, "há que se ter em mente que, para uma adequada tutela coletiva, não se pode prescindir da consideração das especificidades das relações materiais tuteladas" [46]. O processo coletivo, diferente do processo individual, tem como causa de pedir um direito coletivo no sentido amplo, seja ele difuso, coletivo (em sentido estrito), ou individual homogêneo. Destarte, "na tutela coletiva, estabelece-se uma controvérsia sobre interesses de grupos, classes ou categoria de pessoas (enquanto, nos conflitos coletivos, o objeto da lide são interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos, já, nos conflitos individuais, de regra a controvérsia cinge-se a interesses propriamente individuais)" [47].

Percebe-se então, a importância do processo coletivo justamente pela natureza litígio ali discutido. A concretização dos direitos da sociedade é tarefa primordial do jurista, que pode utilizar-se justamente do processo coletivo para tal fim.

O Processo

Na tutela coletiva, o processo deve ser visto como um instrumento de máxima garantia dos direitos da coletividade. Mais do que uma série de ritos, na seara coletiva o processo se destina à concretização de interesses transindividuais. Seguindo o pensamento de José Miguel Garcia Medina, "os direitos tutelados pela via das ações coletivas necessitam de uma tutela jurisdicional executiva de resultados efetivos" [48].

O processo coletivo é, desse modo, marcado por um fim. A importância do direito tutelado deve servir como legitimação para que o processo se apresente como um instrumento efetivo de tutela dos direitos coletivos. Trata-se de um verdadeiro recurso destinado à busca de soluções para problemas que envolvem a sociedade.

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Willis Santiago Guerra Filho ressalta a importância do processo coletivo como um meio de participação política, ao considerar que "o processo judicial que se instaura mediante a propositura de determinadas ações, especialmente aquelas de natureza coletiva e/ou de dimensão constitucional – ação popular, ação civil pública, mandado de injunção etc. – torna-se um instrumento privilegiado de participação política e exercício permanente da cidadania" [49].

É de se reconhecer que "os processos coletivos são palco de conflitos internos da sociedade, relacionados, por vezes, com políticas públicas e com relevantes questões econômicas e, em certos casos, com complexidade científica" [50]. Contudo, é exatamente por essas peculiaridades e pela importância do interesse em questão, que o processo coletivo deve receber uma atenção diferenciada.

Ricardo de Barros Leonel identifica a importância do processo coletivo ao considerar os resultados dele decorrentes. Nas palavras do autor, "a importância do processo está no alcance de seus resultados, vale afirmar, que sua utilidade é medida justamente na razão direta dos benefícios que possa trazer para o detentor de um interesse juridicamente protegido no ordenamento material" [51]. E continua: "é a visão do processo coletivo como instrumento de integração democrática, participativa, de cunho técnico-jurídico e político".

Destarte, é necessário ter em mente as vantagens do processo coletivo, a fim de que a comunidade jurídica dê o devido valor a este tipo de demanda, encarando-a como uma importante forma de tutela dos direitos da sociedade. Ricardo de Barros Leonel defende o processo coletivo como um "instrumento destinado a tornar acessível a justiça para aquelas situações em que ocorram ameaças ou lesões a interesses e direitos que pelos métodos tradicionais do processo de cunho clássico ou individual não seriam tuteláveis" [52].

O Juiz

O Juiz, nas demandas coletivas, deve ser visto como agente do Estado vocacionado à garantia dos direitos da sociedade. Este tópico não tem o condão de discutir competência para o julgamento, mas sim uma nova forma de posicionamento do juiz diante das demandas com características coletivas.

Exatamente porque o processo coletivo trata de questões da sociedade, e sendo o Estado um instrumento a serviço da Sociedade, é papel do Juiz proporcionar a máxima efetividade da tutela judicial nas demandas coletivas. Iniciada a lide, cabe ao Juiz conduzir o processo da forma que melhor resguarde os interesses sociais em questão. O Juiz deve se pautar pela importância do bem jurídico tutelado.

É necessário ter em mente a importância do processo coletivo como instrumento da sociedade para resguardar os seus direitos, e o Juiz deve perceber que a evolução da sociedade requer uma nova postura do judiciário. Como diz Paulo de Tarso Brandão, "sendo o Estado um instrumento a serviço da Sociedade, as demandas desta se modificam e se ampliam, determinando novos compromissos e novos comprometimentos por parte daquele" [53].

A partir do momento em que questões que envolvem importantes interesses da sociedade chegam ao Judiciário, é papel do Juiz (como agente do Estado) zelar para que o direito da coletividade seja garantido. O cidadão não está interessado em regras de legitimidade ou de alcance da sentença, mas sim de que seus interesses como membro da sociedade sejam preservados.

O magistrado não deve se utilizar de regras processuais para se esquivar de conhecer e decidir as causas que envolvem tais direitos. Até porque o Poder Judiciário aparece como um grande instrumento democrático na solução dos litígios que envolvem as coletividades, e para suprir inércia do Executivo e Legislativo. O foco de tensão dos conflitos sociais volta-se para o Judiciário, que possui o poder/dever de dirimir os conflitos que lhe são apresentados. Cabe, então, ao Juiz, o reconhecimento de seu papel como agente transformador da sociedade. Paulo de Tarso Brandão leciona: "é exatamente por isso e para garantir não só o Direito como o próprio Estado Democrático de Direito, que deve o Poder Judiciário cumprir sua missão maior e interferir na implementação de políticas públicas" [54].

Ainda que os processos coletivos tratem de assuntos complexos e envolvam grandes corporações e órgãos públicos, o Juiz deve conduzir e decidir a causa balizado no interesse em questão, interesse este que pode representar em proveito de uma coletividade determinável ou não, para esta e futuras gerações.

As Partes

Uma das grandes diferenciações da tutela coletiva diz respeito à legitimidade. A natureza do direito tutelado exige uma legitimação diferenciada para agir, já que não pertence a uma pessoa individualmente. Ainda que possam ser determinados os seus beneficiários, o interesse posto em juízo envolve uma coletividade, e sua tutela será mais eficaz na medida em que for tratada como interesse de um grupo.

Isso porque, como bem diagnosticam Mauro Cappelletti e Bryant Garth, os interesses da tutela coletiva "são interesses fragmentados ou coletivos, tais como o direito ao ambiente saudável, ou à proteção do consumidor. O problema básico que eles apresentam [...] é que, ou ninguém tem direito a corrigir a lesão a um interesse coletivo, ou o prêmio para qualquer indivíduo buscar essa correção é pequeno demais para induzi-lo a tentar uma ação" [55].

Ademais, diferente do processo ordinário, em que uma parte pleiteia em juízo um direito que lhe pertence, no processo coletivo são os interesses de uma coletividade que estão em debate, e exigem uma defesa especializada. Hugo Nigro Mazzili esclarece: "enquanto, nos conflitos individuais, aquele que pede a prestação jurisdicional é, de regra, quem invoca a titularidade do direito a ser defendido, já nos conflitos coletivos, o autor da ação civil pública ou coletiva defende mais do que o direito próprio à reintegração da situação jurídica violada, pois também e especialmente está a defender interesses individuais alheios, não raro até mesmo divisíveis, os quais são compartilhados por grupo, classe ou categoria de pessoas" [56].

Desta feita, o que determina a legitimação na tutela coletiva é a importância e a abrangência do direito tutelado. Considerando que um grupo de pessoas, determinável ou não, será atingido pela decisão judicial, e que tal decisão afetará área significativa da esfera jurídica do cidadão (seja na área consumerista, ambiental, política, etc.), na tutela coletiva, é mister a definição de representantes com capacidade para a melhor defesa do direito em juízo.

Some-se a isso que os reais titulares do direito não ingressarão na lide, ainda que possam ser por ela atingidos. Diferentemente do litisconsórcio, em que duas ou mais pessoas atuam em determinado pólo, defendendo interesses próprios, na tutela coletiva o direito em litígio pertencerá a uma coletividade (determinável ou não) que não participará pessoalmente no processo. É inviável e/ou não recomendável que todos os interessados por um direito transindividual ingressem em juízo, seja para evitar o grande número de processos daí decorrente, seja para evitar decisões contraditórias.

No processo coletivo não há um interesse direto entre o representante e o objeto da demanda, e a solução da demanda não se limita ao círculo de interesses da pessoa que litiga em juízo. Nas demandas coletivas há que se falar em um representante adequado, que esteja apto a patrocinar os interesses da coletividade em juízo. Como bem salienta Ada Pellegrini Grinover: "esse instituto (do representante adequado), desconhecido no processo individual, alicerça no processo coletivo a legitimação, exigindo que o portador em juízo do interesses ou direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos apresente as necessárias condições de seriedade e idoneidade, até porque o legitimado é o sujeito do contraditório, do qual não participam diretamente os membros do grupo, categoria ou classe de pessoas. Embora a legislação atual brasileira não mencione expressamente a representatividade adequada, ela inquestionavelmente pode ser vislumbrada em normas que dizem respeito à legitimação das associações".

O legitimado deve possuir conhecimento e condições de postular e instruir o processo de forma a extrair do judiciário a máxima efetividade na tutela dos interesses coletivos postos em jogo. Considerando que os reais titulares do direito não farão parte do processo, cabe ao representante adequado a responsabilidade de melhor representar tais interesses.

Tal fenômeno também é percebido por Mauro Cappelletti e Bryant Garth: "uma vez que nem todos os titulares de um direito difuso podem comparecer a juízo – por exemplo, todos os interessados na manutenção da qualidade do ar, numa determinada região – é preciso que haja um ‘representante adequado’ para agir em benefício da coletividade, mesmo que os membros dela não sejam ‘citados’ individualmente" [57].

Ricardo de Barros Leonel arremata: "assim, a adequação da representação assegura: a efetiva defesa dos interesses metaindividuais em juízo; a perfeita proteção das posições jurídicas dos lesados que integram a classe mas estão ausentes; o cumprimento das garantias constitucionais do processo; ‘legitima’ o processo coletivo e seus institutos como forma econômica de equacionamento de conflitos; ‘legitima’ a extensão subjetiva dos efeitos do julgado a quem não foi parte em sentido meramente formal" [58].

Reconhecida, então, a pertinência de que representantes adequados promovam o amparo dos direitos da coletividade, cabe a estes representantes, pessoas ou órgãos, a devida especialização teórica e técnica, bem como a busca por condições para a melhor postulação e instrução das demandas coletivas, resultando assim em uma tutela coletiva de qualidade, com respostas efetivas e importantes para a sociedade.

Percebe-se assim, através de uma nova visão dos elementos da jurisdição, que o Processo Coletivo pode servir como importante instrumento democrático para a concretização de direitos. Com um movimento ativista de representantes adequados em prol da sociedade, ter-se-á um maior número de processos judiciais visando resguardar os direitos dos cidadãos, sem que estes tenham a necessidade de procurar o Judiciário, trazendo benefícios para a sociedade.

E os resguardará numa tutela mais eficiente, em um processo garantidor de direitos, movido por um legitimado capacitado e engajado para a defesa dos interesses coletivos, e julgado por um Juiz comprometido com a efetivação dos princípios do Estado Democrático de Direito, que agirá em benefício desta e de futuras gerações.

3.2.a Tutela Coletiva dos Direitos Sociais

Ao se falar em judicialização dos direitos sociais, já de início vem à mente o processo individual de algum cidadão movido contra a Administração Pública direta ou indireta, tendo como pedido alguma prestação voltada para a concessão de algum benefício ou medida necessárias para a manutenção da vida. E este pedido pode até ser movido por ação civil pública intentada pelo Ministério Público, mas o processo não perderá sua natureza individual, com o provimento sendo concedido apenas ao beneficiário descrito na demanda.

Contudo, tal idéia pode ser repensada para um tratamento macro dos direitos sociais via processo coletivo. E neste sentido, a tutela coletiva em direitos sociais há que agregar os assuntos já tratados neste estudo. De um lado, parte-se do pressuposto da exigibilidade judicial dos direitos sociais, e de outro, contar com um processo coletivo que se diferencia do processo tradicional individual pelas suas características intrínsecas de litígio, processo, juiz e partes.

Assim, na seara dos direitos sociais se percebe, a princípio, duas formas de se demandarem direitos sociais, tendo em vista, especialmente, ao tratamento dado e a característica do direito almejado. De um lado os processos individuais, para a concessão de benefícios restritos aos seus titulares, e de outro, os processos coletivos, para direitos que podem ser estendidos a pessoas que tenha entre si relações de fato ou de direitos semelhantes, e que as identifique como grupos, classes ou categorias.

O exemplo dos benefícios previdenciários auxilia no entendimento da questão. De um lado, existem benefícios que exigem condições personalíssimas para sua concessão, como a aposentadoria. Ainda que aposentar-se seja um direito constitucional e extensível a todos os brasileiros, somente aqueles que atingirem as condições legais podem ser aposentar, e eventual ação judicial para concessão do benefício será necessariamente individual. Não se vislumbra a possibilidade de uma ação coletiva, pois a prova do direito é individual/personalíssima.

Já de outro lado, reajustes de benefícios previdenciários, que não deixam de ser direitos sociais, possuem como agraciados todos aqueles titulares que se enquadrarem na condição de receber o reajuste. E neste caso, ainda que sejam possíveis ações individuais de todos os segurados, melhor será uma ação coletiva para o reconhecimento e concessão do benefício de forma planificada.

Inclusive, se a condenação voltar-se diretamente para o INSS, obrigando a autarquia a promover o reajuste a todos que estiverem na situação de credores, se promoverá um acesso à justiça tal, que os beneficiários receberão seus reajustes sem ter que sequer recorrer à Justiça, o que evitará um abarrotamento do judiciário com milhares de processos idênticos e efetivamente se fará justiça a todos com apenas um processo.

Também no direito à saúde acontece situação semelhante. Alguns processos são necessariamente individuais, em que a parte demonstra a necessidade de um tratamento desigual na área da saúde (seja remédio, procedimento cirúrgico, etc.), com a concessão ou não da medida específica para aquela pessoa. Ainda que este processo seja promovido pelo Ministério Público, sob a forma de Ação Civil Pública, o resultado atingirá somente a pessoa constante no pedido.

Contudo, algumas tutelas na área da saúde podem ser conquistadas com melhor êxito se demandadas de forma coletiva. Processos bem instruídos, nos quais se demonstre a real necessidade de uma prática estatal específica para determinado grupo de pessoas/doentes, podem produzir resultados que maximizem o direito constitucional à saúde, bem como também do efetivo acesso à justiça daqueles que não necessitarão acionar o judiciário, mas apenas procurar o tratamento que foi concedido de forma coletiva.

Se pensarmos o direito do consumidor como ramo de direito social (considerando de forma ampla os direitos sociais, como aqueles direitos opostos aos direitos de liberdade da 1ª geração), também se vislumbra tanto a possibilidade de ações individuais para a proteção de interesses do consumidor, mas especialmente o uso das ações coletivas como instrumento para defesa de toda a classe dos consumidores contra ações abusivas e lesivas dos fornecedores/comerciante. Ações coletivas nas áreas de telefonia, energia, televisão por assinatura, etc. tem demonstrado o poder deste instituto como ferramenta para uma atuação judicial efetivamente realizadora de direitos fundamentais.

Um bom exemplo de tutela coletiva na área dos direitos sociais trata-se do julgamento do Recurso Especial (RE) n. 1.142.630 – PR, no qual o Superior Tribunal de Justiça concedeu, em sede de Ação Civil Pública e de forma coletiva, um reajuste de benefício previdenciário que deveria ser implantada a todos os titulares que se enquadravam nas condições descritas na decisão.

Dito RE foi relatado pela e. Ministra Laurita Vaz e julgado em 07/12/2010, tendo em seu bojo provavelmente as principais discussões doutrinárias acerca da possibilidade de se conceder, de forma coletiva e para toda o grupo de beneficiários, o reajuste devido, com a condenação voltando-se diretamente ao Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, dispensando a necessidade de ações individuais de todos os interessados.

Inicialmente se discutiu a legitimidade do Ministério Público em representar os interesses individuais homogêneos caracterizados pelos benefícios previdenciários, que possuem titularidade identificável e são disponíveis. O argumento contrário postulava a ilegitimidade de o Ministério Público patrocinar interesses individuais homogêneos que não fossem consumeristas, bem como de defender direitos disponíveis.

Contudo, reconheceu a Ministra que restando caracterizado o relevante interesse social, o Ministério Público torna-se legítimo para patrocina ação civil pública em defesa de interesses individuais homogêneos. E reconhecendo a pertinência a ação coletiva para a defesa do interesse social e da economia processual, decidiu a colenda câmara por reconhecer que a "legitimidade do Ministério Público para a ação civil pública em matéria previdenciária mostra-se patente tanto em face do inquestionável interesse social envolvido no assunto, como, também, em razão da inegável economia processual, evitando-se a proliferação de demandas individuais idênticas com resultados divergentes, com o conseqüente acúmulo de feitos nas instâncias do Judiciário, o que, certamente, não contribui para uma reflexão jurisdicional eficiente, célere e uniforme".

Considerou-se inexistir taxatividade de objeto para a defesa judicial de interesses individuais, mesmo que disponíveis, em virtude do interesse social por eles representado. Ademais, percebeu-se que certos direitos individuais homogêneos, quando visualizados em seu conjunto, de forma coletiva e impessoal, passam a representar mais que a soma dos interesses dos respectivos titulares, tornando-se verdadeiros interesses sociais, sendo cabível a sua proteção por meio de ação civil pública.

Assim, em se tratando de direitos individuais homogêneos (neste caso representado por benefícios previdenciários), ainda que disponíveis, o que deve ser observado é a presença do relevante interesse social de que se reveste o direitos a ser tutelado, restando aceita a legitimidade do Ministério Público para patrociná-los, e a pertinência da ação civil pública para sua defesa em juízo.

Cabe ressaltar que a eventual disponibilidade pelo titular de seu direito individual não subtrai o interesse social existente para a defesa coletiva. A afirmação do interesse social parte de sua identificação nos assentos da ordem social projetada pela Constituição de 1988, e na correspondente persecução dos objetivos fundamentais da República, nela consagrados.

Até porque, um benefício previdenciário erroneamente calculado para menos, implica renda mensal inferior não só para o seu titular, mas para todas as famílias envolvidas, refletindo em um empobrecimento injustificado de toda a sociedade, com conseqüente processo de exclusão social repelido pela Constituição Federal, bem como oneração de serviços públicos como saúde, educação e assistência social.

Assim, conclui-se que o uso da ação civil pública em matéria previdenciária implica em inegável economia processual, evitando a proliferação de demandas individuais idênticas, primando tanto pela solução uniforme para todos os envolvidos no problema, como pelo desafogamento do Poder Judiciário. E talvez o mais importante, promove um efetivo acesso à justiça de todos aqueles que serão beneficiados pela decisão coletiva, e que, por ignorância ou dificuldade de meios, provavelmente jamais buscariam o judiciário para reivindicar seus direitos.

Sobre o autor
Octaviano Langer

Mestre em Ciência Jurídica pela UNIVALI. Especialista em Direito Processual pela UNESC. Aluno Regular do Curso de Doutorado da Universidade de Buenos Aires - UBA. Oficial de Justiça Federal em Itajaí/SC.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LANGER, Octaviano. A justiciabilidade coletiva dos direitos sociais: contribuições ao debate. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2989, 7 set. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19942. Acesso em: 22 nov. 2024.

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