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Adoção por casais homoafetivos.

A nova família e suas possibilidades jurídicas

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4 - A NOVA FAMÍLIA

A família é considerada a base de qualquer sociedade. Antes da Constituição Federal de 1988, até bem pouco tempo, era considerada família apenas aquela oriunda do casamento. Com a promulgação da referida Carta Magna, passam a serem admitidas outras formas de constituição familiar, conforme previsão contida em seu art. 226, caso da união estável entre homem e mulher, da família constituída por ambos os genitores ou, ainda, a de caráter monoparental, formada por um dos pais e seus descendentes. Essa previsão possibilitou a todos os cidadãos brasileiros o exercício do direito de constituir família, seja ela de forma natural, artificial, ou por adoção. Se a base da constituição da família deixou de ser a procriação e a geração de filhos, para se concentrar na troca de afeto e de amor, é natural que mudanças ocorressem na composição dessas famílias. Se, biologicamente, é impossível duas pessoas do mesmo sexo gerarem filhos, agora, com o novo paradigma para a formação da família – o amor, em vez da prole – os casais não necessariamente precisam ser formados por pessoas de sexos diferentes.

Segundo o advogado Luiz Edson Fachin, o direito à orientação sexual integra a identidade da pessoa e é, por isso mesmo, direito personalíssimo elevado ao estatuto de direito fundamental. Não se pode, por evidência, negar um lar a uma criança que dele necessita em virtude da orientação sexual dos adotantes. O jurista também afirma que:

A família atual é eudemonista, ou seja, aquela que se justifica exclusivamente pela busca da felicidade, da realização pessoal dos seus indivíduos. E essa realização pessoal pode dar-se dentro da heterossexualidade ou da homossexualidade. É uma questão de opção, ou de determinismo, controvérsia esta acerca da qual a ciência ainda não chegou a uma conclusão definitiva, mas, de qualquer forma, é uma decisão, e como tal, deve ser respeitada. (FACHIN, 2003, p. 56)

Partindo então do pressuposto de que o tratamento a ser dado às uniões entre pessoas do mesmo sexo, que convivem de modo durável, sendo essa convivência pública, contínua e com o objetivo de constituir família, deve ser o mesmo que é atribuído em nosso ordenamento às uniões estáveis, resta concluir que é possível reconhecer, em tese, a essas pessoas o direito de adotar em conjunto.

A adoção constitui um parentesco eletivo, pois decorre exclusivamente de um ato de vontade. Trata-se de modalidade de filiação construída no amor, na feliz expressão de Luiz Edson Fachin, que gera vínculo de parentesco por opção. A adoção consagra a paternidade socioafetiva, baseando-se, não em fator biológico, mas em fator sociológico. A verdadeira paternidade funda-se no desejo de amar e ser amado.

O advogado Paulo Lôbo, especialista em direito de família e ex-conselheiro do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), explica que não há necessidade de comprovação da união estável por meio de contrato, tendo em vista a Constituição Brasileira. No documento de 1988, a união estável difere do casamento por dispensar um ato solene para constituição de uma família. A Constituição anterior considerava ilegal este tipo de união.

A falta de uma tutela jurídica pelo parlamento brasileiro fez com que muitos advogados sugerissem aos clientes na união estável ou homoafetiva que fizessem um contrato entre eles, mas não é necessário. A lei faculta que isso seja feito exclusivamente para regime de bens, os parceiros podem pedir comunhão ou separação de bens. (LÔBO, 2010, p.67)

Segundo o jurista Paulo Lôbo, "a família sofreu profundas mudanças de função, natureza, composição e, consequentemente, de concepção, sobretudo após o advento do Estado social, ao longo do século XX". Falta o nosso ordenamento jurídico acompanhar essas mudanças. Hoje, segundo Lôbo,

o modelo igualitário da família constitucionalizada se contrapõe ao modelo autoritário do Código Civil anterior. O consenso, a solidariedade, o respeito à dignidade das pessoas que a integram são os fundamentos dessa imensa mudança paradigmática que inspiraram o marco regulatório estampado nos arts. 226 a 230 da Constituição de 1988. (LÔBO, 2010, p.91)

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O fundamental é que a adoção é uma medida de proteção aos direitos da criança e do adolescente, e não um mecanismo de satisfação de interesses dos adultos. Trata-se, sempre, de encontrar uma família adequada a uma determinada criança, e não de buscar uma criança para aqueles que querem adotar.

O aumento do número de adoções, ao conceder a permissão para os casais homoafetivos, resolveria grande parte do problema das crianças órfãs de nosso país, visto que há um enorme contingente de menores abandonados, que poderiam ter uma vida com conforto, educação e carinho. O preconceito, entretanto, faz com que a sociedade pereça e muitas crianças sejam privadas de ter um lar, afeto, carinho, atenção. É preciso romper a barreira da discriminação e permitir que o desejo da adoção, seja por casais homossexuais ou não, torne-se um instrumento efetivo na resolução dos problemas com as crianças que não têm lar, nem identidade. Ora, se uma criança sofre maus tratos no seio de sua família biológica, abusos de toda espécie ou se é abandonada à própria sorte, vivendo nas ruas, sendo usada para o tráfico de drogas, como ocorre em nossos centros urbanos, evidentemente que sua adoção, quer seja por parte de casal homossexual, ou heterossexual ou mesmo por pessoa solteira, desde que revele a formação de um lar, onde haja respeito, lealdade e assistência mútuos, só apresenta vantagens.

A Deputada Federal Marta Suplicy é autora do projeto de lei n.º 1.151/95, que "Disciplina a união civil entre pessoas do mesmo sexo e dá outras providências", pretendendo assegurar aos homossexuais o reconhecimento da união civil, visando principalmente a proteção dos direitos à propriedade. Porém, não pretende, nem de longe, equiparar esta união com o casamento, nem tampouco criar uma nova espécie de família, pois veda a adoção de crianças. Já o Estatuto da Criança e do Adolescente, que regula a adoção de menores, não faz restrição alguma, seja quanto à sexualidade dos candidatos, seja quanto a necessidade de uma família constituída pelo casamento como requisitos para a adoção.

A solução dada pela Desembargadora do Rio Grande do Sul, Maria Berenice Dias, é notável. Não há qualquer impedimento no Estatuto da Criança e do Adolescente, pois a capacidade para a adoção nada tem a ver com a sexualidade do adotante, sendo expresso o art. 42, ao dizer: "Podem adotar os maiores de 21 anos, independentemente do estado civil". Deve prevalecer o princípio do art. 43: "A adoção será deferida quando apresentar reais vantagens para o adotado e fundar-se em motivo legítimo".

Vê-se que ao menos um pouco do preconceito já foi superado por alguns magistrados. Porém, ainda há muito que se fazer, não apenas pelos juízes ou desembargadores, mas também pelos legisladores, doutrinadores e por cada cidadão do país. Cabe principalmente ao estudioso e profissional de Direito a tarefa de tomar a iniciativa em tratar os homossexuais da mesma forma que os outros, encarando com naturalidade as nuances de uma opção não tradicional e estigmatizada.


5 – CONCLUSÃO

Diante da valorização da dignidade da pessoa humana como elemento fundamental do Estado Democrático de Direito não poderá haver qualquer discriminação baseada em características pessoais individuais, repelindo-se, dessa forma, qualquer restrição à liberdade sexual do indivíduo, não se podendo admitir, portanto, desrespeito ou prejuízo em função da sua orientação sexual.

A sociedade passa por mudanças e cabe ao Direito acompanha-las, sendo constantemente atualizado. Enquanto isso não ocorre e ainda não existam leis protegendo a união homoafetiva, deve o juiz basear-se na analogia, nos costumes e princípios gerais do Direito, sempre resolvendo a questão dentro dos preceitos constitucionais e buscando, no caso da adoção, o melhor interesse da criança e do adolescente, pois adotar vai muito além da orientação sexual de quem deseja fazê-la.


6 – BIBLIOGRAFIA

FACHIN, Luiz Edson. Direito de família: elementos críticos à luz do Novo Código Civil Brasileiro. Rio de Janeiro, Renovar, 2003.

LÔBO, Paulo. Direito Civil: Famílias. 3 ed. – São Paulo, Saraiva, 2010.

LYRA FILHO, Roberto. Para um direito sem dogmas. Porto Alegre, Fabris, 1980.

Recurso Especial Nº 889.852 - RS (2006/0209137-4). Disponível em https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sSeq=966556&sReg=200602091374&sData=20100810&formato=PDF

WARAT, Luís Alberto. Manifesto do Surrealismo Jurídico. São Paulo, Acadêmica, 1988.

Sobre os autores
Hávilla Fernanda Araújo do Monte

Estudante de Direito da Universidade Federal do Piauí

Thaís Freitas de Oliveira

Estudante de Direito da Universidade Federal do Piauí

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MONTE, Hávilla Fernanda Araújo; OLIVEIRA, Thaís Freitas. Adoção por casais homoafetivos.: A nova família e suas possibilidades jurídicas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2996, 14 set. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19993. Acesso em: 23 nov. 2024.

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