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A influência do STF na regulamentação do aviso prévio

Agenda 28/09/2011 às 15:24

O artigo investiga a atuação e a influência do Supremo Tribunal Federal na regulamentação do artigo 7º, XXI, da Constituição da República, que fixa o aviso-prévio.

RESUMO: O artigo investiga a atuação e a influência do Supremo Tribunal Federal na regulamentação do artigo 7º, XXI, da Constituição da República, que fixa o aviso-prévio.

A versão originária do princípio da separação dos poderes orientava que o Legislativo tinha por função principal a criação de normas gerais e abstratas, o Executivo deveria atuar com base no interesse da administração e o Judiciário aplicar a vontade da lei (juiz é a boca da lei).

No Estado Liberal, o exercício da jurisdição se limitava à resolução dos conflitos de interesses, permitindo, ainda, excluir do sistema jurídico normas contrárias ao texto da Constituição, cabendo ao Judiciário, neste caso, exercer uma função legislativa negativa.

A ideia de legislador negativo imperou durante muito tempo no Supremo Tribunal Federal, tal como se verifica na seguinte decisão:

EMENTA: TRIBUTÁRIO. PARCELAMENTO DE DÉBITOS PREVIDENCIÁRIOS. EXTENSÃO DE BENEFÍCIO CONCEDIDO APENAS A EMPRESAS PÚBLICAS E SOCIEDADES DE ECONOMIA MISTA. IMPOSSIBILIDADE. I - Não é dado ao Poder Judiciário atuar como legislador positivo, mas apenas como legislador negativo nas hipóteses de declaração de inconstitucionalidade. II - Impossibilidade de extensão, às demais empresas, do prazo concedido pela Lei 8.620/93 às empresas públicas e sociedades de economia mista para parcelamento de débitos previdenciários. III - Agravo regimental improvido. [grifado]

(STF, RE 493234 AgR/RS, Primeira Turma, Relator Min. RICARDO LEWANDOWSKI, julgamento 27/11/2007, DJe 18-12-2007)

Tal perspectiva, congênita ao Estado Liberal, não se coaduna, entretanto, com a noção de Estado Pós-Social, que exige a intervenção integral do Estado na solução dos problemas individuais e coletivos. Ou seja, o princípio da tripartição dos Poderes não apresenta o mesmo conteúdo do Estado Liberal, não mantém as mesmas características delineadas no Espírito das Leis (Montesquieu).

Nesse contexto, o Supremo Tribunal Federal passou a adotar nova postura nos seus julgamentos [01], admitindo, em determinadas circunstâncias, uma atuação mais pró-ativa, com o fim de suprir a ausência legislativa para regular fatos jurídicos submetidos a uma decisão da Corte Suprema.

Há vários casos, recentemente, que demonstram a atuação legislativa positiva do STF.

Exemplificativamente, mencionam-se os Mandados de Segurança 26.602/DF, 26.603/DF e 26.604/DF, nos quais a Corte assentou que o abandono, pelo parlamentar, da legenda pela qual foi eleito tem como consequência a extinção do mandato (fidelidade partidária).

Igualmente, na Petição 3.388/RR, o Supremo, enfrentando a situação de insegurança ocasionada pela demarcação da reserva Raposa Serra do Sol, definiu, a partir do voto do saudoso Min. Menezes Direito, fixou inúmeras condições – atuando normativamente - para regular a extensão do usufruto dos indígenas sobre as terras que lhes são constitucionalmente garantidas.

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Também haverá superação do dogma do legislador negativo na hipótese de procedência do pedido veiculado na ADPF 54, se a Corte entender que é possível a interrupção da gravidez na hipótese de feto anencéfalo. Vale dizer, a julgar desta forma, o STF criará uma terceira hipótese de excludente de criminalização do aborto, não prevista expressamente no Código Penal, que o autoriza apenas na hipótese de perigo para a vida da gestante e de gravidez decorrente de estupro (artigos 124 a 128 do Código Penal).

O exemplo mais recente refere-se ao aviso-prévio. A Constituição determina que o aviso-prévio deve ser "proporcional ao tempo de serviço, sendo no mínimo de trinta dias, nos termos da lei" (art. 7º XXI). O Congresso Nacional, entretanto, permaneceu inerte, deixando de editar a lei, nada obstante transcorridas mais de duas décadas da promulgação da Constituição de 1988.

Em consequência da inércia legislativa, foram ajuizados Mandados de Injunção perante o STF (distribuídos sob os ns. 943/DF, 1010/DF, 1074/DF e 1090/DF), que, em 22/06/2011, iniciou a análise do caso, para assentar a necessidade de corrigir a inércia legislativa e, após a discussão, houve suspensão do julgamento, ficando assentado o seguinte [02]:

O Plenário iniciou julgamento conjunto de mandados de injunção em que se alega omissão legislativa dos Presidentes da República e do Congresso Nacional, ante a ausência de regulamentação do art. 7º, XXI, da CF, relativamente ao aviso prévio proporcional ao tempo de serviço ("Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: ... XXI - aviso prévio proporcional ao tempo de serviço, sendo no mínimo de trinta dias, nos termos da lei;"). Na espécie, os impetrantes, trabalhadores demitidos sem justa causa após mais de uma década de serviço, receberam de seu empregador apenas um salário mínimo a título de aviso prévio. O Min. Gilmar Mendes, relator, ao reconhecer a mora legislativa, julgou procedente o pedido. Inicialmente, fez um retrospecto sobre a evolução do Supremo quanto às decisões proferidas em sede de mandado de injunção: da simples comunicação da mora à solução normativa e concretizadora. Destacou que, no tocante ao aviso prévio proporcional ao tempo de serviço, o Min. Carlos Velloso, em voto vencido, construíra solução provisória fixando-o em "10 dias por ano de serviço ou fração superior a 6 meses, observado o mínimo de 30 dias". Aduziu, entretanto, que essa equação também poderia ser objeto de questionamento, porquanto careceria de amparo fático ou técnico, uma vez que a Constituição conferira ao Poder Legislativo a legitimidade democrática para resolver a lacuna. O Min. Luiz Fux acrescentou que o art. 8º da CLT admitiria como método de hetero-integração o direito comparado e citou como exemplos legislações da Alemanha, Dinamarca, Itália, Suíça, Bélgica, Argentina e outras. Apontou, ainda, uma recomendação da Organização Internacional do Trabalho – OIT sobre a extinção da relação trabalhista. Por sua vez, o Min. Marco Aurélio enfatizou que o critério a ser adotado deveria observar a proporcionalidade exigida pelo texto constitucional e propôs que também se cogitasse de um aviso prévio de 10 dias — respeitado o piso de 30 dias — por ano de serviço transcorrido. O Min. Cezar Peluso sugeriu como regra para a situação em comento que o benefício fosse estipulado em um salário mínimo a cada 5 anos de serviço. O Min. Ricardo Lewandowski, por seu turno, mencionou alguns projetos de lei em trâmite no Congresso Nacional. Diante desse panorama, o relator acentuou a existência de consenso da Corte quanto ao provimento do writ e à necessidade de uma decisão para o caso concreto, cujos efeitos, inevitavelmente, se projetariam para além da hipótese sob apreciação. Após salientar que a mudança jurisprudencial referente ao mandado de injunção não poderia retroceder e, tendo em conta a diversidade de parâmetros que poderiam ser adotados para o deslinde da controvérsia, indicou a suspensão do julgamento, o qual deverá prosseguir para a explicitação do dispositivo final. MI 943/DF, rel. Min. Gilmar Mendes, 22.6.2011.

Segundo noticiou o Jornal Folha de São Paulo de 23/09/2011 (Caderno Mercado, p. B3), o Presidente da Câmara dos Deputados participou de uma reunião com integrantes do STF, para debater o tema e, nessa oportunidade, foi alertado que uma decisão definitiva da Corte dificultaria a votação da questão na Câmara e que o Judiciário, ao apreciar o tema, auxiliou o Congresso a ‘desobstruir’ as negociações outrora encetadas entre empregadores e empregados.

Passadas duas semanas da aludida reunião, o Congresso Nacional aprovou lei para regulamentar o dispositivo constitucional, aumentando para até noventa dias o aviso-prévio [03].

O caso do aviso-prévio demonstra claramente que o Supremo Tribunal Federal deixou de ser um órgão que exerce atividade legislativa negativa, tornando-se um influenciador direto da atuação do Congresso Nacional, inclusive na pauta de votações da Casa Legislativa.

Tudo isso comprava a nova leitura apresentada ao princípio da separação dos poderes, pois a adoção da postura de legislador positivo tem permitido que o STF conduza a própria pauta do Congresso Nacional.


Notas

  1. Sobre a transformação dos julgamentos do STF vide: SCHULZE, Clenio Jair. As gerações do mandado de injunção. Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 2875, 16 maio 2011. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/19109>. Acesso em: 23 set. 2011.
  2. Conforme noticiado no Informativo 632, do Supremo Tribunal Federal.
  3. Neste sentido é o conteúdo da mesma reportagem veiculada no Jornal Folha de São Paulo, Caderno Mercado, B3.
Sobre o autor
Clenio Jair Schulze

Juiz Federal. Mestre em Ciência Jurídica.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SCHULZE, Clenio Jair. A influência do STF na regulamentação do aviso prévio. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 3010, 28 set. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20085. Acesso em: 23 dez. 2024.

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