8. Procedimento de certificação: interpretação/aplicação jungida ao sistema administrativista, não devendo obediência ao sistema jurídico tributário.
Por a certificação, renovação e cancelamento apresentar-se como ato de natureza administrativa, atraem todo o sistema administrativista (princípios, textos, normas e regras regentes do Direito Administrativo), diferentemente do ato verificador dos requisitos de isenção que atraem, por tal natureza, a órbita tributária do ordenamento jurídico pátrio. Em outro vértice, quer-se dizer que, no âmbito administrativo, o agir administrativo pode se revestir de preocupações outras que não o decorrente da rígida obediência à legalidade, podendo, ilustrativamente, prestigiar a continuidade administrativa e interesse público primário, a exemplo de sobrelevar o princípio constitucional da continuidade administrativa em detrimento de uma simples irregularidade ou ofensa a texto legal.
Portanto, a perspectiva hermenêutica tributária não deve espargir seus efeitos jurídicos sobre os requisitos necessários à concessão, renovação ou indeferimento de CEBAS, nem nortear o agir administrativo nessa fase, porquanto jungido ao espectro administrativista.
9. O RMS 28.456/DF, 1ª Turma do STF: concessão de Cebas como requisito para obtenção de imunidade. Fundamento que deve restar adstrito aos atos praticados sob a égide da Lei n. 8.212, de 1991.
Recentemente a 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Ordinário em Mandado de Segurança 28.456/DF, por unanimidade, negou provimento ao recurso em que se insurgia contra decisão do Conselho Nacional de Assistência Social que cancelara o CEBAS de uma Fundação, relativo ao período de 1.1.1998 a 31.12.2000. As razões do decisum podem ser assim sintetizadas pelos votos dos Ministros Dias Toffoli e Cármen Lúcia:
Também reconheço, da mesma forma como o fez a eminente Relatora, a inaplicabilidade, à exegese do presente caso, das decisões proferidas na apreciação das medidas cautelares nos autos das ADI nºs 2.036/DF e 2.028/DF, pois, em ambas, se questiona a constitucionalidade dos arts. 1º (na parte em que alterou a redação do art. 55, inciso III, da Lei nº 8.212/91 e a ele acrescentou os §§ 3º, 4º e 5º); 4º; 5º e 7º da Lei nº 9.732/98, os quais cuidam da implementação da referida imunidade, propriamente dita, mas não quanto à concessão do certificado de entidade beneficente de assistência social, que é apenas um dos requisitos para que se possa obter a imunidade.
Conquanto não tenha sido parte dispositiva do julgado, o fundamento precedentemente destacado do pronunciamento jurisdicional da Suprema Corte, qual seja de que a concessão do certificado de entidade beneficente de assistência social é um requisito para se obter a imunidade, hoje não mais se sustenta frente à edição da Lei n. 12.101, de 2009, que revogara o art. 55 da Lei n. 8.212, de 1991.
Isso porque a Lei n. 8.212, de 1991, em seu art. 55, ao versar sobre os requisitos de isenção para as entidades beneficentes de assistência social, exigia que ela preenchesse cumulativamente vários requisitos, entre os quais ser portadora do Registro e do Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social - CEBAS:
Art. 55. Fica isenta das contribuições de que tratam os arts. 22 e 23 desta Lei a entidade beneficente de assistência social que atenda aos seguintes requisitos cumulativamente:
I - seja reconhecida como de utilidade pública federal e estadual ou do Distrito Federal ou municipal;
II - seja portadora do Certificado e do Registro de Entidade de Fins Filantrópicos, fornecido pelo Conselho Nacional de Assistência Social, renovado a cada três anos;
II - seja portadora do Registro e do Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social, fornecidos pelo Conselho Nacional de Assistência Social, renovado a cada três anos;
III - promova a assistência social beneficente, inclusive educacional ou de saúde, a menores, idosos, excepcionais ou pessoas carentes;
III - promova, gratuitamente e em caráter exclusivo, a assistência social beneficente a pessoas carentes, em especial a crianças, adolescentes, idosos e portadores de deficiência;
IV - não percebam seus diretores, conselheiros, sócios, instituidores ou benfeitores, remuneração e não usufruam vantagens ou benefícios a qualquer título;
V - aplique integralmente o eventual resultado operacional na manutenção e desenvolvimento de seus objetivos institucionais apresentando, anualmente ao órgão do INSS competente, relatório circunstanciado de suas atividades.
§ 1º Ressalvados os direitos adquiridos, a isenção de que trata este artigo será requerida ao Instituto Nacional do Seguro Social-INSS, que terá o prazo de 30 (trinta) dias para despachar o pedido.
§ 2º A isenção de que trata este artigo não abrange empresa ou entidade que, tendo personalidade jurídica própria, seja mantida por outra que esteja no exercício da isenção.
§ 3º Para os fins deste artigo, entende-se por assistência social beneficente a prestação gratuita de benefícios e serviços a quem dela necessitar.
§ 4º O Instituto Nacional do Seguro Social - INSS cancelará a isenção se verificado o descumprimento do disposto neste artigo.
§ 5º Considera-se também de assistência social beneficente, para os fins deste artigo, a oferta e a efetiva prestação de serviços de pelo menos sessenta por cento ao Sistema Único de Saúde, nos termos do regulamento.
§ 6º A inexistência de débitos em relação às contribuições sociais é condição necessária ao deferimento e à manutenção da isenção de que trata este artigo, em observância ao disposto no § 3º do art. 195 da Constituição.
A Lei n. 12.101, de 2009, revogou o art. 55 da Lei n. 8.212, de 1991, e dispôs no art. 29 que, para ter direito à isenção, a entidade beneficente certificada com o CEBAS, deveria atender aos requisitos constantes do inciso I ao VIII, que devem ser preenchidos cumulativamente:
Art. 29. A entidade beneficente certificada na forma do Capítulo II fará jus à isenção do pagamento das contribuições de que tratam os arts. 22 e 23 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, desde que atenda, cumulativamente, aos seguintes requisitos:
I - não percebam seus diretores, conselheiros, sócios, instituidores ou benfeitores, remuneração, vantagens ou benefícios, direta ou indiretamente, por qualquer forma ou título, em razão das competências, funções ou atividades que lhes sejam atribuídas pelos respectivos atos constitutivos;
II - aplique suas rendas, seus recursos e eventual superávit integralmente no território nacional, na manutenção e desenvolvimento de seus objetivos institucionais;
III - apresente certidão negativa ou certidão positiva com efeito de negativa de débitos relativos aos tributos administrados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil e certificado de regularidade do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço - FGTS;
IV - mantenha escrituração contábil regular que registre as receitas e despesas, bem como a aplicação em gratuidade de forma segregada, em consonância com as normas emanadas do Conselho Federal de Contabilidade;
V - não distribua resultados, dividendos, bonificações, participações ou parcelas do seu patrimônio, sob qualquer forma ou pretexto;
VI - conserve em boa ordem, pelo prazo de 10 (dez) anos, contado da data da emissão, os documentos que comprovem a origem e a aplicação de seus recursos e os relativos a atos ou operações realizados que impliquem modificação da situação patrimonial;
VII - cumpra as obrigações acessórias estabelecidas na legislação tributária;
VIII - apresente as demonstrações contábeis e financeiras devidamente auditadas por auditor independente legalmente habilitado nos Conselhos Regionais de Contabilidade quando a receita bruta anual auferida for superior ao limite fixado pela Lei Complementar nº 123, de 14 de dezembro de 2006.
De fácil percepção, portanto, até mesmo confrontando o art. 29 da Lei n. 12.101, de 2009, com o art. 55 da Lei n. 8.212, de 1991, que a Certificação de Entidade Beneficente de Assistência Social deixou de ser requisito de isenção, motivo pelo que o fundamento carreado na manifestação do STF deve ser restrito a fatos ocorridos sob a égide da Lei revogada, o que corrobora os argumentos aqui discorridos.
10. CONCLUSÃO
A vista dos argumentos aqui expendidos, entende-se que:
I – Os atos atinentes à certificação de entidades beneficentes de assistência social – CEBAS - apresentam natureza meramente administrativa.
II – Os atos de concessão, renovação ou indeferimento de CEBAS encontram-se jungidos ao sistema jurídico administrativista e não ao campo normativo tributário, sendo, ainda, de competência exclusiva dos Ministérios certificadores.
III – O CEBAS conferido à pessoa jurídica, sem fins lucrativos, representa apenas à sua qualificação/adjetivação, não se confundindo, pois, com requisito para o gozo de isenção/imunidade tributária, ante a revogação do art. 55 da Lei n. 8.212, de 1991, especialmente o inciso II, pela Lei n. 12.101, de 2009.
IV – O conceito de “sem fins lucrativos” tem seu significado reproduzido tanto como requisito para a certificação quanto requisito para isenção tributária, o que deve ser aclarado pela Advocacia-Geral da União, até mesmo para orientar a atuação dos Ministérios certificadores e da Secretaria de Receita Federal do Brasil, evitando, assim, dubiedades na emissão de vontade do Estado.
V – Prega-se aqui o entendimento de que ser “sem fins lucrativos” configura-se tanto como requisito para a certificação das entidades interessadas como também é requisito de isenção tributária, valendo destacar, contudo, que a análise pelo órgão certificador deve-se cingir ao cotejo com os atos constitutivos apresentados, ao passo que na análise de requisitos de isenção é que se atravessa crivo exauriente, inclusive fiscalização.
VI – A questão é polêmica e encontra-se atualmente sem resposta uniforme, carecendo, pois, de manifestação dos órgãos incumbidos de tal pacificação, no âmbito administrativo, pela Advocacia-Geral da União, ou na esfera judicial pelos Tribunais pátrios.
OBRAS E SITES CONSULTADOS
AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 14 ed. São Paulo: Saraiva, 2008.
COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Comentários à Constituição de 1988: Sistema Tributário. 8 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999.
DALLARI, Adilson Abreu. Empresa Estatal Prestadora de Serviços Públicos – Natureza Jurídica – Repercussões Tributárias, in RDP 94, 1990.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 20 ed. 2. reimpr. São Paulo: Atlas, 2007.
GASPARINI, Diogenes. Direito administrativo. 13 ed. São Paulo: Saraiva, 2008.
VELLOSO Andrei Pitten. Constituição Tributária Interpretada. São Paulo: Altas, 2007.
www.stf.jus.br
www.stj.jus.br
www.cjf.jus.br
www.saude.gov.br
www.mds.gov.br
www.agu.gov.br
www.planalto.gov.br
Notas
[1] Lei n. 12.101, de 2009, art. 1º.
[2] Lei n. 12.101, de 2009. Art. 21, § 5º O processo administrativo de certificação deverá, em cada Ministério envolvido, contar com plena publicidade de sua tramitação, devendo permitir à sociedade o acompanhamento pela internet de todo o processo.
[3] AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 14 ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 156.
[4] AMARO, Luciano, Direito Tributário Brasileiro, p. 156.
[5] Lei Complementar n. 73, de 1993. Art. 4º. São atribuições do Advogado-Geral da União: X - fixar a interpretação da Constituição, das leis, dos tratados e demais atos normativos, a ser uniformemente seguida pelos órgãos e entidades da Administração Federal;
[6] Art. 32. Constatado o descumprimento pela entidade dos requisitos indicados na Seção I deste Capítulo, a fiscalização da Secretaria da Receita Federal do Brasil lavrará o auto de infração relativo ao período correspondente e relatará os fatos que demonstram o não atendimento de tais requisitos para o gozo da isenção.