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A tutela dos direitos autorais e os consectários de sua violação

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Agenda 28/09/2012 às 11:20

6 – DO ILÍCITO PENAL

Pela natureza subsidiária e fragmentária do Direito Penal, orientado pela intervenção mínima, apenas as condutas juridicamente relevantes merecem ser tipificadas.

O legislador pátrio, inspirado nas Convenções Internacionais de que o Brasil é signatário e na CF/88, considerou o direito autoral um bem jurídico relevante, merecedor da tutela do Direito Penal.

A contrafação consiste na reprodução não autorizada, segundo definido no art. 5º, VII, da LDA. Aponta Fragoso (2009, p. 294), que “realiza-se pela reprodução integral ou parcial, de obra ou fonograma, sem a usurpação do nome dos autores ou dos produtores, organizadores ou outros titulares”.

O plágio é apresentar, como de sua autoria, trabalho ou obra intelectual alheia, e.g., artigo, monografia, música ou programa de computador. Infelizmente, essa violação é comum no meio acadêmico e científico.

Mas, a LDA, em seus arts. 46 a 48, impõe limitações aos titulares de direitos autorais, que excluem a aplicação da norma penal. Assim, e.g., a citação de passagens de obra, justificada para o fim a atingir, identificado o nome do autor e a origem da obra (art. 46, III), não constitui ofensa aos direitos autorais.

As condutas típicas do crime de violação de direito autoral, previstas no art. 184, caput, e §§ 1º, 2º e 3º do Código Penal, com redação dada pela Lei nº 10.695, de 1º.7.2003, consistem em ofender, infringir, transgredir o direito de autor e os que lhe são conexos. Se houver autorização expressa do autor, ou do titular de direitos conexos, a conduta será atípica.

Dispõe o art. 184, caput: “Violar direitos de autor e os que lhe são conexos: Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, ou multa”. Essa figura típica não exige a finalidade de obtenção de lucro. A ação penal será exclusivamente privada e a queixa ou a denúncia não será recebida se não for acompanha do exame pericial, por ser crime que deixa vestígios.

Observa Nucci (2011, p. 932) que “o exame de corpo de delito (exame pericial constatando a existência do crime) é condição de procedibilidade para o exercício da ação penal. Sem ele, nem mesmo o recebimento da denúncia ou queixa ocorrerá”.

A infração é de menor potencial ofensivo apenas para o crime do caput. Preenchidos os requisitos do art. 89 da Lei nº 9.099/95, é perfeitamente possível a suspensão condicional do processo.

Sem a prova do direito à ação, a queixa não será recebida, ou determinada qualquer diligência (art. 526, do CPP). O documento hábil é a Certidão do Registro de Marca, Patente ou Direito Autoral, extraída do órgão federal competente.

A doutrina entende que são abrangidos pela tutela penal os direitos de autor sobre as obras literárias, científicas e artísticas. O art. 184 do CP é norma penal em branco, pois não informa a definição de direito de autor e conexos, que deve ser extraída da Lei nº 9.610/98.

Referindo-se aos titulares de direitos conexos, Pierangeli (2007, p. 399 – 400) anota que “a proteção jurídico-penal vai além do direito do autor, posto que vai atender também aos direitos do artista intérprete ou executante e das cópias e do produtor do fonograma”.

O prazo decadencial para ingresso da ação penal privada é de seis meses (arts. 103 e 38 do Código Penal). Porém, a partir da homologação da apreensão ou da perícia, a queixa não pode superar o decurso de trinta dias (art. 529, do CPP). Se ocorrer a prisão em flagrante e o réu não for posto em liberdade, anuncia o art. 530 do CPP que deverá a parte interessada propor a ação em oito dias.

Para as formas qualificadas, previstas nos §§ 1º, 2º e 3º, a pena é de reclusão de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa. O tipo penal exige o fim especial do agente de obter lucro. A ação penal é pública incondicionada para as condutas dos §§ 1º e 2º, ou se presente o interesse público. Será pública condicionada à representação da vítima, no caso do § 3º.

O Ministério Público é o titular da ação penal pública (art. 129, I, da CF/88). Porém, caso não ofereça a denúncia no prazo legal, o ofendido ou seu representante legal pode oferecer a ação privada subsidiária da pública.

A violação dos direitos de autor de programa de computador recebe o tratamento do art. 12, da própria Lei nº 9.609/98, que prevê pena mínima de detenção de seis meses a reclusão de quatro anos ou multa. A ação penal é privada, procede-se mediante queixa; se presente o interesse público, a ação penal será pública incondicionada.

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As normas incriminadoras da violação dos direitos da propriedade intelectual, atualmente dispersas no ordenamento jurídico pátrio, receberam um tratamento centralizado no projeto do novo Código Penal. Espera-se que o legislador tenha o bom senso necessário para seguir a orientação da comissão de juristas.

Poderá o juiz, a requerimento da vítima, ou ao prolatar a sentença condenatória, determinar a destruição dos bens ilícitos objeto de apreensão.

6.1 – O princípio da insignificância

A aplicação do princípio da insignificância ao tipo penal previsto no art. 184 e parágrafos, exclui a incidência da norma penal àquelas condutas, desde que a reprovação implique em uma ínfima afetação ao bem jurídico tutelado.

Segundo a pacífica jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, a aplicação do princípio da insignificância requer o preenchimento de algumas condições: mínima ofensividade da conduta do agente; ausência de periculosidade social da ação; reduzido grau de reprovabilidade do comportamento; e inexpressividade da lesão jurídica provocada. Nesse sentido, decidiu o STF, em sede de habeas corpus:

STF-142845) HABEAS CORPUS. PENAL E PROCESSUAL PENAL. VIOLAÇÃO DE DIREITO AUTORAL. INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INVIABILIDADE. REINCIDÊNCIA E HABITUALIDADE DELITIVA COMPROVADAS. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA AMPLA DEFESA. INOCORRÊNCIA. ADIAMENTO DO JULGAMENTO PARA A SESSÃO SEGUINTE. DESNECESSIDADE DE NOVA PUBLICAÇÃO DA PAUTA. ORDEM DENEGADA. É entendimento reiterado desta Corte que a aplicação do princípio da insignificância exige a satisfação dos seguintes vetores: (a) mínima ofensividade da conduta do agente; (b) ausência de periculosidade social da ação; (c) reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento; e (d) inexpressividade da lesão jurídica provocada. Reconhecidas a reincidência e a habitualidade da prática delituosa, a reprovabilidade do comportamento do agente é significativamente agravada, sendo suficiente para inviabilizar a incidência do princípio a insignificância. Precedentes. Adiada a sessão de julgamento para qual as partes foram regularmente intimadas, desnecessária é a renovação da publicação do ato convocatório, porquanto as partes consideram-se automaticamente intimadas para a sessão subsequente, daí não decorrendo qualquer violação ao princípio da ampla defesa. Precedentes. Ordem denegada. (Habeas Corpus nº 100.240/RJ, 2ª Turma do STF, rel. Joaquim Barbosa. j. 07.12.2010, unânime, DJe 02.03.2011).

6.2 – O princípio da adequação social

O princípio da adequação social expressa o comportamento que é largamente aceito pela sociedade, embora receba a reprovação do ordenamento jurídico.

O TJMS, em decisão proferida em sede de apelação, reconheceu a adequação social como um dos motivos a ensejar a absolvição, nos seguintes termos:

E M E N T A -APELAÇÃO CRIMINAL -VIOLAÇÃO DE DIREITO AUTORAL (ART. 182, § 2º, DO CP)- COMÉRCIO EVENTUAL DE CD’S E DVD´S PIRATAS -PRETENDIDA A ABSOLVIÇÃO -ACOLHIDA -RECONHECIMENTO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA -INOCORRÊNCIA DE LESÃO RELEVANTE AO BEM JURÍDICO TUTELADO -ADEQUAÇÃO SOCIAL -ABSOLVIÇÃO DECRETADA -RECURSO PROVIDO. Configurada a mínima ofensa ao bem jurídico tutelado (princípio da insignificância), e sendo a prática aceita pela sociedade (princípio da adequação social), de rigor a manutenção da absolvição sumária decretada em 1º grau. ( TJMS - Apelação Criminal - N. -Paranaíba. 1ª Turma Criminal, rel. Des. Francisco Gerardo de Sousa, j. 5/12/2011).

É preocupante a citada decisão, porque ao fundamentar o acórdão absolutório com o princípio da adequação social, o Tribunal afastou a aplicação da lei ao caso concreto. Se há aceitação social para determinada conduta, o Poder Legislativo deve promover as alterações necessárias na legislação. Ao judiciário compete aplicar a lei.

Felizmente, o Superior Tribunal de Justiça, Corte com a missão constitucional de uniformizar a interpretação da lei federal e defender sua aplicação em todo o país, seguindo os princípios constitucionais, a garantia e defesa do Estado de Direito, já decidiu em sentido contrário àquela posição do TJMS:

STJ-068131) CRIMINAL. HABEAS CORPUS. VIOLAÇÃO DE DIREITO AUTORAL. COMPRA E VENDA DE CDS E DVDS "PIRATAS". ALEGADA ATIPICIDADE DA CONDUTA. PRINCÍPIO DA ADEQUAÇÃO SOCIAL. INAPLICABILIDADE. INCIDÊNCIA DA NORMA PENAL PREVISTA NO ART. 184, § 2º, DO CÓDIGO PENAL. ORDEM DENEGADA. I - Os atos praticados pelo paciente não foram negados em qualquer fase da tramitação processual; ao revés, foi dito expressamente que o paciente sobrevive da economia informal e "ganhava sua vida HONESTAMENTE vendendo CDs e DVDs, copiados através de computador". II - A conduta se enquadra na hipótese prevista no art. 184, § 2º, do Código Penal, não podendo ser afastada a aplicação da norma penal incriminadora, tampouco alegar-se que a conduta é socialmente adequada ou que o costume se sobrepõe à lei neste caso. III - O combate à pirataria é realizado por órgãos e entidades, governamentais e não governamentais, a exemplo do Conselho Nacional de Combate à Pirataria, vinculado ao Ministério da Justiça, e de órgãos de defesa da concorrência e defesa dos direitos autorais, da INTERPOL, entre outros. IV - Há relação direta entre a violação de direito autoral e o desestímulo a artistas e empresários, inclusive da indústria fonográfica, e a burla ao pagamento de tributos, acarretando prejuízos de grande monta ao Poder Público e à iniciativa privada e, por vezes, incitando a prática de outros delitos. V - Ordem denegada. (Habeas Corpus nº 150901/MG (2009/0203910-2), 5ª Turma do STJ, rel. Gilson Dipp, j. 22.02.2011, unânime, DJe 09.03.2011).

Em recente decisão, o STJ consolidou sua jurisprudência, no sentido de reconhecer que a conduta prevista no art. 184, § 2º, do CP, é formal e materialmente típica:

HABEAS CORPUS. VIOLAÇÃO DE DIREITO AUTORAL. COMERCIALIZAÇÃO DE DVD'S "PIRATAS". ALEGADA ATIPICIDADE DA CONDUTA. PRINCÍPIO DA ADEQUAÇÃO SOCIAL. INAPLICABILIDADE. INCIDÊNCIA DA NORMA PENAL PREVISTA NO ART. 184, § 2º, DO CÓDIGO PENAL. 1. O paciente, em 17.03.06, manteve expostos à venda 250 (duzentos e cinquenta) DVDs com títulos diversos, reproduzidos com violação de direitos autorais, com intuito de lucro. 2. A jurisprudência desta  Corte consolidou-se no sentido de que a conduta prevista no art. 184, § 2º, do Código Penal, é formal e materialmente típica, afastando a aplicação do princípio da adequação social. Precedentes. 3. A quantidade de mercadorias apreendidas (250 DVDs) demonstra a existência de efetiva lesão ao bem jurídico tutelado pela norma penal, excluindo a possibilidade de aplicação do princípio da insignificância. 4.Ordem denegada. (HC 175811 / MG (2010/0105854-4), Quinta Turma do STJ, rel. Ministro Adilson Vieira Macabu (Desembargador Convocado do TJ/RJ), j. 12.06.2012, Dje 28.06.2012).


7 – CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao tornar-se signatário dos principais acordos internacionais que tutelam os direitos autorias, o Brasil assumiu o compromisso de respeitar aqueles direitos mínimos de referência. A Constituição Federal de 1988 traçou as bases a serem observadas pelo legislador ordinário na construção do sistema infraconstitucional de proteção.

Atualmente, o disciplinamento especial foi estabelecido através da Lei nº 9.610/98 (Lei de Direitos Autorais) e Lei nº 9.609/98 (Softwares), com repercussão na legislação consumerista, na tipificação criminal e na legislação tributária. As regras gerais do ato ilícito, previstas no Código Civil de 2002, são perfeitamente aplicáveis à violação dos direitos autorais.

O ordenamento jurídico pátrio oferece, portanto, os institutos normativos necessários à defesa dos direitos patrimoniais e morais inerentes aos autores e titulares de direitos conexos.

É lamentável a cultura de comprar o bem contrafeito, sob a justificativa de que é mais barato; ou copiar uma obra, no todo ou em parte, porque é mais cômodo, não requer esforço do intelecto.

O mercado ilegal, criado pela indústria da contrafação, alimenta o crime em várias dimensões, causa grandes prejuízos aos titulares dos direitos autorais, desestimula a produção, enfraquece o comércio regular e impacta na redução da arrecadação tributária.

O fisco e os órgãos de segurança pública exercem a importante missão de inviabilizar o comércio irregular. Mas, a ação repressiva do Estado, para que resulte em mudança no comportamento do consumidor, de todas as classes sociais, deve vir acompanhada de permanentes campanhas de conscientização.


8 – REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Sobre o autor
José Kennedy Rodrigues de Sales

Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil, Bacharel em Administração, pela UFPI(2001); e em Direito, pela Faculdade de Imperatriz - FACIMP(2014).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SALES, José Kennedy Rodrigues. A tutela dos direitos autorais e os consectários de sua violação. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3376, 28 set. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22701. Acesso em: 22 nov. 2024.

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