4. Direito a não discriminação contra homossexuais
4.1. A Homossexualidade e a Discriminação
O homossexualismo é um comportamento que, há tempos, existe em diversas sociedades e culturas.
A homossexualidade não é gênero, mas uma opção de orientação sexual tomada por um homem ou uma mulher. Traduz-se como atração sexual entre duas pessoas do mesmo sexo.
O termo “homossexualidade” apareceu pela primeira vez em inglês no ano de 1890, usado por Charles Gilbert Chaddock, tradutor de Psychopathia Sexualis, de R. von Krafft-Ebing. No século XIX, antes de 1890, usava-se o termo “inversão”, que abrangia todos os conceitos considerados desviantes dos modelos majoritários. No Brasil, eram utilizados os designativos “sodomita”, “somitigo”, “uranista e, para a designação da mulher homossexual, “tríbade”. [26]
Historicamente, os homossexuais sempre foram excluídos e até mesmo perseguidos. A homossexualidade foi tratada durante muito tempo como uma doença ou anormalidade. Basta citar o genocídio nazista que matou 220.000 homossexuais, juntamente com seis milhões de judeus.[27]
Entretanto, esse quadro tem sofrido imensas transformações em favor dos homossexuais.
O movimento LGBT – Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transgêneros vem se destacando no cenário político-social mundial. Cada vez mais os homossexuais vêm conquistando direitos e espaços, como por exemplo, no Brasil, o programa político de combate à discriminação dos homossexuais: “Brasil sem homofobia”.
O Programa Brasil Sem Homofobia busca o reconhecimento e a reparação da cidadania da população de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais, tida como uma parcela relevante da sociedade brasileira que possui menos direitos por razão do preconceito e da discriminação por orientação sexual e identidade de gênero, além dos preconceitos e das discriminações por raça, etnia, gênero, idade, deficiência física, credo religioso ou opinião política.[28]
A discriminação de uma pessoa por que ela optou ser homossexual é conduta já vedada pela Constituição. Consiste em violação dos direitos fundamentais da pessoa humana toda conduta atentatória contra os direitos dos homossexuais, especial e diretamente os direitos à liberdade e igualdade.
Todavia, não é qualquer atitude ou expressão de opinião que constitui ato discriminatório.
4.2. Preconceito, discriminação e crítica
Vale aqui destacar a diferença entre preconceito, discriminação e crítica:
Preconceito consiste em um pré-julgamento ou um pré-conceito sobre algo ou sobre alguma pessoa; é uma postura de restrição moral a certos comportamentos que não se considera útil. O preconceito localiza-se na esfera da consciência dos indivíduos e, por si só, não implica em violação de direitos. Afinal, ninguém é obrigado a gostar de alguém ou de algo, mas todos devem respeitar os direitos dos outros.
Discriminação é algo mais, implica em uma atitude de restrição ou violação de direitos em virtude de comportamentos ou situações que não se aceita somente por preconceito. É desprezar, rejeitar ou ofender a dignidade da pessoa humana em seus vários aspectos, em razão de cor, raça, sexo, credo, condição social ou orientação sexual.
A discriminação implica na intenção de ofender; implica em discurso de ódio ou algum tipo de violência; implica também em exclusão ou cerceamento de direitos.
Já a crítica é algo natural no Estado Democrático de Direito. É exercício do direito à expressão e manifestação do pensamento, assim como manifestação do direito de opinião. Podemos criticar homens, mulheres, idosos, crianças, adolescentes, o presidente e até mesmo a própria democracia.
Portanto, a prática discriminatória em razão da orientação sexual escolhida por qualquer pessoa é conduta vedada pelo ordenamento jurídico brasileiro, sobretudo em razão de normas constitucionais de proteção aos direitos fundamentais da pessoa humana. A crítica, por sua vez, não. Ela figura como expressão da liberdade de pensamento.
A República Federativa do Brasil combate, através de sua Constituição, todas as formas de discriminações, pois é um país onde todos são iguais perante a lei, independentemente de suas condições, características ou escolhas pessoais.
Por fim, interessante destacar neste ponto, que, em regra, a religião, especialmente aquelas com fundamento na Bíblia Sagrada, não persegue pessoas, não busca excluir pessoas nem profere discurso de ódio contra os homossexuais. Pelo contrário, busca amá-las e respeitá-las. Entretanto, não concorda com a prática do homossexualismo, não aceita que o comportamento homossexual seja algo moralmente lícito e aceito por Deus.
Costuma-se ouvir no meio religioso: “Deus ama o pecador, mas abomina o pecado”.
Assim, sob as premissas da ideologia religiosa, pode-se afirmar que a religião pura não discrimina homossexuais (ser humanos). Todavia, é da sua essência ir contra o homossexualismo, ou seja, a religião, como regra, nasce (é algo inerente) com seus conceitos (pré-conceitos) e dogmas firmes e perpétuos contra o homossexualismo.
4.3. Homofobia: prática de violência
O termo homofobia é utilizado atualmente para identificar o medo, a repulsa, a aversão, a intolerância e o ódio às relações homoafetivas, que geram atos discriminatórios com extrema hostilidade e até mesmo agressões físicas, acarretando constrangimentos, prejuízos e profunda dor emocional na vida de indivíduos homossexuais – lésbicas, homens gays, transgêneros e bissexuais[29].
A bandeira contra a homofobia tem sido veementemente levantada tendo em vista os maus tratos sofridos ao longo dos tempos e dos muitos casos de desprezo e de ataques de cunho psicológico, moral e físico aos homossexuais, tão somente pelo motivo de sua orientação sexual.
Em razão da dor, sofrimento e tratamento desigual por motivo de orientação sexual, o movimento homossexual se levantou na luta em favor de seus direitos, recebendo cada vez mais o apoio do Governo e dos diversos segmentos da sociedade.
A violência contra homossexuais encontra força em todas as áreas do convívio social: nas escolas, as crianças com trejeitos homossexuais experimentam a exclusão social; bem como os jovens e adultos nas universidades, nos empregos e trabalhos, são discriminados e excluídos; nos clubes ou locais abertos ao público, constrangimentos e tratamentos desumanos; entre outros.
Não se pode discutir que a orientação sexual diferente da heterossexual tem sido causa de violação aos direitos dos indivíduos nos mais variados lugares, ferindo sua dignidade humana.
Isto se deve ao fato de que o preconceito e a discriminação estão fortemente arraigados em todos os segmentos das sociedades, não sendo proveniente de apenas uma parcela da sociedade ou de grupos religiosos, políticos ou filosóficos, muito menos estão restritos a uma determinada faixa etária, raça ou condição social.
É certo que alguns destes fatores acabam influenciando nos comportamentos hostis e discriminantes, uma vez que podem servir de desculpa para justificar suas condutas ou pensamentos anti-homossexuais.
Uma cultura, religião ou idade, por exemplo, podem influenciar na intensidade ou atenuação dos conflitos sociais em relação à homossexualidade, mas não são causas exclusivas ou isoladas que justifiquem ou que possam ser apontadas como a origem do preconceito.
Portanto, não se pode negar que o preconceito está disseminado em toda sociedade brasileira, na concepção do que é moral ou imoral, transcendendo a esfera religiosa ou o conservadorismo dos indivíduos de idade mais avança da sociedade.
Os indivíduos agressores podem ser encontrados em diversos ambientes e costumes, e as condutas discriminatórias ainda podem variar conforme a personalidade e temperamento de cada um.
Independentemente da argumentação usada, seja ela religiosa, cultural ou, ainda, na visão conservadorista de épocas passadas, pode-se afirmar que a preocupação com a homofobia concentra-se no ato de violência em si, proferido em desfavor do indivíduo de orientação homoafetiva.
Portanto, não se leva em consideração o porquê da discriminação, pretende-se combatê-la seja qual for a sua origem ou motivo.
A homofobia, portanto, pode ser resumida em qualquer ato de violência que acarrete discriminação aos homossexuais.
É importante destacar alguns aspectos acerca do termo violência. Esta vem do latim violentia e significa “força que se usa contra o direito e a lei”. Já a pessoa violenta, isto é, o violentus, consiste naquele que age com força excessiva, exagerada[30].
Saffioti entende que a violência vai de encontro à integridade moral, psicológica, física ou sexual[31]. De outro modo, Odália assevera que sempre que o sentimento de privação e negação é experimentado, sem razões sólidas e fundamentadas, pode-se dizer que se está diante de algum tipo de violência[32].
Como visto, o emprego da palavra violência passou a conferir significados cada vez mais amplos. Toda conduta que afete a dignidade do indivíduo, tolhendo sua liberdade e o impedindo de manifestar sua vontade ou causando dano a sua integridade física, moral, psicológica ou sexual, pode ser considerada violência pelo fato de violar direitos essenciais do indivíduo enquanto ser livre e integrante da sociedade.
A questão acerca da homofobia vem adquirindo importância e sua abordagem atual não têm mais em vista somente a violência física, mas tem, sobretudo, a violência psicológica, gerando inúmeras questões controvertidas acerca do limite das reivindicações feitas pelos historicamente desfavorecidos.
Os crimes contra os homossexuais são considerados crimes de ódio, e, segundo o Grupo Gay da Bahia (GGB), a violência, não se caracteriza apenas pelas facadas, pedradas, asfixiamento, enforcamentos, ou seja, pelas agressões físicas ou ações exageradas. A violência também se exterioriza pelos gestos e comportamentos de cunho moral e psicológico que afetem a seara da integridade e liberdade de ser do individuo. Até mesmo uma omissão pode ser considerada violência, quando tendo a responsabilidade de fazer algo, não o faz, causando dano à integridade ou à saúde psicológica ou física.
A violência psicológica pode ser compreendida como qualquer ação ou omissão que atinja ou vise a atingir a auto-estima, a identidade, o desenvolvimento de uma pessoa ou tenta controlar suas emoções, comportamentos, crenças e decisões. Incluem-se as ameaças, humilhações, as cobranças, as chantagens, etc.
A característica que marca a violência psicológica é o dano emocional, ou seja, a afetação à integridade psicológica do individuo, e que deve ser verificado segundo a sensibilidade do homem médio, ou seja, aquele dotado de sensibilidade normal, nem o extremamente sensível nem o demasiadamente rude.
É bem verdade que o governo brasileiro não está inerte às ações homofóbicas, pois as autoridades competentes já têm tomado algumas medidas políticas de combate e prevenção.
Na Educação, por exemplo, o Governo busca a capacitação de professores para ensinar os alunos a respeitar os homossexuais. Na Saúde, o empenho é ampliar as ações de combate às doenças sexualmente transmissíveis, bem como preparar o Sistema Único de Saúde (SUS) para receber os homossexuais. No Ministério da Justiça, a capacitação está voltada para os policiais, em como lidar com travestis que trabalham nas ruas e combater a discriminação e violência.
Como visto, há toda uma intenção em remodelar a concepção acerca das relações homoafetivas. Pretende-se gerar uma consciência não homofóbica em toda sociedade com a finalidade de permitir a liberdade de expressão e a igualdade de direitos entre homossexuais.
Diante dessas considerações, é importante reiterar que, na homofobia, o que se destaca é o ódio, a aversão ou/e o medo que gera uma conduta de violência contra o individuo, ferindo sua dignidade enquanto ser humano.
A sua definição não alcança a opinião e a crítica por não tocar o limite da liberdade, integridade, saúde e dignidade do individuo. A crítica ou o direito de opinião não pode ser considerado homofobia, pois não é violência.
É certo que em alguns casos há um liame tênue entre a violência psicológica e moral e a liberdade de expressão, mas a opinião crítica não gera nenhum tipo de constrangimento ou humilhação, não causa dano algum. É exercício regular do direito de expressão, não podendo ser vedado por políticas ou leis que pretendam coibir a homofobia.
Por isso, questiona-se até que ponto as políticas públicas e leis em tramitação podem coibir comportamentos, atitudes e opiniões no combate a discriminação contra homossexuais? A luta pela liberdade de expressão dos indivíduos homossexuais pode mitigar a mesma liberdade de expressão dos que compartilham opiniões diferentes? Como ponderar valores sem que se deixe aflorar o protecionismo exarcebado na tentativa de conserto de atitudes históricas e culturalmente errôneas?
4.4. Projeto de Lei nº 122/2006
A prática de atos discriminatórios contra homossexuais pode ser punida nas esferas cível, penal e trabalhista.
Na esfera cível, as ações visam a uma condenação por danos morais, ou até mesmo materiais, em razão de ato discriminatório praticado em face de um homossexual, titular de direitos. Essa condenação consiste em uma indenização, normalmente em dinheiro.
No âmbito das relações de trabalho, também há responsabilização do agressor em razão de discriminações que resultem, por exemplo, em demissões, situações degradantes ou vexatórias (Lei nº 9.029/95).
Já na seara criminal, a discriminação pode ser punida como crime. Todavia, faz-se necessário, sob luz do princípio da legalidade e anterioridade penal, que haja uma lei que tipifique cada conduta que se deseja criminalizar.
O Projeto de Lei nº 122/2006 (PL 122/06) visa criminalizar a discriminação ou preconceito de gênero, sexo, orientação sexual e identidade de gênero, alterando a Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989, que define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor, dando nova redação ao § 3º do art. 140 do Decreto–Lei nº 2.849, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, e ao art. 5º da Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto–Lei nº5.452, de 1º de maio de 1943, além de outras providências.
Interessante destacar a justificação manifestada quando da apresentação do projeto original:
A sociedade brasileira tem avançado bastante. O direito e a legislação não podem ficar estagnados. E como legisladores, temos o dever de encontrar mecanismos que assegurem os direitos humanos, a dignidade e a cidadania das pessoas, independente da raça, cor, religião, opinião política, sexo ou da orientação sexual.
A orientação sexual é direito personalíssimo, atributo inerente e inegável a pessoa humana. E como direito fundamental, surge o prolongamento dos direitos da personalidade, como direitos imprescindíveis para a construção de uma sociedade que se quer livre, justa e igualitária. Não trata-se aqui de defender o que é certo ou errado. Trata-se de respeitar as diferenças e assegurar a todos o direito de cidadania. Temos como responsabilidade a elaboração leis que levem em conta a diversidade população brasileira. Nossa principal função como parlamentares é assegurar direitos, independente de nossas escolhas ou valores pessoais. Temos que discutir e assegurar direitos humanos sem hierarquizá-los. Homens, mulheres, portadores de deficiência, homossexuais, negros/negras, crianças e adolescente são sujeitos sociais, portanto sujeitos de direitos. O que estamos propondo é fim da discriminação de pessoas que pagam impostos como todos nós. É a da garantia de que não serão molestados em seus direitos de cidadania. E para que prevaleça o art. 5º da nossa Constituição: "Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e a propriedade." A presente proposição caminha no sentido de colocar o Brasil num patamar contemporâneo de respeito aos direitos humanos e da cidadania. E é por esta razão que esperamos contar com o apoio das nobres e dos nobres colegas para a aprovação deste projeto de lei.
Destaca-se nessa justificativa, além da fundamentação teórica do projeto de Lei no princípio da igualdade, o argumento de que o legislador precisa estar atualizado com as necessidades e anseios da sociedade, de modo que legitime a sua atuação.
Nesse sentido, além de levar em consideração os anseios de uns em aprovar tal projeto, também deve levar em conta as críticas de outros que surge no seio da mesma sociedade.
Esse projeto de lei tem sido alvo de manifestações contrárias a sua aprovação, sob a alegação de que a garantia constitucional à liberdade de expressão, em especial o direito à liberdade religiosa, e a igualdade material seriam violadas.
Religiosos temerosos em ter sua liberdade de expressão cerceada vêm fazendo protestos e manifestações contrárias a tal projeto, alegando que, em face de uma redação abstrata e inespecífica, estar-se-ia conferindo poderes irrestritos aos homossexuais. Além disso, alegam que diversas religiões, como o cristianismo, judaísmo e islamismo, teriam sua liberdade de manifestação, contrária ao homossexualismo, totalmente vetada pelo Projeto de Lei nº 122/06.
Em contraofensiva, dada a abertura da discussão de forma midiática, o movimento pró-homossexualidade oportuniza uma posição afirmativa cada vez mais forte na sociedade em prol da igualdade de direitos.
Sabe-se que os projetos de lei que ferem ou que não protegem os direitos fundamentais na sua unidade são projetos inconstitucionais, haja vista que também, e principalmente, o legislador é destinatário das normas constitucionais de direitos fundamentais.
Dessarte, se essas alegações forem verdadeiras, o PL 122/06 não deveria ser aprovado em razão do vício da inconstitucionalidade material, pois nenhuma lei pode desobedecer aos preceitos supremos da Constituição Brasileira, sob a pretensa defesa de um segmento.
Nesse contexto social de divergências, surge a necessidade de se discutir o assunto a fim de que novas ideias e possíveis soluções possam vir à tona.