5. IMPUGNAÇÃO AO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA
5.1. Impugnação e exceção de pré-executividade
Antes de analisar o instituto da impugnação, cabe aqui versar sobre o cabimento da exceção de pré-executividade no contexto do cumprimento de sentença.
Tal incidente não possui previsão legal e é fruto da produção jurisprudencial, sendo cabível nas diversas espécies de execução, desde que destinado a suscitar questão de ordem pública, passível de ser conhecida de ofício pelo magistrado, bem como quando se tratar de questão unicamente de direito ou questão de fato que não demande dilação probatória.
Este instrumento surgiu no contexto da antiga legislação relativa aos embargos do devedor, a qual exigia a garantia do juízo para posterior apresentação de embargos. Assim, o executado, para argumentar as matérias citadas acima, poderia ingressar com esta exceção independente de apresentar garantia do valor da execução, tampouco existindo prazo próprio para tanto.
Todavia, em face da nova redação do art. 736 do CPC, introduzida pela Lei nº 11.382/2006, a qual autorizou o ajuizamento dos embargos independente de garantia, tal instituto teria perdido parte da sua razão de existir, sendo mais aplicável ao contexto das execuções fiscais.
Já no contexto do cumprimento de sentença, a questão deve ser melhor analisada, visto que o art. 475-J, §1º, do CPC estabelece que o prazo para impugnação começa a fluir da intimação acerca do auto de penhora e avaliação. Assim, a rigor, somente após a constrição do seu patrimônio, o executado poderia se opor à execução, ainda que para alegar questões de ordem pública, como pagamento e inexigibilidade do título.
Tal previsão impõe a prévia garantia da dívida para apresentação de impugnação, o que torna a exceção de pré-executividade perfeitamente aplicável à fase de cumprimento de sentença, seja para se manifestar antes da realização da penhora, seja para suscitar as matérias cabíveis ainda que transcorrido o prazo para apresentação da impugnação.
A impugnação, por sua vez, é um incidente de fundamentação vinculada, estando limitado às matérias enumeradas no art. 475-L do CPC, o que não ocorre com a exceção de pré-executividade.
5.2. Honorários advocatícios na impugnação
Tanto no julgamento da impugnação quanto na decisão relativa à exceção de pré-executividade discutiu-se sobre o cabimento de condenação em honorários advocatícios. É certo que o magistrado sempre deve levar em consideração o trabalho desenvolvido pelo advogado no acompanhamento da causa, sendo-lhe devidos os respectivos honorários sucumbenciais por aquele que deu ensejo à demanda.
É exatamente sob a perspectiva da causalidade que se deve avaliar quando será cabível a condenação da parte vencida ao pagamento de honorários, não se limitando tal disposição ao julgamento do processo de conhecimento ou à decisão que põe fim ao processo.
De fato, o causídico executa trabalho também na fase de execução. O advogado do credor, por exemplo, atua na busca por bens penhoráveis, na solicitação de diligências ou na resposta à impugnação do executado. Já o patrono do devedor age na defesa dos interesses deste, na busca da execução pelo método menos gravoso ou no respeito às limitações legais relativas aos bens impenhoráveis.
Assim, não restam dúvidas que cabe a condenação em honorários na fase executória. Todavia, quando se trata de julgamento de incidentes dentro da execução, a questão deve ser vista com cautela. Nesse contexto, existem três julgamento possíveis: totalmente procedente, parcialmente procedente ou totalmente improcedente.
Para alguns doutrinadores a condenação em honorários caberia em qualquer das três hipóteses, vez que, em cada caso, haveria trabalho do advogado da parte vencedora, o qual deveria ser recompensado. Todavia, este não parece ser o entendimento mais adequado.
Com efeito, no caso de julgamento totalmente improcedente, a fase executiva continuará em todos os seus termos, não havendo que se falar em desconsideração do trabalho do causídico. Ao final da demanda, cabe ao juiz avaliar todo o trabalho desempenhado, inclusive na resposta à impugnação, e, então, arbitrar os honorários devidos, os quais deverão incidir sobre eventuais bens penhorados ou quantias bloqueadas. Isto porque, aquele que deu causa ao processo executivo, em sua totalidade, foi o devedor.
Por outro lado, quando há julgamento parcialmente procedente ou procedência total, a causalidade inverte-se, passando a ser do credor. Pode ocorrer, por exemplo, deste ter demandado quantia acima da efetivamente devida por erro na planilha de cálculo. Nesta hipótese, resta claro que a insurgência do devedor tem fundamento e seu advogado deve ser remunerado.
Este também é o entendimento pacífico do Superior Tribunal de Justiça, conforme julgado abaixo:
PROCESSUAL CIVIL. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. IMPUGNAÇÃO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. IMPROCEDÊNCIA. NÃO CABIMENTO. CORREÇÃO MONETÁRIA SUSCITADA APENAS NOS SEGUNDOS EMBARGOS. POSSIBILIDADE DE APRECIAÇÃO. MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA.
1. Recurso especial de GH Informações Ltda. - Na impugnação ao cumprimento de sentença, somente será fixada verba honorária se houver acolhimento, ainda que parcial, das alegações. Se a impugnação for julgada improcedente como no caso concreto, não haverá condenação em honorários advocatícios. Posição consolidada na seara do artigo 543-C do Código de Processo Civil e da Resolução STJ 8/2008, no julgamento do REsp 1134186/RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Corte Especial, DJe 21/10/2011.
2. Recurso especial da Ordem dos Advogados do Brasil Seção do Rio Grande do Sul - OAB/RS - Na instância ordinária, é cediço que matéria de ordem pública - correção monetária e respectivos expurgos - pode ser postulada a qualquer tempo e conhecida de ofício, o que possibilita seja debatida apenas nos segundos embargos, por não se submeter à preclusão.
3. Foi exatamente o que ocorreu na espécie, em que o Tribunal de origem, nos segundos declaratórios, determinou a inclusão dos expurgos inflacionários.
4. Recursos especiais não providos.[7]
Tal posicionamento é aplicável a qualquer incidente em feitos executivos, inclusive à exceção de pré-executividade, porventura apresentada.
6. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA E JUIZADOS ESPECIAIS
6.1. Compatibilização dos ritos
Ao longo dos anos nossa legislação processual, bem como a material, sofreu diversas alterações, as quais aparentemente consistiram em uma fase de amadurecimento do pensamento jurídico, na busca de um processo mais célere e efetivo. A própria instituição dos Juizados Especiais, por meio da Lei n. 9.099/95, é prova disso. Todavia, a referida justiça especializada foi criada antes da introdução da sistemática do cumprimento de sentença no codex processual civil, ou seja, quando ainda vigia a execução da sentença por meio de processo de execução autônomo com nova citação do devedor.
Diante disso, a compatibilização das alterações introduzidas pela Lei n. 11.232/05 com as disposições da Lei n. 9.099/95 exigem certo esforço interpretativo, no sentido de garantir que ambos os ritos sejam respeitados, levando em conta os diversos princípios hermenêuticos.
No que tange à execução de sentença, assim dispõe a Lei dos Juizados Especiais:
Art. 52. A execução da sentença processar-se-á no próprio Juizado, aplicando-se, no que couber, o disposto no Código de Processo Civil, com as seguintes alterações:
(...)
III - a intimação da sentença será feita, sempre que possível, na própria audiência em que for proferida. Nessa intimação, o vencido será instado a cumprir a sentença tão logo ocorra seu trânsito em julgado, e advertido dos efeitos do seu descumprimento (inciso V);
IV - não cumprida voluntariamente a sentença transitada em julgado, e tendo havido solicitação do interessado, que poderá ser verbal, proceder-se-á desde logo à execução, dispensada nova citação;
(...)
IX - o devedor poderá oferecer embargos, nos autos da execução, versando sobre:
a) falta ou nulidade da citação no processo, se ele correu à revelia;
b) manifesto excesso de execução;
c) erro de cálculo;
d) causa impeditiva, modificativa ou extintiva da obrigação, superveniente à sentença.
Da redação legal, percebe-se que o legislador, ainda em 1995, buscou introduzir o processo sincrético no âmbito dos juizados especiais, para fins de execução de sentença. No entanto, o texto da lei se mostra conflitante, em determinados pontos, com a sistemática do art. 475-J e seguintes do CPC.
De fato, prima facie, surgem logo os seguintes questionamentos: é exigível a intimação do devedor para cumprir espontaneamente o comando da sentença, para só então ter início o prazo de 15 dias previsto art. 475-J? A defesa do executado será impugnação ou embargos? Qual o prazo desta defesa e qual matéria poderá ser arguida?
Sobre o tema já existem alguns enunciados do Fórum Nacional de Juizados Especiais, os quais dirimem algumas dessas dúvidas, conforme transcrito abaixo:
ENUNCIADO 97 – O artigo 475, "J" do CPC – Lei 11.323/2005 – aplica-se aos Juizados Especiais, ainda que o valor da multa somado ao da execução ultrapasse o valor de 40 salários mínimos (aprovado no XIX Encontro – Aracaju/SE)
ENUNCIADO 105 - Caso o devedor, condenado ao pagamento de quantia certa, não o efetue no prazo de quinze dias, contados do trânsito em julgado, independentemente de nova intimação, o montante da condenação será acrescido de multa no percentual de 10% (aprovado no XIX Encontro – Aracaju/SE)
ENUNCIADO 106 - Havendo dificuldade de pagamento direto ao credor, ou resistência deste, o devedor, a fim de evitar a multa de 10%, deverá efetuar depósito perante o juízo singular de origem, ainda que os autos estejam na instância recursal (aprovado no XIX Encontro – Aracaju/SE)
ENUNCIADO 142 (ALTERA o ENUNCIADO 104): Na execução por título judicial o prazo para oferecimento de embargos será de quinze dias e fluirá da intimação da penhora. (Aprovado no XXVIII FONAJE – BA – 24 a 26 de novembro de 2010)
A aplicabilidade do art. 475-J ao rito dos Juizados Especiais não gera maiores discussões, em face da incidência subsidiária do Código de Processo Civil. Ocorre que a contagem do prazo para incidência da multa de 10% parece dispensar a prévia intimação da parte para cumprimento do comando da sentença. Isto porque o próprio art. 52, III, estabelece que a parte deve cumprir o dispositivo da decisão judicial tão logo ocorra seu trânsito em julgado.
Apesar da literalidade da lei e da clareza do Enunciado 105 do FONAJE, também é certo que os motivos ensejadores da intimação para cumprimento voluntário da sentença, conforme entendimento pacífico no STJ, também existem em sede de Juizados Especiais.
De fato, a esta justiça especializada também se aplicam as observações feitas no tópico “contagem de prazo”, pois também demandaria o acompanhamento do processo para ciência acerca da ocorrência do trânsito em julgado da decisão judicial.
Todavia, o rito especial estabelecido visa a celeridade e simplicidade do trâmite processual para causas de reduzida complexidade e baixo valor. Nesse contexto, a informalidade do rito, combinada à necessidade de comparecimento pessoal das partes, garantiria um contato direto entre as partes e ciência quanto ao comportamento da parte adversa. Portanto, estaria justificada a dispensa da intimação, sendo o início do prazo para cumprimento espontâneo da decisão decorrência automática do trânsito em julgado da sentença.
Ressalte-se, por fim, que, com relação à sentença homologatória de acordo, não cabe qualquer discussão nesse sentido, já que a mesma é irrecorrível, nos termos do art. 41 da Lei 9.099/95, ocorrendo o trânsito em julgado no exato momento da intimação das partes acerca de seu conteúdo, tendo início imediato o prazo de 15 dias do art. 475-J do CPC, salvo estipulação diversa na avença.
No tocante à discussão acerca do cabimento de impugnação ou embargos em sede de execução de sentença, deve ser aplicada à espécie o princípio da especialidade. Com efeito, o art. 52, IX, da Lei nº 9.099/95 trata de forma completa acerca da defesa do executado, não havendo que se falar em aplicação subsidiária do CPC ou de revogação, em razão do art. 475-J ser norma mais recente.
Tal entendimento é o adotado no Enunciado 142 do FONAJE, o qual parece mais adequado ao propósito da norma.
6.2. Competência para instauração do cumprimento de sentença
Questão interessante versa sobre a competência para instauração do procedimento de execução de sentença no âmbito dos Juizados Especiais, sejam os Estaduais ou os Federais, estes últimos regulados pela Lei nº 10.259/01.
Isto porque as leis específicas trazem limitações no que tange às partes que podem ajuizar ações nos Juizados Especiais, assegurando legitimidade a algumas entidades tão somente para figurar no polo passivo, mas nunca no polo ativo.
O art. 8º da Lei nº 9.099/95 prevê o seguinte:
Art. 8º Não poderão ser partes, no processo instituído por esta Lei, o incapaz, o preso, as pessoas jurídicas de direito público, as empresas públicas da União, a massa falida e o insolvente civil.
§ 1 Somente serão admitidas a propor ação perante o Juizado Especial: (Redação dada pela Lei nº 12.126, de 2009)
I - as pessoas físicas capazes, excluídos os cessionários de direito de pessoas jurídicas; (Incluído pela Lei nº 12.126, de 2009)
II - as microempresas, assim definidas pela Lei no 9.841, de 5 de outubro de 1999; (Incluído pela Lei nº 12.126, de 2009)
III - as pessoas jurídicas qualificadas como Organização da Sociedade Civil de Interesse Público, nos termos da Lei no 9.790, de 23 de março de 1999; (Incluído pela Lei nº 12.126, de 2009)
IV - as sociedades de crédito ao microempreendedor, nos termos do art. 1º da Lei n. 10.194, de 14 de fevereiro de 2001. (Incluído pela Lei nº 12.126, de 2009)
Portanto, as pessoas jurídicas que não se enquadrem como microempresas poderão figurar somente no polo passivo, lhe sendo vedada a legitimidade ativa. Ocorre que, apesar de ser incabível a reconvenção, é lícito ao réu formular pedido contraposto, nos termos do art. 31 da Lei nº 9.099/95.
Assim, caso este pedido contraposto seja julgado procedente, surge a possibilidade da parte promovida requerer a execução da decisão, o que traz a tona a questão da competência. Na mesma situação encontram-se as sociedades de economia mista de qualquer esfera e as empresas públicas não federais, no âmbito dos Juizados Estaduais, bem como a União, autarquias, fundações e empresas públicas federais, no âmbito do Juizado Especiais Federais (art. 6º da Lei nº 10.259/01).
O cerne do debate consiste em estabelecer se o demandado, ao requerer a execução da condenação referente ao julgamento procedente do pedido contraposto, passaria a ocupar o polo ativo da demanda.
Em que pese as vozes dissonantes, não há que se falar em inversão de polos e consequente ausência de competência dos Juizados Especiais, por dois motivos. Primeiro, o art. 3º, §1º, I, da Lei nº 9.099/95 e o art. 3º da Lei nº 10.259/01, estabelecem a competência dos Juizados para execução de suas sentenças, o que constitui, na visão deste pesquisador, competência funcional absoluta. De fato, a redação legal é clara e não traz limitações, parecendo inaplicáveis as restrições referentes aos que podem ocupar o polo ativo na fase de conhecimento.
Segundo, como já explicitado alhures, a nova sistemática processual instituiu um processo sincrético, no qual a execução da sentença constitui mera fase do processo, não caracterizando nova ação, dispensando, portanto, nova citação.
Assim, o simples fato do ato de provocação ser oriundo do ocupante do polo passivo não parece suficiente para retirar a competência dos Juizados Especiais, tampouco parece conflitar com as disposições acerca da legitimidade das partes. Isto porque o demandado não irá dar início a novo processo com uma ação autônoma, mas tão somente irá pugnar pelo desfecho de uma demanda já instaurada.
Sobre o tema, o Superior Tribunal de Justiça já teve a oportunidade de se manifestar, nos seguintes termos:
PROCESSO CIVIL. COMPETÊNCIA. EXECUÇÃO DE HONORÁRIOS EM FAVOR DO INSS. TÍTULO EXECUTIVO JUDICIAL FORMADO NO JUIZADO ESPECIAL FEDERAL CÍVEL. FASE DE CUMPRIMENTO DA SENTENÇA NO JUIZADO.
1. Ao executar as suas próprias sentenças, o Juizado Especial Federal Cível observa regra de competência funcional absoluta. 2. A sentença proferida no Juizado Especial Federal Cível não precisa de um processo autônomo para sua efetivação, mas tão-somente que seja instaurada uma nova fase no processo já em curso. 3. A mera inauguração da fase de cumprimento de sentença por ente público federal não tem o condão de tornar incompetente o Juizado Especial Federal Cível que proferiu a decisão exequenda. 4. Impor ao ente público a obrigação de ajuizar ação autônoma perante a Justiça Federal para executar os honorários advocatícios arbitrados pelo Juizado Especial Federal Cível, parece violar a garantia constitucional da economia e celeridade processual (artigo 5º, inciso LXXVIII, da Constituição Federal). 5. Conflito conhecido para determinar a competência do Juizado Especial Federal de Santa Cruz do Sul/RS, o suscitante, para proceder à execução dos honorários advocatícios que arbitrou em prol de ente público federal.[8]
Desta feita, percebe-se, como bem colocado pelo acórdão transcrito acima, que tal entendimento vem também atender aos ditames de celeridade e economia processual, tão visados por toda sociedade.