III – A JURISPRUDÊNCIA SOBRE O TEMA
Para elucidar a matéria debatida nesse ensaio, cumpre trazer à baila os casos concretos levados ao judiciário. A jurisprudência abaixo transcrita, julgou caso, ainda na vigência do Decreto da Presidência da República nº. 2.222/97, revogado pelo Decreto nº. 5.123/2004, de um comandante da VARIG que recusou embarcar policiais federais no aeroporto de Porto Velho/RO. O Tribunal Regional Federal da 1ª Região trancou a ação penal movida contra o piloto por suposto crime de desacato e desobediência, reafirmando sua autoridade na aeronave que pilota:
PENAL. PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. COMANDANTE DE AERONAVE. CRIME DE DESACATO E DESOBEDIÊNCIA. RECUSA JUSTIFICADA. CUMPRIMENTO DE NORMA LEGAL. AUSÊNCIA DE ILICITUDE. AMEAÇA CONFIGURADA. TRANCAMENTO EXCEPCIONAL DA AÇÃO PENAL POR FALTA DE JUSTA CAUSA.
1. Ao comandante, no âmbito da aeronave que conduz, cabe o exercício do poder de polícia.
2. Justificável a proibição, pelo comandante, de embarque de policiais portando armas (Decreto nº 2.222/97), mormente não estando eles em diligência policial.
3. Ausência de justa causa. Ordem concedida para a ação penal[21].
Recentemente, a empresa Gol Transportes Aéreos S/A (VRG LINHAS AÉREAS S.A) foi condenada a pagar R$ 10.000,00 (dez mil reais) de indenização por danos morais causados a um policial militar que foi impedido de embarcar no voo da companhia portando sua arma de fogo, mesmo tendo cumprido todas as determinações previstas em legislações vigentes. A sentença foi proferida pelo juiz de direito João Luiz Rolim Sampaio, titular do 1º Juizado Especial Cível da comarca de Porto Velho (RO) no processo nº. 0100437-91.2009.8.22.0601[22]
Na decisão, o magistrado realçou que o Departamento da Polícia Federal está vinculado ao Ministério da Justiça, possuindo a Polícia Federal competência constitucional para exercer as funções de polícia marítima, aeroportuária e de fronteiras (art. 144, §1º, inciso III, CR/88), de modo que a autoridade competente para autorizar o transporte de arma de fogo com o passageiro é a referida polícia.
Com efeito, é a Polícia Federal a competente para autorizar o embarque de passageiro portando arma de fogo (arts. 1º, 10, 24, 33, da Lei nº. 10.826/2003, 48, incisos II e III, do Decreto nº. 5.123/2004, e 152 e 154 do Decreto nº. 7.168/2010), não competindo a qualquer empresa aérea contestar as autorizações emitidas por posto oficial da PRF, sob pena de praticar conduta ilegal, vexatória e abusiva, afrontando direito legal resguardado àquele que tem o porte do armamento e se submeteu aos procedimentos de cautela e fiscalização.
Ano passado (2012), em ação de danos morais movida por passageiros que portavam arma de fogo e tiveram o embarque não autorizado pela empresa TAM Linhas Aéreas S.A., a 1ª Turma Recursal dos Juizados Especiais do Distrito Federal negou provimento ao recurso inominado, restando decidido que:
I – Juizados Especiais. Direito Civil e Processual Civil. Transporte aéreo. Passageiro armado. Indenização por dano moral.
(...)
III – Procedimento de embarque de policiais portando arma de fogo em aeronave comercial para realização de voo doméstico. Polícia federal. Procedimento específico exigido por lei e a que deve se submeter passageiro armado, mesmo que o esteja por prerrogativa do cargo. Medida de segurança inafastável em se tratando de transporte aéreo nacional destinado ao público. Procedimento de segurança para liberação e entrega da arma não finalizado ao tempo de encerramento do check-in. Embarque não autorizado aos passageiros que portavam arma de fogo. Alegação não comprovada de que a companhia aérea deixou de realizar em tempo razoável o serviço necessário ao regular transporte de policiais armados. Afirmativa não confirmada pelo conjunto probatório de que os autores se apresentaram à empresa aérea, no balcão de despacho, com tempo bastante à realização de procedimentos que sabiam indispensáveis ao passageiro armado. Dano extrapatrimonial não configurado[23].
A jurisprudência pátria oscila quanto ao pedido de danos morais requerido por passageiros impedidos de embarcar em aeronaves portando armas de fogo, cabendo ao magistrado analisar o caso concreto para melhor decidir.
IV – AS ARMAS DE PRESSÃO E OS ITENS PROIBIDOS
Derradeiramente, resta dúvida quanto às armas de pressão, se seriam ou não consideradas armas de fogo. Nesse sentido, de acordo com a Portaria nº. 36 – Departamento de Material Bélico (DMB), de 09 de dezembro de 1999[24], que aprova as normas que regulam o comércio de armas e munições, as armas de pressão de mola, com calibre igual ou inferior a 6mm não são consideradas armas de fogo, portanto, não necessitariam da guia de tráfego para transporte e deslocamento (art. 16 e 17[25]).
No entanto, a ANAC, por meio da Resolução nº. 207, de 22 de novembro de 2011[26], que dispõe sobre os procedimentos de inspeção de segurança da aviação civil contra atos de interferência ilícita nos aeroportos e dá outras providências, atualizou os itens proibidos, abrangendo as armas de pressão por ação de ar e gás comprimido ou por ação de mola, tais como as armas de paintball, airsoft, pistolas e espingardas de tiro a chumbo ou outros materiais.
São itens proibidos, nos termos da Resolução nº. 207, de 22 de novembro de 2011:
Sem prejuízo das normas de segurança aplicáveis, os passageiros não poderão transportar para as áreas restritas de segurança nem para a cabine de uma aeronave os seguintes artigos:
a) pistolas, armas de fogo e outros dispositivos que disparem projéteis — dispositivos que podem ou aparentam poder ser utilizados para causar ferimentos graves através do disparo de um projétil, incluindo:
1) armas de fogo de qualquer tipo, tais como pistolas, revólveres, carabinas, espingardas;
2) armas de brinquedo, réplicas ou imitações de armas de fogo que podem ser confundidas com armas verdadeiras;
3) componentes de armas de fogo, excluindo miras telescópicas;
4) armas de pressão por ação de ar e gás comprimido ou por ação de mola, tais como armas de paintball, airsoft, pistolas e espingardas de tiro a chumbo ou outros materiais;
5) pistolas de sinalização e pistolas de partida esportiva;
6) bestas, arcos e flechas;
7) armas de caça submarina, tais como arpões e lanças; e
8) fundas e estilingues;
Tal resolução enuncia que a lista de itens proibidos não é exaustiva e pode ser atualizada pela ANAC conforme se julgue necessário. Para garantir a segurança da aviação civil o Agente de Proteção da Aviação Civil (APAC) pode determinar que um item que não conste expressamente da lista é proibido, desde que se enquadre nas definições de uma das categorias descritas, representando um risco para a saúde, segurança ou propriedade quando transportados por via aérea.
Isso porque é muito difícil listar todos os artigos perigosos que são proibidos em aeronaves sob quaisquer circunstâncias. Por isso, é essencial que cuidados apropriados sejam exercidos para assegurar que tais artigos não sejam oferecidos para o transporte.
V – CONCLUSÃO
Por todo o exposto, o conhecimento da legislação que regulamenta o transporte de arma de fogo em aeronaves comerciais reafirma sua importância no cotidiano aeroportuário, revelando-se essencial tanto para auxiliar os comandantes de tais aeronaves, quanto para coibir constrangimentos desnecessários e abuso de autoridade por parte dos passageiros que possuem tal prerrogativa em razão do cargo.
Ressalte-se que a ANAC atualizou em 2011 a lista de itens proibidos, já se preparando para os eventos internacionais que o país receberá nos próximos anos, para abranger as armas de pressão por ação de ar e gás comprimido ou por ação de mola, enunciando, ainda, que o rol não é exaustivo e pode ser atualizado conforme se julgue necessário.
Ademais, o agente de proteção de aviação civil pode determinar a proibição de um item que não conste expressamente na lista, desde que se enquadre nas definições de uma das categorias descritas.
Notas
[1] Declaração da Organização da Aviação Civil Internacional – OACI. Disponível em: <http://www.icao.int/Pages/default.aspx>. Acesso em 27 fev. 2013.
[2] Lei nº. 7.565, de 19 de dezembro de 1986, que dispõe sobre o Código Brasileiro de Aeronáutica. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L7565.htm>. Acesso em 24 fev. 2013.
[3] Art. 21, caput da Lei nº. 7.565/1986. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L7565.htm>. Acesso em 27 fev. 2013.
[4] Lei nº. 7.565/1986. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L7565.htm>. Acesso em 27 fev. 2013.
[5] Ratificada pelo Decreto nº. 66.520, de 30 de abril de 1970. Disponível em: <http://www6.senado.gov.br/legislacao/ListaNormas.action?numero=66520&tipo_norma=DEC&data=19700430&link=s>. Acesso em 27 fev. 2013.
[6] Portaria DAC nº. R-146/DGCA, de 27 de abril de 1999, que aprova a 2ª Edição do Plano de Segurança da Aviação Civil – PNAVSEC. Disponível em: <http://www.mpdft.gov.br/portal/pdf/unidades/procuradoria_geral/nicceap/legis_armas/Armas_de_fogo/Port_DAC_Num_R146DGCA_Plano_Seg_Aviacao_Civil.pdf>. Acesso em 25 fev. 2013.
[7] Item 4.2.4.3 da Portaria DAC nº. R-146/DGCA, de 27 de abril de 1999.
[8] Item 4.2.4.3 da Portaria DAC nº. R-146/DGCA, de 27 de abril de 1999.
[9] Decreto nº. 7.168, de 05 de maio de 2010 que dispõe sobre o Programa Nacional de Segurança da Aviação Civil Contra Atos de Interferência Ilícita (PNAVSEC). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2010/Decreto/D7168.htm>. Acesso em 25 fev. 2013.
[10] Item 4.2.4.3 da Portaria DAC nº. R-146/DGCA, de 27 de abril de 1999.
[11] Item 4.2.4.3 da Portaria DAC nº. R-146/DGCA, de 27 de abril de 1999.
[12] Item 4.2.4.3 da Portaria DAC nº. R-146/DGCA, de 27 de abril de 1999.
[13] Instrução Normativa nº. 8, de 03 de julho de 2002, do Departamento da Polícia Federal, que estabelece procedimentos para o embarque em aeronave que efetua transporte público civil, de passageiro portando ou transportando armas de fogo e dá outras providências. Disponível em: <http://www.mariz.eti.br/IN%2008_02_DG_DPF.htm>. Acesso em 27 fev. 2013.
[14] A proibição do porte impede que pessoas não autorizadas transitem com armas, mas não impede a posse de arma registrada na residência ou local de trabalho do respectivo titular.
[15] Estatuto do Desarmamento Comentado pela Defensoria Pública de São Paulo. Disponível em: <http://www.defensoria.sp.gov.br/dpesp/repositorio/0/Estatuto_Grafica.pdf>. Acesso em 25 fev. 2013.
[16] Item 3.2.2.2, alínea c da IAC 107-1005 RES do Comando da Aeronáutica, de 14 de junho de 2005, por meio do Departamento de Aviação Civil, que regulamenta os procedimentos para embarque de passageiros armados em aeronaves. Disponível em: <http://www2.anac.gov.br/avsec/ListaLegislacao.Aspx>. Acesso em 28 fev. 2013.
[17] Lei nº. 11.182, de 27 de setembro de 2005, que cria a Agência Nacional de Aviação Civil – ANAC e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/Lei/L11182.htm>. Acesso em 28 fev. 2013.
[18] Decreto nº. 7.168, de 05 de maio de 2010, que dispõe sobre o Programa Nacional de Segurança da Aviação Civil Contra Atos de Interferência Ilícita (PNAVSEC). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2010/Decreto/D7168.htm>. Acesso em 24 fev. 2013.
[19] Disponível em: <http://www.dpf.gov.br/servicos/armas/guia-de-transito-de-arma-de-fogo/>. Acesso em 27 fev. 2013.
[20] Decreto nº. 7.168, de 05 de maio de 2010, Anexo, Capítulo VII, Seção V, art. 152, § 4º.
[21] TRF-1ª Região. Habeas Corpus nº.1999.01.00.106790-1/RO. Relator Desembargador Carlos Olavo. Órgão julgador: 4ª turma. Julgado em 18/4/2000. DJ 09/3/2001.
[22] Disponível em: <http://www.tjro.jus.br/noticia/faces/jsp/noticiasView.jsp;jsessionid=ac13022030d744ddabfb2f714e3d957ed8d93203a0a4.e3iRb30Sc3f0bxyRe0?cdDocumento=16764&tpMateria=2>. Acesso em 22 fev. 2013.
[23] 1ª Turma Recursal dos Juizados Especiais do Distrito Federal. Apelação Cível nº. 20110110077888ACJ. Rel. Juíza Diva Lucy de Faria Pereira. Julgado em 28 de fevereiro de 2012.
[24] Portaria nº. 36 – Departamento de Material Bélico (DMB), de 09 de dezembro de 1999, que aprova as normas que regulam o comércio de armas e munições. Disponível em: < http://www.mariz.eti.br/portaria_36_DMB.htm>. Acesso em 27 fev. 2013.
[25] Art. 16. As armas de pressão, por ação de mola ou gás comprimido, não são armas de fogo, atiram setas metálicas, balins ou grãos de chumbo, com energia muito menor do que uma arma de fogo.
Art. 17. As armas de pressão por ação de mola, com calibre menor ou igual a 6 (seis) mm, podem ser vendidas pelo comércio não especializado, sem limites de quantidade, para maiores de 18 (dezoito) anos, cabendo ao comerciante a responsabilidade de comprovar a idade do comprador e manter registro da venda.
[26] da Resolução nº. 207, de 22 de novembro de 2011, que dispõe sobre os procedimentos de inspeção de segurança da aviação civil contra atos de interferência ilícita nos aeroportos e dá outras providências. Disponível em: <http://www2.anac.gov.br/biblioteca/resolucao/2011/RA2011-0207.pdf>. Acesso em 28 fev. 2013.