1. INTRODUÇÃO
Desde a edição do Código Tributário Nacional – CTN a doutrina pátria discute a validade das normas de Interpretação e Integração da Legislação Tributária, positivadas no Capítulo IV de sua Seção III, sendo as mesmas consideradas por alguns como ambíguas, insuficientes ou redundantes, necessitando elas mesmas de interpretação. [1]
As críticas a estas normas são oriundas do fato de não competir à lei complementar estabelecer a metodologia para a interpretação e aplicação das normas tributárias nos casos concretos, pois o legislador não recebeu competência constitucional para tanto. Além disso, na medida em que o Direito é uma ciência, cabe aos doutrinadores a definição dos métodos de interpretação a serem utilizados na compreensão das leis, sendo as normas de interpretação inválidas na medida em que têm sua eficácia prejudicada pelo caráter ideológico que possuem, bem como sua legitimidade afetada pelo desequilíbrio que introduzem nos sistemas dos valores jurídicos e poderes do Estado.
Tais normas, cuja validade é aceita pela maior parte da doutrina, estão previstas nos artigos 108 a 112 do citado diploma legal, merecendo destaque no presente trabalho o disposto no inciso II do artigo 111 que estabelece o método literal para a interpretação da legislação tributária outorgante de isenção.
Assim, a maioria dos doutrinadores afirma ser vedada a interpretação extensiva das normas de isenção, em virtude da determinação expressa do CTN no sentido de interpretá-las literalmente.
Em decorrência desta afirmação poder-se-ia chegar à conclusão de que, caso prevalecesse o entendimento no sentido de invalidade das normas de interpretação e integração da legislação tributária, seria lícito à doutrina e jurisprudência estender as isenções a hipóteses não previstas legalmente, ampliando as hipóteses descritas na norma.
Contudo, o sistema jurídico não possui tamanha simplicidade, não devendo o intérprete ater-se somente às regras de maneira isolada, sendo fundamental a observância dos princípios gerais que o fundamentam.
No campo do direito tributário, deve o intérprete observar, ainda, os princípios constitucionais tributários, em especial o princípio da legalidade, que estabelece que todas as normas tributárias devem derivar de lei, o que, por si só, já é obstáculo à ampliação do conteúdo da norma isencional.
Em observância aos princípios constitucionais da tributação, este estudo tem como finalidade a simples análise da possibilidade de extensão da isenção a hipótese não tipificada, mas sem considerar a regra do artigo 111, II do CTN.
Logo, serão considerados somente os princípios constitucionais reguladores do sistema tributário, em especial os da legalidade e o da isonomia, que se confrontam na hipótese examinada.
Para a solução do conflito será utilizado o princípio da proporcionalidade, com os critérios que o compõem, a fim de se obter a solução adequada para o caso concreto estudado.
Deste modo, valendo-se dos ensinamentos doutrinários, análise jurisprudencial e exemplos concretos, passa-se à análise da possibilidade da extensão dos efeitos da norma isencional a hipótese não prevista em lei, fazendo-se um sopesamento entre os princípios da legalidade e igualdade, verificando qual deles tem maior peso no caso concreto.
2. ISENÇÕES TRIBUTÁRIAS
2.1. Isenção como componente da norma tributária
Com a finalidade de obtenção de receita para custeio de suas atividades, o Estado impõe, através da norma jurídica tributária, o dever de que determinadas pessoas lhe transfiram certa quantia de dinheiro em decorrência da prática de fatos lícitos hipoteticamente previstos em uma norma jurídica.
A chamada quantia em dinheiro supra referida é denominada tributo, sendo a norma jurídica que impõe seu recolhimento aos cofres públicos denominada norma tributária.
Já os fatos lícitos hipoteticamente discriminados na norma tributária são chamados de hipótese de incidência, “meio pelo qual o legislador institui um tributo”.[2]
A realização desta hipótese de incidência, localizada no tempo e no espaço, é denominada fato gerador, que faz com que efetivamente nasça a obrigação tributária para o contribuinte.
Segundo Aurélio Pitanga Seixas Filho,
as normas isencionais têm a função de delimitar a abrangência do fato gerador, já que, por razões de técnica legislativa e necessidade de definir o fato gerador de maneira mais simples, surge a oportunidade de diferenciar a cláusula geral aplicada em um primeiro tempo, por um elemento do fattispecie, excluindo certos rapporti della vitta do fattispecie generale. [3]
Deste modo, a norma isencional atua na norma de tributação reduzindo a abrangência de sua hipótese de incidência, compondo-a e aperfeiçoando-a de modo que seja respeitada a capacidade contributiva do sujeito ativo da obrigação tributária.
Para parte da doutrina, em especial para Souto Maior Borges, a isenção seria uma “hipótese de não-incidência tributária” com função não-juridicizante, sendo hipótese de exclusão do crédito tributário, conforme previsão do art. 175, I do Código Tributário Nacional, agindo em momento posterior à ocorrência do fato gerador.[4]
Todavia, equivocam-se tanto o Código Tributário quanto esta parte da doutrina pois tal sucessividade inexiste no plano lógico-jurídico, atuando a isenção concomitantemente em relação ao fato gerador, e não sucessiva no tempo.[5] Além disso, não parece correta a afirmação de ser a isenção regra não-juridicizante, pois esta compõe a norma tributária, produzindo conseqüência jurídica particular.
Assim, pode-se afirmar que
No Estado moderno, a isenção não é um privilégio, mas o reconhecimento de uma menor capacidade para suportar o tributo, repugna-lhe negar o tratamento mais favorável, admitido pela lei em casos particulares, quanto a hipóteses em que se apresente uma capacidade idêntica à dos casos expressamente considerados pela lei.[6]
Ou seja, a isenção faz parte da norma tributária, delimitando seu comando geral, em consideração a uma circunstância particular que permite a aferição do exato relevo da capacidade contributiva.
2.2 Classificação das normas isencionais
José Souto Maior Borges classifica as isenções em diversas espécies, merecendo maior relevo a classificação entre objetivas e subjetivas “que toma como base os elementos estruturais da relação tributária e está em conexão com todos os problemas gerais que elas oferecem, especialmente com o seu deslinde face à não-sujeição”. [7]
A isenção objetiva não considera o aspecto material da tributação, ou seja, a hipótese de incidência. Em decorrência de uma regra de isenção objetiva, fatos geradores que estariam dentro do campo de incidência do tributo dele são excluídos. Neste caso são abstraídas considerações de ordem pessoal, isto é, quem é isento é determinado bem/objeto, ainda que o beneficiário seja uma determinada pessoa, possuindo, na maioria das vezes, cunho extrafiscal.
Já as chamadas isenções subjetivas “são dispostas em consideração a determinadas circunstâncias ou qualidades inerentes às pessoas isentas”[8], ou seja, teleologicamente, a isenção é concedida em função de características de ordem pessoal, observando a capacidade contributiva dos contribuintes.
2.3 Competência
No concernente à competência para a concessão de isenções, é pacífico na doutrina que a competência para isentar está diretamente relacionada à competência para a instituição do tributo pois “não faz sentido imaginar-se um poder tributante conferir isenção para algo que ele não tinha poder de tributar. A isenção acaba por interferir no próprio núcleo da hipótese de incidência da norma tributária”.[9]
A Constituição Federal, em seu art. 151, III, positiva o entendimento doutrinário, proibindo a isenção heterônoma nos seguintes termos:
Art. 151. É vedado à União:
(...)
III – instituir isenções de tributos da competência dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios.
Todavia, a vedação supra mencionada possui exceções, também discriminadas na Constituição, que autorizam a concessão de isenções, através de lei complementar, de imposto estadual ou municipal que incidam sobre a exportação de bens e serviços, colocando a política de interesse nacional acima dos interesses arrecadatórios dos demais entes federados (art. 155, §2º, XII e art. 156, §3º)[10].
Desta feita, pode-se concluir que, via de regra, o ente federado que possui competência para instituir o tributo é quem detém o poder de delimitar a abrangência de sua hipótese de incidência através da concessão de isenção.
3. Princípios e regras
3.1. Distinção entre princípios e regras
Antes de se passar à análise dos princípios constitucionais informadores das regras de isenção, necessita-se fazer breve distinção entre estas espécies normativas, conceituando-as e demonstrando seu papel dentro do sistema jurídico.
Para a maioria da doutrina o sistema jurídico é composto de duas categorias sendo as mesmas regras (normas) e princípios
A ordem jurídica é um sistema composto de normas[11] e princípios. A significação destes não é obtenível pela compreensão isolada de cada um. É necessário também levar-se em conta em que medida se interpenetram. É dizer, até que ponto um preceito extravasa o seu campo próprio para imiscuir-se com o preceituado em outra norma.
Disso resulta uma interferência recíproca entre normas e princípios, que faz com que a vontade normativa só seja extraível a partir de uma interpretação sistemática, o que, por si só, já exclui qualquer possibilidade de que a mera leitura de um artigo isolado esteja em condições de propiciar o desejado desvendar daquela vontade.[12]
Seguindo os ensinamentos de Canotilho
a teoria da metodologia jurídica tradicional distinguia entre normas e princípios. Abandonar-se-á aqui essa distinção para, em sua substituição, se sugerir: (1) as regras e princípios são duas espécies de normas; (2) a distinção entre regras e princípios é uma distinção entre duas espécies de normas.[13]
A Ciência do Direito estabelece vários critérios para a diferenciação entre princípios e regras, já que ambos constituem enunciados do discurso prescritivo que têm como finalidade a regulação do comportamento humano, sendo os a seguir elencados os usualmente empregados para a distinção:
O primeiro critério é o do caráter hipotético-condicional, cujo fundamento é o fato de as regras possuírem uma hipótese e uma conseqüência que predeterminam a decisão, ou seja, ocorrido o pressuposto do fato nelas descrito, ocorre a imediata conseqüência, sem quaisquer indagações. Já os princípios não teriam aplicabilidade imediata, representando apenas indicações ao aplicador para a condução de uma decisão em um determinado sentido, devendo ser sopesados e ponderados com outros princípios relevantes para a regulação do caso concreto.
Em segundo lugar está o critério do modo final de aplicação na medida em que as regras são aplicadas através de um tudo ou nada, ou seja, “regras são normas que, sempre, ou só podem ser cumpridas ou não cumpridas”,[14] enquanto que os princípios seriam aplicados de modo gradual mais ou menos.
O terceiro critério é o do relacionamento normativo na medida em que quando existe uma antinomia entre regras, uma deve perder a validade, utilizando-se das regras de resolução de conflito existentes no sistema jurídico, como, por exemplo, lei posterior derroga lei anterior. Já o conflito entre princípios seria solucionado mediante a ponderação, atribuindo uma dimensão de peso a cada um deles diante das características do caso concreto. Assim, “as regras entrariam em conflito no plano abstrato, e a solução deste conflito insere-se na problemática da validade das normas”.[15] Já os princípios entrariam em conflito somente no plano concreto, e a solução do mesmo se daria na seara da aplicação. Como esclarece Canaris:
Pertence à essência dos princípios gerais de Direito que eles entrem, com freqüência, em conflito entre si, sempre que, tomados em cada um, apontem soluções opostas. Deve-se, então, encontrar um compromisso, pelo qual se destina, a cada princípio, um determinado âmbito de aplicação. Trata-se, pois, aqui da característica, acima elaborada, da mútua limitação dos princípios.[16]
O quarto e último dos critérios seria o de fundamento axiológico que considera que os princípios, ao contrário das regras, atribuem fundamentação valorativa às ordens jurídicas em particular, representando
o expresso e definitivo reconhecimento, pelo Direito positivo, da importância que os valores éticos, morais e culturais assumem na realização do fenômeno jurídico, fato que por muito tempo foi negado pelos positivistas, na busca de uma purificação do Direito, como se os valores não constituíssem a sua própria essência.[17]
Estes critérios, larga e amplamente utilizados pela doutrina pátria e estrangeira para a distinção entre princípios e regras, são criticados e aperfeiçoados por Humberto Ávila em sua obra Teoria dos Princípios, merecendo destaque a proposta de critérios para a dissociação entre estas espécies normativas apontadas.
Segundo o professor do Curso de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, o primeiro critério o da natureza do comportamento prescrito. Esta natureza é observada pois, na medida em que as regras são normas imediatamente descritivas, estabelecendo obrigações, permissões e proibições através da tipificação da conduta a ser adotada, constituem normas-do-que-fazer. Estas se diferem dos princípios pois estes são normas imediatamente finalísticas, normas-do-que-deve-ser, estabelecendo um estado ideal de coisas a ser atingido, possuindo como qualidade frontal “a determinação de um fim juridicamente relevante, ao passo que característica dianteira das regras é a previsão do comportamento”.[18]
O segundo critério utilizado é o denominado critério da natureza da justificação exigida. De acordo com este critério a distinção entre os princípios e regras residiria no fato destas exigirem no momento de sua aplicação e interpretação uma correspondência entre a construção conceitual dos fatos e a construção conceitual da norma e da finalidade que lhe dá suporte. Já os princípios necessitam de uma avaliação da correlação entre o estado de coisas posto como fim e os efeitos decorrentes da conduta havida como necessária para sua interpretação e aplicação ao caso concreto.
Como salienta o referido autor, no caso das regras, quando a construção conceitual do fato (fato gerador), embora corresponda à construção conceitual da descrição normativa (hipótese de incidência), mas não se adequou à finalidade que lhe dá suporte, o ônus argumentativo do intérprete/aplicador é muito maior, daí serem tais hipóteses denominadas casos difíceis. Nestes casos haveria uma divergência entre o comando da norma e a justificação (valor) que a suporta. Assim,
o intérprete, em casos excepcionais e devidamente justificáveis, termina analisando razões para adaptar o conteúdo da própria regra. Nessa hipótese, a investigação da finalidade da própria norma permite deixar de enquadrar na hipótese normativa casos preliminarmente enquadráveis.[19]
Já no caso dos princípios o ônus da argumentação é estável, inexistindo casos fáceis ou difíceis. Como inexiste norma comportamental, a interpretação do conteúdo normativo dos princípios é dependente, em maior intensidade, de um exame problemático, havendo a necessidade da análise de casos semelhantes cujas soluções possam servir de paradigma a ser adotado.
O último critério para a dissociação das regras dos princípios é o da medida de contribuição para a decisão. Os princípios, como normas abrangentes, seriam primariamente complementares e preliminarmente parciais, na medida em que, tomados isoladamente, não têm a competência para gerar uma solução específica, devendo ser harmonizados com outras razões para a tomada de decisão, havendo maior interdependência entre eles.
As regras consistiriam em normas preliminarmente decisivas e abarcantes, pois têm a aspiração de gerar uma solução específica para o conflito entre razões. Havendo o preenchimento das condições de aplicabilidade da regra, esta será aplicada.
Importa destacar a ressalva do professor Humberto Ávila de que as regras
são apenas preliminarmente decisivas. Isso significa que não são decisivas na medida em que podem ter suas condições de aplicabilidade preenchidas e, ainda assim, não ser aplicáveis, pela consideração a razões excepcionais que superem a própria razão que sustenta a aplicação normal da regra. Esse fenômeno denomina-se aptidão para cancelamento.[20]
3.2. Funções dos princípios
Observadas as peculiaridades que distinguem os princípios das regras, podemos identificar basicamente três funções dos princípios no ordenamento jurídico: axiológica, normogenética e hermenêutica.[21]
Ao mesmo tempo em que os princípios servem de inspiração e fundamento para a criação das leis, na medida em que estas procuram dar aplicabilidade ao princípio enquanto norma-do-que-deve-ser, são fundamento da validade das mesmas (pois as leis contrárias aos princípios são consideradas inconstitucionais, sendo retiradas do ordenamento jurídico), e utilizadas na compreensão e sistematização do direito positivo.
4. Princípios Informadores das Normas Isencionais
Os princípios jurídicos constituem a base da estrutura e do funcionamento do sistema jurídico. Assim sendo, como todas as demais normas jurídicas, as regras de isenção estão alicerçadas nos princípios existentes em nosso ordenamento (normas-do-que-deve-ser), em especial nos princípios constitucionais tributários, sendo estas o meio para o alcance do fim por eles almejados (normas-do-que-fazer), não podendo a eles se contrapor sob pena de serem declaradas inconstitucionais.
Como afirma o saudoso Aliomar Baleeiro:
Princípio é, pois, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas, compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, precisamente porque define a lógica e a racionalidade do sistema normativo, conferindo-lhe a tônica que lhe dá sentido harmônico.[22]
Dentre os princípios jurídicos que exercem influência no sistema tributário, no campo das isenções merecem destaque os princípios da legalidade e da igualdade, principalmente pelo fato de os mesmos poderem entrar em conflito em determinados casos concretos.
Nas palavras de Alberto Xavier:
O conceito de fato tributário caracteriza-se, assim, por um requisito formal e por um requisito material; o primeiro consiste na tipicidade, o segundo, na capacidade contributiva. Analogamente ao que sucede com o crime ou fato punível, que se define como o fato típico ilícito e culposo, pode definir-se o fato tributário como o fato típico revelador de capacidade contributiva.[23]
Cada um destes princípios serão a seguir conceituados e será demonstrada a influência que exercem nas regras de isenção tributária, seja para a criação, seja como fundamento material de sua validade, seja como informador da interpretação destas regras diante de casos concretos.
4.1. Princípio da Legalidade
O princípio da legalidade é um princípio basilar do Estado Democrático de Direito, sendo
da essência de seu conceito subordinar-se à Constituição e fundar-se na legalidade democrática. Sujeita-se ao império da lei, mas da lei que realize o princípio da igualdade e da justiça não pela sua generalidade, mas pela busca da igualização das condições dos socialmente desiguais.[24]
Como nos lembra Aliomar Baleeiro, o princípio da legalidade
prende-se à própria razão de ser dos Parlamentos, desde a penosa e longa luta das Câmaras inglesas para efetividade da aspiração contida na fórmula ‘no taxation without representation’, enfim, o direito de os contribuintes consentirem – e só eles – pelo voto de seus representantes eleitos, na decretação ou majoração de tributos. As Constituições, desde a independência americana e a Revolução Francesa, o trazem expresso, firmando a regra secular de que o tributo só se pode decretar em lei, como ato da competência privativa dos Parlamentos.[25]
Este princípio está consagrado de forma geral no art. 5º, II da Constituição Federal, dispondo que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.
No campo específico do Direito Tributário este princípio serve como limitação constitucional ao poder de tributar, estando expresso no art. 150, I que veda à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios a exigência ou majoração de tributo sem lei que o estabeleça. Assim, compete somente ao Poder Legislativo, através da edição de lei, instituir ou aumentar tributos.
Como afirmado no capítulo 2 do presente trabalho, a competência para instituir regras de isenção pertence ao ente que possui a competência para cobrar o respectivo tributo, principalmente considerando-se que a isenção é parte da norma tributária, limitando seu comando geral.
Assim, em respeito ao princípio da legalidade, cabe ao Poder Legislativo do ente competente para a instituição do tributo a delimitação da abrangência de sua hipótese de incidência através da edição de lei prevendo a respectiva regra de isenção.
Neste sentido o art. 176 do Código Tributário Nacional:
Art. 176. A isenção, ainda quando prevista em contrato, é sempre decorrente de lei que especifique as condições e requisitos exigidos para a sua concessão, os tributos a que se aplica e, sendo caso, o prazo de sua duração.
Portanto, observa-se claramente que o legislador complementar expressamente estabelece a regra para dispor que as isenções estão sujeitas ao princípio da legalidade, ou ao da reserva da lei[26], não podendo haver concessão das mesmas por meio de decreto, portaria, etc., até mesmo em respeito ao princípio da separação dos poderes.
4.2. Princípio da igualdade
O princípio da igualdade é, juntamente com o princípio da legalidade, “um dos princípios estruturantes do regime geral dos direito fundamentais”.[27]
Este princípio tem ampla função dentro do ordenamento pois ao mesmo tempo em que sua dimensão normativa preponderante seja de princípio, que traz consigo a busca da realização dos valores de igualdade, solidariedade e justiça,
possui sentido normativo tanto de regra, na medida em que descreve o comportamento a ser adotado pelo Poder Legislativo e pelo Poder Executivo, determinando a igualdade de tratamento para situações equivalentes, quanto de postulado[28], porquanto exige do aplicador a consideração e avaliação dos sujeitos envolvidos, dos critérios de diferenciação e das finalidades justificadoras da diferenciação.[29]
A Constituição, além de estabelecer o princípio geral de igualdade no caput e inciso I do art. 5º, o exige expressamente quando regula o Sistema Tributário, assim dispondo:
Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir impostos sobre:
(...)
§1º. Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.
Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
(...)
II – instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos.
Portanto, o princípio da igualdade tributária é, no ordenamento jurídico brasileiro, princípio constitucional impositivo, informador de toda a atividade de tributação do Estado pois este, no exercício de tal direito, deve atuar na consecução do valor justiça tributária, respeitando as desigualdades existentes entre os cidadãos, especialmente em relação à sua capacidade contributiva.
Embora haja diferenças entre eles, especialmente no que tange ao âmbito de aplicação, pois a isonomia tomada de maneira geral é aplicada a todo o ordenamento jurídico, em direito tributário este princípio recebe o nome, de maneira geral, de princípio da capacidade contributiva.
Este princípio é tanto dirigido ao Estado no momento da criação de leis tributárias, que devem respeitar a capacidade contributiva dos cidadãos sob pena de inconstitucionalidade, quanto regem a atividade do intérprete/aplicador que deve avaliar os critérios e valores utilizados para a eleição dos fatos tributados e de seus contribuintes.
Sob o ângulo objetivo, segundo Helenilson Cunha Pontes, o princípio da capacidade contributiva
consiste no pressuposto, no limite máximo e no parâmetro do dever tributário. Pressuposto na medida em que constitui o próprio fundamento do dever tributário, revelado pela realização concreta de um fato de conteúdo econômico que, diante do conjunto de regras e princípios do ordenamento, justifica a imposição tributária; o limite máximo, pois ninguém pode legitimamente ser obrigado a recolher um tributo superior à capacidade revelada pela realização do pressuposto de fato, vale dizer; o princípio da capacidade contributiva impede que o dever tributário imposto seja maior do que o conteúdo econômico revelado pelo pressuposto de fato realizado; e, finalmente, parâmetro para permitir a aferição da conexão razoável entre o pressuposto de fato e o montante do dever tributário imposto.[30]
No campo específico das isenções, o princípio da capacidade contributiva age na medida em que as isenções substituem o comando geral da norma tributária por outro índice, levando em consideração as circunstâncias particulares do contribuinte, especificamente sua capacidade contributiva.
O princípio em exame é mais facilmente visualizado nas isenções subjetivas, pois estas são concedidas em razão de características de ordem pessoal que afetam diretamente a capacidade contributiva, justificando a concessão das mesmas.
Portanto, quando contribuintes estiverem “numa idêntica situação não é possível ao legislador tributário discriminar em favor de um ou alguns, pois inevitavelmente estará prejudicando aos outros”,[31] devendo, ou ser declarada a inconstitucionalidade da lei que institui a isenção, ou ter seus efeitos estendidos às pessoas em situação idêntica.
Aurélio Pitanga Seixas Filho ensina que
o princípio constitucional da isonomia, que em direito tributário corresponde ao princípio da capacidade contributiva, exige que semelhantes capacidades contributivas recebam o mesmo tratamento pelo legislador tributário.[32]
Logo, segundo o princípio da capacidade contributiva, estão vedados quaisquer privilégios na concessão das isenções, devendo ser dispensado pelo legislador o mesmo tratamento tributário a pessoas de idêntica capacidade contributiva.
4.3. Conflitos entre os princípios da legalidade e da igualdade
Como afirmado no capítulo 3 deste trabalho, é da natureza dos princípios constitucionais estarem em constante conflito, e com relação aos princípios aplicáveis às normas de isenção não haveria de ser diferente, existindo constantes conflitos entre o princípio da legalidade e o da igualdade na interpretação e posterior aplicação das regras de isenção.
Estes conflitos surgem especialmente quando duas pessoas com capacidades contributivas idênticas encontram-se em situações distintas em relação à lei isencional, sendo somente uma delas abrangida pela mesma.
Nestes casos, a norma de isenção seria válida, pois exclui da hipótese de incidência pessoa com capacidade contributiva distinta das demais abrangidas pela norma geral, mas se equivoca ao deixar de incluir outros contribuintes que também não possuiriam capacidade contributiva para arcar com o pagamento do tributo devido.
Em obediência ao princípio da legalidade, que determina que isenções somente podem ser criadas em virtude de lei, o comando da norma de isenção não poderia ser estendido a situações não especificadas pelo legislador.
Todavia, como também é carente de capacidade contributiva em relação às hipóteses previstas na norma isencional, em respeito ao princípio da isonomia, o comando geral deveria ser estendido ao contribuinte não contemplado pela isenção, pois contribuintes com idêntica capacidade contributiva têm de receber igual tratamento tributário.
Assim, no capítulo seguinte serão examinadas as sugestões doutrinárias para a resolução de conflitos entre princípios, considerando-se alguns exemplos de ordem prática e precedentes jurisprudenciais de nossos tribunais superiores.