Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br
Artigo Selo Verificado Destaque dos editores

A saúde como direito fundamental difuso

Exibindo página 3 de 3
Agenda 05/05/2013 às 15:25

5 A guisa de conclusão: recolocando a pessoa humana como cerne do ordenamento jurídico e o direito à saúde como fundamental difuso, que pode ser pleiteado por meio de tutela coletiva ou individual.

A maior parte dos debates sobre a saúde configurar-se ou não como direito difuso desemboca apenas em uma questão procedimental, ouvidando-se da fundamentalidade do direito debatido.

É muito interessante classificar a saúde como direito difuso na medida em que tal colocação permite requerimentos mais abrangentes, mesmo que sem normas específicas em que haja tal previsão especificamente. É esta inclusive, a característica marcante dos direitos difusos: serem situações fáticas, que requerem proteção jurídica, muito embora ainda não se configurem como direito tutelado. Nas palavras de Mancuso, uma situação emergencial e contingencial. Ainda, que não possa ser delimitada ou repartida no sentido de dar a cada possível titular uma parcela apenas da proteção total.

Enquanto a saúde for considera como direito difuso, basta a dicção do art. 196 e 198, II, da Constituição da República para obrigar o Estado aos tratamentos de saúde, incluindo a questão da dispensação de medicamentos, incluídos ou não em listagens oficiais como o RENAME (Relação Nacional de Medicamentos Essenciais) .

Como se viu neste ensaio, o Ministério Público tem legitimidade para interpor os requerimentos de saúde através de ação civil pública, mesmo que se trate de direito de um só indivíduo. No mesmo sentido se atribui legitimidade à Defensoria Pública para a prática de tais ações.

Assim, mesmo que haja resistência de classificar o direito à saúde como coletivo ou difuso, a chancela à atuação do Ministério Público e da Defensoria Pública através da ação civil pública já demonstra, por si só, o viés abrangente que a saúde traz em seu interior.

Não se pode desconsiderar a fundamentalidade da saúde humana, que decorre do direito à vida, e desemboca na qualidade de vida da pessoa humana. No mesmo sentido, não há como cercear o direito à saúde a determinada classe de pessoas que estejam relacionadas a determinada relação jurídica. O direito à saúde, repita-se, decorre do direito à vida, e não de outro fator. É um atributo indispensável à dignidade humana, de forma que parece pitoresco não classificar a saúde, de forma ampla, em um direito difuso, e igualmente individual e fundamental.

Tal consideração não determina que as tutelas pela saúde devam ser coletivas necessariamente. Podem ser individuais. Depende do caso concreto. O que não se anui é com a classificação excludente do direito à saúde como direito difuso.

Mas, ainda aqui vale uma última observação. Se as relações processuais são instrumentais e o que de fato sobreleva é o bem da vida a que se busca, não importa a nomenclatura a ser adotada. O que importa é recolocar o ser humano como centro da proteção jurídica e garantir a ele qualidade de vida, dignidade e saúde.


6 .Referências bibliográficas

BRASIL, STF, RE 407902/RS, Rel. Min. Marco Aurélio. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=2175787> Acesso em 02 de fevereiro de 2013.

BRASIL, STF, RE 273834/ RS, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento 23/08/2000. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=1830568> Acesso em 02 de fevereiro de 2013.

BRASIL, STF, STA 175-AgR, Rel. Min. Presidente Gilmar Mendes, voto do Min. Celso de Mello, julgamento em 17-3-2010. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=2570693> Acesso em 02 de fevereiro de 2013.

BRASIL, STF, ARE639337[5] Agr/SP, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 23-08- 2011. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28creche+5+anos.EMEN.+OU+creche+5+anos.IND.%29&base=baseAcordaos&url=http://tinyurl.com/a9vfnu5>Acesso em 02 de fevereiro de 2013.

BONAVIDES, Paulo. Do Estado Liberal ao Estado Social. 9.ed. São Paulo: Malheiros, 2009.

BONAVIDES, Paulo. O Estado Social e sua Evolução Rumo à democracia Participativa. In: SOUZA NETO, Cláudio Pereira; SARMENTO, Daniel (coords). Direitos Sociais: Fundamentos, Judicialização e Direitos Sociais em Espécie. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 63-85.

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 24.ed.São Paulo: Malheiros, 2009.

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7.ed. Coimbra: Almedina, 2003.

FERRAZ, Antonio Augusto Mello de Camargo. Considerações sobre o interesse social e interesse difuso. In: MILARÉ, Édis (coord). A ação civil pública após 20 anos: efetividade e desafios. São Paulo: RT, 2005, p. 59-71.

FIORAVANTI, Maurizio. Constitución: de la antiguedad a nuestros dias. Traducción de Manuel Martínez Neira. Madri. Editorial Trotta, 2001.

GRINOUVER, Ada Pelegrini. Rumo a um Código Brasileiro de processos coletivos. In: MILARÉ, Édis (coord). A ação civil pública após 20 anos: efetividade e desafios. São Paulo: RT, 2005,p. 13-16.

HESSE, Konrad. Elementos de Direito Constitucional da República Federal da Alemanha. Trad. Luís Afonso Heck. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1998.

KRUEGER, Antonia Lélia Neves Sanches. A efetivação do direito à saúde através da ação civil pública. In: ROCHA, João Carlos de Carvalho; HENRIQUES FILHO, Tarcísio Humberto Parreiras; CAZETTA, Ubiratan. Ação Civil Pública: 20 anos da Lei 7.347/85. Belo Horizonte: Del Rey, 2006, p. 417-431.

LUNÕ, Antonio E. Perez. Los Derechos Fundamentales. Madrid: Editorial Tecnos, 1995.

___. Perspectivas e Tendências Atuais do Estado Constitucional. Trad. José Luiz Bolzan de Morais; Valéria Ribas do Nascimento. (Estado e Constituição – 14). Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012.

HENRIQUES FILHO, Tarcísio Humberto Parreiras; CAZETTA, Ubiratan. Ação Civil Pública: 20 anos da Lei 7.347/85. Belo Horizonte: Del Rey, 2006, p.417-431

MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Interesses difusos: conceito e legitimação para agir. 4.ed. ver. e atual.São Paulo: RT, 1997.

MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo. 22.ed. rev. ampl e atual.São Paulo: saraiva, 2009.

RAUPP, Eduardo Caringi. A tutela coletiva dos direitos individuais homogêneos? Considerações sobre a adequada representação e extensão do s efeitos da coisa julgada. Processos Coletivos. Porto Alegre, 2013, v.4, n.1, janeiro a abril. Disponível em: <http://www.processoscoletivos.net/doutrina/19-volume-1-numero-2-trimestre-01-01-2010-a-31-03-2010/91-a-tutela-coletiva-dos-direitos-individuais-homogeneos-consideracoes-sobre-a-adequada-representacao-e-a-extensao-dos-efeitos-da-coisa-julgada> Acesso em 20 de fevereiro de 2013.

SAMPAIO, José Adércio Leite. Direitos Fundamentais. 2.ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2010.

SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. 10.ed.Porto Alegre; Livraria do Advogado, 2011.

SARLET, Ingo Wolfgang. A titularidade simultaneamente individual e transindividual dos direitos sociais analisada à luz do exemplo do direito à proteção e promoção da saúde. In NOBRE, Milton Augusto de Brito; SILVA, Ricardo Augusto Dias da (coord). O CNJ e os desafios da efetivação do direito à saúde. Belo Horizonte: Fórum, 2011 p. 117-148.

SOARES, Mário Lúcio Quintão. Direitos fundamentais e Direito Comunitário: por uma metódica de direitos fundamentais aplicada às normas comunitárias. Belo Horizonte: Del Rey, 2000.

WEICHERT, Marlon Alberto. A saúde como serviço de relevância pública e a ação civil pública em sua defesa. In: In: ROCHA, João Carlos de Carvalho; HENRIQUES FILHO, Tarcísio Humberto Parreiras; CAZETTA, Ubiratan. Ação Civil Pública: 20 anos da Lei 7.347/85. Belo Horizonte: Del Rey, 2006, p.507-531.


Notas

[1] Canotilho (2003, p.386) denomina de ‘direito dos povos’.

[2] Exemplo semelhante é fornecido por Mancuso (1994, p. 123).  O autor também menciona os grupos sociais minoritários como sendo incluídos para abrangencia dos direitos difusos, exemplificando com os gays e os portadores de HIV.

[3] KRUEGER, 2006, p. 422.

[4] Ver AG 2005040132106/PR julgamento em 29-08-2006 . Ressalte-se que a matéria não é pacífica como se depreende do  Reexame necessário em apelação 2005040132106 TRF 4ª Região, de relatoria do Des. Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, disponível em: <http://www.trf4.gov.br/trf4/processos/visualizar_documento_gedpro.php?local=trf4&documento=3402630&hash=d4d7a2a1c4d97f3a3a09f1505c488e7a> Acesso em 03 de fevereiro de 2013. 

[5] Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28creche+5+anos.EMEN.+OU+creche+5+anos.IND.%29&base=baseAcordaos&url=http://tinyurl.com/a9vfnu5> 

Sobre a autora
Cândice Lisbôa Alves

Advogada. Mestre em Extensão Rural pela UFV. Doutoranda em Direito Público pela PUC Minas. Professora do curso de Direito da Newton Paiva. Instrutora de Polícia da PMMG.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALVES, Cândice Lisbôa. A saúde como direito fundamental difuso. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3595, 5 mai. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24337. Acesso em: 22 nov. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!