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A saúde como direito fundamental difuso

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05/05/2013 às 15:25
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3. A conceituação de direito difuso: diferenciações em relação aos direitos coletivos e individuais homogêneos. 

Antes de mais nada é preciso relembrar, e manter a premissa de que os direitos difusos são direitos fundamentais, de terceira dimensão. Assim, seja em qual hipótese forem analisados devem, sempre, para sua configuração e proteção representarem todas as prerrogativas inerentes à concepção de direitos fundamentais. Deve-se, também, entender o contexto de surgimento da classificação de direito difuso para, após, adentrar no direito à saúde, visando a identificá-lo ou não como direito difuso.

A categoria de direito difuso surgiu no mundo após a década de 1970. No Brasil a doutrina inspirou-se na class action americana, tendo como objetivo a inserção da tutela coletiva no direito nacional. Historicamente a tutela coletiva veio à lume pela dicção da Lei 7.347/1985, Lei da Ação Civil Pública. Posteriormente, a previsão se fez presente na  Constituição de República de 1988 e no Código de Defesa do Consumidor, Lei 7.078/90.

O Código de Defesa do Consumidor trouxe no art. 81 a definição das modalidades de tutela coletiva, quais sejam, os conceitos de direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos. In litteris:

Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo.

Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de:

I - interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato;

II - interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base;

III - interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum.

Entrementes, não há consenso doutrinário sobre a diferenciação entre os conceitos apresentados. Esta indefinição conceitual alcança os termos ‘direito’ e ‘interesse’, assim como a delimitação do que seria interesse público, social e coletivo (FERRAZ, 2005, p. 64-69). Há ainda que se ressaltar o uso dos termos ‘coletivo’ e ‘difuso’ como se fossem sonímias (MANCUSO, 1994, p. 71), o que não é adequado juridicamente. Mancuso reintera que enquanto os direitos coletivos já estão bem definidos e discutidos doutrinariamente, os direitos difusos ainda apresentam-se com grandes indagações (MANCUSO, 1994, p. 74). Há ainda a diferenciação no sentido qualitativo e quantitativo, afirmando-se que direitos difusos são mais abrangentes, podendo abarcar, inclusive, toda a humanidade, ou o conceito de homem em um sentido abstrato. Já os direitos coletivos restringem-se a determinado grupo ou a corporação em que determinadas pessoas estão inseridas (MANCUSO, 1994, p. 73).

Inicialmente deve-se definir o que sejam os interesses transindividuais ou metaindividuais para, posteriormente identificarem-se as características dos direitos difusos e coletivos e assim, serem ambos diferenciados.

 Segundo Mazzilli (2009, p. 50), direitos transindividuais situam-se entre o interesse público e o interesse privado, sendo lato sensu, equivalente à tutela coletiva. Abarcam, nesta esteira, a subdivisão em direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos. A tutela coletiva é importante para se “evitar decisões contraditórias, como ainda deve conduzir a uma solução mais eficiente da lide, porque o processo coletivo é exercido em proveito de todo o grupo lesado” (MANZILLI, 2009, p. 50-51).

Legalmente os interesses ou direitos difusos são indivisíveis e referem-se a pessoas indeterminadas ligadas por uma relação de fato. O exemplo típico com relação a eles é o da proteção ao meio ambiente.

Interesses ou direitos coletivos, por sua vez, seriam os referentes a grupos determináveis, de natureza indivisível, cujos titulares podem ou não estarem relacionados entre si, porém todos estão ligados à parte contrária por uma situação jurídica base, como exemplo uma relação de emprego. Por sua vez, os interesses individuais homogêneos seriam divisíveis, tendo, entretanto, a mesma origem, como exemplo, a compra de determinado produto por consumidor.

Com relação aos interesses difusos, os mesmos são identificados como relacionados à “qualidade de vida em sociedade” (FERRAZ, 2005, p. 69), tendo um conteúdo fluido. Por não ter definição precisa defende-se que haja maior necessidade de proteção e tutela jurídicas (MANCUSO, 1994, p. 78). Esta indeterminação quanto aos seus contornos é denominada por Mancuso como litigiosidade interna (1994, p. 85), ou como sendo sua característica marcante no sentido de que os mesmos estão em constante transição ou mutação no tempo e no espaço (MANCUSO, 1994, p. 89). Neste sentido, tem-se que os interesses difusos adéquam sua configuração a partir das transformações sociais. Estão intimamente relacionados a um contexto profundamente dinâmico, fluido, sendo extraídos de situações contingenciais e emergenciais que requerem proteção. Seria o caso, por exemplo, da construção de uma barragem hidrelétrica[2], em que os atingidos formam uma associação e visam a resguardar seus direitos à história, moradia, tradição e cultura, todos eles considerados difusos no exemplo apontado.

De forma geral, pode-se entender que os direitos difusos caracterizam-se por uma situação de fato que requer proteção, ainda que não exista uma delimitação jurídica quanto a tal assunto, ou mesmo que a norma jurídica tenha caráter muito amplo ou genérico, impedindo uma delimitação precisa. Ressalte-se, ainda, a impossibilidade de mensuração exata do que cabe a cada um dos sujeitos desse direito, que é por si mesmo indivisível.

Interessante a colocação de Sarlet (2011, p. 126-127) no sentido de que muitas das  discussões sobre os direitos difusos atinem aos seus destinatários, o que deveria ser tratado, entretanto, como atinente à titularidade dos mesmos. Seguindo a premissa estabelecida para os direitos fundamentais, tem-se que os titulares dos direitos difusos são todas as pessoas que se encontram sobre a situação questionada, de forma que, mais uma vez, recoloca-se a questão da universalidade e generalidade como eixos centrais das discussões sobre o tema. Neste viés aborda-se o direito à saúde, buscando delimitar tanto a titularidade como as discussões acerca da tutela adequada para buscar a efetividade de tal direito.  


4. A saúde como direito fundamental difuso: implicações e considerações baseadas no entendimento do STF

O direito à saúde não se apresenta com classificação pacificada pela doutrina. Há quem impute a ele caráter coletivo, individual homogêneo e também difuso. Há ainda quem o considere de forma ambivalente: tanto possuindo dimensão individual quanto coletiva, posição que parece ser a mais acertada (WEICHERT, 2006, p.510).

Mancuso por diversos momentos classifica a saúde pública como liberdade pública ou direito público subjetivo. Afirma que ela não apresenta litigiosidade ostensiva como é típico dos direitos difusos. Neste sentido afirma que “no máximo, poderá ser questionada a qualidade ou o modo pelo qual aqueles valores vem tutelados pelo Estado, mas não se pode conceber a existência de interesses diametralmente opostos a esses valores”(MANCUSO, 1994, p. 87-88).  Muito embora se respeite a opinião do autor, não se pode anuir com tal posicionamento. A saúde pública é, em sua essência, direito difuso. Por alguns momentos poderá ser pleiteada enquanto direito individual homogêneo, mas a sua discussão, no sentido do alcance da proteção conferida constitucionalmente pelo art. 196 da Constituição da República é em si de natureza difusa.

A conceituação como direito difuso, inclusive foi mencionada por Mancuso (1994, p. 123) ao relatar as demandas relacionadas ao tratamento do HIV na década de 1990, assim como os eventos relacionados aos sem terra, aos viventes da rua ou à comunidade gay. Em todos estes exemplos Mancuso conseguiu perceber a mutabilidade das situações de fato, sem uma construção normativa já organizada e que, não obstante, necessitavam da tutela estatal atribuída aos direitos difusos para que estes grupos vulneráveis tivessem seus direitos resguardados pelo Estado.

Retomando aos soropositivos, nota-se que os mesmo na década de 1990 entraram com várias ações para requerer medicamentos aptos ao tratamento da doença, o que pode ser vislumbrado pelo Recurso Extraordinário 273.834/ RS, cuja ementa segue-se:

E M E N T A: PACIENTE COM HIV/AIDS - PESSOA DESTITUÍDA DE RECURSOS FINANCEIROS - DIREITO À VIDA E À SAÚDE - FORNECIMENTO GRATUITO DE MEDICAMENTOS - DEVER CONSTITUCIONAL DO PODER PÚBLICO (CF, ARTS. 5º, CAPUT, E 196) - PRECEDENTES (STF) - RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO. O DIREITO À SAÚDE REPRESENTA CONSEQÜÊNCIA CONSTITUCIONAL INDISSOCIÁVEL DO DIREITO À VIDA. - O direito público subjetivo à saúde representa prerrogativa jurídica indisponível assegurada à generalidade das pessoas pela própria Constituição da República (art. 196). Traduz bem jurídico constitucionalmente tutelado, por cuja integridade deve velar, de maneira responsável, o Poder Público, a quem incumbe formular - e implementar - políticas sociais e econômicas idôneas que visem a garantir, aos cidadãos, inclusive àqueles portadores do vírus HIV, o acesso universal e igualitário à assistência farmacêutica e médico-hospitalar. - O direito à saúde - além de qualificar-se como direito fundamental que assiste a todas as pessoas - representa conseqüência constitucional indissociável do direito à vida. O Poder Público, qualquer que seja a esfera institucional de sua atuação no plano da organização federativa brasileira, não pode mostrar-se indiferente ao problema da saúde da população, sob pena de incidir, ainda que por censurável omissão, em grave comportamento inconstitucional. A INTERPRETAÇÃO DA NORMA PROGRAMÁTICA NÃO PODE TRANSFORMÁ- LA EM PROMESSA CONSTITUCIONAL INCONSEQÜENTE. - O caráter programático da regra inscrita no art. 196 da Carta Política - que tem por destinatários todos os entes políticos que compõem, no plano institucional, a organização federativa do Estado brasileiro - não pode converter-se em promessa constitucional inconseqüente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever, por um gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do Estado. DISTRIBUIÇÃO GRATUITA DE MEDICAMENTOS A PESSOAS CARENTES. - O reconhecimento judicial da validade jurídica de programas de distribuição gratuita de medicamentos a pessoas carentes, inclusive àquelas portadoras do vírus HIV/AIDS, dá efetividade a preceitos fundamentais da Constituição da República (arts. 5º, caput, e 196) e representa, na concreção do seu alcance, um gesto reverente e solidário de apreço à vida e à saúde das pessoas, especialmente daquelas que nada têm e nada possuem, a não ser a consciência de sua própria humanidade e de sua essencial dignidade. Precedentes do STF (BRASIL, STF, RE 273834/ RS, Rel. Min. CELSO DE MELLO, julgamento 23/08/2000). 

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Este julgado foi a base para as discussões atinentes à saúde que se seguiram à década de 1990. Nele a saúde firmou-se como direito público subjetivo que deveria ser adimplido pelo Estado, superando-se a antiga classificação de que o art. 196 configurava-se como norma programática, dependente, assim, da vontade política do Poder Legislativo. 

Interessante, ainda, trazer à discussão que com relação aos medicamentos relacionados à Aids, de forma específica, foi promulgada a lei 9.313/96, que determinou no art. 1º a gratuidade de toda a medicação necessária ao tratamento da doença. Posterior à edição de tal norma e do julgado acima relacionado, a Lei 9.313/96 foi utilizada por analogia[3] em relação a outros pedidos jurídicos que diziam respeito a pleitos por medicação para tratamento de saúde custeado pelo SUS, sendo que em muitos destes pleitos a resposta advinda do Judiciário foi favorável aos requerentes/pacientes (KRUEGER, 2006, p. 422).

Note-se que a saúde no julgado acima colacionado, assim como em muitos que se seguiram, ganhou o status de direito individual subjetivo. Entretanto, este caráter, em função do art. 127 e 129 da Constituição, passou a merecedor uma proteção diferenciada, via ação civil pública, estabelecendo-se a titularidade do Ministério Público para tal atividade. Nesta esteira, o art. 127, in fine, da Constituição estabelece que cabe ao Ministério Público a defesa dos direitos sociais e individuais indisponíveis. Relembrando, o art. 6º da Constituição, prevê os direitos sociais incluindo entre eles, expressamente, o direito à saúde. Por outro lado, o art. 129, II e III, também da Constituição da República, afirma que cabe ao Ministério Público zelar pelo respeito por parte dos Poderes Públicos dos serviços de relevância pública, bem como utilizarem-se da ação civil pública para a salvaguarda de direitos coletivos e difusos. Eis o contexto da controvérsia acerca da saúde pública. Seria ela direito individual, coletivo ou difuso? Como não há unanimidade na doutrina, e faticamente poucos se dediquem à controvérsia, a resposta será buscada nos julgados do Supremo Tribunal Federal, que também não expressão esta classificação no padrão aqui tratado. Entrementes, a discussão sobre o direito material à saúde possibilita a construção do mecanismo de tutela adequado para a busca da efetividade da saúde pública, bem como os efeitos decorrentes da classificação defendida.

Assim, importante que se remeta ao RE 407902/RS, de relatoria do Ministro Marco Aurélio:

LEGITIMIDADE - MINISTÉRIO PÚBLICO - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - FORNECIMENTO DE REMÉDIO PELO ESTADO. O Ministério Público é parte legítima para ingressar em juízo com ação civil pública visando a compelir o Estado a fornecer medicamento indispensável à saúde de pessoa individualizada (BRASIL, STF, RE 407902/RS, Rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 26-05-2009).

Através deste julgado conclui-se que mesmo que se considere a saúde sob a ótica de um direito individual, como muitos autores fazem, ainda assim o Ministério Público permanece competente para ajuizar ação civil pública visando ao requerimento de medicamentos indispensável à saúde de pessoa individualizada. Esta situação demonstra que se há competência do Ministério Público para interpor ação civil pública, o direito à saúde deve ser considerado como coletivo ou difuso, isto para guardar coerência com a expressão do art. 129, III, da Constituição da República, mencionado acima. Esta conclusão segue a premissa da concordância prática, estabelecida por Hesse (1995, p. 60) como critério hermenêutico para interpretação das normas constitucionais.

Não se para por aí. Tentando construir através dos julgados um conceito de saúde, buscam-se informações essenciais na STA 175, destacando-se a seguinte passagem:

Cumpre assinalar que a essencialidade do direito à saúde fez com que o legislador constituinte qualificasse, como prestações de relevância pública, as ações e serviços de saúde (CF, art. 197), em ordem a legitimar a atuação do Ministério Público e do Poder Judiciário naquelas hipóteses em que os órgãos estatais, anomalamente, deixassem de respeitar o mandamento constitucional, frustrando-lhe, arbitrariamente, a eficácia jurídico-social, seja por intolerável omissão, seja por qualquer outra inaceitável modalidade de comportamento governamental desviante. Tenho para mim, desse modo, presente tal contexto, que o Estado não poderá demitir-se do mandato constitucional, juridicamente vinculante, que lhe foi outorgado pelo art. 196, da Constituição, e que representa – como anteriormente já acentuado – fator de limitação da discricionariedade político-administrativa do Poder Público, cujas opções, tratando-se de proteção à saúde, não podem ser exercidas de modo a comprometer, com apoio em juízo de simples conveniência ou de mera oportunidade, a eficácia desse direito básico de índole social. Entendo, por isso mesmo, que se revela inacolhível a pretensão recursal deduzida pela entidade estatal interessada, notadamente em face da jurisprudência que se formou, no Supremo Tribunal Federal, sobre a questão ora em análise. Nem se atribua, indevidamente, ao Judiciário, no contexto em exame, uma (inexistente) intrusão em esfera reservada aos demais Poderes da República." (BRASIL, STF, STA 175-AgR, Rel. Min. Presidente Gilmar Mendes, voto do Min. Celso de Mello, julgamento em 17-3-2010, Plenário, DJE de 30-4-2010.)

No julgado acima transcrito a tônica da discussão dizia respeito à impossibilidade, suposta, de o Judiciário ou o Ministério Público movimentarem-se no sentido do adimplemento do direito à saúde, sob a alegação de que se o mesmo é dependente de política pública, que seria exclusividade – ou ato discricionário – dos poderes democráticos. A alegação da separação de poderes – considerada como dogma – não prosperou, nem poderia. Hoje é pacífico o entendimento de que o princípio da separação de poderes é apenas uma forma de dinamizar a execução das funções públicas, e que todas elas devem complementar-se em prol da efetividade ou concretização dos direitos fundamentais, incluindo aqui, necessariamente, a saúde. Assim, o Judiciário é órgão legítimo para impor a concretização de direitos sociais, como a saúde e a educação. Da mesma forma o Ministério Público, como ‘fiscal’ dos direitos sociais e indisponíveis, pode e deve pugnar pela concretização dos mesmos através da ação civil pública. Mais uma vez reconheceu-se o caráter fundamental do direito à saúde. E, indo além, a característica difusa do mesmo, haja vista que o Ministério Público tem legitimidade para arguí-la. A única discussão possível, neste sentido, seria em qual classificação estaria inserida a saúde: se como direito coletivo u ou difuso. Mas tal debate seria vão, uma vez que o direito à saúde não se prende a classe específica, mas a todos, de forma genérica, ou seja, apenas poderia ser direito difuso.

Mas vai-se além. O destinatário do direito a saúde ultrapassa a noção de nacionalidade, uma vez que estrangeiro de passagem pelo Brasil pode ser amparado pelo SUS. [4] Isto não significa dizer que o Estado brasileiro tutele a vinda de estrangeiros exclusivamente para tratamentos médicos, o que oneraria sobremaneira o Sistema Único de Saúde, dando destinação diversa a verbas que seriam destinadas ao tratamento de nacionais. Ainda assim, nota-se que a dicção ‘todos’ presente no art. 196 da Constituição da República é demasiadamente ampla, tipicamente determinante de um direito difuso.

Pois bem, ainda que se argumente pela individualidade de determinados requerimentos de saúde, eles nada mais são que o exercício de um direito subjetivo, que não obstaculariza o conceito de direito difuso deste mesmo direito à saúde. Os direitos individuais em relação ao direito aos requerimentos por medicamentos ou procedimentos médicos são a concretização de um direito maior, qual seja, o direito à saúde em sentido amplo, determinado pela Constituição da República de 1988, no art. 196.

Sarlet afirma que inicialmente, e primariamente, os direitos sociais teriam tutela individual (2011, p. 131), o que não impede, entretanto, que tal tutela possa ocorrer de forma coletiva, ou mesmo difusa. Não há necessidade de disjunção, mas de coadunar objetivos e primar pela possibilidade de concretização do direito fundamental, objetivo do direito constitucional da atualidade (HESSE, 1995, p. 61). É certo que:

(...) na constatação, de resto suportada pela jurisprudência atualmente dominante no STF, de que a titularidade dos direitos sociais e do direito à saúde de forma particular é tanto individual quanto coletiva e mesmo difusa, não se podendo, pelo menos não de forma generalizada, afastar uma litigância individual (SARLET, 2011, p. 137).

Há ainda que ser ressaltado que em relação à saúde, várias são as possibilidades de os direitos difusos se manifestam, como por exemplo a formação de associações de portadores de determinadas doenças que se unem em prol de obterem tratamento ou medicamento. Um caso interessante é a ação das referidas associações no sentido de buscarem a agilidade nos registros de medicamentos e tratamentos médicos pela ANVISA, isto porque a lei 12.401/2011 determinou no art. 19-T medicamentos sem registro da ANVISA não podem ser custeados pelo Estado. Diante destas associações, urge de forma transparente o direito difuso ao tratamento médico, como ocorreu com o caso da Aids no início da década de 1990.

Ao que parece, quer-se desconfigurar o direito à saúde enquanto direito difuso pela possibilidade de o mesmo ter tutela individual. Mas neste caso, esta tutela não desnatura    a materialidade do direito difuso, cuja norma motriz, ressalte-se, é o art. 196 da Constituição.

 

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Sobre a autora
Cândice Lisbôa Alves

Advogada. Mestre em Extensão Rural pela UFV. Doutoranda em Direito Público pela PUC Minas. Professora do curso de Direito da Newton Paiva. Instrutora de Polícia da PMMG.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALVES, Cândice Lisbôa. A saúde como direito fundamental difuso. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3595, 5 mai. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24337. Acesso em: 22 dez. 2024.

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