5 A guisa de conclusão: recolocando a pessoa humana como cerne do ordenamento jurídico e o direito à saúde como fundamental difuso, que pode ser pleiteado por meio de tutela coletiva ou individual.
A maior parte dos debates sobre a saúde configurar-se ou não como direito difuso desemboca apenas em uma questão procedimental, ouvidando-se da fundamentalidade do direito debatido.
É muito interessante classificar a saúde como direito difuso na medida em que tal colocação permite requerimentos mais abrangentes, mesmo que sem normas específicas em que haja tal previsão especificamente. É esta inclusive, a característica marcante dos direitos difusos: serem situações fáticas, que requerem proteção jurídica, muito embora ainda não se configurem como direito tutelado. Nas palavras de Mancuso, uma situação emergencial e contingencial. Ainda, que não possa ser delimitada ou repartida no sentido de dar a cada possível titular uma parcela apenas da proteção total.
Enquanto a saúde for considera como direito difuso, basta a dicção do art. 196 e 198, II, da Constituição da República para obrigar o Estado aos tratamentos de saúde, incluindo a questão da dispensação de medicamentos, incluídos ou não em listagens oficiais como o RENAME (Relação Nacional de Medicamentos Essenciais) .
Como se viu neste ensaio, o Ministério Público tem legitimidade para interpor os requerimentos de saúde através de ação civil pública, mesmo que se trate de direito de um só indivíduo. No mesmo sentido se atribui legitimidade à Defensoria Pública para a prática de tais ações.
Assim, mesmo que haja resistência de classificar o direito à saúde como coletivo ou difuso, a chancela à atuação do Ministério Público e da Defensoria Pública através da ação civil pública já demonstra, por si só, o viés abrangente que a saúde traz em seu interior.
Não se pode desconsiderar a fundamentalidade da saúde humana, que decorre do direito à vida, e desemboca na qualidade de vida da pessoa humana. No mesmo sentido, não há como cercear o direito à saúde a determinada classe de pessoas que estejam relacionadas a determinada relação jurídica. O direito à saúde, repita-se, decorre do direito à vida, e não de outro fator. É um atributo indispensável à dignidade humana, de forma que parece pitoresco não classificar a saúde, de forma ampla, em um direito difuso, e igualmente individual e fundamental.
Tal consideração não determina que as tutelas pela saúde devam ser coletivas necessariamente. Podem ser individuais. Depende do caso concreto. O que não se anui é com a classificação excludente do direito à saúde como direito difuso.
Mas, ainda aqui vale uma última observação. Se as relações processuais são instrumentais e o que de fato sobreleva é o bem da vida a que se busca, não importa a nomenclatura a ser adotada. O que importa é recolocar o ser humano como centro da proteção jurídica e garantir a ele qualidade de vida, dignidade e saúde.
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Notas
[1] Canotilho (2003, p.386) denomina de ‘direito dos povos’.
[2] Exemplo semelhante é fornecido por Mancuso (1994, p. 123). O autor também menciona os grupos sociais minoritários como sendo incluídos para abrangencia dos direitos difusos, exemplificando com os gays e os portadores de HIV.
[3] KRUEGER, 2006, p. 422.
[4] Ver AG 2005040132106/PR julgamento em 29-08-2006 . Ressalte-se que a matéria não é pacífica como se depreende do Reexame necessário em apelação 2005040132106 TRF 4ª Região, de relatoria do Des. Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, disponível em: <http://www.trf4.gov.br/trf4/processos/visualizar_documento_gedpro.php?local=trf4&documento=3402630&hash=d4d7a2a1c4d97f3a3a09f1505c488e7a> Acesso em 03 de fevereiro de 2013.
[5] Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28creche+5+anos.EMEN.+OU+creche+5+anos.IND.%29&base=baseAcordaos&url=http://tinyurl.com/a9vfnu5>