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A saúde como direito fundamental difuso

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05/05/2013 às 15:25
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Não se pode desconsiderar a fundamentalidade da saúde humana, que decorre do direito à vida, e desemboca na qualidade de vida da pessoa humana.

Resumo: O presente estudo aborda a saúde como direito fundamental social e difuso. Para tanto, inicialmente é feito um retrospecto das dimensões dos direitos fundamentais, abordando-se os direitos difusos enquanto direitos fundamentais. Posteriormente, estudam-se as características dos direitos difusos e analisa-se, através de decisões do Supremo Tribunal Federal, a classificação do direito à saúde enquanto direito fundamental difuso e social. Em todo momento reforça-se que a tutela do direito à saúde poderá ser feita de maneira individual, coletiva ou difusa, dependendo das peculiaridades do caso concreto em apreço.


1 Introdução

O presente artigo aborda a saúde como direito humano, fundamental social e difuso. Parte-se da dicção do artigo 196 da Constituição da República, ultrapassando-se, entretanto, a  mera semântica para, dogmaticamente, afirmar o direito à saúde como direito difuso que requer, para sua concretização, atuação de todos os poderes públicos.

A órbita constitucional do direito à saúde ultrapassa a antiga classificação de norma de eficácia programática e insere o debate dentro da perspectiva da força normativa da Constituição, assim como do princípio da efetividade da mesma, premissas maiores do direito constitucional contemporâneo.

Assim, mais que a consideração de um direito individual, a saúde se mostra como um direito que pertence a uma generalidade indeterminável, podendo ser questionada por meio da ação civil pública pelo Ministério Público e também pela Defensoria Pública em prol, inclusive, de uma só pessoa. Isto significa dizer que há uma elasticidade com relação ao direito à saúde que a retirou, paulatinamente, do conceito hermético de tutela individual e a catapultou à seara dos direitos difusos, sem contudo retirar do contexto jurídico a possibilidade de tutela individual.

Sem sombra de dúvidas a transformação do conceito de direito à saúde irradia uma nova abordagem jurídica, assim como requer cada vez mais habilidade conceitual e dogmática sobre a temática. Neste sentido, trabalha-se, inicialmente a conceituação histórica dos direitos fundamentais de acordo com a classificação dos mesmos em dimensões, para, a seguir conceituar os direitos difusos diferenciando-os dos direitos coletivos e individuais homogêneos. A seguir, a atenção volta-se ao direito à saúde enquanto direito difuso, abordando o tratamento jurídico reconhecido em relação ao HIV e também aos medicamentos de forma genérica. Permeando a abordagem serão analisadas decisões do Supremo Tribunal Federal, no sentido de referendar a proposta classificatória deste texto.

Sem ter a ambição de esgotar o assunto, ou mesmo dar uma palavra final ou taxativa em relação a ele, ao fim deste ensaio se propõe uma abordagem do direito à saúde como direito difuso, sem, contudo, restringi-lo apenas à tutela coletiva.


2 As dimensões dos direitos fundamentais

A história dos direitos fundamentais conflui com a história da formação do Estado Moderno, que visou à garantia da segurança jurídica ao cidadão, sendo tal segurança vista de formas diversas, diante de contextos históricos igualmente diferenciados.

O objetivo inicial dos direitos fundamentais foi estabelecer mecanismos de proteção para a pessoa humana contra os mandos e desmandos daquele que detinha o poder político, figura representada primariamente pelo Rei, no século XVIII. Ou seja, os direitos fundamentais surgiram como instrumento de proteção do indivíduo em face de ações arbitrárias do próprio Estado.

A terminologia ‘direitos fundamentais’, entrementes, não é pacífica, e, por tal motivo Lunõ (1995, p. 10) destaca o século XVIII como referência para a modificação do termo ‘direitos naturais’ para ‘direitos dos homens’, e posteriormente para ‘direitos fundamentais’. Mesmo assim, é certo que todo o movimento histórico que levou a tal transformação não foi linear, sofrendo avanços e retrocessos.

O apogeu dos marcos em termos de direitos fundamentais é a Declaração dos Direitos do Homem, fruto da revolução Francesa de 1789. Nela prima-se pelo tripé igualdade, liberdade e fraternidade. Ocorre que, sob a saia da ideologia libertária encontravam-se, desde o início do processo, os anseios burgueses pela tomada do poder, e sua vontade de não abrir a perspectiva de ascensão política e todo e qualquer cidadão, tanto que mantiveram o voto censitário (FIORAVANTI, 2001). Por tal razão Soares (2000, p. 36) afirma que a revolução francesa foi dirigida aos sans cullotes e não aos pobres, que permaneceram miseráveis após todo o processo revolucionário.

A doutrina constitucionalista clássica ao dissertar sobre os direitos fundamentais classifica-os segundo gerações. A primeira abarcaria os direitos de liberdade, a segunda, os de igualdade e a terceira, os direitos de solidariedade. O termo geração, entretanto, vem paulatinamente sendo substituído pelo termo dimensão, isto porque geração traz em si uma ideia de sucessão, como se os direitos das gerações posteriores anulassem ou diminuíssem o âmbito de proteção daqueles elencados pela geração anterior. Esta crítica é trazida por diversos doutrinadores, entre eles Canotilho (2003, p. 386). Os direitos fundamentais, como se afirma desde o início, são direitos históricos, cuja eclosão no âmbito normativo apregoa o coroamento de uma vitória social ímpar, que não pode ser desconsiderada ou diminuída, ao contrário, deve-se sempre e progressivamente ampliar a proteção àqueles direitos essenciais à vida humana digna. Neste sentido, quando se utiliza a expressão dimensão concilia-se a concomitância das características de determinada categoria com a da subsequente, sem a necessidade de exclusão de uma para sua substituição por outra. Neste sentido, este ensaio abordará o temo segundo o jargão dimensão e não mais geração.

2.1 Da primeira dimensão dos direitos fundamentais

Os direitos de primeira dimensão são frequentemente associados à liberdade, tendo como marco os séculos XVIII e XIX, portanto a época das teorias contratualistas sobre a formação do Estado. Buscava-se fomentar a liberdade dos indivíduos e sua proteção contra as arbitrariedades estatais, mas sem qualquer plus de reconhecimento deste indivíduo como portador de necessidades a serem adimplidas pelo Estado. A configuração estatal era liberal, pugnando-se pelo absenteísmo estatal em prol da liberdade, em especial no atinente à atividade econômica.

À liberdade aqui destacada é atribuído um viés negativo, ou status negativus, que se consubstancia em um agir negativo do próprio Estado, em uma separação necessária que se estabeleceu entre sociedade civil e o Estado (BONAVIDES, 2009, p. 563-564). Os direitos preponderantes em tal dimensão podem ser percebidos como uma bipartição entre direitos civis ou liberdades individuais e direitos políticos, de participação política ou liberdades políticas (SAMAPIO, 2010, p. 242).

Os direitos civis expressam-se de maneira incipiente na Declaração da Virgínia de 1776, e na Declaração decorrente da Revolução Francesa. Prima-se pelos direitos à vida, à liberdade de locomoção, ao devido processo legal, à necessidade de justificativa para ensejar prisão ou mesmo à obrigatoriedade tributária. Tais direitos podem ser interpretados como uma espécie de princípio da legalidade que visou à proteção da individualidade humana, sua integridade e respeito, em face dos abusos praticados pelo Estado.

Por direitos políticos se percebe que o Estado Liberal positivou ou democratizou valores que deveriam ser os preponderantes no Estado de Direito (LUNÕ, 1995, p. 20). Em especial, a possibilidade de votar e ser votado, que, como já mencionado, estava restrita à classe abastada economicamente, ou seja, se chancelou o ingresso da classe burguesa ao poder de forma legítima, juridicamente.

2.2Da segunda dimensão dos direitos fundamentais

Posterior ao Estado Liberal houve sua transformação em Estado Social, o que não ocorreu sem uma justa causa. Tal modificação originou-se em função da constatação do incremento das desigualdades fáticas decorrente da livre iniciativa da sociedade civil, ou do absenteísmo estatal, o que trouxe consequências negativas para o próprio Estado, assim como para a iniciativa privada, que precisava de mercado consumidor para as riquezas produzidas. Acresça-se a diferença cultural, e a ausência da maior parte da população em relação a serviços necessários para uma vida digna, como saúde e educação.

A consolidação do capitalismo demonstrou que ele representa um grande antagonismo social, uma vez que a acumulação de capital por ele proporcionada concentrou-se nas mãos do dono dos meios de produção, não sendo dividida em termos de benesses sociais ao proletariado. Ao contrário, sob a ótica do capitalismo constata-se um ciclo insolúvel: o dono do capital acumulava mais valia e o proletariado mantinha-se cada dia mais pobre e explorado, sem a menor perspectiva de progressão social ou econômica.  A classe proletária era afastada, inclusive, dos frutos do seu trabalho, qual seja, das manufaturas produzidas pelas grandes corporações desde a Revolução Industrial.

Viveu-se o paradoxo do capitalismo: produção de riqueza, manufaturas, tecnologias, avanços, porém, tudo isto não foi repartido ou entregue àqueles que se dedicavam braçalmente à produção, ou seja, ao proletariado.

Neste sentido, cogitou-se em modificação das premissas das bases de configuração estatal, obrigando a Direção Política dos países a interferirem na vida dos cidadãos positivamente, implementando direitos que por si só estavam distantes da realidade da maior parte da população. O Estado assim mudou sua feição de ator negativo para positivo. Segundo Sarlet (2011, p. 47), passou-se da acepção de liberdade diante do Estado para seu conceito através do Estado, de sua atuação positiva.

Esta transformação de paradigma iniciou-se com a Constituição do México, de 5 de fevereiro de 1917, seguindo-se da Constituição de Weimar, de 1919, e posteriormente difundindo-se pelo mundo.

 A modificação mencionada foi impulsionada, igualmente, pela atuação de movimentos sociais proletários que reivindicavam melhores condições de vida, em especial os da Rússia. Através da luta de classe, os direitos relacionados ao bem estar social fizeram-se ecoar pelo mundo, demonstrando os limites que deveriam ser estabelecidos à atividade capitalista, ao mesmo tempo em que se redefiniram as garantias que deveriam ser ofertadas aos economicamente desvalidos, neste sentido a necessidade de prestações estatais a tais pessoas.

É dentro deste contexto que surge a segunda dimensão dos direitos fundamentais, abarcando educação, saúde, direito ao trabalho, ao lazer e demais prerrogativas conhecidas atualmente como direitos sociais.

Identificou-se como desiderato do Estado Social o elo entre a sociedade e o Estado (BONAVIDES, 2010) de forma duradoura, o que seria exercido pela democracia, elemento legitimador do Direito.

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O Estado Social que se formou no início do século XIX foi se aperfeiçoando com o tempo, e incorporou características da dimensão que o antecedeu, sem, contudo, perder a sua principal característica: a proteção e cuidado com aqueles que são socialmente e economicamente mais fracos.

Dentro do viés do Estado Social os direitos fundamentais ecoam de forma significativa, já que é sua missão a efetivação dos mesmos, galgando-se, assim, o conceito de justiça social e, tanto quanto seja possível, objetivando-se ao respeito do princípio da igualdade material ou substantiva. Bonavides assim adverte:

É Estado social onde o Estado avulta menos e a Sociedade mais; onde a liberdade e a igualdade não se contradizem com a veemência do passado; onde as diligências do poder e do cidadão se convergem, por inteiro, para transladar ao campo de concretização de direitos, princípios e valores que fazem o Homem se acertar da possibilidade de ser verdadeiramente livre, igualitário e fraterno.  A esse Estado pertence também a revolução constitucional do segundo Estado de Direito, onde os direitos fundamentais conservam sempre o seu primado. Sua observância faz a legitimidade de todo o ordenamento jurídico. (BONAVIDES, 2010, p. 70).

É aqui que os direitos fundamentais sofrem uma expansão de significando incidindo, inclusive, sobre as relações entre particulares (LUNÕ, 1995, p. 23). Diante da dimensão objetiva dos direitos fundamentais começa-se a repensar as relações entre os entes privados e a necessidade de o Estado discipliná-las, de forma a evitar que o poderio econômico de uns se sobreponha à dignidade de outros. Enfim, o Estado, acima de tudo, deve ser um agente de direcionamento e de baliza, regulamentador e conformador das situações que explicitam diferenças fáticas, para que o bem comum possa ser respeitado e alcançado, em todas as situações.

2.3 A terceira dimensão dos direitos fundamentais

Os direitos de terceira dimensão ultrapassam a visão de proteção individual e se projetam para além do indivíduo, tutelando anseios maiores, como a paz, a solidariedade e a fraternidade.

No início do século XX, o mundo é dividido pela disjunção classificatória dos países em desenvolvidos e subdesenvolvidos (ou, ainda, países em desenvolvimento). Neste momento urge necessário que os países em desenvolvimento tenham liberdade para se desenvolverem segundo seu próprio compasso, e lhes seja resguardado o direito à paz.

Segundo Bonavides (2010) pode-se pensar as dimensões dos direitos fundamentais de forma a que a primeira e a segunda dimensões tenham como destinatários os países desenvolvidos (SAMPAIO, 2010, p. 273), já a terceira dimensão estaria apontada para os países em desenvolvimento, que precisam de respaldo e proteção para ditarem sua forma de se autoconduzir, sem a interferência do poderia econômico e das pressões políticas dos países conceituados como desenvolvidos.  Busca-se resguardar a autodeterminação dos povos e a prerrogativa de escolha do mecanismo de desenvolvimento mais adequado a cada um dos Estados, sobretudo chancelados pelo direito à paz.

Tal posicionamento torna-se relevante principalmente após o fim das Grandes Guerras mundiais, já diante da devastação econômica, de forma a se evitar uma ingerência dos países desenvolvidos àqueles em desenvolvimento ou subdesenvolvidos.

Cita-se como representativos de tais direitos a proteção à paz, a autodeterminação dos povos[1], o desenvolvimento, o meio ambiente, o direito à conservação e utilização do patrimônio histórico e cultural, denominado por Bonavides como “patrimônio comum da humanidade” (BONAVIDES, 2009, p. 569) e o direito de comunicação.  (SARLET, 2011, P. 48). Tais direitos tem como fundamento a premissa da fraternidade e da solidariedade.

Esta dimensão apresenta desdobramentos internos e externos aos países. Internamente se proclama e torna-se necessária a proteção de comunidades subjugadas, como índios, quilombolas, ribeirinhos, autóctones, entre outros. Tal público passa a ser vislumbrado como minoria que deve ter seus direitos e conformações culturais protegidas pelo Ordenamento Jurídico pátrio, de forma efetiva (SAMPAIO, 2010, p. 273-278). Com tal proteção busca-se tornar efetivo o direito à diferença, prezando-se pela pluralidade, não se admitindo discriminações em virtude da diferença de opção, ou seja, um direito que é contramajoritário e deve ultrapassar a deontologia para firmar-se na faticidade.

Externamente, por sua vez, impõe-se que os Estados em desenvolvimento possam ter sua economia e demais manifestações protegidos contra os países desenvolvidos. Em especial busca-se proteger os países em processo de descolonização, resguardando-se a eles que possam decidir e conformar seu método de desenvolvimento segundo suas próprias escolhas e percepções, ao invés de se conformarem com um projeto político e econômico já previamente estabelecido e pronto para ser aplicado.

Nesta dimensão, ainda, se preza a expansão da proteção para além do indivíduo, sob a perspectiva dos direitos coletivos e difusos. Este último é vetor de discussões, trazendo-se sempre à baila como exemplo desta geração o meio ambiente, em especial o conceito de desenvolvimento sustentável, que permite o uso racional dos bens presentes visando-se a garantir sua utilização pelas gerações futuras.

Os direitos difusos, assim, são indetermináveis com relação a sua titularidade, não se podendo mensurar o que cabe a cada indivíduo especificamente ou repartidamente. Já os direitos coletivos seriam aqueles pertencentes à determinada classe de pessoas, que gozariam dos mesmos benefícios, portanto podendo demandá-los conjuntamente.

2.4 A quarta dimensão dos direitos fundamentais

Não há consenso doutrinário quanto à quarta dimensão dos direitos fundamentais, de forma que se opta por trabalhar as premissas estudadas por Paulo Bonavides (2009), que remete aos direitos relacionados à democracia, à informação e ao pluralismo político.

O pano de fundo da quarta dimensão é o fenômeno da globalização, bem como a premissa de um Estado Neoliberal, que busca integrar mercados econômicos ao mesmo tempo em que esvazia as funções/obrigações do próprio Estado.

Por isto, a globalização é percebida por Bonavides (2009 e 2010) como mecanismo perverso, como afronta à efetividade dos direitos fundamentais, rompendo-se, inclusive, com a noção e robustez do conceito de soberania se alcançada a integração plena dos mercados internacionais, como pretendido. Um cuidado ímpar merece ser tomado, entretanto: quando Bonavides fala de globalização ele a divide em globalização política e globalização econômica. A globalização econômica é percebida com desconfiança e descrença pelo autor, pelos motivos já apontados. Com relação à globalização política e normativa, a mesma é considerada como instrumento para a efetividade dos direitos fundamentais, calcada, principalmente, na noção de democracia. A democracia, neste ínterim, é percebida como mecanismo de implementação do Estado Social, como seu coroamento, e, junto a ele, como garantia de efetividade dos direitos sociais.

A democracia mencionada por Bonavides (2009) deveria ser a direta, utilizando-se das novas possibilidades tecnológicas da comunicação, assim como do direito à informação e da abertura política que o pluralismo político traz consigo. Ou seja, seria um sistema de abertura à participação popular, como um repúdio ao continuísmo político representado pela história política do país. Por tais razões, a democracia se coloca ao mesmo lado da informação e da pluralidade política, já que são estes dois elementos que lhe dão a oportunidade de se firmar como possível e efetiva.

A democracia, que aparece de forma implícita nos direitos de primeira dimensão se firma na quarta, para, aqui, fundar-se e dar coerência ao Estado Social e Democrático de Direito. Democracia, sob tal perspectiva, ultrapassa a visão de regime da maioria e firma-se como primado de respeito e efetividade de participação das classes minoritárias, que devem ser atendidas pelo Ordenamento Jurídico. Mas, para tanto, urge a necessidade de efetiva participação destas classes no rumo das decisões políticas do Estado, e assim a democracia a que se busca não é a tradicional, mas a deliberativa.

Neste sentido, há a necessidade de representantes das minorias lançarem-se nas discussões políticas trazendo suas necessidades para o debate público. Há ainda, a obrigação de o Estado, em todos os seus poderes, guindarem os anseios manifestados como manifestações de um grupo desigual que necessita de maior auxílio para se colocar em uma posição de equilíbrio.

Percebe-se nesta dimensão um plus às características do Estado Social, que tem como premissa a garantia pela igualdade substancial. Portanto, o Direito busca, de acordo com a quarta dimensão, promover um movimento legislativo pela inclusão e salvaguarda das minorias. Esta inclusão manifesta-se, por exemplo, por meio das normas do Código de Defesa do Consumidor, Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei Maria da Penha, Estatuto do Torcedor, entre outros.

Com relação à democracia deliberativa, a mesma é exteriorizada na ‘obrigatoriedade’ de elaboração de orçamentos participativos, colegiados para confecção de políticas públicas nas áreas de saúde, educação, tributação, urbanismo, entre outras previsões legislativas.

Ou seja, a quarta dimensão dos direitos fundamentais, se faz presente no constitucionalismo da atualidade, que prima pela inclusão das minorias, pelo respeito à diferença, e pela salvaguarda da efetividade dos direitos fundamentais, principal mecanismo de legitimidade do Estado Democrático de Direito.

2.5 A quinta dimensão dos direitos fundamentais

Bonavides (2009) remete a uma derradeira dimensão dos direitos fundamentais, que adstringe-se à paz, retirando-a da terceira dimensão, onde ocupava lugar desprestigiado e reinventando toda uma construção doutrinária sobre o direito à paz, que parte, em sua essência, das necessidades humanas.

O retorno das discussões sobre o direito à paz encontra abrigo após a década de 1970, quando na Assembleia-Geral da ONU de 15.12.1978 confecciona-se a Declaração das Nações Unidas sobre a preparação das sociedades para viver em paz.

O direito à paz deve ser percebido como uma decorrência do direito à vida, já que não pode vislumbrar uma vida digna sem a noção de segurança (no plano interno) e de paz (no plano externo ou internacional).

Direito intrigante, uma vez que possui tanto uma titularidade individual quanto coletiva. Individual no sentido de que o ser humano necessita da paz para desenvolver sua vida, em uma leitura que aproxima o direito à paz à segurança a nosso ver. Titularidade coletiva no sentido de se remeter a um direito atinente à toda Humanidade, uma vez que não se pode perquirir do direito ao desenvolvimento (enfocando na terceira dimensão dos direitos fundamentais) sem que no âmbito internacional se respeitem as individualidades de cada país e, ao mesmo tempo, se apregoa o princípio do livre desenvolvimento das Nações, como bem faz o art 4º da Constituição da República de 1988.

O direito à paz é um direito de cunho moral e ético, uma vez que traz em si o axioma da concórdia, que transcende o primado da legalidade para alcançar o da justiça, tendo em seu bojo a premissa de que todo o direito almeja ao bem comum, e que este apenas pode ser alcançado quando o ser humano conseguir conviver harmonicamente, sob o primado da comunhão de vidas e respeito ao próximo.

Bonavides (2009 a) assevera que o direito a paz determina que as ações de pessoas e grupos que visam a desestabilizar o convívio harmônico devem ser repelidas. Em suas palavras:

Estuário de aspirações coletivas de muitos séculos, a paz é o corolário de todas as justificações em que a razão humana, sob o pálio da lei e da justiça, fundamenta o ato de reger a sociedade, de modo a punir o terrorista, julgar o criminoso de guerra, encarcerar o torturador, manter invioláveis as bases do pacto social, estabelecer e conservar, por intangíveis, as regras, os princípios e cláusulas de comunhão política. (BONAVIDES, 2009, p. 590)

Sem dúvidas, o direito da atualidade exige mais que a mera legalidade. Ele conflui e bebe das águas da ética e da moralidade, em uma direção de pluralidade e respeito ao próximo, tendo na alteridade sua baliza, e, por isso mesmo fazendo do respeito à diferença um plus e não uma barreira. 

Assim, no direito à paz há uma síntese da necessidade atual em relação às demandas jurídicas no sentido de se buscar a liberdade em sentido amplo, com respaldo e deferência ao respeito, à segurança e à igualdade, principalmente no sentido de se acrescer proteção à soberania nacional e à premissa de livre desenvolvimento da humanidade na busca constante pelo bem comum.

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Sobre a autora
Cândice Lisbôa Alves

Advogada. Mestre em Extensão Rural pela UFV. Doutoranda em Direito Público pela PUC Minas. Professora do curso de Direito da Newton Paiva. Instrutora de Polícia da PMMG.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALVES, Cândice Lisbôa. A saúde como direito fundamental difuso. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3595, 5 mai. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24337. Acesso em: 22 dez. 2024.

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