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Quebra dos sigilos fiscal, bancário e financeiro

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Agenda 28/05/2013 às 11:26

A ODIOSA FIGURA DO JUIZ INQUISIDOR (ART. 3º, DA LEI 9.034/95)       

O art. 3º, da Lei 9.034/95 pecou gravemente ao prever que, em se tratando de quebra de sigilo financeiro (que engloba sigilo bancário, e o sigilo que, antigamente, era conhecido como o financeiro, como já foi explicado) e eleitoral, o próprio juiz realizará a diligência investigatória pessoalmente.

Com efeito, assim previa o dispositivo:

Art. 3º Nas hipóteses do inciso III do art. 2º desta lei, ocorrendo possibilidade de violação de sigilo preservado pela Constituição ou por lei, a diligência será realizada pessoalmente pelo juiz, adotado o mais rigoroso segredo de justiça.

§ 1º Para realizar a diligência, o juiz poderá requisitar o auxílio de pessoas que, pela natureza da função ou profissão, tenham ou possam ter acesso aos objetos do sigilo.

§ 2º O juiz, pessoalmente, fará lavrar auto circunstanciado da diligência, relatando as informações colhidas oralmente e anexando cópias autênticas dos documentos que tiverem relevância probatória, podendo para esse efeito, designar uma das pessoas referidas no parágrafo anterior como escrivão ad hoc.

§ 3º O auto de diligência será conservado fora dos autos do processo, em lugar seguro, sem intervenção de cartório ou servidor, somente podendo a ele ter acesso, na presença do juiz, as partes legítimas na causa, que não poderão dele servir-se para fins estranhos à mesma, e estão sujeitas às sanções previstas pelo Código Penal em caso de divulgação.

§ 4º Os argumentos de acusação e defesa que versarem sobre a diligência serão apresentados em separado para serem anexados ao auto da diligência, que poderá servir como elemento na formação da convicção final do juiz.

§ 5º Em caso de recurso, o auto da diligência será fechado, lacrado e endereçado em separado ao juízo competente para revisão, que dele tomará conhecimento sem intervenção das secretarias e gabinetes, devendo o relator dar vistas ao Ministério Público e ao Defensor em recinto isolado, para o efeito de que a discussão e o julgamento sejam mantidos em absoluto segredo de justiça.

Com isso, o legislador acabou ressuscitando a odiosa figura do juiz inquisidor, existente no sistema inquisitorial, na qual se concentram no magistrado as funções de acusar, defender e julgar (MARQUES, 1998). 

Conforme explica Jacinto Miranda Coutinho, citado por Paulo Rangel: “a característica fundamental do sistema inquisitório, em verdade, está na gestão da prova, confiada essencialmente ao magistrado que, em geral, no modelo em análise, recolhe-a secretamente” (2007, p.46). 

Como características do sistema inquisitorial, aponta Paulo Rangel:

a) as três funções (acusar, defender e julgar) concentram-se nas mãos de uma só pessoa, iniciando o juiz, ex officio, a acusação, quebrando, assim, sua imparcialidade;

a)  o processo é regido pelo sigilo, de forma secreta, longe dos olhos do povo;

b) não há o contraditório nem a ampla defesa, pois o acusado é mero objeto do processo e não sujeito de direitos, não se conferindo nenhuma garantia;

c) o sistema de provas é o da prova tarifada ou prova legal e, conseqüentemente, a confissão é a rainha das provas (com grifos no original). (2007, p.46).

Observe-se, assim, que esse sistema fulmina, dentre outras, a garantia da imparcialidade do juiz, do princípio da publicidade e da fundamentação das decisões judiciais. O “julgamento” se realiza, pois, sem a garantia que do devido processo legal. Nesse sentido, Gamil Föppel é enfático:

Nos termos da Lei, irá este juiz, inicialmente, comprometer a sua imparcialidade – colhendo as provas fora do devido processo legal –, para depois afrontar, com todas as forças, o princípio da publicidade e da fundamentação das decisões jurisdicionais. Em suma síntese, irá este juiz colher provas, guardá-las em sigilo e depois utilizá-las na formação de seu convencimento, sem que, evidentemente, possa usá-las na sua fundamentação. Imagine-se uma sentença condenatória lastreada em tais provas!

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Consoante Ada Pellegrini Grinover, Scarance Fernandes e Magalhães Gomes Filho,

esta é a razão pela qual os ordenamentos processuais modernos abandonaram o sistema inquisitório em que as funções de acusar e julgar estavam concentradas no mesmo órgão (juiz ou Ministério público). E é por isso que desperta preocupações o texto da Lei 9.034, de 03.05.1995, destinada a regular a utilização de meios operacionais para a prevenção e repressão dos crimes oriundos de organizações criminosas, que transforma o juiz em verdadeiro inquisitor, atribuindo-lhe a colheita das provas, com que fere a mais importante garantia do devido processo legal, que é a garantia de imparcialidade (GRINOVER, et al; 2006, p.148).

Nem precisa dizer, só pelas características, que esse sistema não foi o adotado pela Constituição Federal de 1.988, adotando-se, no Brasil, o sistema acusatório.


A ADIN 1.570-2/2004

Apenas em 2004 (oito anos após a Lei 9.034/95) foi que o Supremo Tribunal Federal julgou o mérito da ADIN (Ação Direta de Inconstitucionalidade) nº 1.570-2, proposta pelo Ministério Público Federal. Eis a ementa:

EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI 9034/95. LEI COMPLEMENTAR 105/01. SUPERVENIENTE. HIERARQUIA SUPERIOR. REVOGAÇÃO IMPLÍCITA. AÇÃO PREJUDICADA, EM PARTE. "JUIZ DE INSTRUÇÃO". REALIZAÇÃO DE DILIGÊNCIAS PESSOALMENTE. COMPETÊNCIA PARA INVESTIGAR. INOBSERVÂNCIA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL. IMPARCIALIDADE DO MAGISTRADO. OFENSA. FUNÇÕES DE INVESTIGAR E INQUIRIR. MITIGAÇÃO DAS ATRIBUIÇÕES DO MINISTÉRIO PÚBLICO E DAS POLÍCIAS FEDERAL E CIVIL. 1. Lei 9034/95. Superveniência da Lei Complementar 105/01. Revogação da disciplina contida na legislação antecedente em relação aos sigilos bancário e financeiro na apuração das ações praticadas por organizações criminosas. Ação prejudicada, quanto aos procedimentos que incidem sobre o acesso a dados, documentos e informações bancárias e financeiras. 2. Busca e apreensão de documentos relacionados ao pedido de quebra de sigilo realizadas pessoalmente pelo magistrado. Comprometimento do princípio da imparcialidade e conseqüente violação ao devido processo legal. 3. Funções de investigador e inquisidor. Atribuições conferidas ao Ministério Público e às Polícias Federal e Civil (CF, artigo 129, I e VIII e § 2o; e 144, § 1o, I e IV, e § 4o). A realização de inquérito é função que a Constituição reserva à polícia. Precedentes. Ação julgada procedente, em parte.

Assim, conforme decidiu o STF, o art. 3º, da Lei 9.034/95 foi integralmente revogado, extirpando-se do ordenamento jurídico a odiosa figura do juiz inquisidor. Quanto aos dados bancários e financeiros, entendeu o STF que a ADIn ficara prejudicada, tendo em vista que a Lei Complementar nº 105/2001, por regular toda a matéria referente aos sigilos bancários e financeiros, acabou por revogar tacitamente a parte do art. 3º, da Lei 9.034/95, que lhes toca. E nesta LC nº 105/2001 não existe essa figura do juiz inquisidor.

Já em relação aos dados fiscais e eleitorais, entendeu o STF, muito acertadamente, pela inconstitucionalidade, por todas as razões apontadas acima, retirando-se, assim, a parte restante do art. 3º - que não fora revogada pela LC nº 105/2001 –, da mesma Lei, da órbita jurídica.

Sobre o autor
Luig Almeida Mota

Procurador do Estado do Rio de Janeiro. Advogado. Ex-Procurador do Estado do Paraná. Ex-Advogado da Petrobras Distribuidora S/A. Especialista em Direito Processual Civil pela Universidade Federal da Bahia. Extensão em Direito Constitucional Avançado pelo Instituto Brasiliense de Direito Público.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MOTA, Luig Almeida. Quebra dos sigilos fiscal, bancário e financeiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3618, 28 mai. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24547. Acesso em: 23 dez. 2024.

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