Introduzido pela Lei nº 12.810 de 2013, o artigo 285-B do Código de Processo Civil vem estabelecer a obrigatoriedade de o autor distinguir, já na petição inicial, as obrigações que pretende discutir em juízo, dentre outras as quais tenha assumido, quantificando, na mesma oportunidade, o valor incontroverso.
O valor incontroverso, por sua vez, “deverá continuar sendo pago no tempo e modo contratados” [1], por previsão do seu parágrafo único.
Não obstante esteja claro, que ao devedor, incube dispor do incontroverso para discutir em juízo o contrato, é de se refletir acerca do demandante que se encontra em mora. Pela leitura literal do dispositivo em menção, não fica claro se seria possível ilidir a mora com o simples depósito do valor incontroverso.
Ainda, se com o deposito em juízo do valor incontroverso, seria possível inibir a inscrição do devedor nos cadastros de proteção ao crédito pelo credor? E mais, teria o condão de sobrestar a distribuição de ações executivas?
Por certo, ainda não está assente o entendimento jurisprudencial a respeito do assunto, dado a recente entrada em vigor do dispositivo em estudo. Contudo, passaremos a uma análise de qual será a melhor interpretação da lei, levando em consideração preceitos básicos de purgação da mora e a aplicação da súmula 380 do STJ.
Pois bem! O conceito de mora está encartado no artigo 394 do Código Civil, qual disciplina: “considera-se em mora o devedor que não efetuar o pagamento e o credor que não quiser recebê-lo no tempo, lugar e forma que a lei ou a convenção estabelecer”.
Para que esta, seja então, purgada é necessário que o devedor ofereça a prestação mais a importância dos prejuízos decorrentes do dia da oferta, a rigor do que dispõe o art. 401 do mesmo Código Civil[2].
Sendo assim, temos que, para ser ilidida a mora, é necessário o pagamento integral da prestação. Para tanto, nos contratos em que se discutam os encargos contratuais, sejam eles o constante do rol do art. 285-B (empréstimo, financiamento ou arrendamento mercantil) ou não, deverá haver o depósito da integralidade da dívida, notadamente se o contrato encontra-se plenamente vigente.
Fazendo o cotejo analítico com a aplicação do art. 285-B do CPC, teríamos numa análise prévia, que não seria possível ilidir a mora, com o depósito do valor incontroverso apenas, já que o direito das obrigações relaciona a purgação da mora com o depósito integral da dívida com os acréscimos legais (juros, correção, perdas e danos...).
Adentrando a uma análise secular da possibilidade de ilidir a mora com a distribuição de ação, seja ela consignatória ou revisional, não se pode olvidar a aplicação da Súmula nº 380 do Superior Tribunal de Justiça, qual dispõe que “a simples propositura da ação de revisão de contrato não inibe a caracterização da mora do autor”.
Isto porque o entendimento jurisprudencial que ensejou a edição desta súmula, dentre eles o julgamento do Recurso Especial n. 1.061.530/RS, restou fixado, dentre outras orientações, que: “não descaracteriza a mora o ajuizamento isolado de ação revisional, nem mesmo quando o reconhecimento de abusividade incidir sobre os encargos inerentes ao período de inadimplência contratual”.
Portanto, sob as premissas lançadas, não é crível que se permita a descaracterização da mora com a simples distribuição da ação, ainda que omisso neste ponto o art. 285-B do CPC, pois estar-se-ia passando por cima de princípios como a segurança jurídica e do devido processo legal, na medida em que está clara a intenção do legislador quando previu ser a mora purgada pelo deposito integral da dívida.
Não poderia, deste modo, normativa seguinte, dispor ao revés.
Este também foi o entendimento da 25ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, no julgamento do Agravo de Instrumento nº 0108012-60.2013.8.26.0000, sob a relatoria do Desembargador Relator Hugo Crepaldi, publicada em 22/06/2013. Vejamos:
“AGRAVO DE INSTRUMENTO ARRENDAMENTO MERCANTIL AÇÃO REVISIONAL DO CONTRATO - Consignação de valor inferior ao avençado Não só admissível, mas também correspondente à nova determinação legal (art. 285-B do CPC) - Procedimento que, contudo, não descaracteriza a mora, nem afasta os seus efeitos, inclusive a possibilidade de inscrição do inadimplente junto aos órgãos de proteção ao crédito e medidas coercitivas visando à retomada do bem Parcial provimento.”
Desse modo, podemos concluir que mesmo com o ajuizamento da ação, seja revisional ou consignatória, não há descaracterização da mora, e via de consequência há a pela possibilidade de ser ajuizada ação executiva pelo credor ou outras medidas judiciais.
Via de consequência, não é possível impedir eventual inclusão do nome do inadimplente junto ao banco de dados dos órgãos de proteção ao crédito caso os valores por ele consignados sejam insuficientes para elidir a mora.
Notas
[1]Art. 285-B. Nos litígios que tenham por objeto obrigações decorrentes de empréstimo, financiamento ou arrendamento mercantil, o autor deverá discriminar na petição inicial, dentre as obrigações contratuais, aquelas que pretende controverter, quantificando o valor incontroverso. (Incluído pela Lei nº 12.810, de 2013)
Parágrafo único. O valor incontroverso deverá continuar sendo pago no tempo e modo contratados. (Incluído pela Lei nº 12.810, de 2013)
[2] Art. 401. Purga-se a mora:
I - por parte do devedor, oferecendo este a prestação mais a importância dos prejuízos decorrentes do dia da oferta;