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A condição jurídica do trabalho cooperado

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Agenda 06/11/2013 às 12:45

3 DA RELAÇÃO DE EMPREGO

A Consolidação das Leis do Trabalho, em seu artigo 2º, conceitua o empregador como “a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço”. O § 1º do mesmo artigo equipara ao empregador, “para os efeitos exclusivos da relação de emprego, os profissionais liberais, as instituições de beneficência, as associações recreativas ou outras instituições sem fins lucrativos, que admitirem trabalhadores como empregados”.

Por sua vez, o artigo 3º do citado diploma legal, estatui que “considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário”.

A partir da conjugação dos citados preceitos legais, a pacífica doutrina elenca os cinco elementos fático-jurídicos da relação empregatícia, que na lição de Maurício Godinho Delgado (2013, p. 281), são:

a) prestação de trabalho por pessoa física a um tomador qualquer; b) prestação efetuada com pessoalidade pelo trabalhador; c) também efetuada com não eventualidade; d) efetuada ainda sob subordinação ao tomador dos serviços; e) prestação de trabalho efetuada com onerosidade. [...] Tais elementos são, portanto: trabalho não eventual, prestado “intuitu personae” (pessoalidade) por pessoa física, em situação de subordinação, com onerosidade.

Portanto, o empregado não pode ser pessoa jurídica, mas necessariamente pessoa natural/física. A prestação de serviços por pessoa jurídica é disciplinada pelo Direito Civil.

Por sua natureza, o contrato de trabalho é intuitu personae, ou seja, os serviços devem ser prestados com pessoalidade. Consequentemente, a pessoa contratada não pode fazer-se substituir frequentemente por outrem.

A relação de emprego também requer habitualidade, isto é, o trabalho deve ser contínuo, não ocasional. Demais disso, deve existir a subordinação jurídica da pessoa física ao tomador dos serviços, assim conceituada por Sérgio Pinto Martins (2012, p. 141):

A subordinação jurídica decorre do contrato de trabalho. O empregado está sujeito a receber ordens em decorrência do pacto laboral, sendo proveniente do poder de direção do empregador, de seu poder de comando, que é a tese mais aceita. O empregado está subordinado ao empregador em razão do contrato de trabalho e da lei (art. 3º da CLT). É no contrato de trabalho que são observados os limites e os fundamentos da subordinação.

A onerosidade é outro elemento inerente ao contrato de trabalho. Quem executa o trabalho para o empregador, percebe o correspondente salário, inexistindo gratuidade na relação contratual.

Essa breve exposição referente aos elementos que compõem a relação empregatícia é uma das premissas que serão utilizadas para que, em sede de conclusão deste trabalho, possa-se inferir sobre a real condição jurídica do trabalho cooperado.

Sob esta mesma óptica, outra questão a ser observada é a terceirização, que será abordada a seguir.


4 DA TERCEIRIZAÇÃO

Tendo em vista a busca pela redução dos custos pelas empresas, a terceirização é um tema muito presente na realidade brasileira. A terceirização consiste na descentralização empresarial de determinada atividade para um terceiro.

Segundo Maurício Godinho Delgado (2013, p. 436), entende-se por terceirização:

[...] o fenômeno pelo qual se dissocia a relação econômica de trabalho da relação justrabalhista que lhe seria correspodente. Por tal fenômeno insere-se o trabalhador no processo produtivo do tomador de serviços sem que se estendam a este os laços justrabalhistas, que se preservam fixados com uma entidade interveniente. A terceirização provoca uma relação trilateral em face da contratação de força de trabalho no mercado capitalista: o obreiro, prestador de serviços, que realiza suas atividades materiais e intelectuais junto à empresa tomadora de serviços; a empresa terceirizante, que contrata este obreiro, firmando com ele os vínculos trabalhistas pertinentes; a empresa tomadora de serviços, que recebe a prestação do labor, mas não assume a posição clássica de empregadora desse trabalhador envolvido.

Por expressar um rompimento com o clássico modelo empregatício baseado em uma relação jurídica bilateral, este novo fenômeno conhecido como terceirização sofre resistência da doutrina e jurisprudência pátria.

Em princípio, porque a fórmula da terceirização, em tese, permitiria ao intermediador se apoderar de um valor que poderia ser recebido diretamente pelo obreiro, se aquele não participasse da relação. Nesta senda, Rodolfo Pamplona Filho (2001) detalha a questão:

A pré-disposição contra essa forma de contratação podia ser explicada quase que por uma fórmula matemática: S1 = S2 + R (onde S1 seria o salário do empregado contratado diretamente, S2 o salário contratado por intermediação e R a remuneração que o intermediador de mão-de-obra receberia pela sua atividade). Ou seja, a “marchandage” não poderia ser aceita, pois o intermediador se apropriaria de um valor que poderia ser pago diretamente ao trabalhador, se esse intermediário não existisse.

A CLT não trata da terceirização, restringindo-se a apontar duas formas de subcontratação de mão de obra, quais sejam: a empreitada e subempreitada (art. 455), contemplando, ainda, a pequena empreitada (art. 652, “a”, III, CLT).

Esse posicionamento contrário à terceirização começou a ser atenuado quando leis esparsas passaram a admitir modalidades específicas de terceirização. Primeiro a Lei do Trabalho Temporário (Lei nº 6.019/74). Em seguida, a Lei nº 7.102/83, que permitiu a terceirização do trabalho de vigilância bancária, desta vez em caráter permanente.

Após um cenário de divergência jurisprudencial, o Tribunal Superior do Trabalho uniformizou a matéria por meio da edição das Súmulas: nº 257, que diz que “o vigilante, contratado diretamente por banco ou por intermédio de empresas especializadas, não é bancário” e, principalmente, das Súmulas de nº 256 e a de nº 331.

A Súmula nº 331 consiste em uma revisão da Súmula nº 256, traz regras mais detalhadas e flexibiliza a rigidez existente em face dessa forma de contratação, contudo, ainda considera a terceirização como uma exceção à clássica relação empregatícia. Dispõe a Súmula nº 331:

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Súmula nº 331 do TST

CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. LEGALIDADE (nova redação do item IV e inseridos os itens V e VI à redação) - Res. 174/2011, DEJT divulgado em 27, 30 e 31.05.2011 I - A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei nº 6.019, de 03.01.1974).

II - A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da Administração Pública direta, indireta ou fundacional (art. 37, II, da CF/1988).

III - Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei nº 7.102, de 20.06.1983) e de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta.

IV - O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, desde que haja participado da relação processual e conste também do título executivo judicial.

V - Os entes integrantes da Administração Pública direta e indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei n.º 8.666, de 21.06.1993, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada. VI – A responsabilidade subsidiária do tomador de serviços abrange todas as verbas decorrentes da condenação referentes ao período da prestação laboral.

Como se pode concluir, a jurisprudência hoje admite a terceirização das relações de emprego, todavia, em casos excepcionais, essencialmente, ligados às atividades-meio. A intermediação da mão de obra no que se refere às atividades-fim da empresa implica em fraude e em um vínculo diretamente formado com o tomador de serviços.


5 DO ARTIGO 442, PARÁGRAFO ÚNICO, DA CLT

O interesse das empresas pela terceirização cresceu muito nos últimos anos, notadamente pela prestação de serviços por intermédio de cooperativas.

Isso porque a terceirização é um método que permite às sociedades empresárias o foco exclusivo nas suas atividades principais, haja vista que delegam a terceiros suas atividades-meio. Não bastasse isso, essa prática empresarial proporciona uma grande redução nos encargos de caráter trabalhista.

Mas não são apenas esses benefícios que alavancaram a prática da terceirização através de cooperativas.

A edição da Lei nº 8.949, de 9 de dezembro de 1994, que introduziu o parágrafo único no artigo 442 da CLT, tem influência direta sobre esse aumento, pois tem a seguinte redação: “Parágrafo único - Qualquer que seja o ramo de atividade da sociedade cooperativa, não existe vínculo empregatício entre ela e seus associados, nem entre estes e os tomadores de serviços daquela”.

É mister pontuar, entretanto, que esta regra não é novidade absoluta no ordenamento jurídico. O artigo 90 da Lei nº 5.764/71, já dizia que “qualquer que seja o tipo de cooperativa, não existe vínculo empregatício entre ela e seus associados”.

Portanto, o parágrafo único do artigo 442 da CLT, acrescentado pela Lei nº 8.949/94, não só confirmou a regra constante do artigo 90 acima citado, como também acrescentou que não existe vínculo empregatício entre os associados e os tomadores de serviços da sociedade cooperativa.

Isso provocou uma intensa onda de terceirização, com arrimo na fórmula cooperada, especialmente com o desiderato das empresas de se livrarem dos encargos trabalhistas.

Neste contexto, o parágrafo único, do artigo 442, da CLT, deu ensejo a interpretações ora incorretas e ora imbuídas de má-fé, no sentido de que a prestação de trabalho intermediado por sociedade cooperativa não constitui, em qualquer hipótese, vínculo empregatício entre o tomador de serviços e os cooperados. Porém, a norma não cria presunção absoluta, trata-se apenas de uma presunção relativa de ausência de vínculo de emprego.

Segundo Maurício Godinho Delgado (2013, p. 442):

Isso significa que a ordem jurídica apenas favoreceu a prática cooperativista, envolvendo produtores e profissionais efetivamente autônomos (como cabe às cooperativas); neste favorecimento, criou, em favor dessas entidades, a presunção de ausência de vínculo empregatício. Porém não conferiu ao cooperativismo instrumental para obrar fraudes trabalhistas.

A presença dos requisitos fático-jurídicos da relação de emprego, ou seja, a pessoalidade, a onerosidade, a não eventualidade da prestação e a subordinação jurídica do cooperado ao tomador de serviços ou à cooperativa, resultará no reconhecimento do vínculo empregatício.

Além da análise dos elementos fático-jurídicos da relação emprego, existem outros fatores que devem ser investigados para apuração desse tipo de supressão ilícita de direitos trabalhistas. É primordial verificar se o envoltório cooperativista lida com profissionais efetivamente autônomos, se na sociedade estão presentes os princípios, finalidades e características fundamentais do cooperativismo.

A utilização do cooperativismo com o intuito de se fraudar a legislação trabalhista pode ocorrer de duas formas, as quais vêm recebendo denominação no meio jurídico através dos neologismos “fraudocooperativas” e “gatoperativas”.

As “fraudocooperativas” são as cooperativas que tem a função única de viabilizar a triangulação da relação contratual, servindo como locadoras de mão de obra. Nesta hipótese, existe uma prestação de serviços por parte dos cooperados de forma pessoal, contínua e subordinada ao tomador de serviços. Se constatada a sua ocorrência, a consequência é a decretação da nulidade da intermediação e, por sua vez, o reconhecimento do vínculo empregatício entre os cooperados e o tomador de serviços, conforme disposto na Súmula 331, I, do TST.

As “gatoperativas” são as cooperativas de fachada, nas quais não há gestão democrática e sim uma relação de subordinação entre os cooperados e a cooperativa, configurando-se comum relação de emprego, embora camuflada pela existência meramente formal de uma cooperativa. Verificada esta prática, é reconhecido o vínculo de emprego entre os cooperados e a cooperativa e o tomador de serviços terá responsabilidade subsidiária quanto à quitação das verbas trabalhistas e previdenciárias pela “pseudocooperativa”, nos termos da Súmula 331, IV, do TST.

Esclarece-se que, por expressa previsão legal (art. 31, Lei nº 5.764/71), o associado pode se tornar empregado da cooperativa, caso em que se estabelecerá uma relação empregatícia e o mesmo perderá o direito de votar e ser votado, até que sejam aprovadas as contas do exercício em que ele deixou o emprego.

Portanto, o sistema legal não impede que o cooperado se torne empregado da cooperativa, mas se isso ocorrer será constituída uma relação empregatícia, com base na CLT, admitindo-se formalmente o cooperado como empregado e conferindo-lhe todos os direitos trabalhistas. Nessa situação não restará configurada uma “gatoperativa”, porque não há fraude, a hipótese é admitida em lei e estarão atendidos os direitos do obreiro.

Por outro lado, o que é vedado é simular a existência de uma cooperativa mediante a criação de uma “gatoperativa”, onde os cooperados não são tratados como associados, não participam da gestão, recebem ordens, havendo uma subordinação jurídica em face da cooperativa, que ao final auferirá os lucros. No caso das “gatoperativas”, os associados são empregados de fato que, no entanto, não são admitidos como tal e não desfrutam de seus direitos como empregados, pelo contrário, figuram na cooperativa como associados com a finalidade única da empregadora de burlar a legislação trabalhista.

Como dito anteriormente, em um primeiro plano, é necessário avaliar se efetivamente existe ou não uma relação cooperativista. Dentre os vetores que direcionam essa operação, estão os princípios da dupla qualidade e da retribuição pessoal diferenciada, indispensáveis a qualquer cooperativa.

Leciona Maurício Godinho Delgado (2013, p. 331) que o “princípio da dupla qualidade informa que a pessoa filiada tem de ser, ao mesmo tempo, em sua cooperativa, cooperado e cliente, auferindo as vantagens dessa duplicidade de situações”.

Deve-se visualizar na cooperativa a prestação de serviços pela sociedade diretamente ao associado, jamais podendo se restringir a terceiros. De fato, as cooperativas se caracterizam pela prestação de serviços aos associados, até mesmo com base na Lei nº 5.764/71 (artigo 4º, caput, I, X, XI, artigo 7º).

Reginaldo Ferreira Lima (1997, p. 50) complementa essa idéia ao dizer que a cooperativa consiste numa “sociedade auxiliar, de caráter institucional, a qual, na condição de ente personificado, existe tão só para prestar serviços aos associados, independentemente da idéia de, como pessoa jurídica, obter vantagens para si, em detrimento do cooperado, investido da dupla qualidade: de associado e utente dos serviços cooperativos”.

O associado deve ser tratado como seu principal cliente e não os terceiros, fator este que difere completamente as cooperativas das demais sociedades. As cooperativas organizam a atividade de seus associados, que são profissionais autônomos, sendo que os serviços a terceiros na verdade é meio para que ela atinja o seu objetivo maior que, repita-se, é o de prestar serviços aos seus sócios. Por outro lado, nas decisões o cooperado deixa de ser cliente para figurar como sócio, com direito a voto.

O princípio da retribuição pessoal diferenciada se evidencia no fato de que a sociedade permite ao cooperado, em razão de sua atividade autônoma, obter um resultado econômico superior ao que seria capaz se não estive associado.

Explica Maurício Godinho Delgado (2013, p. 332) que o “princípio da retribuição pessoal diferenciada é a diretriz jurídica que assegura ao cooperado um complexo de vantagens comparativas de natureza diversa muito superior ao patamar que obteria caso atuando destituído da proteção cooperativista”.

Por elucidar o alcance dos princípios da dupla qualidade e da retribuição pessoal diferenciada, bem como por tornar nítida a sua importância para constatação de eventual fraude trabalhista, compete transcrever o simbólico julgamento do Processo Trabalhista nº 01876, que tramitou na 1ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte:

No caso em exame, o princípio da dupla qualidade não é atendido já que não se encontra, nestes autos, qualquer mínima evidência de que a Cooperativa Reclamada trata a Autora como sua beneficiária, sua cliente, a razão de ser de sua existência. Não. Ao contrário, o que se percebe, simplesmente, é a oferta de força de trabalho a terceiros, em moldes estritamente individuais sob a ótica da Autora, sem qualquer atividade, função ou programa de serviços ou vantagens entregues diretamente pela Cooperativa à obreira. Excetuado o pagamento pelos serviços, não há qualquer retribuição material ou de outra natureza que demonstre que a trabalhadora seja destinatária dos serviços da Cooperativa. Já o princípio da retribuição material diferenciada também claramente não é atendido pela cooperativa em análise. A Cooperativa Reclamada não potencia o trabalho da Reclamante: apenas lhe defere um lugar padrão de prestação de serviços. Não se enxerga qualquer traço, nestes autos, de que a cooperativa permita que o cooperado obtenha uma retribuição pessoal em virtude de seu trabalho potencialmente superior àquilo que obteria caso não estivesse associado. Nada demonstra que a retribuição pessoal da Reclamante seja (ainda que potencialmente) superior àquela alcançada caso atuando isoladamente. Ao revés, emerge claro um aritmético rebaixamento do preço da força de trabalho, se comparado com o padrão mínimo autorizado pelo Direito brasileiro (há confissão, no sentido de que, o salário do obreiro é levemente superior ao mínimo da categoria equivalente – fla. 133 – sabendo-se que nenhum outro direito laboral clássico é assegurado à trabalhadora...). Evidenciada a desarmonia da Cooperativa Reclamada aos dois princípios indissociáveis e obrigatórios do cooperativismo – não se ajustando, pois, à previsão normativa (tipo-legal) das Leis ns. 5.764/71 e 8.949/94 -, passa-se ao exame dos elementos fático-jurídicos da relação de emprego”. (Sentença Judicial, Processo n. 01876/95-1ª Vara Trabalhista de Belo Horizonte. Juiz Presidente e Relator: Maurício Godinho Delgado).

Percebe-se da Lei nº 12.690/12, que regula a cooperativa de trabalho, que a mesma já abarcou os princípios da dupla qualidade e da retribuição pessoal diferenciada, como se denota do artigo 2º: “Considera-se Cooperativa de Trabalho a sociedade constituída por trabalhadores para o exercício de suas atividades laborativas ou profissionais com proveito comum, autonomia e autogestão para obterem melhor qualificação, renda, situação socioeconômica e condições gerais de trabalho”. 

A nova lei se aparelhou para a proteção quanto ao uso da fórmula cooperativista de forma simulada. O artigo 3º e incisos rezam que a cooperativa de trabalho deve ser regida, entre outros princípios e valores, pela preservação dos direitos sociais, do valor social do trabalho e da livre iniciativa e pela não precarização do trabalho.

O artigo 5º da mencionada lei arremata: “A Cooperativa de Trabalho não pode ser utilizada para intermediação de mão de obra subordinada”. Preceitua seu artigo 4º, II, que nas cooperativas de serviço, quando constituída por sócios para a prestação de serviços especializados a terceiros, não deve haver a presença dos pressupostos da relação de emprego. 

Ademais, com o intuito de reforçar a proibição de utilizar esse tipo de cooperativa como intermediadora de mão de obra subordinada, a Lei nº 12.690/12 fixou regras de fiscalização e penalização dos infratores, nos artigos 17 e 18.

Cabe ao Ministério do Trabalho e Emprego a respectiva fiscalização e a aplicação das sanções, sendo que a cooperativa que realizar essa prática e os contratantes incorrerão em multa a ser revertida ao Fundo de Amparo ao Trabalhador - FAT.

Os responsáveis pela constituição ou utilização da cooperativa de trabalho com o objetivo de fraudar a legislação trabalhista e previdenciária, sujeitam-se às sanções penais, cíveis e administrativas cabíveis, sem prejuízo da ação judicial para dissolução da sociedade.

Observadas todas essas características referentes à relação cooperativista, sabe-se que, obviamente, no embate entre tal relação e a relação de emprego, prevalece esta última, na hipótese de estarem presentes os seus requisitos.

Com a função de proteger o empregado quanto a possíveis fraudes trabalhistas, dispõe o artigo 9º da CLT: “Serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente Consolidação”.

Portanto, a contratação da prestação de serviços por intermédio de uma sociedade cooperativa, com base no parágrafo único, do artigo 442, da CLT, não é suficiente para se afastar a relação de emprego se os seus pressupostos estiverem presentes no caso concreto, pois a lei trabalhista considera nulo, ainda que atendidos os aspectos formais, qualquer ato praticado com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos direitos dos obreiros.

Isso se deve aos princípios protetivos do direito laboral, como o da primazia da realidade. Este princípio, que também é chamado de contrato realidade, decorre da noção civilista de que no exame das declarações de vontade, o operador do direito deve se voltar com mais atenção à intenção das partes do que ao sentido literal da linguagem.

O princípio da primazia da realidade consiste em uma poderosa ferramenta para a busca da verdade real em conflitos trabalhistas, pois prescreve que se deve privilegiar a realidade fática ao longo da prestação dos serviços em detrimento da forma contratual.

 Logo, fala-se em princípio do contrato realidade porque não basta o envoltório formal que reveste a relação jurídica entre as partes para se suprimir direitos trabalhistas, porquanto a prática habitual tem o condão de alterar o que foi firmado em contrato e acarretar direitos e obrigações entre as partes.

Em vista disso, verificada a presença dos pressupostos da relação de emprego na contratação de serviços terceirizados por intermédio de uma cooperativa, reconhecer-se-á o vínculo empregatício entre o tomador de serviços e o cooperado. Nessa linha, posiciona-se a jurisprudência:

RELAÇÃO DE EMPREGO – CONTRATAÇÃO DE TRABALHADORES ATRAVÉS DE COOPERATIVA – FRAUDE À LEI. Demonstrando a prova dos autos que houve a clara tentativa de fraude à lei, sendo utilizada a cooperativa como “testa-de-ferro”, simulando haver ela contratado os trabalhadores, para, assim, dissimular-se a relação de emprego, que, na verdade, existiu entre as partes, aplica-se à espécie o art. 9º da CLT, considerando-se nulos tais atos. (TRT-RO 3839/99. AC. 093/2000, Juiz Octávio José de Magalhães D. Maldonado).

Sobre o autor
Rafael Dias Martins

Advogado e Assessor Jurídico da Cooperativa de Cafeicultores e Agropecuaristas - COCAPEC e da Cooperativa de Crédito Rural COCAPEC - SICOOB CREDICOCAPEC. Especialista em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade Anhanguera-Uniderp. Graduado em Direito pela Faculdade de Direito de Franca.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARTINS, Rafael Dias. A condição jurídica do trabalho cooperado. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3780, 6 nov. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25756. Acesso em: 17 nov. 2024.

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