1 – Introdução
Torna-se cada vez mais recorrente e necessária a iniciativa de empresas brasileiras captarem recursos no exterior, por meio de empréstimos junto a bancos estrangeiros. A baixa taxa de juros em relação ao praticado no Brasil e a isenção do IOF, agora em operações de duração superior a um ano, são os principais elementos que atraem empresas e bancos nacionais.
Apesar de alguns inconvenientes burocráticos, como o registro obrigatório dos empréstimos no Banco Central, determinado pela Lei 4.131/62 c/c Lei 11.371/2006 e a oscilação do câmbio, a opção de contrair empréstimo no exterior ainda é uma saída, sobretudo, para empresas de grande porte, que possuem ativos no exterior e que podem fazer uso destes como forma de garantia.
Abordaremos de forma suscinta a importância do Julgamento do REsp 1.323.219/RJ, de relatoria da Min. Nancy Andrighi, da Terceira Turma, do STJ, que reafirmou que não obstante ser válida a captação de mútuo no exterior, o pagamento deve necessariamente ser apurado com base na cotação da moeda estrangeira no Brasil (mediante contrato de câmbio). Um dos aspectos relevantes deste precedente foi a solução prática encontrada pelos ministros para solucionar os contratos anteriores indexados pela moeda estrangeira em detrimento da nacional, enfrentando também o desafio de se determinar qual seria a data do câmbio a ser utilizada para a readequação dos contratos à ordem jurídica nacional.
Este importante precedente, que reafirma o nominalismo monetário, ensejará a reavaliação da política de acesso internacional ao crédito, por meio de instituições estrangeiras que aqui operam com índices lastreados por moedas estrangeiras - ainda possível, mas sujeita ao câmbio da data de contratação.
2 – Vedação da Prática de Sujeição de Dívidas à Flutuação Cambial
No Brasil em função da necessidade cada vez maior de manter o valor da moeda sob o curso forçado do Estado, estipularam-se algumas medidas de controle, como foi o caso da proibição das cláusulas-ouro e do instituto da correção monetária, em reforço a aplicação da teoria nominalista que, do ponto de vista dos países devedores é uma das saídas baseadas no proteccionismo economico, uma vez que estes países não podem se dar ao luxo de se comprometer com juros e taxas desconhecidos.
Incertezas jurisdicionais nos levam a ter uma elevada taxa de juros reais e a um mercado desconfiado: que só opera contratos de mútuo a curto prazo e sob elevada taxa de juros. Nada escapa incólume a "mão invísivel" de inspiração hobbesiana que auto regula o mercado de acordo com as características essenciais que torna determinado ativo como escasso ou abundante e de operação segura ou arriscada - as falhas e aumentos de risco a qual os investidores se expoem sempre serão compensadas.
Tanto as empresas que estão em busca de captação de recursos no exterior quanto os agentes financeiros que operacionalizam o acesso internacional deste crédito, sob a jurisdição brasileira, devem tomar cuidados extremos, devido a peculiaridade dos aspectos regulatórios de cada país e das variações que as moedas podem atingir em determinado lapso de tempo. No particular, com relação a oscilação do câmbio, utilizada muitas vezes como verdadeira forma voraz de especulação financeira, o STJ em recente julgamento definiu que os empréstimos estrangeiros não poderiam ter como base indexadores prefixados no câmbio do vencimento das parcelas e sim o cambio da data do fechamento do contrato - principal inovação trazida pelo recente julgado. Com o advento do Plano Real, reforçou-se o sistema de juros nominal em detrimento dos juros reais, a fim de encaminhar a economia no sentido de desindexar a inflação sem eliminar a correção monetária - chamamos esta corrente adotada no Brasil de Nominalismo Economico, que encontra importantes defensores.
Assim preceitua o art. 318, do Código Civil de 2002:
Art. 318. São nulas as convenções de pagamento em ouro ou em moeda estrangeira, bem como para compensar a diferença entre o valor desta e a moeda nacional, excetuados os casos previstos na legislação especial.
No mesmo sentido, adotando-se o princípio nominalistas, a Lei 10.192/01 assim define sob a alegação de buscar a proteção máxima ao devedor face a eventuais riscos da desvalorização da moeda:
Art. 1o As estipulações de pagamento de obrigações pecuniárias exequíveis no território nacional deverão ser feitas em Real, pelo seu valor nominal”.
A mesma lei prevê em seu art. 2º, § 1º, a desindexação da economia determinando ser “nula de pleno direito qualquer estipulação de reajuste ou correção monetária de periodicidade inferior a um ano”.
Nesta esteira, o Código Civil de 2002 adotou, da mesma forma o princípio do nominalismo, ao determinar que o valor da moeda é o valor nominal que atribuiu o Estado, consoante magistério de Cristiano Chaves de Faria e Nelson Rosenvald:
"O art. 315 do CC/2002 abrange dois princípios que parecem opostos: primeiro, o do nominalismo monetário, significando que até o vencimento da prestação o risco da desvalorização da moeda recairá sobre o credor, pois o devedor pagará o valor ajustado no título, diante da obrigatoriedade do pactuado; segundo, o princípio do valorismo monetário ou da dívida de valor, pelo qual a atualização da prestação pecuniária é uma exigência de equidade e visa evitar o enriquecimento sem causa, preservando o valor real da moeda (art. 884 do CC). A teoria da dívida de valor não é expressa de forma clara no citado art. 315, mas evitando o desequilíbrio causado pelo nominalismo, a ela o dispositivo faz referencia na ressalva da parte final, `salvo o disposto nos artigos subsequentes`, efetuando o reenvio da matéria ao art. 317 do Código Civil."
Recentemente o STJ no julgamento do REsp 1.323.219/RJ de relatoria da Min. Nancy Andrighi, da Terceira Turma, definiu que não obstante ser válida a captação de mútuo no exterior, o pagamento deve necessariamente ser apurado com base na cotação da moeda estrangeira no Brasil, na data da contratação:
“DIREITO CIVIL. CONTRATO DE EMPRÉSTIMO CELEBRADO EM MOEDA ESTRANGEIRA E INDEXADO AO DÓLAR. ALEGADA INEXISTÊNCIA DO PACTO. AUSÊNCIA DE INDICAÇÃO DODISPOSITIVO LEGAL VIOLADO. PAGAMENTO MEDIANTE CONVERSÃO EM MOEDA NACIONAL. CÁLCULO COM BASE NA COTAÇÃO DA DATA DA CONTRATAÇÃO. 1. O recurso especial não pode ser conhecido quando a indicação expressa do dispositivo legal violado está ausente.2. O art. 1º da Lei 10.192/01 proíbe a estipulação de pagamentos em moeda estrangeira para obrigações exequíveis no Brasil, regra essa encampada pelo art. 318 do CC/02 e excepcionada nas hipóteses previstas no art. 2º do DL 857/69. A despeito disso, pacificou-se no STJ o entendimento de que são legítimos os contratos celebrados em moeda estrangeira, desde que o pagamento se efetive pela conversão em moeda nacional.3. A indexação de dívidas à variação cambial de moeda estrangeira é prática vedada desde a entrada em vigor do Plano Real, excepcionadas as hipóteses previstas no art. 2º do DL 857/69 e os contratos de arrendamento mercantil celebrados entre pessoas residentes e domiciliadas no País, com base em captação de recursos provenientes do exterior (art. 6º da Lei 8.880/94).5. Quando não enquadradas nas exceções legais, as dívidas fixadas em moeda estrangeira deverão, no ato de quitação, ser convertidas para a moeda nacional, com base na cotação da data da contratação, e, a partir daí, atualizadas com base em índice oficial de correção monetária. 6. Recurso especial conhecido em parte e parcialmente provido (REsp 1.323.219/RJ, Terceira Turma, Min. Nancy Andrighi, Publicado em 03/10/2013)”.
A Ministra Relatora Nancy Andrighi afirmou que não seria possível determinar a nulidade do contrato, mesmo tendo reconhecido a abusividade da indexação, sem que se restasse configurada hipótese de enriquecimento sem causa, em evidente aplicação do princípio do valorismo monetário, que, como afirma Cristinao Chaves: “a prestação pecuniária é uma exigência de equidade e visa evitar o enriquecimento sem causa, preservando o valor real da moeda (art. 884 do CC)” (CHAVES; 2012).
Neste sentido, foi determinado que: “Quando não enquadradas nas exceções legais, as dívidas fixadas em moeda estrangeira deverão, no ato de quitação, ser convertidas para a moeda nacional, com base na cotação da data da contratação, e, a partir daí, atualizadas com base em índice oficial de correção monetária”.
As exceções à regra, como reforçado no referido acórdão, são as previstas no Decreto Lei nº. 857/69: (i) contratos e títulos referentes a importação ou exportação de mercadorias; (ii) contratos de financiamento ou de prestação de garantias relativos às operações de exportação de bens de produção nacional, vendidos a crédito para o exterior; (iii) contratos de compra e venda de câmbio; (iv) empréstimos e quaisquer outras obrigações cujo credor ou devedor seja pessoa residente e domiciliada no exterior, excetuados os contratos de locação de imóveis situados no território nacional; (v) contratos que tenham por objeto a cessão, transferência, delegação, assunção ou modificação das obrigações referidas no item anterior, ainda que ambas as partes contratantes sejam pessoas residentes ou domiciliadas no País.
O referido acórdão do STJ teve como base nos seguintes precedentes, todos do STJ: REsp 1.212.847/PR, REsp 804.791/MG, AgRg no Ag 1.043.637/MS, REsp 848.424/RJ e REsp 194.629/SP, contudo, inovou ao definir que a fórmula de reequilibrio economico-financeiro dos contratos seria determinar que a cotação a ser utilizada nestes contratos deveria ser calculada com base no valor da moeda base do contrato em relação a nacional na data histórica da assinatura do contrato de mútuo, uma vez que era este valor que melhor representaria o fim almejado pelo contrato em sua indexação financeira.
3 – Conclusão
Partindo-se de um ponto de vista dos mutuários, a solução encontrada pelo STJ certamente lhes trará vantagens imediatas, contudo, nos cabe indagar quais efeitos que esta decisão paradigmática poderá trazer para a política de acesso ao crédito em moeda estrangeira no Brasil. Não podemos deixar de considerar os efeitos colaterais da reconhecida instabilidade economica ocasionada por incertezas jurisdicionais sobre a intervenção na elaboração e execução de contratos estrangeiros. Tal insegurança é ínsita ao Brasil e eleva cada vez mais o conhecido "Risco Brasil", cujas variáveis incluem, sobretudo, a margem de segurança que oferecemos aos investidores que batem a nossa porta - money never sleeps.
4. Referências
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BRASIL. Lei nº 4.131, de 3 de setembro de 1962. Disciplina a aplicação do capital estrangeiro e as remessas de valores para o exterior e dá outras providências. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L4131.htm>. Acesso em: 04 de outubro de 2013.
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