6 – Competência para o exercício da organização administrava nas relações com o Terceiro Setor.
Matéria pouco debatida, mas com repercussões de extrema importância, é aquela afeta à competência para dispor sobre titulações, certificações ou qualificações; que se voltam a realçar determinadas características do histórico de atuação, da formação ou da própria filantropia das entidades sem fins lucrativos, amplamente consideradas.
Essas alcunhas acabam por qualificar a relação a ser estabelecida entre o ente regulador e a entidade privada, enquanto expressão da autonomia estatal, observada cada esfera de competência. De um modo geral, a estrutura organizacional visa adequar a Administração Pública ao desempenho de suas finalidades, isso frente às demandas da população, conciliando-se sempre com os objetivos, programas e ações governamentais, enquanto mecanismos de tanto de aproximação do governo com a realidade e necessidades sociais, quanto de melhoria na gestão dos recursos e serviços públicos.
Por ser assim, a organização administrativa é perfeitamente admitida enquanto expressão da autonomia de cada ente da Administração, e envolve as aptidões de auto-organização, autogoverno e autoadministração. Assim, a Administração Pública de qualquer esfera possui aptidão para organizar sua estrutura, e distribuir e regulamentar atribuições e serviços. Corroborando esse entendimento a lição de José dos Santos Carvalho Filho:
“Autonomia, no seu sentido técnico-político, significa ter a entidade integrante da federação capacidade de auto-organização, autogoverno e autodeterminação. No primeiro caso, a entidade pode criar seu diploma constitutivo; no segundo, pode organizar seu governo e eleger seus dirigentes; no terceiro, pode ela organizar seus próprios serviços.” (Manual de Direito Administrativo, 25ª edição, Editora Atlas, 2012, p. 07)
Por sua vez, o mestre Diógenes Gasparini, ao tratar da organização mais propriamente da Administração Publica, bem expunha a necessidade que essa ordem de regulamentação seja veiculada por meio de lei, como se pode notar:
“A instituição, estruturação, alteração e atribuição de competência aos órgãos da Administração Pública só podem ser alcançadas por lei. Com efeito, se essas matérias, nos termos do art. 61, § 1º, e, da Constituição Federal, só podem ser reguladas por lei de iniciativa do Presidente da República, é notório que a lei é necessária e insubstituível para discipliná-las, salvo no que concerne às Casas do Congresso Nacional (arts. 51, IV, e 52, XIII, da CF). Também é necessário lei para a criação de entidades governamentais (autarquia, sociedade de economia mista, empresa pública e fundações), conforme expusemos no Capítulo VIII. Destarte, tanto aquelas operações como a criação dessas entidades governamentais não podem ser promovidas por decreto ou outro ato infralegal. Em certa época e sob determinadas condições, o Ato Institucional nº 8/69 permitiu a realização de reformas administrativas por decreto. No âmbito da União, as últimas reformas da Administração Federal foram obtidas pelo Decreto-Lei nº 200/67, que dispõe sobre a reforma administrativa da União, já por mais de uma vez modificado, e pela Lei Federal nº 8.029/90, resultante da aprovação pelo Congresso Nacional da Medida Provisória nº 150/90. Essa orientação, ante a simetria de princípios que reina no Estado Federal, aplica-se às três esferas de governo (federal, estadual-distrital e municipal). Desse modo, organizado o Estado Federal, a União, os Estados federados, o Distrito Federal e os Municípios que o integram, através, respectivamente, da Constituição Estadual e da Lei Orgânica dos Municípios, procedem, por lei, à estruturação das Administrações Públicas correspondentes, com a criação dos respectivos órgãos encarregados do desempenho de atribuições específicas. Essa organização tem, esquematicamente, a forma de uma pirâmide, em cujo vértice está o mais alto dos órgãos que a compõem, ocupado, por sua vez, pela autoridade máxima (Governador, Prefeito).” (Direito Administrativo, 1995, 4ª edição, Editora Saraiva, pp. 30/31)
Essa competência para legislar sobre organização administrativa – que não se confunde com a competência para em matéria administrativa ou sobre licitações e contratos, privativa da União, consoante, respectivamente, aos artigos 23 e 18 e 22, inciso XXVII, respectivamente – é exclusiva de cada ente de cada esfera de governo (União, Estados, Distrito Federal e Municípios), enquanto expressão da autonomia federativa.
Por conseguinte, as titulações, certificações e qualificações, enquanto no alcance disciplinar do ente público que procura regrar a extensão do regime colaborativo com o Terceiro Setor, mostra-se matéria personalíssima, a ser colmatada no seu respectivo âmbito de atuação, observado o correlato grau de interesse envolvido, que pode variar do nacional ao local.
Existe grande discussão, entretanto, a pender sobre a legislação hodierna afeta às entidades qualificadas como organizações sociais e organizações da sociedade civil de interesse público. Isso porque suas leis regulamentadoras acabaram por condensar não apenas matéria com caráter de organização administrativa; propuseram-se, na verdade, a inserir novas figuras jurídicas moldadas a assegurar a contratação da Administração Pública com as entidades que fossem assim qualificadas.
Essa mixagem de matérias de competências distintas acabou por causar alguma insegurança e mesmo desmotivar o trabalho legiferante em sede de cada ente estatal. Mas, evidente que, enquanto relacionado à organização administrativa, não há qualquer óbice a que leis estaduais e municipais venham a regular a atribuição dessas titulações ou qualificações, considerando suas respectivas realidades.
O que não é possível é que esses admitidos diplomas normativos adentrem a competência legislativa privativa da União para legislar sobre licitações e contratos em afronta ao Pacto Federativo, por violação ao artigo 22, inciso XXVII, e ao artigo 18, da CF. Prescreve o artigo 22, inciso XXVII, da Constituição, que é competência privativa da União legislar sobre normas gerais de licitação e contratação, em todas as modalidades, para as administrações públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, Estados, Distrito Federal e Municípios. Nessa toada, à União incumbe a edição de normas gerais e aos demais Entes Federados, apenas a edição de legislação suplementar em relação à matéria, respeitados os limites estabelecidos pela União. Quanto ao tema, esclarecedora é a lição de Celso Antônio Bandeira de Mello:
“A competência para legislar sobre licitação assiste às quatro ordens de pessoas jurídicas de capacidade política, isto é: União, Estados, Municípios e Distrito Federal. Entretanto, compete à União editar “normas gerais” sobre o assunto, conforme prescreve o art. 22, XXVII, da Constituição. Com efeito, o tema é estritamente de Direito Administrativo, dizendo, pois, com um campo de competência próprio das várias pessoas referidas, pelo que cada qual legislará para si própria em sua esfera específica. Sem embargo, todas devem acatamento às “normas gerais” legislativamente produzidas com alcance nacional, conforme “supra” anotado.” (Curso de direito administrativo, 21 Ed. rev. e atual, São Paulo, Malheiros, 2006, p. 504)
A nosso ver, o exercício dessa capacidade de regulamentação, em cada esfera, vai ao encontro da impossibilidade do Estado deixar de promover medidas tendentes a garantir a efetividade da não exclusividade da titularidade e da execução dos relevantes serviços públicos de saúde. Assim, se por um lado não cabe a intervenção estatal no funcionamento das entidades, em respeito ao teor do artigo 5º, inciso XVIII, da Carta Magna; por outro, não pode este deixar de materializar atos assecuratórios e de regulação minimamente necessários à eficácia e eficiência dos serviços que serão executados indiretamente.
7 – Contratação de pessoal pelo Terceiro Setor e despesas com pessoal.
Sabemos que a regra para o ingresso no serviço público é o concurso público, sendo exceção a contratação temporária por meio de processo seletivo, ainda que simplificado, ou nos casos de excepcional interesse público. Eis a diretriz a que se submetem todos os componentes da Administração Pública, direta ou indireta.
No entanto, não se pode asseverar o mesmo da contratação de pessoal pelas entidades do Terceiro Setor. Convém, aqui, pontuar que a celebração de um ajuste com o Poder Público não verte em público o regime privado em que estão insertas tais organizações sem fins lucrativos, muito menos as derivações essenciais ao exercício da prestação que lhes foi conferida. Na verdade, é da própria lógica sistêmica dos regimes de parceria a flexibilização, e não o engessamento das atividades em áreas submetidas a políticas de fomento. Daí porque as entidades do Terceiro Setor, a nosso ver, não licitam, mas tão somente seguem matizes de princípios licitatórios. Outrossim, não realizam seleção admissional pública, mas seleção de pessoal segundo determinados critérios públicos, que estejam preferencialmente preestabelecidos.
Não foi outra a linha que foi adotada pelo ínclito Ministro Carlos Ayres Britto quando de voto proferido na ADIN nº 1923/DF, que combate artigos da Lei nº 9.637/1998 (a Lei das OSs). Sua Excelência, com a competência que lhe é peculiar, assim verte:
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE.CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATATIVO.TERCEIRO SETOR. MARCO LEGAL DAS ORGANIZAÇÕES SOCIAIS. LEI Nº 9.637/98 E NOVA REDAÇÃO, CONFERIDA PELA LEI Nº 9.648/98, AO ART. 24, XXIV, DA LEI Nº 8.666/93. MOLDURA CONSTITUCIONAL DA INTERVENÇÃO DO ESTADO NO DOMÍNIO ECONÔMICO E SOCIAL. SERVIÇOS PÚBLICOS SOCIAIS. SAÚDE (ART. 199, CAPUT), EDUCAÇÃO (ART. 209, CAPUT), CULTURA (ART. 215), DESPORTO E LAZER (ART. 217), CIÊNCIA E TECNOLOGIA (ART. 218) E MEIO AMBIENTE (ART. 225). ATIVIDADES CUJA TITULARIDADE É COMPARTILHADA ENTRE O PODER PÚBLICO E A SOCIEDADE. DISCIPLINA DE INSTRUMENTO DE COLABORAÇÃO PÚBLICOPRIVADA. INTERVENÇÃO INDIRETA. ATIVIDADE DE FOMENTO PÚBLICO. INEXISTÊNCIA DE RENÚNCIA AOS DEVERES ESTATAIS DE AGIR. MARGEM DE CONFORMAÇÃO CONSTITUCIONALMENTE ATRIBUÍDA AOS AGENTES POLÍTICOS DEMOCRATICAMENTE ELEITOS. PRINCÍPIOS DA CONSENSUALIDADE E DA PARTICIPAÇÃO. INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO ART. 175, CAPUT, DA CONSTITUIÇÃO. EXTINÇÃO PONTUAL DE ENTIDADES PÚBLICAS QUE APENAS CONCRETIZA O NOVO MODELO. INDIFERENÇA DO FATOR TEMPORAL. INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO DEVER CONSTITUCIONAL DE LICITAÇÃO (CF, ART. 37, XXI). PROCEDIMENTO DE QUALIFICAÇÃO QUE CONFIGURA HIPÓTESE DE CREDENCIAMENTO. COMPETÊNCIA DISCRICIONÁRIA QUE DEVE SER SUBMETIDA AOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA PUBLICIDADE, MORALIDADE, EFICIÊNCIA E IMPESSOALIDADE, À LUZ DE CRITERIOS OBJETIVOS (CF, ART. 37, CAPUT). INEXISTÊNCIA DE PERMISSIVO À ARBITRARIEDADE. CONTRATO DE GESTÃO. NATUREZA DE CONVÊNIO. CELEBRAÇÃO NECSSARIAMENTE SUBMETIDA A PROCEDIMENTO OBJETIVO E IMPESSOAL. CONSTITUCIONALIDADE DA DISPENSA DE LICITAÇÃO INSTITUÍDA PELA NOVA REDAÇÃO DO ART. 24, XXIV, DA LEI DE LICITAÇÕES E PELO ART. 12, §3º, DA LEI Nº 9.637/98. FUNÇÃO REGULATÓRIA DA LICITAÇÃO. OBSERVÂNCIA DOS PRINCÍPIOS DA IMPESSOALIDADE, DA PUBLICIDADE, DA EFICIÊNCIA E DA MOTIVAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE DE EXIGÊNCIA DE LICITAÇÃO PARA OS CONTRATOS CELEBRADOS PELAS ORGANIZAÇÕES SOCIAIS COM TERCEIROS. OBSERVÂNCIA DO NÚCLEO ESSENCIAL DOS PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA (CF, ART. 37, CAPUT). REGULAMENTO PRÓPRIO PARA CONTRATAÇÕES. INEXISTÊNCIA DE DEVER DE REALIZAÇÃO DE CONCURSO PÚBLICO PARA CONTRATAÇÃO DE EMPREGADOS. INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA IMPESSOALIDADE, ATRAVÉS DE PROCEDIMENTO OBJETIVO. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO AOS DIREITOS CONSTITUCIONAIS DOS SERVIDORES PÚBLICOS CEDIDOS. PRESERVAÇÃO DO REGIME REMUNERATÓRIO DA ORIGEM. AUSÊNCIA DE SUBMISSÃO AO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE PARA O PAGAMENTO DE VERBAS, POR ENTIDADE PRIVADA, A SERVIDORES. INTERPRETAÇÃO DOS ARTS. 37, X, E 169, §1º, DA CONSTITUIÇÃO. CONTROLES PELO TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO E PELO MINISTÉRIO PÚBLICO. PRESERVAÇÃO DO ÂMBITO CONSTITUCIONALMENTE DE DEFINIDO PARA O EXERCÍCIO DO CONTROLE EXTERNO (CF, ARTS. 70, 71, 74 E 127 E SEGUINTES). INTERFERÊNCIA ESTATAL EM ASSOCIAÇÕES E FUNDAÇÕES PRIVADAS (CF, ART. 5º, XVII E XVIII). CONDICIONAMENTO À ADESÃO VOLUNTÁRIA DA ENTIDADE PRIVADA. INEXISTÊNCIA DE OFENSA À CONSTITUIÇÃO. AÇÃO DIRETA JULGADA PARCIALMENTE PROCEDENTE PARA CONFERIR INTERPRETAÇÃO CONFORME AOS DIPLOMAS IMPUGNADOS. [...]15. As organizações sociais, por integrarem o Terceiro Setor, não fazem parte do conceito constitucional de Administração Pública, razão pela qual não se submetem, em suas contratações com terceiros, ao dever de licitar, o que consistiria em quebra da lógica de flexibilidade do setor privado, finalidade por detrás de todo o marco regulatório instituído pela Lei. Por receberem recursos públicos, bens públicos e servidores públicos, porém, seu regime jurídico tem de ser minimamente informado pela incidência do núcleo essencial dos princípios da Administração Pública (CF, art. 37, caput), dentre os quais se destaca o princípio da impessoalidade, de modo que suas contratações devem observar o disposto em regulamento próprio (Lei nº 9.637/98, art. 4º, VIII), fixando regras objetivas e impessoais para o dispêndio de recursos públicos. 16. Os empregados das Organizações Sociais não são servidores públicos, mas sim empregados privados, por isso que sua remuneração não deve ter base em lei (CF, art. 37, X), mas nos contratos de trabalho firmados consensualmente. Por identidade de razões, também não se aplica às Organizações Sociais a exigência de concurso público (CF, art. 37, II), mas a seleção de pessoal, da mesma forma como a contratação de obras e serviços, deve ser posta em prática através de um procedimento objetivo e impessoal.
Por conseguinte, não há necessidade de que o Terceiro Setor em regime de parceria com o Estado realize concurso público. Como bem pontuou o voto retratado, basta que haja processo de seleção objetivo e impessoal, ou seja, composto de critérios objetivos e que garantam a preservação da impessoalidade na escolha dos selecionados, para que se mostrem respeitados os valores jurídicos em tela. Contudo, vale frisar que essa matéria ainda não se mostra pacificada, o que não impede de preferirmos adotar tão arrazoado e razoável posicionamento. Por essa seara, Fernando Borges Mânica:
“... ao transferir a gestão de um serviço ao particular, o Estado transfere-lhe também a liberdade para a escolha dos melhores modelos de prestação dos serviços (obviamente nos limites da lei). Ilógico seria exigir-se do particular a submissão a critérios específicos para a contratação de seu pessoal.” (Seleção de Pessoal e Regime de Gestão das Entidades Privadas em Parceria com o Setor Público na Saúde, constante da obra Terceiro Setor e Parceria na área da Saúde, p. 169.)
A esses elementos podemos agregar razoavelmente que seja conferida publicidade e que haja a previsão da forma de admissão no regulamento de contratações a ser divulgado da entidade.
Ultrapassada, assim, essa perquirição, convém a incursão por conhecer se há o dever, ou não, de computar as despesas com pessoal contratado pelo Terceiro Setor segundo os ditames fiscais adotados para a Administração Pública. Na mesma linha do discutido, a resposta é negativa. Isto é, não são computados esses gastos no limite previsto pelo inciso III, do artigo 19, da LRF, mas como despesas com serviços de terceiros, tendo em conta que o vínculo empregatício se verifica apenas com a entidade contratada. Também porque não há que se falar que tais dispêndios se enquadram no artigo 18, § 1º, do mesmo diploma fiscal, já que não há substituição de servidores e empregados públicos.
Isso, já foi assento há mais de uma década pela Corte de Contas Estadual, em resposta à citada Consulta analisada no processo TC nº 002149/006/02, em sessão de 05.05.2004 do Tribunal Pleno, pela relatoria do eminente Conselheiro Edgard Camargo Rodrigues, que assim se pronunciou, em respeitável voto:
“... Conforme o ‘Manual de Perguntas e Respostas’, elaborado pelo grupo de estudos, supervisionado pelo Secretário Diretor Geral, os gastos com pessoal oriundos dos acordos entre a Administração Pública e as mencionadas organizações para atender o Programa de Saúde da família - PSF e o Programa de Agentes Comunitários de Saúde - PACS não são computados no limite previsto pelo inciso III, do artigo 19 da LRF8, mas como despesas com serviços de terceiros, tendo em conta que o vínculo empregatício se verifica apenas com a entidade contratada. Também não há falar que tais gastos se enquadram no § 1º do artigo 18 do mesmo diploma legal9, eis que não há substituição de servidores e empregados públicos. ‘Diante disso, se a terceirização alcançar todo o serviço, processando-se por intermédio de pessoa jurídica organicamente desvinculada da Administração, a despesa continua sendo classificada no elemento Outros Serviços de Terceiros (3132). A Administração contratando todo o serviço, a mão-de-obra fica vinculada tão somente à empresa contratada, ou seja, não diz respeito à Administração Pública contratante.’[...] Em resposta à outra indagação abordada pelo consulente, pode-se afirmar que os gastos decorrentes dos ajustes não se enquadram nos limites estabelecidos pelo artigo 19 da LRF. É o meu Voto.”
Por demais acertado tal posicionamento, seguido de perto por outras Cortes de Contas brasileiras, como o TCERJ, que, em sessão de 27.11.2008 de seu Tribunal Pleno, assim respondeu à Consulta nº 716.238 que lhe foi formulada:
“Município — Organização da sociedade civil de interesse público — Assessoria jurídica à população carente — Exigência de lei municipal para qualificação da OSCIP — Necessidade de licitação para celebração do termo de parceria — Limitações ao exercício da advocacia — Apreciação do estatuto social pela OAB — Fiscalização e controle pelo Tribunal de Contas — Empregados celetistas — Impossibilidade de lançamento em Despesa de Pessoal.”
Ora, os empregados dessas entidades não integram o quadro de servidores municipais e os recursos repassados serão feitos a título de Despesas de Transferências Correntes, impedindo que se faça o cômputo dessas despesas como Despesas de Pessoal. Não foi outro o posicionamento de Fernando Borges Mânica, ao afirmar:
“O tema possui resposta simples: não. Os gastos com pessoal das entidades privadas parceiras – fomentadas ou delegatárias – não devem ser incluídos no cálculo para definição dos limites de gastos com pessoal.” (Seleção de Pessoal e Regime de Gestão das Entidades Privadas em Parceria com o Setor Público na Saúde, constante da obra Terceiro Setor e Parceria na área da Saúde, p. 171)
Somente se poderia conceber que tais despesas fossem somadas à rubrica de pessoal em se vendo terceirização ilícita de mão-de-obra ou havendo lícita cessão de servidores ou empregados públicos. Esse o entendimento
“Ora, como a hipótese de participação privada na prestação de serviços públicos é lícita nos casos em que configurada terceirização de serviços e não de mera interposição de mão-de-obra, não incide na hipótese a determinação legal de cálculo dos referidos gastos públicos no limite imposto pela lei. De outra banda, se houver servidores ou empregados públicos cedidos pelo ente federativo à entidade privada, tal gasto deverá ser computado para aferição da observância do limite legal. ”(Seleção de Pessoal e Regime de Gestão das Entidades Privadas em Parceria com o Setor Público na Saúde, constante da obra Terceiro Setor e Parceria na área da Saúde, p. 171)
Convém fazer uma consideração. É legal e legítima a celebração de ajustes entre a Administração Pública e entidades do Terceiro Setor, filantrópicas ou sem fins lucrativos dotadas de qualificação ou titulação peculiar, desde que os mesmos mostrem-se restritos às atividades de interesse público e que haja a previsão de plano ou programa de trabalho para o desenvolvimento de um projeto ou programa de governo de índole colaborativa, do qual certamente vislumbra um resultado, seja produto ou serviço final, e que é almejado pelo Poder Público.
Nessa toada, ou seja, em meio ao programa de trabalho proposto, pode haver o emprego de mão-de-obra durante a parceira, para a execução e fomento de programas, projetos ou atividades governamentais cooperadas, desde que a atuação da entidade de Terceiro Setor dê-se exclusivamente em complementaridade às atividades já implementadas e desenvolvidas pelo Estado, seja quando restar comprovado que as disponibilidades estruturais do ente estatal são insuficientes; seja quando estas, por meio da colaboração, podem ser ampliadas para garantir a uma prestação do serviço ainda mais abrangente ou efetiva à população.
Nesses casos o vínculo laboral (em especial a subordinação e pessoalidade) com os trabalhadores que venham a ser contratados se estabelece com a entidade privada parceira, e não com o ente público. O contrário se dá com a terceirização de mão-de-obra. Isso porque o fim primeiro do Poder Público será a utilidade decorrente do projeto ou programa a ser desenvolvido pela entidade privada; e não a mão-de-obra. Fita-se um produto pronto e acabado, baseado em metas mínimas de desempenho. Sendo que este deve ser o fundamento do ajuste, com natureza de convênio, na medida em que não é possível, a nosso ver, sua utilização para a mera contratação de mão-de-obra, por esta restar deficitária ou qualquer outro motivo, sob pena de desconfigurar a finalidade do ajuste, que é atingir um fim governamental, e não prover-se como um meio de labuta suplementar para que algum desiderato estatal seja alcançado.