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O regime colaborativo estatal na área da saúde: as parcerias com o terceiro setor

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8 – Fomento por meio de atuação positiva e negativa do Estado e o custeio de despesas administrativas das entidades colaboradoras.

A questão relativa ao custeio de despesas administrativas da entidade colaboradora, preciso ressaltar, é, porventura, hodiernamente, questão das mais debatidas, sendo veemente repelida pelos órgãos de fiscalização e controle, amiúde em razão da dificuldade material ocasionada pela deficiente transparência na especificação e destinação dos gastos havidos, da pouca exploração e compreensão da matéria e da menos ainda empreendida regulamentação formal da matéria pela Administração Pública, competente para fazê-lo.

Na visão destes articulistas, é possível que a Administração, no exercício de ações efetivas de fomento venha a empreender práticas fiscais e financeiras, tanto positivas quanto negativas, voltadas ao incentivo das parcerias com o Terceiro Setor. Entendemos positiva, por exemplo, a prática do Estado subvencionar determinada associação; ao mesmo tempo que interpretamos como negativa eventual isenção fiscal adjudicada a uma entidade filantrópica; apercebendo-se, em ambos os casos, tratam-se de práticas fomentadoras do regular exercício das atividades das entidades beneficiadas.

Fomentar a atuação da iniciativa privada em serviços de relevância pública é estimular consolidação das parcerias com as entidades colaboradoras e acrescentar condições de que estas venham a robustecer de maneira crescente suas estruturas operacionais de prestação de serviços à comunidade beneficiada, tornando-se cada vez mais capazes de promover projetos sociais necessários, por vezes até independentemente de repasses do Estado. Trata-se de uma política que procura conformar a iniciativa privada de interesse público com as demandas sociais mais proeminentes do Estado. Como bem discorre Carlos Ari Sundfeld:

“O fomento estatal à vida privada consiste a concessão de benefícios aos particulares, de modo a induzir suas ações em certo sentido.” (Direito Administrativo Ordenador, Editora Malheiros, 1997, p. 25)

Trata-se de prática com viés, outrossim, idealizador e cultural, que busca fazer germinar no seio social a consciência e o compromisso da sociedade com os deveres que conduzam ao bem comum, através do trabalho público-privado harmônico e convergente.

Uma vez circundado o tema, não se pode deixar de observar que o custeio de determinadas despesas tidas pelas entidades parceiras mostra-se perfeitamente alinhado ao fito estatal fomentador. Assim, despesas com o custeio administrativo de entidades e aquelas despesas operacionais geradas pelo próprio desenvolvimento dos ajustes colaborativos com o Poder Público podem, senão devem, ser subsidiados pelo Estado. É o caso da remuneração dos profissionais que integram a equipe técnica gestora dos projetos, que guarda vínculo com a entidade colaboradora, que pode ser composta por dirigentes. O mesmo se diga de despesas com locação de imóveis, insumos, comunicação, entre outras que são engendradas por quase toda atividade continuada.

Como visto, não se pode negar que as entidades do terceiro setor, que também estão sujeitas ao cumprimento de obrigações como aluguel, salários, encargos, eletricidade, material de limpeza e a remuneração de funcionários e dirigentes, deixem de ser ressarcidas de tais despesas. O trabalho voluntário no âmbito do terceiro setor é uma, e não a única, forma admitida pela legislação, não se podendo, pois, restringir aquilo que a lei não restringiu. Por outro tanto, não é razoável considerar que pessoas capacitadas, profissionais muitas vezes especializados, tenham de trabalhar de graça, dada uma injusta presunção de desonestidade e um injustificado prejulgamento que se faz de pessoas que não são, senão, remuneradas pelo exigente trabalho que é conduzir uma entidade social que deve obter os resultados complementares sujeitos a indicadores e metas que se sabe, o próprio Estado muitas vezes não se sujeita nem é capaz de alcançar em sua rotina administrativa ordinária.

Aliás, de se indagar contundentemente o seguinte: se o Estado, enquanto na execução direta de serviços públicos não exclusivos acaba por remunerar seus agentes, do mais baixo ao mais alto escalão, por que razão se haveria de exigir, uma vez vindo a executar indiretamente tal prestação, através de parceria com a iniciativa privada, que essa não venha a remunerar quem quer que seja? Daí porque carece de legitimidade a negativa a que entidades em regime de colaboração remunere quem quer que seja, sob pena de haver deturpada e inconstitucional intervenção do Estado sobre a capacidade de funcionamento dessas associações, em confronto com o que dispõe o artigo 5º, inciso XVIII, da Constituição Brasileira.

Não é menos importante, nessa vereda, a permissão para a remuneração de dirigentes inaugurada pelo contido no artigo 4º, inciso VI, da Lei nº 9790/1999, com a seguinte dicção:

“Artigo 4º. Atendido o disposto no art. 3o, exige-se ainda, para qualificarem-se como Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público, que as pessoas jurídicas interessadas sejam regidas por estatutos cujas normas expressamente disponham sobre:

[...]

VI - a possibilidade de se instituir remuneração para os dirigentes da entidade que atuem efetivamente na gestão executiva e para aqueles que a ela prestam serviços específicos, respeitados, em ambos os casos, os valores praticados pelo mercado, na região correspondente a sua área de atuação;” (destacou-se)

Não seria mesmo razoável ou legítimo impedir o ressarcimento de despesas quando utilizadas para o desenvolvimento das atividades da parceria, de modo a impedir que as entidades sem fins lucrativos se cercarem de bons profissionais na busca pela eficácia e pela eficiência na prestação de serviços de relevante interesse social. E, pois, a Lei jamais prescreveu que tais resultados devem ser alcançados exclusivamente através de trabalho voluntário ou de contrapartida privada. Daí porque possível o trabalho devidamente remunerado e o custeio de despesas decorrente da parceria e mesmo para fomentá-la. Sobre isso valem os comentários, bastante oportunos, de Augusto de Franco:

“... a mudança do marco legal enfrenta um cipoal contraditório de normas que não pode ser removido de uma vez, gerando numerosas dificuldades. Por exemplo, a Lei 9790 permite remunerar dirigentes, pondo fim a uma hipocrisia institucionalizada, que vigora há décadas no país: os verdadeiros dirigentes, das organizações travestem-se de funcionários executivos colocando ?laranjas? nas diretorias de suas entidades; e fazem-no para não perder velhos títulos que lhes dão direitos a benefícios, como a Utilidade Pública Federal. Além disso, ocorre que a legislação em vigor não reconhece como isentas do Imposto de Renda aquelas entidades que remuneram dirigentes. Para mudar, de uma vez, o marco legal do Terceiro Setor não basta uma lei, nem, talvez, uma dúzia delas. Seria necessário, a rigor, uma espécie de ?Constituinte do Terceiro Setor.” (OSCIP – Organização da Sociedade Civil de Interesse Público: a Lei 9.970/99 como alternativa para o Terceiro Setor, 1ª Ed. – Brasília: Comunidade Solidária, 2000, p. 16)

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Ademais, a própria Constituição, em seu artigo 199, § 1º, distinguiu as figuras das entidades filantrópicas das entidades sem fins lucrativos. Da filantropia mais adequadamente se poderia exigir a não remuneração de dirigentes; medida que não se mostra consentânea com o regime jurídico conferido às entidades sem fins lucrativos. Sendo assim, a remuneração de dirigentes, quando admitida, é legal.

Por sua vez, não se pode olvidar de distinguir a remuneração de dirigentes da distribuição de lucro entre os associados, esta vedada pelo ordenamento jurídico vigente. Lucro nada mais é do que o resultado da soma das receitas obtidas diminuídas dos custos e despesas operacionais. Assim, estão excluídas do conceito tanto as custas havidas pela Entidade do Terceiro Setor quanto as despesas operacionais tidas com a consecução de seus objetivos institucionais, seja promovendo-o por meio de recursos próprios, seja através da utilização dos recursos públicos que lhe forem repassados. Ora, o simples fato das entidades do Terceiro Setor não visarem ao lucro não significa, de per si, que tenham de desenvolver atividades de modo gratuito, sendo suficiente que os valores auferidos, decorrentes de contrapartidas, sejam aplicados in totum na efetivação de sua finalidade institucional, como visto. Nesse sentido Hugo de Brito Machado:

“Instituição sem fins lucrativos é aquela que não se presta como instrumento de lucro para seus instituidores ou dirigentes. A instituição pode, e deve, lucrar. Lucrar para aumentar seu patrimônio e assim prestar serviços cada vez a maior número de pessoas, e cada vez mais de melhor qualidade. O que não pode é distribuir lucros. Tem de investir os que obtiver, na execução de seus objetivos?. (Hugo de Brito Machado, ?Imunidade Tributária das Instituições de Educação e de Assistência Social e a Lei 9.532/97?, in Imposto de Renda – Alterações Fundamentais, 2o vol., coordenador Valdir de Oliveira Rocha, São Paulo, Dialética, 1998, p. 69.)

Ratificando esse entendimento, Silvio Luis Ferreira da Rocha expõe:

“Esse requisito não impede que a candidata a tornar-se uma organização social obtenha lucro com suas atividades, mas exige que o lucro que venha a ser eventualmente auferido não seja distribuído a seus sócios ou associados, e sim reinvestido pela própria pessoa jurídica no desenvolvimento de seus objetivos sociais.” (Terceiro Setor, 2003, pg. 97)

Na mesma toada Paola Nery Ferrari e Regina Maria Macedo Nery Ferrari:

O fato destas entidades não visarem o lucro não significa que tenham de desenvolver suas atividades de modo gratuito, basta que os valores auferidos com as cobranças referentes às contrapartidas das atividades usufruídas, sejam aplicados integralmente para realizar a finalidade institucional.” (Controle das Organizações Sociais, 2007, pg. 65)

Destarte, não se confunde custeio – recursos destinados a fazer frente a despesas administrativo-operacionais de entidades em regime de parceria – com algum tipo de remuneração ou taxa de administração vedada desde os convênios clássicos, por trazerem ínsito, além da figura do lucro a sua repartição entre associados. É sabido e consabido que entidades beneficiárias sem fins lucrativos somente podem prever e realizar despesas relativas a serviços efetivamente prestados e enquadrados na finalidade do ajuste; sendo que todo excedente obtido na execução das atividades em regime colaborativo deve ser restituído ao Poder Público ou comprovadamente revertido na execução do próprio negócio, mas nunca distribuído entre quaisquer associados ou empregados.

Daí porque, em sede federal acertadamente – e, creditamos, possa ser reproduzido no âmbito de cada ente público parceiro que assim o pretenda – a Portaria Interministerial MPOG/MF/CGU nº 127/08, em seu artigo 39, parágrafo único, inaugurou legítima possibilidade das despesas administrativas necessárias para a execução dos convênios e termos de parceira serem custeadas com os recursos públicos até determinado percentual do quanto fosse repassado às entidades conveniadas, desde que preenchidas determinadas condições. Esses seus termos:

“Artigo 39. O convênio ou contrato de repasse deverá ser executado em estrita observância às cláusulas avençadas e às normas pertinentes, inclusive esta Portaria, sendo vedado: (...)

Parágrafo Único. Observado o limite de 5% do valor do objeto, os recursos do convênio ou contrato de repasse poderão custear despesas administrativas das entidades privadas sem fins lucrativos, obedecidas as seguintes exigências:

I – estar expressamente previsto no plano de trabalho;

II – estar diretamente relacionadas ao objeto do convênio ou contrato de repasse; e

III – não sejam custeadas com recursos de outros convênios ou contratos de repasse.” (destacou-se)

Esse permissivo não é destituído de justificativas bastante plausíveis, que atentam para a própria viabilidade das parcerias com o Terceiro Setor. Tanto é dessa forma que a Comissão Gestora do SICONV aprovou Nota Técnica deliberando o seguinte:

“A Comissão Gestora do SICONV, em reunião ocorrida em 27/03/2009, segundo disposto no inciso III, do art. 5º da Portaria Interministerial nº 165, de 20 de junho de 2008, aprovou a seguinte nota técnica que cuida do tema de despesas administrativas: ‘A natureza dos convênios e contratos de repasse, de forma distinta ao que acontece nos contratos administrativos, está relacionada com a existência de interesses comuns entre as partes. Nessa relação não há, pois, a figura do lucro, o que configuraria a existência de interesses antagônicos, razão pela qual a legislação que regulamentou a matéria na esfera federal foi clara ao permitir transferências dessa natureza somente para entidades privadas sem fins lucrativos. Assim, quando o Poder Público transfere recursos para que outro ente, seja de natureza pública ou privada, execute determinado objeto, pressupõe-se que o seu desejo, assim como o do organismo recebedor desses valores, seja realizar o objeto, de forma que os objetivos da respectiva política pública sejam alcançados. Ocorre, contudo, que, para realizar o objeto pretendido, a entidade recebedora dos recursos transferidos deve necessariamente possuir padrões mínimos de qualificação técnica e capacidade operacional [...] Percebe-se, no entanto, que, não obstante haver a necessidade de certificação de padrões mínimos de qualificação técnica e de capacidade operacional, cada celebração de um convênio ou contrato de repasse impõe à parte recebedora dos recursos, além da execução do objeto, uma série de novas demandas, decorrentes do gerenciamento de tais atividades. Diante disso é razoável pressupor que a entidade não necessite possuir antecipadamente todos os requisitos técnicos e operacionais necessários para a realização da totalidade do objeto, pois esses poderão ser implementados ou mobilizados com recursos oriundos do próprio convênio ou contrato de repasse. Nesse sentido, não haveria óbices para que, após a aprovação do plano de trabalho ou a celebração do acordo, a entidade efetue a contratação, caso necessário, de profissionais habilitados para a realização das ações pactuadas. Além disso, há uma série de despesas administrativas que decorrem da própria celebração do convênio ou contrato de repasse, as quais se configuram, na verdade, como ônus que a parte recebedora dos recursos passa a ter em função de demandas oriundas do pacto firmado. Ora, se a natureza dos convênios e contratos de repasse pressupõe a existência de interesses convergentes e de mútua cooperação em tese não haveria óbices que o custeio de tais despesas fosse financiado com os recursos transferidos. Vale lembrar que a opção pela transferência voluntária resulta do reconhecimento pelo concedente ou contratante de que é conveniente que um terceiro, com propósitos comuns, realize a execução. Ou seja, se é interesse de ambos promover a execução do objeto, que visa, obviamente, atender ao interesse público, nada impede que sejam viabilizadas condições para tanto. Ressalta-se, por oportuno, que não se trata de concessão com intuito de gerar lucro para o ente recebedor, prática que, além descaracterizar a natureza da própria entidade – que por definição é ‘privada sem fins lucrativos’ – inviabilizaria, conforme mencionado, a transferência voluntária de recursos. Assim, os gastos com o gerenciamento das ações do convênio ou contrato de repasse poderiam ser apropriados sob a forma de despesas administrativas, desde que respeitado o limite máximo de 15% do valor do objeto, conforme estabelecido no art. 39 da Portaria Interministerial MP/MF/CGU nº 127/08.” (destacou-se)

Data máxima vênia, não nos parece que há entendimento hoje mais próximo do que seja efetivar o instituto do fomento da participação privada em atividades públicas não exclusivas e essenciais do que o quanto ora declinado pela citada Comissão; a qual corretamente reconhece não apenas a possibilidade, mas também a necessidade de promover o custeio de determinadas despesas administrativas, as quais, evidentemente, surgem com a própria parceria pública. Nesse aspecto, de fato, os ajustes hodiernos fogem ao tradicionalismo dos convênios administrativos de outrora; em especial e menos controversamente observado nos termos de parceria – visto que a Lei nº 9.790/1999 prevê, expressamente, a possibilidade dos estatutos das entidades qualificadas nos seus termos, admitirem, por exemplo, que seus dirigentes sejam remunerados.

Ademais, com o advento da Portaria Interministerial MPOG/MF/CGU nº 507/2011, que promoveu mudanças normativas, substituindo aquela outra Portaria e que hoje regulamenta a mesma matéria, manteve-se a possibilidade de custeio administrativo e operacional da entidade recebedoras de recursos. Nota-se do seguinte dispositivo da referida norma:

"Artigo 52. O convênio deverá ser executado em estrita observância às cláusulas avençadas e às normas pertinentes, inclusive esta Portaria, sendo vedado: [...] Parágrafo único. Os convênios celebrados com entidades privadas sem fins lucrativos, poderão acolher despesas administrativas até o limite de 15% (quinze por cento) do valor do objeto, desde que expressamente autorizadas e demonstradas no respectivo instrumento e no plano de trabalho.”

Ocorre que essa permissão não pode nem deve ser confundida com a vedada taxa de administração e outras expressamente obstadas, também previstas pela precitada norma, por não representarem lucro algum a ser repartido. Conceito que, como visto, além de excedente financeiro, implica em repartição de benefícios entre os interessados e que se mostraria incompatível com a qualidade que ostentam tais entidades, constituídas e conduzidas alheiamente a tal desiderato. Importante enfatizar a opinião abalizada de Jorge Ulisses Jacoby Fernandes, que entende pela possibilidade jurídica do pagamento de taxa de administração em contratos de gestão celebrados com Organizações Sociais, com perfeita analogia para os termos de parceria, como se observa:

“A ilegalidade das taxas de administração em contratos sustenta-se no argumento de que o preço pago deve ser justo, sendo que, se a remuneração é obtida por meio de um percentual calculado sobre uma base qualquer, não se pode ter certeza de que signifique um padrão aceitável. Essa exegese de sólido esforço intelectual deve ser homenageada, pois há densidade jurídica em sua construção. Ocorre que tenho dúvidas acerca dessa conclusão, pois se assim o for, o BDI, verbi gratia, poderia ser considerado ilegal, pois nada mais é do que o percentual relativo às despesas indiretas que incide sobre a composição de custos diretos, vez que é exigido que esses custos incorporem todos os encargos - mobilização/desmobilização da obra, administração da obra, administração central, encargos financeiros, etc. - que oneram os serviços a serem executados. É, pois, uma projeção que não necessariamente reflete os precisos custos incorridos.1 O estabelecimento dos preços nos contratos de gestão deve ser analisado à luz do inciso III do parágrafo único do art. 26 da Lei nº 8.666/93, que busca o preço justo da aquisição, aferido pela comparação com os preços praticados no mercado. Nesse sentido, se o valor pago pela Administração estiver condizente com os de mercado, nada obstante englobe eventual taxa de administração - que remunera os encargos operacionais da organização social, não percebo ilegalidade nessa composição de preços. Não é a denominação das parcelas componentes do preço que impõe sua ilegalidade, ou não, mas a discrepância do valor com os valores praticados pela Administração.” (É possível o pagamento de taxa de administração em contratos de gestão celebrados com organizações sociais? Fórum de Contratação e Gestão Pública – FCGP, Belo Horizonte, ano 4, n. 48, dez. 2005.)

Assim, o ressarcimento de despesas pela operacionalização e viabilização ótima do serviço consiste em um instrumento de fomento do Estado, desde que não se apartem dos fins da parceria e do quanto previsto no plano de trabalho ou das finalidades organizações da entidade, sendo dispêndio muitas vezes indispensável para que uma entidade privada sem fins lucrativos possa organizar-se satisfatoriamente para bem cumprir suas tarefas. Por vezes, considerado que se houve utilidade pública decorrente da despesa, seu não ressarcimento pelo Estado implicaria incorrer em condutas que caracteriza manifesto locupletamento indevido do Poder Público, em postura espoliativa, certamente não desejada, posto que não se coaduna com o que se espera de um parceiro público, em um regime de colaboração público-privada devidamente formalizado e tendente à realização de atividades públicas em áreas assaz sensíveis ao interesse social, que venha a exigir contrapartida obrigatoriamente financeira do parceiro privado. Mudando a expressão, assim anuindo haveria verdadeiro enriquecimento sem causa do parceiro público, motivo pelo qual não pode subsistir tal entendimento.

Não obstante a já declinada controvérsia que a matéria carrega, embora não haja qualquer imposição legal, uma vez havendo intenção do gestor público de promover o adequado custeio de despesas administrativas estritamente relacionados com a colaboração pretendida e fomentada, nada mais aconselhável do que este venha regulamentar a questão; a fundamentar o ato, caso a caso; a prever o permissivo expressamente no edital do chamamento ou concurso e no termo do ajuste; e a acompanhar e exigir a comprovação detalhada dos gastos, dentro das finalidades da parceria e para os fins declinados nos instrumentos firmados. Nesse sentido, podemos citar o quanto regulamentado de modo mais bem desenvolvido pela Orientação Normativa nº 01/2012 do Ministério do Planejamento Agrário:

“Artigo 14. Os instrumentos jurídicos celebrados com entidades privadas sem fins lucrativos poderão acolher despesas administrativas até o limite de 15% (quinze por cento) do valor do objeto, desde que expressamente autorizadas no procedimento administrativos pela autoridade máxima da área técnica finalística.

Artigo 15. Considera-se como despesa administrativa as despesas não finalísticas que decorrem da celebração do instrumento, configurando-se como um ônus que a proponente passa a ter em função das demandas oriundas do pacto firmado.

Artigo 16. As despesas administrativas, para poderem ser custeadas com recursos do instrumento jurídico firmado, deverão observar os seguintes requisitos:

I – estar vinculadas à execução do objeto do instrumento jurídico firmado;

II – ter caráter temporário;

III – estar expressamente detalhadas no plano de trabalho;

IV – não ser custeadas com recursos originários de outras fontes;

V – não configurarem como taxa de administração, gerência ou similares;

VI – estar restritas aos itens e condições abaixo elencados:

a) despesas cartoriais;

b) despesas de postagem (correio);

c) fotocópias;

d) publicações de editais de procedimentos licitatórios e de contratos relacionados à execução do objeto do instrumento jurídico firmado;

e) serviços de contabilidade, limitados a, no máximo, duas horas semanais e que o prestador esteja devidamente registrado e habilitado no respectivo Conselho Regional de Contabilidade;

f) pessoal administrativo necessário ao cumprimento das tarefas administrativas necessárias à execução do objeto, obedecendo os seguintes limites:

1. 1 (um) técnico de nível médio (auxiliar administrativo) ou 1 (um) técnico de nível superior (assistente administrativo) por instrumento jurídico firmado de até R$ 300.000,00;

2. 1 (um) técnico de nível médio (auxiliar administrativo) e 1 (um) técnico de nível superior por instrumento jurídico firmado de até R$ 300.000,00 até R$ 1.000.000,00;

3. 2 (dois) técnicos de nível médio (auxiliar administrativo) e 1 (um) técnico de nível superior e 1 (um) técnico de nível superior (assistente metodológico) por instrumento jurídico firmado de mais de R$ 1.000.000,01 até R$ 2.000.000,00;

4. 3 (três) técnicos de nível médio (auxiliar administrativo) e 1 (um) técnico de nível superior e 1 (um) técnico de nível superior (assistente metodológico) por instrumento jurídico firmado no valor acima de R$ 2.000.000,01.

g) serviços de telefone móvel pré-pago: poderão ser custeadas as despesas com telefone do tipo móvel pré-pago, no valor máximo de R$ 130,00/mês/linha, conforme os seguintes limites:

1. 3 (três) linhas, no máximo, para instrumento jurídicos de até R$ 300.000,00;

2. 6 (seis) linhas, no máximo, para instrumentos jurídicos de R$ 300.000,01 a R$ 1.000.000,00;

3. 9 (nove) linhas, no máximo, para instrumentos jurídicos de mais de R$ 1.000.000,01.

h) serviço de internet móvel pré-pago:: poderão ser custeadas as despesas de serviços de internet móvel, no valor máximo de R$ 130,00/mês/ponto.

Parágrafo único. Compete à área técnica finalística demandante do convênio atestar o cumprimento dos requisitos previstos nos incisos I a IV.”

Destarte, a regulamentação da matéria, de tão alta importância, é salutar, conferindo maior segurança jurídico à formalização e materialização dos ajustes firmados, bem como a esperada transparência, para fins de fiscalização e controle – interno, externo e social – do emprego de recursos públicos.

Sobre os autores
Alexandre Massarana da Costa

Advogado, pós-graduado em direito constitucional e político, com atuação na área do direito público.

Marcos Antonio

Advogado com atuação especializada em direito público, palestrante na área do direito administrativo, sócio do escritório Monteiro & Massarana Sociedade de Advogados.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

COSTA, Alexandre Massarana; GABAN MONTEIRO, Marcos Antonio. O regime colaborativo estatal na área da saúde: as parcerias com o terceiro setor. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3809, 5 dez. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/26061. Acesso em: 23 nov. 2024.

Mais informações

Há uma enorme carência na compreensão das necessidades e mesmo das possibilidades que o regime de colaboração com o Terceiro Setor, se bem aplicado, podem resultar, gerando benefícios sociais tão caros à sociedade, em especial na área da saúde. Esse artigo visa reunir os estudos e a experiência concreta de seus idealizadores em prol de um Estado igualmente presente.

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