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A teoria de Alexy, o conflito de princípios e a separação de poderes – Análise teórica e casuística

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Agenda 01/03/2014 às 07:31

3. Do estudo de caso prático:

No estudo em comento, será analisada a controvérsia atual que se tem entre o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), Autarquia Federal vinculada ao Ministério da Educação, criada pela Lei n.º 5.537/68, alterada pelo Decreto-lei n.º 872/69, responsável por alguns programas governamentais que implementam políticas públicas, como de alimentação escolar, e as implicações e limites de fiscalização exercidas judicialmente.

O Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), mais conhecido como “merenda escolar”, visa à transferência, em caráter suplementar, de recursos financeiros aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, a fim de suprir parcialmente as necessidades nutricionais dos alunos19.

Em 31 de março de 1955, foi assinado o Decreto n.° 37.106, que instituiu a Campanha de Merenda Escolar (CME), subordinada ao Ministério da Educação. Na ocasião, foram celebrados convênios diretamente com o FISI e outros organismos internacionais. Já em 1956, com a edição do Decreto n.° 39.007, de 11 de abril de 1956, o Programa de Alimentação Escolar passou a ser denominado de Campanha Nacional de Merenda Escolar (CNME), com a intenção de promover o atendimento em âmbito nacional. No ano de 1965, o nome da CNME foi alterado para Campanha Nacional de Alimentação Escolar (CNAE) pelo Decreto n.° 56.886/65 e surgiu um elenco de programas de ajuda americana, entre os quais se destacavam: Alimentos para a Paz, financiado pela USAID; Programa de Alimentos para o Desenvolvimento, voltado ao atendimento das populações carentes e à alimentação de crianças em idade escolar; e Programa Mundial de Alimentos, da FAO/ONU.

A partir de 1976, embora financiado pelo Ministério da Educação e gerenciado pela Campanha Nacional de Alimentação Escolar, o Programa era parte do II Programa Nacional de Alimentação e Nutrição (PRONAN), sendo que, em 1979, passou a ser denominado Programa Nacional de Alimentação Escolar.

Com a promulgação da Constituição Federal, em 1988, ficou assegurado o direito à alimentação escolar a todos os alunos do ensino fundamental por meio de programa suplementar de alimentação escolar a ser oferecido pelos governos federal, estaduais e municipais. O PNAE objetiva atender às necessidades nutricionais dos alunos durante sua permanência em sala de aula e tem caráter suplementar, conforme prevê o art. 208, incisos IV e VII, posto que cabe ao Estado (ou seja, nas três esferas governamentais: União, Estados e Municípios) a educação e a efetivação das garantias de “atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a seis anos de idade” e “atendimento ao educando no ensino fundamental, através de programas suplementares de material didático-escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde.”

Desde sua criação até 1993, a execução do Programa se deu de forma centralizada. Contudo, em 1994, houve a descentralização dos recursos para execução do Programa, instituída por meio da Lei n.° 8.913, de 12 de julho de 1994, mediante celebração de convênios com os municípios e com o envolvimento das secretarias de Educação dos Estados e do Distrito Federal, às quais se delegou competência para atendimento aos alunos de suas redes e das redes municipais das Prefeituras que não haviam aderido à descentralização.

Nesta época, o gerenciamento do Programa estava a cargo da Fundação de Assistência ao Estudante – FAE, que foi extinta pelo art. 19 da Lei n.º 9.649/1998, e, assim, por força do art. 18, inciso VIII, alínea “b”, e do art. 27, § 7º, inciso II, , as competências da extinta FAE foram transferidas para o FNDE.

Sob o gerenciamento do FNDE, houve a consolidação da descentralização, em que, além do repasse direto a todos os Municípios e Secretarias de Educação, a transferência passou a ser feita automaticamente, sem a necessidade de celebração de convênios ou quaisquer outros instrumentos similares, para conferir maior agilidade ao processo.

Outra grande conquista foi a instituição, em cada Município brasileiro, do Conselho de Alimentação Escolar (CAE) como órgão deliberativo, fiscalizador e de assessoramento para a execução do Programa.

Com o repasse direto aos Estados e Municípios, com base no censo escolar realizado no ano anterior ao do atendimento, estabeleceu-se que o Programa será acompanhado e fiscalizado diretamente pela sociedade, por meio dos Conselhos de Alimentação Escolar (CAE´s), pelo FNDE, pelo Tribunal de Contas da União (TCU), pela Secretaria Federal de Controle Interno (SFCI) e pelo Ministério Público.

Atualmente, o PNAE está regulamentado pela Medida Provisória n.º 2.178-36, de 24 de agosto de 2001, que estabelece a sistemática do Programa e se encontra em vigência por força da Emenda Constitucional n.º 32, de 11 de setembro de 2001, e pela Lei n.º 11.947, de 16 de junho de 2009, que revogou alguns dispositivos da MP.

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Por fim, necessário informar que a política da alimentação escolar é definida pelo Grupo Gestor do Programa de Aquisição de Alimentos, através do Decreto n.º 6.447, de 07 de maio de 2008, que regulamenta o art. 19 da Lei n.º 10.696, de 02 de junho de 2003, que institui o Programa de Aquisição de Alimentos.

Nesse prisma, verifica-se que os entes públicos recebem receitas federais, por meio do Programa PNAE, e devem prestar contas de tais despesas, sob pena de responsabilidade civil e criminal, sendo que há toda uma estrutura para fiscalizar a efetiva aplicação de tais verbas no fim a que se destinam.

Saliente-se que o dever de prestar contas de recursos oriundos do erário é mandamento de índole constitucional, amparado ainda pela normatização legal e infralegal, e constitui corolário dos princípios republicano, da transparência, da impessoalidade e a moralidade da gestão pública, sendo, portanto, imperioso que a destinação dos recursos públicos seja conhecida por todos. Isso porque, com arrimo no artigo 70, parágrafo único, da CF/88, toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, que administre verbas públicas, ainda que temporariamente, possui o dever de prestar contas, verbis:

Art. 70. A fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União e das entidades da administração direta e indireta, quanto à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação das subvenções e renúncia de receitas, será exercida pelo Congresso Nacional, mediante controle externo, e pelo sistema de controle interno de cada Poder.

Parágrafo único. Prestará contas qualquer pessoa física ou jurídica, pública ou privada, que utilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiros, bens e valores públicos ou pelos quais a União responda, ou que, em nome desta, assuma obrigações de natureza pecuniária.(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)” (sem grifos no original)

No mesmo sentido dispõe o artigo 93 do Decreto-lei n.º 200, de 25 de fevereiro de 1967, que tem a seguinte dicção:

Art. 93. Quem quer que utilize dinheiros públicos terá de justificar seu bom e regular emprêgo na conformidade das leis, regulamentos e normas emanadas das autoridades administrativas competentes.

O problema, porém, se dá com a ingerência de órgãos externos, como em ações intentadas pelo Ministério Público Federal, nesse dever-poder da Administração Pública, quando se pretende alterar o cronograma normal das atividades administrativas pela fixação de prazos e obrigações de fazer em ações judiciais.

3.1. Da solução do conflito aparente de princípios:

Feita essa breve introdução sobre o assunto litigioso, pode-se já de início constatar que as demandas promovidas com o fim de fixar prazos peremptórios para a Administração Pública agir acabam por prejudicar o funcionamento ordinário das atividades programadas pelo FNDE.

Além disso, mister repisar que a fiscalização da destinação de tais verbas federais já é obrigatória ao FNDE e prescinde de qualquer ordem judicial ou mesmo, posto que fundada em lei, da qual a Administração Pública jamais pode deixar de atender, por se submeter ao princípio da legalidade estrita. Logo, a fiscalização de recursos públicos é um dever do ente federal, da qual resulta responsabilizações diversas ao servidor responsável por ato culposo ou doloso.

Na verdade, a fiscalização vindicada pelo Digno Órgão Ministerial é do interesse do Poder Público, sendo desnecessária e inútil qualquer provimento jurisdicional que imponha uma ordem neste sentido, mesmo porque a ordem já existe na própria legislação, a qual vem sendo estritamente observada.

Sobremais, reitere-se haver outros órgãos que atuam nesse múnus, como o TCU.

Consequentemente, a propositura de ações com pedidos de obrigações de fazer em face do ente público representam grave ofensa à Constituição Federal, sobretudo ao primado da separação de poderes.

Como brevemente adiantado, o Poder Soberano é uno e indivisível, de sorte que, em rigor, nem seria possível se falar em separação de poderes, mas sim em distribuição de funções, num sistema de checks and balances. Essa distribuição é um princípio básico do Estado Democrático de Direito, feita pela própria Constituição e que deve ser respeitada, para que haja independência e harmonia entre os órgãos responsáveis pelas respectivas funções.

Nesse contexto, cabe ao Executivo a função de elaborar e por em prática os programas de governo, cabendo-lhe decidir quando e como praticar atos necessários à consecução desse fim, de modo a tomar decisões pautadas no denominado mérito administrativo, caracterizado pela oportunidade e conveniência para a prática dos referidos atos.

Contudo, ressalte-se que isso não significa dizer que o Poder Judiciário está impedido de apreciar os atos praticados para a consecução dos objetivos motivadores das decisões políticas tomadas pelo Executivo e Legislativo.

O que ocorre é que, para a preservação da independência e harmonia entre os Poderes da República, o julgamento, pelo Judiciário, circunscreve-se à parte correspondente à competência, forma e finalidade dos atos administrativos. Não lhe cabe ingressar no exame do já mencionado mérito do ato administrativo, ou, simplesmente, mérito administrativo, pois este, como visto, é examinado exclusivamente pelo Poder Executivo.

Aliás, a respeito, assim decidiu o Colendo Superior Tribunal de Justiça (STJ):

1) AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. OBRIGAÇÃO DE FAZER DO ESTADO. ARTIGO 2º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA SEPARAÇÃO DOS PODERES MATÉRIA EMINENTEMENTE CONSTITUCIONAL. IMPROPRIEDADE DA VIA ELEITA. 1. Fundando-se o acórdão recorrido em interpretação de matéria eminentemente constitucional, descabe a esta Corte examinar a questão, porquanto reverter o julgado significaria usurpar competência que, por expressa determinação da Carta Maior, pertence ao Colendo STF, e a competência traçada para este Eg. STJ restringe-se unicamente à uniformização da legislação infraconstitucional (Precedente do STJ: AgRg no Ag 886.291/PR, Segunda Turma, julgado em 14.08.2007, DJ 21.09.2007). 2. In casu, o thema iudicandum - ação civil imputando obrigação de fazer à Fazenda do Estado - configura matéria de índole eminentemente constitucional, sendo certo que o deslinde da controvérsia demanda a análise de princípios constitucionais, consoante se depreende do seguinte excerto do voto-condutor do acórdão recorrido: (...) O pleito de compelir a Administração Pública estadual a realizar obra de recuperação, restauração e conservação de estrada municipal não pode prevalecer pelos seguintes fatores. É mister a aplicação de um dos alicerces de nossa federação, o princípio da separação dos poderes, consoante disposição constitucional expressa, artigo 2º da Carta da República. Com fundamento na separação dos poderes da Federação, atendida a independência e harmonia entre os mesmos, o Poder Judiciário não poderá apreciar o mérito do ato administrativo, nem tampouco determinar a sua execução, pois a oportunidade e conveniência, são os trilhos que o administrador tem para traçar a sua gestão, sendo, portanto, indevida a intervenção. (fls. 770). 3. Agravo regimental desprovido. (grifos nossos)(AGRESP 200702390711, LUIZ FUX, STJ - PRIMEIRA TURMA, 03/09/2009)

2) ADMINISTRATIVO. PROCESSO CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. 1. O Ministério Público está legitimado para propor ação civil pública para proteger interesses coletivos. 2. Impossibilidade do juiz substituir a Administração Pública determinando que obras de infra-estrutura sejam realizadas em conjunto habitacional. Do mesmo modo, que desfaça construções já realizadas para atender projetos de proteção ao parcelamento do solo urbano. 3. Ao Poder Executivo cabe a conveniência e a oportunidade de realizar atos físicos de administração (construção de conjuntos habitacionais, etc.). O Judiciário não pode, sob o argumento de que está protegendo direitos coletivos, ordenar que tais realizações sejam consumadas. 4. As obrigações de fazer permitidas pela ação civil pública não têm força de quebrar a harmonia e independência dos Poderes. 5. O controle dos atos administrativos pelo Poder Judiciário está vinculado a perseguir a atuação do agente público em campo de obediência aos princípios da legalidade, da moralidade, da eficiência, da impessoalidade, da finalidade e, em algumas situações, o controle do mérito. 6. As atividades de realização dos fatos concretos pela administração depende de dotações orçamentárias prévias e do programa de prioridades estabelecidos pelo governante. Não cabe ao Poder Judiciário, portanto, determinar as obras que deve edificar, mesmo que seja para proteger o meio ambiente. 7. Recurso provido. (grifos nossos)(RESP 199800239553, JOSÉ DELGADO, STJ - PRIMEIRA TURMA, 21/09/1998)

A discricionariedade política e administrativa do Poder Executivo serve para que o Administrador Público analise detidamente as políticas públicas às quais está adstrito e aloque os recursos disponíveis, segundo a necessidade e urgência de cada ato, além de diversos fatos imprevistos corriqueiros, os quais demandam solução imediata.

Portanto, considerando o aparente conflito principiológico e a solução defendida por Alexy é de se proceder à atividade da ponderação, cabível aos princípios, à procura do já dito ponto ótimo ou “Ótimo de Pareto”, a conclusão que se tem é de que não merecem prosperar os pleitos de intervenção do Judiciário na atividade hodierna e ordinária da Administração-Executivo.

Sobre a autora
Graziele Mariete Buzanello

Graduada pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) (2002-2006). Pós-Graduada em Direito Tributário pela Universidade Anhanguera-Uniderp (Rede LFG) (2010). Pós Graduada em Direito Público pela Universidade de Brasília (UnB/CEAD) (2014). Procuradora Federal (desde 2007).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BUZANELLO, Graziele Mariete. A teoria de Alexy, o conflito de princípios e a separação de poderes – Análise teórica e casuística . Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3895, 1 mar. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/26288. Acesso em: 22 nov. 2024.

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