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A equalização fiscal

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6. A EQUALIZAÇÃO, A GUERRA FISCAL E A RENÚNCIA DE RECEITA

A redução das desigualdades regionais no Brasil e a equalização entre os entes subnacionais implica a efetivação do comando constitucional de cooperação entre os entes federativos. A solidariedade entre os entes subnacionais passa a ser considerada como um princípio orientador do federalismo.

A Constituição Federal de 1988, que prevê como um dos objetivos da República Federativa do Brasil a redução das desigualdades regionais, em seu art. 3º, III, indica a necessidade de modificação nas relações entre as pessoas políticas no que tange à arrecadação e transferência de tributos.

O reconhecimento da redução das desigualdades regionais como uma diretriz no ordenamento jurídico afirma a necessidade de implantação de processos de cooperação entre os entes federativos com vistas à diminuição de tais desigualdades, e conseqüente equalização entre as regiões. É importante que os centros de governo da União, Estados, Distrito Federal e Municípios colaborem na consecução dos objetivos de interesse comum, para conferir efetividade ao mandamento constitucional.

Contudo, o que se percebe na atualidade é que determinação contida no art. 3º, III, da Constituição Federal não é considerada na elaboração das políticas de desenvolvimento nacional e de transferências entre as regiões. Em verdade, após a Constituição Federal de 1988, procurou-se dar maior ênfase à autonomia e capacidade de arrecadação dos entes subnacionais, reduzindo-se, assim, o montante das transferências voluntárias realizadas pela União.

Como resultado disto, os entes subnacionais passaram a deter maior autonomia em relação à alocação de seus recursos e criação de programas voltados à industrialização e desenvolvimento regional, para conseguir suprir as carências oriundas da diminuição dos recursos antes transferidos pela União. Tais fatores, todavia, contribuíram para o aumento das desigualdades regionais e culminaram em uma política de competição entre os estados, agravada a ponto de resultar na chamada Guerra Fiscal.

Como afirmado, procurou-se conferir maior ênfase a capacidade arrecadatória dos entes federativos, o que reduziu as transferências voluntárias. A maior oneração dos Estados, Municípios e Distrito Federal, que deixaram de contar com alguns dos recursos repassados pela União, fez com que aquelas pessoas políticas necessitassem cada vez mais de investimentos privados para cumprir suas obrigações e garantir o crescimento econômico regional.

Logo, uma saída encontrada pelos Estados de menor arrecadação foi o aumento na concessão dos chamados benefícios ou incentivos fiscais, com vistas ao incremento de suas próprias economias por meio da renúncia de receita. Neste aspecto, um dos maiores fomentadores da disputa entre os estados é o ICMS, pois os benefícios de ICMS concedidos pelos estados têm como objetivo a atração de investimentos locais. Em que pese à possibilidade de crescimento e desenvolvimento social do ente, estes avanços não ocorrem de modo igualitário entre as regiões.

As federações canadense, alemã e australiana, que fazem partilha de recursos, seguem o mais indicado: possuem um IVA de competência tributária federal. Pelo caráter do IVA de tributar a “circulação” ou “movimentação” de bens e serviços dentro de um território, é extremamente complexa a atividade de atribuição de receita sobre o valor adicionado em cada ente federado. O caso brasileiro, cujo ICMS é de competência estadual, constitui-se uma exceção. 83

O imposto indireto incidente sobre a circulação de mercadorias é o ICMS84, de competência estadual, e nos demais países é o chamado IVA85 – Imposto sobre o valor adicionado, que é de competência da União.

Em nossa República Federativa, as competências tributárias dos Estados e Municípios são bem amplas e complexas. Na Federação brasileira um importante tributo, o ISS, é incidente sobre o setor de serviços e de competência municipal. Os municípios exercem a competência sobre este tributo com autonomia financeira e administrativa, conforme dispõe a Constituição Federal.

O valor agregado em cada transação comercial é base de cálculo utilizada nos mencionados impostos (tributação com base no imposto sobre o valor agregado ou adicionado – IVA). No Brasil, tributos como o Imposto sobre Produtos Industrializados - IPI e o Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal – ICMS, são baseados nesta técnica. O primeiro é seletivo e de competência federal, ao passo que o segundo é geral e de competência dos estados. O IVA é imposto amplo e de competência dos Governos centrais.

Nos países em que o mecanismo da equalização fiscal foi implantado os impostos sobre o valor agregado se caracterizam por serem indiretos, reais, plurifásicos e não-cumulativos. Dizem-se impostos indiretos por terem incidência econômica sobre o consumidor final; são reais porque não consideram as características pessoais do sujeito passivo; são definidos como plurifásicos e não-cumulativos vez que a cada fase de produção e comercialização dos bens há a incidência do tributo apenas sobre o valor adicionado na respectiva etapa, gerando débitos e créditos, de modo que o sujeito passivo recolhe somente a diferença entre ambos.

Os impostos sobre valor agregado incidem sobre fatos geradores que se desdobram em diversas fases, e do valor do tributo devido em cada fase se desconta o valor devido nas anteriores Ademais, para a correta caracterização do IVA é necessária a uniformidade de alíquotas nas hipóteses de incidência.

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O IVA, na maior parte dos países que o adota, é um imposto indireto, caracterizado por ter ampla incidência sobre a circulação de bens, serviços e processos de produção, com a carga tributária incidindo somente sobre o valor acrescido em cada etapa de produção ou comercialização, apresentando as características comuns, já mencionadas, ou seja, é indireto, real, plurifásico e não-cumulativo.

No Brasil, o imposto que mais se assemelha ao IVA é o ICMS, que possui as mesmas características86. O ICMS, consoante previsão constitucional e legal, é imposto de competência dos Estados-membros, e esta é a principal diferença em relação ao IVA. Na Federação brasileira, achou-se por bem delegar a competência para a instituição do principal imposto sobre circulação de mercadorias aos estados, o que reforça a autonomia político-econômica do ente. Todavia, a forma federativa não impede que a competência de um imposto como o ICMS seja delegada à União, como ocorre com o IVA em países como a Alemanha e o Canadá.

Uma particularidade da Federação brasileira reside na concessão de autonomia política, administrativa e financeira aos municípios, no que se difere das demais federações. Esta autonomia, que inclui a competência de instituir tributos e cobrá-los, fez com que no Brasil a hipótese de incidência do IVA fosse distribuída entre os entes federados, ficando o IPI com a União, os Estados e o Distrito Federal com o ICMS e os Municípios com o ISS.

A dinâmica do ICMS, que tem alíquotas diferentes nos 27 Estados e no Distrito Federal, sofre diversas críticas, tendo em vista que sua estrutura por vezes permite distorções como a guerra fiscal e a renúncia de receita. Nas operações interestaduais, o ICMS apresenta um sistema híbrido, sendo dividida entre a origem e o destino, principalmente a origem87.

A instituição de um IVA no Estado brasileiro requereria a fusão do IPI, do ICMS e do ISS, porém, uma alteração desta qualidade afetaria sobremaneira as competências tributárias, que foram definidas com base no princípio federativo. O Brasil é quem deverá adequar sua política fiscal de modo que seu imposto sobre o valor adicionado não seja incompatível com as premissas da equalização fiscal, o que seria mais simples adotando um IVA ao invés de impostos como o IPI e o ICMS. Como mencionado, a mudança do ICMS também é indicada para melhorar a estrutura tributária interna do país, eliminando problemas como a guerra fiscal entre os Estados e a renúncia de receita. Ademais, a alteração auxiliaria no processo de equalização fiscal no Brasil88.

A sistemática do IVA é eficiente tanto para uma equalização no âmbito fiscal interno do país quanto para a desejada harmonização com o mercado exterior, pois com a globalização e a diminuição das barreiras fronteiriças entre países, principalmente no que toca à economia, consumo e circulação de bens, a integração regional passou a ser considerada como um objetivo desejável para as economias dos países.

Destarte, a existência de uma “guerra fiscal” entre os entes subnacionais demonstra a ausência de uma política conjunta e orientada para a equalização na capacidade dos governos periféricos. É objetivo da República Federativa do Brasil que as diversas regiões nacionais, em relação a seus recursos, renda e fornecimento das necessidades básicas de seus habitantes, sejam o mais homogêneas possível. Logo, a diminuição das desigualdades entre as regiões almeja o alcance da equalização fiscal entre os entes federados.

Portanto, a implantação do modelo de equalização fiscal no Estado brasileiro iria representar uma alteração profunda do modelo atual de transferências entre os entes. O principal imposto nacional, o ICMS, tem no Brasil uma estrutura que o difere do tributo sobre a circulação de mercadoria dos demais países em que o modelo de equalização foi implantado. O sistema de transferências vigente acaba apresentando características de programas de auxílio, por não permitir um desenvolvimento autônomo e uma verdadeira equalização entre os entes federados. Diante disso, acredita-se que ainda falta à Federação brasileira um planejamento político de desenvolvimento nacional e, logo, um mecanismo que vise a extinguir de vez com as desigualdades regionais e sociais. O sistema da equalização fiscal surge como uma saída para a solução deste problema.

A equalização fiscal é um novo parâmetro a ser aplicado às transferências de receitas tributárias, pretendendo abrandar as desigualdades entre os entes, fortalecendo o princípio federativo e os direitos fundamentais dos cidadãos, consubstanciados na redistribuição de receitas. A equalização fiscal, compreendida como um sistema que busca reduzir as diferenças com respeito à capacidade de cada ente da federação de cumprir com suas responsabilidades financeiras, tem por finalidade oferecer um padrão igualitário no atendimento das necessidades de cada região do país.

O regime de equalização tem como objetivo a redução das demandas por maior descentralização no fornecimento de subsídios para os Estados e municípios. Com isto, busca solucionar as questões relativas às disparidades regionais, utilizando-se de mecanismo que emprega as transferências fiscais sem ultrapassar o mínimo necessário89. O sistema da equalização fiscal tem como fito, em última análise, garantir o direito fundamental ao desenvolvimento.


7. CONCLUSÃO

O presente artigo apresentou a temática da equalização fiscal em uma perspectiva voltada às necessidades sociais e econômicas do Estado brasileiro, e trabalhou a problemática do desenvolvimento, redução das desigualdades regionais, fortalecimento do pacto federativo por meio da cooperação entre os entes e transferências de receita.

Neste compasso, verificou-se que o objetivo de redução das desigualdades regionais requer a modificação nas relações entre os entes federativos no que tange à arrecadação e transferência de tributos. Logo, é imperativo que seja conferida eficácia ao mandamento constitucional de cooperação entre os entes (art. 3º, III, da Constituição Federal), de modo que estes se unam em um sistema cooperativo, e que este tenha como objetivo a redução das desigualdades até o ponto da equalização entre os entes.

Da análise, é notório que a ideia de justiça social que se extrai da Carta Magna requer que o país como um todo estabeleça políticas voltadas ao desenvolvimento. Para tanto, o Estado fiscal, no uso de suas atribuições, utiliza-se da tributação e transferência de receita, objetivando o desenvolvimento nacional com igualdade. Destarte, percebe-se que a Constituição Federal de 1988 admitiu uma renovação federativa com destaque na cooperação e solidariedade entre os entes e na superação das desigualdades regionais, para o alcance da equalização.


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Sobre a autora
Grace Osvaldina Pontes de Sousa Amanajás

Advogada e concluinte do curso de Pós Graduação em Constitucionalismo, Democracia e Direitos Humanos, da Universidade Federal do Pará.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

AMANAJÁS, Grace Osvaldina Pontes Sousa. A equalização fiscal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3969, 14 mai. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/28437. Acesso em: 5 nov. 2024.

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